quinta-feira, 31 de julho de 2014

N@ CAPA: Harrison Ford

Harrison Ford: ilustre aniversariante do mês de julho.

A capa do mês de julho foi uma coleção de faces icônicas de Harrison Ford pelo simples motivo que o ator fez aniversário no dia 13 de julho. Aos 72 anos ele pode não estar em alta, mas quem fez carreira a bordo de filmes celebrados e trilogias milionárias como Star Wars (1977/1980/1983) e Indiana Jones (1981/1984/1989) - e estou descaradamente esquecendo o quarto episódio lançado em 2008. Enquanto as pessoas especulam sobre uma repaginada na franquia de nosso amigo Indie (que pode contar com Bradley Cooper no lugar de Ford) e no mundo de Han Solo, Harrison pode se dar ao luxo de pagar mico em filmes como Cowboys & Aliens (2011) e aparecer em sua melhor forma em 42 - A História de Uma Lenda (2013) sem dar a mínima se as premiações esqueceram dele por completo. Ford tem apenas uma indicação ao Oscar em seu currículo (por A Testemunha/1985) e oficializou seu relacionamento com a atriz Calista Flockhart em 2010 depois de morarem debaixo do mesmo teto por vários anos. Da década de 1970 até o início do século XXI, Ford foi um dos maiores astros de Hollywood. 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Na Tela: A Recompensa

Jude: o mundo é feito de som e fúria!

Quando Jude Law começou a aparecer no cinema no início da década de 1990, era uma unanimidade de que era um dos atores mais belos de sua geração. Não demorou para o jovem ator inglês chegar em Hollywood e ser indicado ao Oscar de coadjuvante como o cobiçado egocêntrico Dickie Greenleaf de O Talentoso Ripley (1999), objeto de desejo e cobiça de Tom Ripley (vivido por Matt Damon). Embora seu talento fosse indiscutível, a beleza de um ator muitas vezes pode atrapalhar na condução de uma carreira. Jude escolhia papéis dramáticos que o desafiassem (e um até lhe rendeu outra indicação ao Oscar, dessa vez na categoria de ator principal por Cold Mountain/2003) e, vez por outra, passava por transformações físicas para que seu talento se sobreposse à estampa que Deus lhe deu (como em Estrada para Perdição/2002, Fúria/2009 e Contágio/2011), mas era visível que para não ser posto na posição de galã, Jude investia no exagero, tanto que ficou com a carreira numa espécie de ponto morto. Sua carreira tomou novo fôlego quando depois de encarnar o parceiro de Sherlock Holmes/2009, seu maior sucesso de bilheteria - mas que lhe garantiu participações pequenas em vários filmes. Seu maior destaque recente foi como o marido traído (e barbudo) de Anna Karenina (2012). Via-se que o ator não era o mesmo, o passar dos anos começavam a dar sinal e Jude estava mais confortável com as marcas de expressão e o cabelo que rareava aos poucos. Portanto, assistir sua atuação como Dom Hemingway nesse A Recompensa é o amálgama de tudo que Jude queria fazer numa tela, mas sempre lhe parecia impossível - pelo menos, até o momento. Todo o exagero que citei acima, aparece canalizado em um personagem estapafúrdio, que cospe sua fúria com palavrões e grosserias como se estivesse citando Shakespeare (basta ver a cena de abertura onde realiza uma ode inusitada à própria genitália), sem falar que o tempo deu ao ator a aparência certeira para viver o ex-presidiário que passou doze anos na cadeia por não entregar o cabeça do seu bando de assaltantes, Mr. Fontaine (Demian Bichir). No entanto, Fontaine sabe que tem uma dívida com o ex-parceiro, que o procura para receber a quantia de dinheiro que considera lhe ser de direito. Nessa busca pela grana, Hemingway  conta com a companhia de um amigo dos tempos idos, Dickie Black (Richard E. Grant) que é cool o suficiente para equilibrar a visão que Dom tem do mundo (uma lente sórdida muito peculiar - e em volume bastante alto) estaria no lugar certo se essa não fosse só a primeira parte do filme, já que existe uma segunda, anunciada num corte narrativo é quase um marco do humor negro. Ali, todo plano do protagonista vai por água abaixo e ele precisa enfrentar seu fantasma mais doloroso do passado: uma filha - Evelyn (Emilia Clarke). Cheia de ressentimentos, os encontros espinhosos dos personagens faz com que o resgate do relacionamento com Evelyn seja o mais importante para o protagonista nessa segunda parte.  É verdade que o diretor Richard Shepard (que antes dirigiu o divertido O Matador/2005 com Pierce Brosnan) não tem o traquejo necessário para lapidar essa mudança de foco brusca na narrativa, quando Hemingway cai em desgraça, sorte dele que Jude Law costura essas duas camadas distintas com bastante desenvoltura. Seu Dom Hemingway é um anti-herói irresistível! O ator consegue até que torçamos por ele nos momentos mais arriscados (como quando ele tenta arrombar um cofre da forma mais primitiva possível - numa das cenas mais tensamente hilárias do filme). Debaixo de todo humor negro A Recompensa é uma história marginal de redenção com algum charme e, além disso, mostra que Jude Law está maduro como ator, o suficiente para não deixar a essência do seu personagem desaparecer atrás de sua máscara de bad boy, trejeitos ou uma manobra arriscada da narrativa que o cerca. 

A Recompensa (Dom Hemingway/Reino Unido-2013) de Richard Shepard com Jude Law, Richard E. Grant, Emilia Clarke e Demian Bichir ☻☻☻

terça-feira, 29 de julho de 2014

Na tela: Hoje eu Quero Voltar Sozinho

Leo, Gab e Gi: sem fazer ideia que formam um triângulo amoroso.  

Houve uma época em que eu adorava assistir curtas metragens nacionais, um dos muitos que vi era sobre um adolescente cego que descobria-se apaixonado pelo garoto novo na escola. Só depois descobri que o curta era premiado e cultuado por muita gente, mesmo assim, eu continuava não achando nada demais no curta. O filme terminava quando os adolescentes começavam o romance e tinha uma amiga que ficava meio de lado na história... a vida de fazer curtas é complicada, já que o tempo limitado deixa a impressão que várias possibilidades a serem exploradas naquele universo ficaram de lado. Por isso mesmo, o cineasta Daniel Ribeiro não deve ter se contentado com aquela mostra do que tinha em mãos e realizou a versão ampliada do curta Hoje eu não quero voltar sozinho, que virou o longa Hoje eu quero voltar sozinho. Com o mesmo elenco do curta, Ribeiro amplia as possibilidades de sua história, mas tem o bom senso de manter seu foco na descoberta de Leonardo (Guilherme Lobo) sobre sua sexualidade. Sem apelar para baixarias, vulgaridades ou sexo explícito, Daniel Ribeiro está preocupado no desenvolvimento dos seus personagens que ainda estão descobrindo quem são de verdade. Os dilemas da adolescência, o jorro de hormônios acoplado à insegurança, a relação com os pais e amigos parece ampliada quando descobrimos que Leonardo é cego. Ele está crescendo, mas sua situação torna ainda mais difícil que as pessoas percebam que ele quer ser independente, descobrir uma forma de conduzir sua própria vida. Isso aparece quando ele pensa em fazer intercâmbio e ir para outro país, outro lugar, onde ninguém o conheça e possa ter até outra personalidade. Embora seus pais sejam bem intencionados, Leonardo cresce sufocado pelo excesso de cuidados, inclusive da amiga Giovana (Tess Amorim) que nutre por ele uma paixão platônica nunca percebida pelos olhares e sorrisos jamais vistos pelo seu amigo. Se diante do universo que gira em torno de Leo começa a haver um desequilíbrio (provocado pelo próprio personagem), o desequilíbrio ganha novo impulso quando a escola recebe Gabriel (Fábio Audi), que torna-se próximo do casal de amigos e cada vez mais de Leonardo (para ciúme de Giovana). O roteiro desenvolve as relações entre o trio adolescente sem pressa, demonstrando em pequenos gestos a intensidade da relação que cresce gradativamente. Apresentados como pessoas comuns, os personagens vão aos poucos sendo delineados pelas atuações e termina no encontro com o curta lançado em 2010 de forma coerente com as intenções do autor: contar uma história de amor. Nesse ponto, é interessante a opção de ter um protagonista cego, mostrando outras nuances sobre a percepção da sexualidade envolvendo a afetividade e a atração física como algo para além da aparência. Porém, senti falta do posicionamento dos pais com relação ao desfecho, talvez o diretor saiba que estragaria o sabor adocicado de seu final com novas problemáticas. O filme ganhou dois prêmios no Festival de Berlim em 2014 (o da crítica e o Teddy Bear - voltado para o público GLBT) e existe uma petição liderada por Martha Suplicy para o filme ser o indicado a concorrer uma vaga no Oscar de filme estrangeiro em 2015 - e sim, ele tem chances, já que o filme coleciona prêmios em todos os festivais em que foi exibido. Se acontecer, será o nosso melhor candidato há tempos. 

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (Brasil/2014) de Daniel Ribeiro com Guilherme Lobo, Fábio Audi, Tess Amorim e Eucir de Souza. ☻☻☻☻

Na Tela: O Homem Duplicado

Gyllenhaal e Gyllenhaal: "O Caos é ordem a ser decifrada"

Nunca imaginei que José Saramago (1922-2010) fizesse tanto sucesso pelas bandas do Canadá. O escritor português, ganhador do Nobel de Literatura em 1998, já rendeu dois longas de língua inglesa idealizados por produtores canadenses. O primeiro foi Ensaio Sobre a Cegueira (2008) dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e o segundo foi o recente O Homem Duplicado, dirigido pelo canadense (cada vez mais interessante) Denis Villeneuve. Quem conheceu Villeneuve com o ótimo drama circular Incêndios (2010) ou com o suspense Suspeitos (2013) irá se surpreender com o que ele faz com um dos livros menos queridos de Saramago. Lembro que quando o romance foi lançado, muita gente torceu o nariz por não enxergar em O Homem Duplicado as intenções do escritor sendo atingidas. Reclamavam da falta de humor ou suspense, não se empolgaram com o protagonista e usavam comparações com o clássico O Duplo de Dostoiévsky (que acaba de receber uma versão moderna com Jesse Eisenberg). Mesmo para quem desanimou com o livro, vale a pena conferir o que o roteiro assinado por Javier Gullón virou nas mãos do cineasta. O Homem Duplicado é um filme estranho que evoca diretamente outro diretor canadense que gosta de brincar com as percepções da plateia,  David Cronenberg (talvez por ele ter feito Gêmeos, Mórbida Semelhança/1988). Alguns poderão reclamar da frieza dos personagens e dos planos lentos embalados pelo tom amarelo da fotografia, mas outros irão perceber que Villeneuve é hipnótico na condução do encontro do professor de História, Adam (Jake Gyllenhall) com o ator Anthony St. Claire (Jake Gyllenhaal). Até que o encontro aconteça, o roteiro solta pistas do que está por vir. Afinal, são nas aulas simetricamente repetitivas de Adam (um nome que por si só evoca a criação do homem) que somos instigados na conjunção de "pão e circo", no uso da censura por governos totalitários para conter a imaginação das pessoas, além de frases como "tudo é cópia de uma outra coisa, mas a primeira versão é a tragédia, já a segunda, uma farsa". Existe uma certa monotonia no cotidiano de Adam, algo que contamina até seu relacionamento com a namorada, Mary (Mélanie Laurent). São nesses momentos que o roteiro nos prepara para o destino de Adam, que nem curte cinema, aceitar a sugestão de um amigo (que surge do nada e vai para o lugar algum na trama) para assistir um filme comum, mas no qual Adam encontra seu sósia entre os atores. Embora semelhante fisicamente, o ator Anthony é o oposto de Adam. Como um reflexo de caráter distorcido, o personagem parece não levar nada muito a sério, inclusive o casamento com a esposa grávida, Helen (Sarah Gadon). O impacto da descoberta de um sobre a vida do outro gera em Adam o efeito de novas possibilidades, tanto que experimenta ser o outro de forma até inofensiva. Mas quando Anthony pretende fazer o mesmo, o conflito moral entre os personagens funciona como o espelho de como uma mesma ação pode envolver sentimentos diferentes. Embora exista doses de suspense, Villeneuve parece interessado em questionar a construção da identidade desses dois personagens, onde começa Adam e termina o Anthony, onde se misturam e se perdem na vida um do outro. O resultado é instigante, mas nada se compara à sensação provocada pelo final do filme, onde o espectador percebe que estava diante da construção de um enigma muito maior. Há quem interprete como uma versão disfarçada de "Os Invasores de Corpos", para isso, o roteirista utiliza referências de outra obra de Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, onde os fascistas e seus aliados eram apresentados como aranhas tecendo suas ações. Nesse ponto, a aranha que aparece no início pode se relacionar com o emaranhado de caminhos dos fios dos bondes, com o efeito de uma aranha gigante sobre a cidade, de um vidro quebrado em forma de teia, de frases,aqui e ali até a enigmática última cena. Neste ponto, O Homem Duplicado distancia-se do drama de suspense e se transforma num filme de terror, onde o risco é matar a si mesmo. 

O Homem Duplicado (Enemy/Canadá-2013) de Dennis Villeneuve com Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon, Isabella Rossellini e Josh Peace. ☻☻☻

DVD: Trapaça

Amy, Bradley, Renner, Bale e J.Law: um "Scorsese" deliciosamente Light!

Como bom diretor originário do cinema independente, David O. Russell sabe que os personagens nas mãos dos atores certos pode fazer uma grande diferença no resultado de um filme. A coisa complicava porque o diretor costumava ter atrito com seus atores (ainda hoje todo mundo gosta de lembrar dos berros com a veterana Lilly Tomlin nos bastidores de Huckabees/2004), mas isso é passado. Seus últimos três filmes foram cobertos de indicações ao Oscar, começando com O Vencedor/2010 passando por O Lado Bom da Vida/2012 e chegando no esperto Trapaça/2013 - que mescla atores consagrados nos filmes citados anteriormente, ou seja, depois de um passado conturbado com o elenco, o diretor já criou até uma patotinha! Patotinha, não! Uma senhora patota! Afinal, foi graças a O Vencedor que Christian Bale recebeu sua primeira indicação ao Oscar (e levou para casa o prêmio de coadjuvante), pelo mesmo filme Amy Adams foi indicada ao prêmio de atriz coadjuvante (mas perdeu para sua então colega de elenco Melissa Leo). Ano passado foi a vez de Jennifer Lawrence levar o prêmio de atriz por O Lado Bom da Vida enquanto seu parceiro de cena, Bradley Cooper foi indicado ao prêmio de ator. Por isso mesmo é curioso que esse quarteto estelar consiga novas indicações ao Oscar (e em várias outras premiações) por essa nova parceria com Russell (mas Jennifer e Amy tiveram que se contentar com seus Globos de Ouro de coadjuvante e atriz de comédia e os meninos nem isso). Para além do trabalho com os atores, Russell aqui demonstra um domínio cênico impressionante. A iluminação, a trilha sonora, os figurinos, cabelos (ou perucas), a direção de arte e o ritmo frenético criam uma narrativa que empolga mais do que a sinopse pode supor. Afinal, trata-se de uma história de trapaças, armada com vigaristas profissionais (não estou falando de políticos), políticos (agora sim) e agentes do FBI. David O. Russell não teve pudores em mencionar em entrevistas que seu filme era uma homenagem aos filmes de Scorsese (e isso bastou para pipocar comparações entre o universo Scorsesiano com Trapaça), mas devo dizer que não lembro de Scorsese fazendo um filme como esse (e nem adianta mencionar O Lobo de Wall Street/2013 que Russell não teria como prever o formato do último filme de Scorsese - e se previa, não deve estar nem aí para as comparações). Acho que o Russell se referia à visão um tanto turva que temos dos personagens, de forma que não conseguimos identificar mocinhos e vilões, apenas sujeitos levados por circunstâncias que se complicam cada vez mais. Mas existe uma diferença crucial entre o universo dos dois diretores: a violência. Trapaça é quase um filme infantil se comparado aos maiores clássicos de Scorsese. Deixando as comparações de lado, Trapaça diz-se inspirado em fatos reais (e essa deve ser a primeira piada), ao contar a história da dupla de golpistas Irving Rosenfeld (um Christian Bale bregão) e Sydney Prosser (Amy Adams, surpreendentemente sexy) que são verdadeiros profissionais no ramo. Num desses golpes eles acabam cruzando o caminho do agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper, de cachinhos) que utiliza a prisão de Sydney para contar com a colaboração do casal numa operação para descobrir sujeiras políticas. Seu alvo é um político de bom coração de  Nova Jersey, Carmine Polito (Jeremy Renner, num papel que parece feito para Mark Wahlberg, o amigo de Russell que ficou de fora da brincadeira) que hesita cair em tentação, mas ao tornar-se amigo de Irving coloca sua carreira em risco - principalmente ao apresentar ao sedento por fama Richie DiMaso um grupo de políticos metidos em investimentos ilícitos. Nessa confusão aparece a esposa maluquete de Irving, Rosalyn (uma hilária Jennifer Lawrence numa atuação menos contida do que nos acostumamos a vê-la) e um flerte inevitável entre Richie e Sydney. No meio de disfarces, escutas e malas cheias de dinheiro, começamos a questionar toda aquela operação e nos perguntamos quem está trapaceando mais nessa história toda, os vigaristas? Os políticos? O FBI? No desfecho os personagens tem seus dilemas a enfrentar e o final deixa aquele gosto de quero mais. Apesar de ter saído da cerimonia do Oscar sem estatueta alguma, Trapaça é uma das comédias mais espertas dos últimos anos e mostra-se um banquete para os olhos e ouvidos. Russell é um cozinheiro de mão cheia!

Trapaça (American Hustle/EUA-2013) de David O. Russell com Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper, Jeremy Renner e Robert DeNiro. ☻☻☻☻

sábado, 26 de julho de 2014

DVD: Clube de Compras Dallas

McConnaghey: quanto vale vinte e dois quilos a memos?

Clube de Compras Dallas foi a grande surpresa no Oscar desse ano, não por conta dos prêmios de melhor ator (Matthew McCounaghey) e ator coadjuvante (Jared Leto) que já eram considerados verdadeiras barbadas, mas por ganhar ainda o prêmio de Melhor Maquiagem, uma indicação na categoria principal de Melhor Filme e outra na categoria montagem (realizada pelo próprio diretor, Jean Marc Vallée e o parceiro Martin Pensa), nada mal para um filme de baixo orçamento (suados cinco milhões e quinhentos mil dólares) e produção atribulada desde que começaram as filmagens. É duro fazer um filme independente com um tema espinhoso ambientado nos anos iniciais da AIDS, mas existe algo de fabuloso em ver esse filme ganhar os holofotes. Clube de Compras Dallas começa bem ao centrar sua câmera em Ron Woodroof (McCounaghey), personagem real, cowboy de rodeios e promíscuo que leva um susto quando descobre que a AIDS não é uma doença apenas de homossexuais. Não podemos esquecer que em 1985, a doença ainda era conhecida como Peste Gay ou Câncer Gay, antes de começar a ser associada a prostitutas e usuários de drogas injetáveis. Em Dallas, Ron vive num mundo que ainda tentava aprender sobre a doença, com muitos tropeços e quase nenhum acerto. Ron é um personagem interessantíssimo, sua postura pouco nobre (e homofóbica) já deixa claro que trata-se de um anti-herói - o que nos faz sentir aliviados por não ser um filme edificante ou melodramático (como The Normal Heart da HBO), pelo contrário, é deliciosamente cru, com sua fotografia granulada e escura em diversas cenas. Vallée confere ao seu protagonista uma jornada angustiante rumo à morte inevitável que se aproxima cada vez mais - e nessa tarefa o talento redivivo de McConnaghey cai como uma luva após anos adormecido em comédias românticas. É preciso reconhecer que para um sujeito famoso pelo físico atlético, é preciso despir-se de toda a vaidade para emagrecer vinte e dois quilos para encarnar as marcas físicas da doença, mas ainda assim, sua atuação transborda energia. Ainda que seu aspecto físico seja frágil, em vários momentos, Ron parece uma rocha difícil de derrubar. O que faz o personagem ser tão forte é o seu envolvimento com a compra ilegal de remédios utilizados para tratar a doença. Ele começa subornando um funcionário do hospital para conseguir doses de AZT quando o medicamento ainda estava em fase de testes, mas quando a coisa complica - e seu organismo fica mais debilitado - ele procura drogas alternativas capazes de fazer com que seu organismo possa conviver com os efeitos do HIV. No contato com esses remédios, ele cria o clube do título, que cobra quatrocentos dólares aos seus sócios soropositivos para que tenham acesso aos remédios contrabandeados por ele mesmo para solo americano. Nessa empreitada ele conta com a ajuda de Rayon (Jared Leto), uma transexual luminosa, que como ele, sofre com os efeitos da doença e procura outros refúgios para seu estado de espírito. Existe uma química irresistível entre os dois personagens, se McConaghey tempera Ron com alguma grosseria, Jared injeta um certo glamour decadente à Rayon que confere um equilíbrio quase cômico em vários momentos. Com uma dupla de personagens tão interessantes metidos em contravenção, sobra pouco espaço para a doutora certinha Eve (Jennifer Garner) que tenta lidar com alguns dos primeiros pacientes a utilizar o AZT. Em sua primeira parte, quando se concentra nas desventuras de Rayon e Ron o filme funciona que é uma beleza, quando começa a deixar a dupla em segundo plano para condenar a indústria de medicamentos a coisa começa a ficar cansativa em seu discurso ingenuamente panfletário. No entanto, mesmo perdendo ritmo em sua metade final, Clube de Compras Dallas surpreende ao lidar com sinceridade perante um assunto pouco abordado no cinema atual. 

Jared: debaixo dessa maquiagem bate um coração. 

Clube de Compras Dallas (Dallas Buyer's Club/EUA-2013) de Jean Marc Vallée com Matthew McCounaghey ☻☻☻

DVD: O Cavaleiro Solitário

Hammer e Tonto: aventura despretensiosa em orçamento inchado. 

Evitei assistir a O Cavaleiro Solitário depois de todas as críticas ruins que recebeu. O filme, preparado pela Disney para faturar alto nas bilheterias do verão americano amargou uma bilheteria pífia na terra do Tio Sam e críticas sofríveis por onde passou. Vi o filme dia desses e para minha surpresa... gostei bastante. Obviamente que a baixa expectativa diante dessa versão para a telona do personagem (que teve origem no rádio da década de 1930 e chegou à TV pela CBS na década de 1960) ajudou bastante, mas, levando em consideração que é um filme de Gore Verbinski (mentor da franquia Piratas do Caribe/2003 e oscarizado pelo faroeste fabular Rango/2011) o filme é exatamente do jeito que eu imaginava: fantasioso demais para ser levado a sério, movimentado, divertido, ou seja, um bom passatempo. É verdade que brincar com o universo do faroeste numa roupagem feita para agradar todos os públicos sempre vai encontrar problema na violência de vilões sórdidos de um gênero em que matar índios era o papel dos mocinhos. A violência num filme com a franquia Disney não é bem vista e isso pode ter prejudicado o filme, mas acho que o maior problema é que Hollywood não aprendeu que gastar alto num filme não é sinônimo de sucesso. O Cavaleiro Solitário custou 215 milhões de dólares, mais do que muitos filmes de pequeno orçamento irão fazer ao redor do mundo, e ainda assim, serão considerados um sucesso. Pela lógica lucrativa de Hollywood, para fazer bonito, o filme deveria esbarrar no bilhão de dólares (coisa que seu astro Johny Depp já conseguiu algumas vezes), mas não lembro de nenhum filme com ares de bang-bang que tenha chegado tão longe, não importa se era sério ou uma brincadeira. Talvez, por que não importe o quão divertido o filme seja, existe um estigma sobre o gênero (ainda que aborde um personagem próprio das mais ingênuas matinês). Talvez, por enxergar além dos estigmas, Quentin Tarantino (que adora  liquidificar gêneros - inclusive o faroeste em Django Livre/2012) tenha considerado O Cavaleiro Solitário um dos melhores filmes do ano passado. O filme conta a história de John Reid (Armie Hammer que continua investindo no tom cômico de seus personagens), jovem advogado que acaba de chegar em sua cidade natal no ano de 1930 após se formar em direito. John é irmão do xerife da cidade, Dan Reid (James Badge Dale) que casou com o grande amor de John, Rebecca (a interessante Ruth Wilson) e tem um filho. Enquanto viaja de trem para a cidade natal, o trem sofre com a ação de bandidos que querem libertar o sanguinário Butch Cavendish (William Fichtner) que encontra-se acorrentado ao índio comanche Tonto (Johny Depp). Esse é o início da aventura de John que, após uma emboscada, terá somente índio Tonto como companhia para encontrar os vilões do filme. Para isso, usará uma máscara e um cavalo branco "espiritual", famoso pelo "Hy-ioooo Silver!". Existem outros detalhes na história, como a ferrovia idealizada por Latham Cole (Tom Wilkinson) e a ameaça de índios que ameaçam a população próxima dela, assim como alguns desentendimentos entre a dupla improvável formada por John e Tonto. Mas o interesse da plateia está mesmo no tom engraçado impresso por Depp às frases de Tonto (apesar do nome parecer pejorativo, esse é o nome original do personagem - que alguns países de língua latina chamam de Toro para evitar polêmicas), sempre com um estranho corvo morto sobre a cabeça, que às vezes parece tomar vida. O maior problema da produção é a duração, são duas horas e meia de filme, com muitas cenas delirantes de ação que beiram o inexplicável diante de uma história tão simplista. Acho que hora e meia já estaria de bom tamanho, mas a pretensão dos produtores foi maior que da história. No entanto, quem curte cenas de aventura não deve reclamar. Verbinski se diverte fazendo uma versão de carne e osso de seu melhor filme (a animação Rango, que era uma homenagem ao gênero) e até encontra um lugar para encaixar Helena Bonhan Carter (que pode confundir alguns expectadores, achando que Tim Burton tem algo a ver com isso) em uma participação especial. Muito humor e cenas de ação desmioladas não foram capazes de fazer o filme um sucesso, mas seria maldade dizer que ele não funciona dentro de sua própria lógica - que pode até causar algum estranhamento. O filme concorreu a dois Oscars (efeitos especiais e Maquiagem & Hairstyling) para tentar tirar o gosto de vexame, mas eu toparia ver uma continuação dessa aventura sem esforço.   

O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger/EUA-2013) de Gore Verbinski com Armie Hammer,  Johnny Depp, William Fichtner, Helena Bonhan Carter e Tom Wilkinson. ☻☻☻

terça-feira, 22 de julho de 2014

Na Tela: O Grande Hotel Budapeste

Gustave e Zero: um consierge e seu protegido aprendiz. 

O cineasta americano Wes Anderson sempre foi associado a um grupo restrito de fãs que curtem seus filmes de visual e humor bastante peculiares, sendo assim, houve grande surpresa quando O Grande Hotel Budapeste teve sua bilheteria engordando pouco a pouco e se tornando uma das grandes surpresas da bilheteria do primeiro semestre nos cinemas americanos (e o mais rentável do diretor). Ganhador do Prêmio do Júri no Festival de Berlim (ou Urso de Prata - que corresponde ao segundo lugar da mostra competitiva), o longa metragem repete a maestria do diretor em lidar com seus personagens curiosos e o visual irrepreensível de sempre, no entanto, o longa traz novos elementos à filmografia do diretor, o que pode surpreender alguns. Trata-se da primeira vez que o diretor narra uma história com o pé fincado em fatos históricos, no caso, o período entre guerras vivenciado na Europa. Ambientado em 1932, o protagonista é o lendário consierge M. Gustave (Ralph Fiennes) que zela pela reputação do Hotel Budapeste em Zubrowka, uma república fictícia nos alpes europeus -  mas de perceptível influência soviética no pós-guerra. Antes de auxiliar o lobby boy Zero (Tony Revolori), a tarefa de Gustave é fazer com que tudo aconteça na mais sublime perfeição no Hotel - e isso inclui o atendimento preferencial às ricaças carentes e louras que (dizem) se hospedam no hotel para reencontrá-lo. Uma de suas hóspedes favoritas é Madame D. (Tilda Swinton debaixo de pesada maquiagem e, ainda assim, expressiva), que por um golpe do destino, morre de causas misteriosas. Entre as idas e vindas de um testamento cheio de remendos (e herdeiros), ela deixou para Gustave um quadro de valor inestimável (que ele leva para si sem maiores cerimônias antes do recomendado). Obviamente que tendo em vista o filho de Madame D, o ambicioso Dmitri (Adrien Brody), as coisas não serão fáceis, especialmente com a carranca de seu lacaio sanguinário vivido por Willem Dafoe. É notável como Wes Anderson insere violência e insinuações sexuais num universo que parecíamos conhecer tão bem. Para realizar a tarefa, o diretor utiliza como referência as comédias de Ernst Lubitsch (1892-1947), que utilizava diálogos pomposos para disfarçar o que seus personagens tinham de mais ofensivo, nesse quesito, a fleuma de Ralph Fiennes cai como uma luva num personagem que considera-se elegante, mas que fala palavrões e poderia ser facilmente confundido com um aproveitador de velhinhas ricas. Isso só aumenta o prazer de ver Fiennes degustar um papel desses depois de tanto tempo sendo coadjuvante - geralmente com ares vilanescos. A atuação de Fiennes é excepcional, mas, embora ele seja a alma do filme, seria uma injustiça com o elenco se lhe creditasse toda a graça do filme. Tony Revolori está perfeito como Zero, assim como seu par Saoirse Ronan (como a confeiteira Ágatha) - que juntos  irão ajudar Gustave a fugir das enrascadas em que se meteu. Além do trio de novatos no universo de Wes, o diretor coloca vários de seus atores favoritos em participações mais que especiais Jason Schwartzman, Owen Wilson, Bill Murray, Jeff Goldblum e Edward Norton tem bons momentos em cena. Ciente de que cada cena é capaz de definir um personagem e de que a cenografia faz toda a diferença ao demarcar as bordas de seu universo, Grande Hotel Budapeste tem fôlego para resistir na lembrança para a temporada de prêmios e mostra que, ao investir em novas tonalidades de narrativa, o universo de seu diretor está em ampla expansão criativa.

O Grande Hotel Budapeste (The Great Budapest Hotel/EUA-2014) de Wes Anderson com Ralph Fiennes, Tony Revolori, Adrien Brody, Willem Dafoe, Saoirse Ronan, Tilda Swinton, Jeff Goldblum e Owen Wilson. ☻☻☻☻

domingo, 20 de julho de 2014

DVD: Submarino

Oliver e Jordana: o amor adolescente e a realidade. 

Submarino é um desses filmes independentes modestos inesquecíveis que passa em branco nos cinemas. Eu mesmo não sabia que entrou em cartaz no Brasil em 2011 e, como eu, acho que pouca gente reparou. Depois de ouvir comentários frequentes sobre as qualidades do filme, torna-se inevitável querer conferir essa empreitada produzida por Ben Stiller. A trama acompanha Oliver Tate (Craig Roberts), um rapazinho de quinze anos que gostaria que sua vida fosse seguida por uma câmera (e o "orçamento permitiria somente um zoom") que vigia a vida sexual de seus pais através da intensidade da luz do quarto. Pouco popular, Oliver está prestes a viver o seu primeiro grande amor. O amor aparece na pele de Jordana Bever (Yasmin Page), menina pouco convencional, que se tornará a primeira namorada do mocinho. Apesar de ambos terem regras bem claras sobre o relacionamento (que inclui não se envolver emocionalmente, por considerar algo muito "gay"), entre tardes na praia e brincar de queimar os pelos da perna, o romance dos dois é mostrado com muita graça pelo diretor Richard Ayoade. Se o mundo fosse somente de Oliver e Jordana ele seria perfeito, mas tem os colegas que ficam pegando no pé do casal, além dos problemas vividos no relacionamento de Sr e Srª Tate (vividos por Noah Taylor e Sally Hawkins)  com a chegada de um novo vizinho (Paddy Considine) - que Oliver acredita ser um ninja disfarçado. A apresentação dos personagens é um episódio à parte, especialmente na conversa do Sr. Tate sobre o fundo do mar (o mar é um elemento muito presente no filme, mesmo quando está em casa, Oliver está sempre perto do aquário, como se a ideia da imensidão sempre estivesse presente entre a aflição e a atração) e as neuroses da Srª Tate com a saúde do seu filho, afinal, sempre que ele chega tarde em casa ela fica aliviada em saber que ele não se afogou ou foi assassinado (sem contar que ela leu um desses manuais sobre adolescentes e tenta entender o filho dentro de uma quantidade respeitável de características manipuladas pelo próprio Oliver). Mas Submarino em toda a sua originalidade é sobre o encontro das fantasias da adolescência se chocando com a realidade, já que todos os sentimentos idílicos que Jordana e Oliver sentem um pelo outro começa a sofrer com a suspeita de adultério no casal Tate e a doença da mãe de Jordana. Nesse contexto, o sentimento entre os dois ganham novas nuances e o tempo ganha um significado diferente na relação. É visível que Oliver quer uma brecha no tempo para que tudo se resolva e volte a ser como era antes, mas ele descobrirá que isso é impossível. Nesse momento em que o universo entra em crise, Ayoade encontra dificuldade para não perder o carisma que seu filme criou na parte inicial, mas ele tem plena consciência que um final fofo pode salvar qualquer deslize nesse quesito. No bom elenco o destaque fica por conta de Craig Roberts, excepcional na pele de um desses personagens inesquecíveis que lembraremos por muito tempo, seu Oliver Tate é adoravelmente adolescente em todas as suas qualidades e defeitos, um desses sujeitos que merecia uma série de filmes para acompanharmos seu desenvolvimento enquanto personagem - afinal, alguém mais poderia dizer "Querida Jordana, você é a única que eu autorizaria a ser encolhida para um tamanho microscópio e nadar dentro de mim num minúsculo submarino" e não parecer ridículo? Acho que não. Alguns podem reclamar que a linguagem do cineasta parece demais com  a do americano Wes Anderson - a atmosfera cool, a trilha sonora (magnífica assinada por Alex Turner do Artic Monkeys), o flerte do humor com a melancolia e até a narrativa episódica, mas acho que Wes foi apenas uma referência bem escolhida para o projeto (já que no novo filme de Ayoade, o aguardado The Double/2014 com Jesse Eisenberg, a coisa será bem diferente). No entanto, ainda acho um engano imaginar que o título faz referência à frase sobre miniaturas ou comentários sobre armamentos que aparece na metade do filme, pode ser uma referência à célebre frase sobre a semelhança entre romances e submarinos (ambos são feitos para afundar) ou apenas a dica de que Oliver é o próprio submarino diante do mar formado por suas expectativas infinitas. 

Submarino (Submarine/Reino Unido-2010) de Richard Ayoade com Craig Roberts, Yasmin Paige, Sally Hawkins, Noah Taylor e Paddy Considine. ☻☻☻☻

sábado, 19 de julho de 2014

DVD: O Quarteto

Courtenay, Smith, Collins e Connolly: talento não se aposenta.

Eu poderia fazer uma lista com dez filmes antológicos protagonizados por Dustin Hoffman e ainda iria faltar alguns. Não é novidade que o cinema tem maltratado um dos seus melhores atores ao não oferecer-lhe um papel à altura do seu talento há muito tempo. Reduzido à coadjuvante em alguns filmes de sucesso e dublador do Mestre Shifu em Kung-Fu Panda (2008), o melhor de Hoffman ficou no passado. Portanto, não deixa de ser curioso que depois de mais de cinquenta anos de carreira (isso mesmo, ele começou a atuar em 1961 em programas de TV), o ator tenha passado para o outro lado das câmeras. Na verdade essa é sua segunda tentativa, já que em 1978 tentou fazer sua estreia com  o drama criminal Liberdade Condicional (que terminou assinado por Ulu Grosbard, porque o ator considerou complicado demais a experiência).  Em 2012, Hoffman, resolveu filmar uma versão da peça de Ronald Harwood sobre um quarteto de veteranos do canto lírico que se encontra num abrigo para artistas idosos, que encontra-se sob ameaça de fechar as portas. Obviamente que podemos enxergar o motivo de identificação do diretor com essa história, já que estamos falando de pessoas talentosas, que ficaram esquecidas e que, naquele pequeno universo paralelo, sentem a segurança de ser reconhecidos. Além de oferecer cursos para os interessados em música, a instituição ainda organiza eventos para receber doações e satisfazer a necessidade desses artistas provarem que o tempo não abalou o talento de outros tempos. É nesse contexto que conhecemos o falastrão Wilf (Billy Connolly) e seu amigo contido Regginald (Tom Courtenay), os dois são figuras absolutamente opostas no asilo. Acompanhando os dois amigos está a elétrica Cissy (Pauline Collins), fiel escudeira nas pendengas entre os dois. A estabilidade na instituição começa a ser abalada quando entra em cena a diva temperamental Jean Horton (Maggie Smith), que junto com os outros três formava um famoso quarteto vocal. Além das lembranças do tempo de fama, os personagens ainda terão que lidar com a dor de cotovelo de Reg, que tem um mal resolvido relacionamento com Jean. Embora o filme seja simpático, com bela fotografia e locações, Hoffman tem dificuldade de criar uma narrativa envolvente, enfrentando alguns problemas de ritmo pelo caminho. Sendo assim, cabe à química entre Maggie e Tom a responsabilidade de carregar o filme nas costas. Todo mundo sabe que Maggie Smith é uma grande atriz (com dois Oscars na estante e outras quatro indicações), prestes a completar oitenta anos (em 28 de dezembro), ela gravou o filme entre as gravações do seriado Downton Abbey, construindo uma personagem que aos poucos enfrenta seus problemas com o passado, inclusive com a própria fama  - o que lhe gera um certo medo de manchar uma carreira ímpar como cantora lírica. Embora sua reconciliação com Reggie seja um tanto apressada, o romance entre os dois é mostrado com muito carinho. Embora não seja brilhante em sua estreia, Dustin Hoffman demonstra sensibilidade ao contar essa história de tom acentuadamente inglês. Embora voltado para um público alvo bastante específico (os maduros de gosto musical mais sofisticado), o filme é agradável de se assistir e tem alguns momentos engraçados. A estreia do ator na direção não compromete sua carreira, mas eu ainda prefiro que Hoffman volte a ter destaque como o excelente ator que é. Preste atenção no elenco de coadjuvantes de luxo - que é apresentado nos créditos como alguns dos maiores nomes do teatro inglês. No fim das contas o filme é uma homenagem ao talento desses veteranos. 

Quarteto (Quartet/Reino Unido - 2013) de Dustin Hoffman com Maggie Smith, Tom Courtenay, Billy Connolly e Pauline Collins. ☻☻☻

CATÁLOGO: Melinda & Melinda

Radha Mitchell: a Melinda cômica...

Existem vários filmes na carreira de Woody Allen que busca a junção perfeita entre drama e comédia, mas nenhum deles foi mais explícito nessa ideia do que Melinda & Melinda. Lançado em 2004, quando os filmes do cineasta andavam em baixa com a crítica, o filme acabou chamando atenção somente daqueles que ainda confiavam na criatividade do diretor. Subestimado, Melinda & Melinda é um belo trabalho, uma vez que aproveita as situações em torno de sua protagonista, Melinda (a bela e boa atriz Radha Mitchell) para mostrar que drama e comédia estão mais próximos do que imaginamos. Tendo início em uma mesa de restaurante, onde amigos discutem as diferenças entre comédia e drama a partir de um acontecimento conhecido, o filme parte da tese que os dois gêneros dependem da linguagem com que se conta um determinado fato. Sendo assim, com pequenas alterações, acompanhamos uma Melinda que vê em sua tentativa de suicídio um recomeço cheio de esperança e outra Melinda cujo a tentativa de suicídio é apenas mais uma etapa de sua jornada ladeira abaixo. Ambas aparecem pela primeira vez na casa de alguém durante um jantar importante, frequentam corridas de cavalos, encontram pretendentes e seus relacionamentos acabam gerando adultérios, embora de formas distintas. Enquanto a história de uma é contada com leveza, a outra tem toda a densidade das personagens mais complicadas de Allen. No núcleo dramático, Melinda passa uma temporada na casa de um casal de amigos, a professora de música Laurel (Chloë Sevigny) e o ator Lee (Johnny Lee Miller) ,enquanto lida com um período conturbado de sua vida - resultado de adultério, divórcio, suspeita de assassinato, luta pela guarda dos filhos (além de várias drinques e cigarros) e a promessa de uma vida melhor através de um relacionamento tranquilo com um músico (Chiwetel Ejiofor). No núcleo cômico, Melinda conhece seus vizinhos, a cineasta Susan (Amanda Peet) e o ator Hobie (Will Ferrell) durante um jantar que funcionaria para conseguir dinheiro para a produção de um filme. Ela se torna amiga deles enquanto tenta ajeitar sua vida de relacionamentos amorosos conturbados, até os vizinhos tentam lhe ajudar apresentando um dentista (vivido por Josh Brolin) -  para o ciúme de Hobie (que aos poucos descobre-se apaixonada por ela). Woody trabalha acontecimentos semelhantes entre os dois núcleos (os amigos "adúlteros", os músicos, os encontros e redenções das personagens) de forma bastante espontânea, como se mesclasse dois filmes distintos em um só. Amparado por bons diálogos e situações apresentadas com bastante ironia, o resultado mostra-se coerente e com mais charme do que a maioria dos filmes que tenta contar histórias paralelas sobre um mesmo personagem. O bom elenco é uma atração à parte, Chloë Sevingy dá conta de uma personagem mais leve do que estamos acostumados a vê-la, assim como Will Ferrell está bastante convincente num personagem de tom mais dramático que o habitual. Embora amparada por coadjuvantes mais conhecidos, Radha Mitchell tem atuação marcante como a protagonista. Talvez ela não tenha recebido a devida atenção nas premiações por uma falha do próprio Allen, já que a Melinda cômica tem menos protagonismo do que a Melinda dramática. Embora Radha dê conta de tornar a cômica luminosa, é na versão mais dramática que sua atuação encontra mais elementos para trabalhar as nuances da personagem. Talvez, nesse "filme experimento", Allen nem tenha se dado conta que, além de prova que a comédia e o drama podem ter a mesma origem, ele comprova que as mocinhas mais complicadas (ou anti-heroínas) são bem mais interessantes.  

Radha Mitchell:... e a Melinda dramática (quase trágica).

Melinda & Melinda (EUA-2004) de Woody Allen com Radha Mitchell, Chloë Sevigny, Will Ferrell, Johnny Lee Miller, Amanda Peet, Chiwetel Ejiofor, Josh Brolin, Daniel Sunjata e Steve Carrell. ☻☻☻☻

quinta-feira, 17 de julho de 2014

DVD: Superstar

Merad: Quem conhece Martin Kazinski?

 Martin Kazinski (Kad Merad) é um homem comum que trabalha numa empresa de reciclagem de computadores, mas um dia, ao ir para o trabalho, sua vida muda drasticamente quando uma multidão repete o seu nome lhe apontando celulares como se fosse uma celebridade - suspeita que se confirma quando começam a pedir autógrafos para ele. Kasinski não consegue compreender o que pode ter feito para ser perseguido daquele jeito, cultuado sem motivo aparente. Esse é o ponto de partida do diretor Xavier Gianolli (a partir do livro de Serge Joncour) para abordar o culto à celebridades abordando um mundo obcecado pela imagem. A saga de Kazinski cresce num suspense onde a fama é um fardo que parece crescer cada vez mais. É importante ressaltar que as únicas pistas que temos sobre o protagonista é que ele sempre foi avesso a tornar-se famoso. Por isso, Superstar é a história de uma maldição. Martin será auxiliado pela jornalista Fleur Arnaud (Cécile de France) a lidar com a fama repentina e na busca por respostas que nunca parecem satisfatórias. Afinal, sua participação desastrosa num programa de televisão quase faz o entrevistador perder o emprego por chamá-lo de "uma pessoa banal" e  mesmo que sempre pergunte "por que" tornou-se famoso, o "por que" torna-se um bordão irritante que transforma sua legião de fãs em papagaios. O roteiro de Gianolli tem várias camadas, todas elas interessantíssimas, afinal, mescla o culto à fama efêmera de celebridades criadas apenas pela exposição da imagem, como a fama transmite a impressão de uma afetividade que pode nem existir de verdade, a luta de egos entre os famosos, o culto da "privacidade pública", a exposição misturada com voyeurismo e a capacidade que a mídia tem de construir ídolos e destruí-los dias depois. Embora alguns critiquem o filme pela forma como aborda o culto às celebridades, o filme consegue ser uma alegoria bem interessante. Martin Kazinski não é um artista, não é um representante de qualquer organização civil, não parece um galã, trata-se de um homem  comum, e por isso mesmo, serve de espelho para que muitos se identifiquem com sua imagem. Gianolli começa com uma ideia que já apareceu em seus traços cômicos em Para Roma com Amor/2012, mas aprofunda a experiência da plateia no que ela pode ter de suspense e melancolia. No fim das contas, nem Kazinski parece lembrar muito bem o que é, tornando-se apenas uma paródia célebre de si mesmo, sem muito a dizer, inclusive sobre si.

Superstar (França-2012) de Xavier Gianolli com Kad Merad, Cécile de France e Alberto Sorbelli. ☻☻☻

DVD: Os Estagiários

Wilson, Vaughn (ao centro) e a equipe: googlando um estágio. 

Não faz muito tempo, filmes relacionados à crise econômica americana eram quase proibidos. Afinal, os anti-imperialistas diriam, que "não colaboram para a massificação do pensamento de que a Terra do Tio Sam é o paraíso que gosta de vender". Nos últimos tempos, filmes com temáticas relacionadas com a crise são comuns, alguns ganham até Oscar (Trabalho Interno/2010) ou são indicados (Margin Call/2010 e Amor Sem Escalas/2009). Outro filme que se relaciona, ainda que brandamente com a crise americana é Os Estagiários, que lança um olhar curioso sobre o impacto da tecnologia no universo do trabalho. Embora a intenção seja criar uma comédia inofensiva, o filme não tem pudores em expressar como o produtivo universo da tecnologia gera uma competitividade sem tamanho numa economia com sinais de saturação, seja com jovens que mal chegaram aos vinte anos (desesperados por bom emprego e estabilidade) ou por dois homens mais velhos que se submetem a ser estagiários na esperança de trabalharem numa área que não dominam. Esses dois homens são Billy McMahon (Vince Vaughn) e Nick Campbell (Owen Wilson), dois amigos que trabalham no ramo de venda de relógios, mas que não perceberam que o negócio estava minguando - afinal, conforme diz o chefe vivido por John Goodman: "Ninguém mais usa relógio, todos veem a hora no celular". Diante disso, tentam seguir suas vidas, até que Billy tem a brilhante ideia de se inscrever num programa de contratação de estagiários da Google. Embora a empresa seja apresentada em toda pompa de seu incentivo à "liberdade criativa", precisa-se dizer que os dois amigos não fazem a mínima ideia do que é um Ctrl+Alt+Del? Imagine isso numa jornada de tarefas onde os sujeitos se juntam ao grupo de excluídos pelos demais concorrentes - além de Vaughn e Wilson vivendo seus personagens de sempre - e você terá uma ideia do filme. O filme de Shawn Levy faz o favor de não explicar a parte mais técnica do trabalho na Google, mas deixa claro que seus protagonistas precisam estudar um bocado - por mais que Billy tente dar uma de malandro sobre a concorrência. Como todo filme de uma piada, o filme lida com o risco de concentrar-se na inabilidade dos personagens com o mundo tecnológico e suas atitudes toscas diante da seleção a que se submeteram - e por mais que o roteiro invista em situações repletas de nerdice (o jogo de quadribol ou a jornada pelo inferninho com os colegas mais jovens), elas nunca parecem aproveitadas como deveriam, pelo contrário, concentram-se nas obviedades. Por conta disso, o filme soa repetitivo antes de sua primeira hora, dependendo da disposição do espectador em acompanhar as desventuras e o carisma de seu elenco. A melhor cena do filme fica por conta do encontro romântico impagável de Wilson com a personagem de Rose Byrne, divertido e original na sua ideia surreal de fazer tudo dar erradamente certo. Com final feliz e tudo mais, Os Estagiários é o típico filme feito para rir, ainda que (lá no fundo) tenha uma bem sacada crônica sobre o cruzamento entre a tecnologia vista como redenção no mundo do trabalho escasso. 

Os Estagiários (The Internship/EUA-2013) de Shawn Levy com Owen Wilson, Vince Vaughn, Rose Byrne, Aasif Mandiv, Max Minghella, Josh Brenner e Dylan O'Brien. ☻☻

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Pódio: Charlotte Rampling

Bronze: musa de Allen. 
3º Memórias (1980)
Quase que coloquei o Lynchiano Swimming Pool/2003 de François Ozon em terceiro, mas achei melhor lembar de um dos momentos mais interessantes da atriz que é pouco lembrado. Nesse incompreendido filme de Woody Allen, Charlotte é Dorrie Bates a atriz musa de um cineasta em crise (para completar até o relacionamento entre os dois está em crise). Dorrie é uma das personagens mais interessantes de Allen e, talvez, a mais sombria em seu flerte constante com o abismo. Na melhor cena da personagem ela cria diversas formas de fazer a mesma cena (com cada vez mais densidade). Uma atuação genial que merece ser lembrada.

Prata: fetiche.
2º O Porteiro da Noite (1974)
Charlotte já atuava no cinema desde 1965 quando filmou este ousado filme italiano de Liliana Cavani. Ela é Lucia, uma sobrevivente do Holocausto que, treze anos depois de viver num campo de concentração, encontra-se com o oficinal nazista que a torturou - a fez mergulhar numa intensa relação de sadomasoquismo. O filme se tornou uma espécie de cult fetichista que chegou a inspirar o clipe "Justify my Love" de Madonna em 1990. Belíssima aos 28 anos, a atriz foi considerada um símbolo sexual na época, coisa que sempre tentou se afastar nos seus papéis seguintes para fugir do estigma "modelo que virou atriz"

Ouro: magnífica.
3º Sob a Areia (2000)
A atriz  precisou desse drama poderoso de François Ozon para ser lembrada como uma grande atriz. No filme ela interpreta Marie Drillon, professora de literatura que vive há 25 anos um feliz casamento com Jean Drillon. Porém, ao passarem férias de verão numa praia ao sul da França, Jean deixa a esposa tomando Sol enquanto vai mergulhar e... desaparece. A partir daí a personagem se rende às indagações do destino incerto de seu esposo, sem encontrar corpo ela imagina se ele a teria deixado, ou se afogado ou cometido suicídio. Reavaliando uma vida que parecia tão confortável, Charlotte está magnífica em cada cena. 

DVD: Eu, Anna

Anna: perdida num labirinto de esquecimentos. 

A britânica Charlotte Rampling é uma de minhas atrizes veteranas favoritas. Embora Hollywood enxergue nela uma coadjuvante luxo para produções tão díspares como A Duquesa (2008) e Instinto Selvagem 2 (2006), é no cinema europeu que a atriz encontra seus melhores papéis. Sempre com seu olhar único e com a sutil maneira de interpretar, as atuações de Rampling servem para elevar a qualidade de qualquer produção. No suspense dramático Eu, Anna a atriz dá conta de mais uma personagem complexa em seu currículo. Anna é uma senhora solitária, que começa a frequentar casas de encontro para mulheres e homens maduros. A rotina controlada de Anna começa a desmoronar quando seu destino cruza com um assassinato. O detetive Bernie Reed (Gabriel Byrne, que anda sumido das telonas) é o responsável pela investigação da morte do rico George Stone (Ralph Brown), que foi encontrado morto no próprio apartamento após ser visto com uma mulher, que Reed acredita ser Anna. Embora existam suspeitas do envolvimento de Stone com traficantes, o detetive persegue a verdade em torno da misteriosa mulher e acaba absorvido pelo universo particular de uma personagem instigante. Anna parece não lembrar muito bem o que aconteceu naquela noite, mas é através dos fragmentos de sua memória que começamos a entender o que houve. O longa metragem de estreia de Barnaby Southcombe (filho de Charlotte) flerta a todo instante com a atmosfera dos filmes noir, dando à Anna uma aura de femme fatale, mesmo que ela corresponda ao total oposto do estereótipo desse tipo de personagem. Vivenciando as mudanças físicas e psicológicas provocadas pelo passar do tempo, a personagem ainda tem um passado obscuro que aos poucos se revela na convivência com a filha Emmy (Hayley Atwell) e a neta. Trata-se de um filme atmosférico, que se alimenta da capacidade descomunal de sua atriz principal se perder nos sentimentos de uma personagem e lhe dar uma credibilidade perante ao público, mesmo quando sua percepção da realidade mostra-se cada vez mais turva. Há de se destacar a química irresistível de Charlotte com Byrne, que consegue dar cores mais quentes à fotografia azulada que emoldura a solidão de seus personagens. As cenas onde os dois personagens tentam estabelecer uma relação mais íntima conseguem ser bastante reveladoras e humanas, oferecendo ao filme um diferencial bem interessante ao abordar personagens maduros. Vendo o filme não pude deixar de percebê-lo como uma versão hardcore do chileno Gloria (2013) com toques de Dolores Claiborne (1995) de Stephen King. Apesar de abandonar personagens importantes durante sua narrativa, Eu, Anna desenvolve-se de forma quase hipnótica e termina quando as dores da personagem são reveladas para Charlotte Rampling despedaçar seu coração diante da câmera. 

Eu, Anna (I, Anna/ Reino Unido - 2012) de Barnaby Southcombe com Charlotte Rampling, Gabriel Byrne, Hayley Atwell, Eddie Marsan e Max Deacon. ☻☻☻

domingo, 13 de julho de 2014

Thor - O Mundo Sombrio

Loki e Thor: nada como o amor fraternal!

O mais engraçado em assistir Thor - O Mundo Sombrio, a continuação da bem sucedida estreia do herói nas telonas sob a batuta de Kenneth Branagh em 2011, é ter a exata dimensão de como seria uma aventura do herói sem a participação de seu irmão, Loki. Embora Chris Hemsworth tenha pleno domínio de um personagem perigoso (um deus que tem como arma um martelo chamado Mjolnir), a graça de seu personagem está cunhada na relação conturbada que tem com seu irmão padroeiro da mentira (mais uma vez vivido esplendidamente pelo ator londrino Tom Hiddleston). Mais do que sua relação com a cientista terráquea Jane Foster (Natalie Portman) ou com o vilão Malekith (Christopher Eccleston), o que movimenta a história são os atritos com o mano. Se no primeiro filme Loki se revela o grande vilão na metade da sessão, os manos ainda giravam em torno da herança paternal de Odin (Anthony Hopkins) e o exílio de Thor no planeta Terra. Nessa nova aventura (no universo em expansão da Marvel num mundo) pós-Os Vingadores (2012) os dois irmãos unem forças para vencer um inimigo que busca uma substância energética perigosa, que por um acaso do roteiro destino encontra-se abrigado no corpo de Jane após um acidente. A tal substância terá o ápice de seu poder quando os nove reinos protegidos por Odin se alinharem e fendas entre os mundos aparecerem, afetando o equilíbrio entre eles, podendo até destruí-los (se não for isso é mais ou menos assim). O plano de Malekith primeiro põe em risco o reino de Asgaard e, depois, a Terra. No meio dessa confusão, Jane acaba visitando a família de seu amado, para que seja curada e protegida, mas a coisa se complica mais do que eles imaginam. O filme deixa para trás a solenidade shakesperiana (que eu curti muito no filme anterior), faz alguns acertos na cenografia e injeta mais doses exageradas de humor. Não satisfeitos com a acidez de Loki, o roteiro reserva espaço para os comentários da estagiária amiga de Jane, Darcy (Kat Jennings), arruma espaço para um outro estagiário (Jonathan Howard) e até para uma surtada no cientista Erik Selvig (Stellan Skarsgard) que ainda não digeriu tanto contato com os deuses que habitavam a mitologia de sua infância nórdica. De resto, Alan Taylor segue a cartilha das continuações direitinho: mais barulho, mais ação, mais efeitos especiais mirabolantes, ameaças anabolizadas, tudo com a qualidade técnica de quem lidou recentemente com alguns episódios da série Game of Thrones. Nisso tudo, são os personagens secundários que saíram perdendo, já que nada supera as faíscas na relação do herói com o seu irmão (nem mesmo o romance pudico com Jane, que rende uma daquelas tradicionais cenas pós-créditos da Marvel), prova disso é que a plateia quase chora quando os dois tem a promessa do último momento juntos, ou seja,  nada como saber usar as dicotomias do amor fraternal numa telona!

Thor - O Mundo Sombrio (Thor - The Dark World/EUA-2013) de Alan Taylor com Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Natalie Portman, Anthony Hopkins, Christopher Eccleston, Rene Russo, Kat Jennings e Stellan Skarsgard. ☻☻☻

FILMED+: Rushmore (Três é Demais)

Max Fischer: os problemas de ser um visionário precoce.

Se você conhece a obra de Wes Anderson e assiste seu primeiro longa metragem (Pura Adranalina/1996, nome sem noção de Bottle Rocket no Brasil) ficará difícil acreditar que trata-se de uma obra do diretor. O humor peculiar está presente, mas o diretor ainda se encontrava, digamos, "no mundo real" que, deixando que apenas alguns momentos permitisse que vissemos os lampejos do universo que criaria depois. Apesar de modesto, Bottle Rocket ganhou no MTV Movie Awards o prêmio de melhor diretor estrante de 1996. Diante desse reconhecimento o diretor viu que valia a pena extrapolar no que sua estreia tinha de melhor (como a cena de Owen Wilson de bicicleta e o assalto deliciosamente atrapalhado) e mostrar do que sua criatividade era capaz. Rushmore (desculpe, mas recuso-me a chamar o filme pelo seu aguado nome em português - Três é Demais) é um deleite! Trata-se do nascimento de um verdadeiro artista. Wes Anderson exibe aqui toda sua percepção de como cada música ou objeto em cena é fundamental para a construção de seus personagens, e por consequência, de sua história. O filme gira em torno de Max Fischer (a famigerada estreia de Jason Schwartzman, sobrinho de Coppola, filho de Talia Shire, primo de Sofia, Roman Coppola e Nicolas Cage), Max é aluno da prestigiada escola Rushmore. Quando o filme nos apresenta o personagem (de óculos e aparelho nos dentes) diante de uma equação matemática cabulosa, o diretor está pregando uma peça no espectador. Max está longe de ser um nerd (ou geek, como gostam de ser chamados), sua relação com a escola é menos presa aos conteúdos e mais com as atividades extra-curriculares. Max coleciona alguns títulos no universo Rushmore ao participar de várias atividades, entre elas é Mestre da equipe de Esgrima, Presidente do Clube de Caligrafia, Segunda Maestro do Coral, Capitão do time de Lacrosse, Vice-Presidente do Clube Filatélico e Numismático, Presidente do Clube de Francês, Editor da Revista Escolar Yankee, Fundador da Sociedade de Astrononomia, participante do Clube de Kung Fu (no qual é faixa amarela), participante da equipe de Decatlo Mirim, Presidente do Clube de Apicultura Rushmore e, o mais expressivo, diretor do Grupo de Teatro Max Fischer, onde realiza as produções mais inimagináveis da história de todas escolas do planeta (incluindo uma polêmica produção de Serpico), no entanto, é uma surpresa que todo esse currículo seja apresentado ao espectador logo depois que o diretor da escola (Brian Cox) anuncia que Max é um dos piores alunos da escola. É visível que, aos quinze anos, a vida de Max é a escola Rushmore. Ali que ele se torna um sujeito talentoso, ilustre e influente, ainda que não seja um tipo muito popular entre todos os alunos, por isso, a ameaça de ser expulso da escola pelo seu baixo rendimento nas disciplinas torna-se um grande problema. No entanto, torna-se um problema menor do que sua paixão por uma professora: Rosemary Cross (Olivia Williams). Por ela, Max construiria até um aquário gigante depois de descobrir que ela é admiradora de Jacques Cousteau. Ainda que Rushmore seja uma escola para ricos, Max está longe de ser um bem nascido. Filho de um barbeiro (que ele sempre diz ser um neurocirurgião), Max chama a atenção do empresário frustrado Herman Blume (Bill Murray), pai de duas amebas que estudam na mesma escola que Fischer. Herman e Max se tornam bons amigos (ou mais do que isso, já que Herman vê em Max tudo que seus filhos jamais serão, nem se comprarem cérebros novos), até que Herman também se apaixona por Rosemary. Apesar do nome brasileiro supervalorizar esse triângulo amoroso, é ele que marca a queda de Max. Da forma como descrevo a história parece um dramalhão sobre o "garoto pobre numa escola de ricos", mas Wes Anderson nos faz o favor de se afastar disso. Rushmore é sobre a mente de um gênio no corpo de um menino de quinze anos, um sujeito tão precoce que precisa aprender a lidar com seu talento para não afastar quem está ao seu redor. Existe um grande equilíbrio de humor e drama no filme, cada diálogo e cena surreal (a cena de Max agredido por crianças no Halloween é hilária, assim como o ataque de abelhas a Herman ou os diálogos assimétricos com Rosemary) colabora para criar a identidade de Max e de Wes como cineasta. A forma como as mudanças na vida de Max (ir para uma escola pública e recomeçar num universo totalmente novo) contribuem para a construção do seu caráter (inclusive na relação com o amigo assistente Dirk Calloway - vivido com precisão por Mason "Dennis, o Pimentinha/1998" Gamble) e de novas perspectivas longe do tom moralista que qualquer diretor poderia imprimir. Rushmore parece um conto sobre ritos de passagem, no caso de Max, o rito é a passagem de um mundo quase fantasioso para a realidade, algo que revela o quanto o personagem tem do diretor. A criatividade de Anderson aqui já se revela uma voz única, que começa a ecoar na "patota cinematográfica" que começou a consolidar. Do filme anterior trouxe o amigo Owen Wilson (que o ajuda nos roteiro) e Luke Wilson, além de encontrar seu ator assinatura (Bill Murray, que ressuscitou a a carreira com sua singela atuação na pele de Herman Blume) e outro cúmplice de peso (Jason Schwartzman, ótimo em cada cena), amigos que sempre aparecem nas obras seguintes do diretor. Não me admiro se num futuro distante, o diretor retomar num projeto futuro os personagens do Grupo de Teatro Max Fischer e cada um deles receber o nome dos membros de sua adorável patotinha (que hoje soma outros agregados do porte de Anjelica Huston, Adrien Brody, Edward Norton, Willem Dafoe, Tilda Swinton...).

Rushmore - Três é Demais (Rushmore/EUA-1998) de Wes Anderson com Jason Schwartzman, Olivia Williams, Bill Murray, Brian Cox, Mason Gamble, Luke Wilson, Seymour Cassell, Stephen McxCole e Connie Nielsen. ☻☻☻☻☻

sábado, 12 de julho de 2014

CATÁLOGO: A Vida Marinha com Steve Zissou

Zissou (Murray): o pior de Wes Anderson. 

Quem acompanha o blog sabe que sou fã do trabalho de Wes Anderson desde que assisti a Os Excêntricos Tenenbaums (2001), seu terceiro filme, que o retirou do gueto do circuito independente. Depois da indicação ao Oscar pelo roteiro original de Tenenbaums (ao lado do amigo Owen Wilson), Anderson gerava uma expectativa absurda para seu novo filme. Esse deve ser o meu maior problema com A Vida Marinha com Steve Zissou. Antes que o filme fosse lançado, assisti Três é Demais (1998) - o segundo filme do diretor - e a expectativa cresceu ainda mais. Some isso aos atores que pertencem à patota de Wes que estava no elenco (Bill Murray, Owen Wilson e Anjelica Huston) e os outros que se jutnaram (Willem Dafoe, Cate Blanchett, Jeff Goldblum e até Seu Jorge!) e você só poderia esperar pelo melhor de um diretor cada vez mais seguro do seu estilo. Quando assisti ao filme fiquei bastante decepcionado. Parecia uma colagem de assuntos dos outros filmes (principalmente em sua abordagem quase obsessiva sobre a figura paterna), só que sem a inspiração sentida neles. A trama gira em torno de Steve Zissou (Murray, muso do diretor), personagem inspirado no explorador marinho Jacques Custeau. Zissou é um cineasta que estuda o fundo do mar e parte na aventura de encontrar o raro Tubarão Jaguar,  uma busca que é quase uma vingança  - já que o tubarão é o responsável pela morte de seu melhor amigo. Zissou ainda vê nessa jornada a chance de revitalizar sua carreira, depois que sua última obra foi um fracasso. No meio do caminho precisa lidar com o assédio de uma jornalista grávida (Cate Blanchett) que quer acompanhar a expedição e de um filho (Owen Wilson) que até então não conhecia. Esses são os elementos do roteiro que se desenvolve conforme Zissou tenta acertar os ponteiros com sua carreira e com o filho ressentido que acaba de conhecer. Com relação à estética não há o que reclamar (repare nos cardumes feitos em stop motion ou a cena final onde todos estão num yellow submarine), mas... ainda que a tripulação de Zissou seja composta por tipos curiosos - que inclui Seu Jorge praticamente sem falas cantando versões em português das músicas de David Bowie (?!) - a história não decola. O humor não consegue encontrar o tom certo, assim como a atuação de Bill Murray que deveria parecer um "gênio incompreendido", mas encarna mais um personagem entediado com a vida. Ao final da sessão, tive a impressão que era um conjunto de ideias nonsense que não foram costuradas como deveriam. Visto hoje percebo que o filme talvez seja uma grande provocação do diretor. Afinal, parte da crítica o acusava de ser superficial na abordagem de suas tramas, abusar da simetria de seus enquadramentos, caricaturar personagens e artificializar situações, bem, se o diretor realmente fazia isso, aqui ele extrapola essas considerações, tornando tudo mais exagerado, mais artificial, mais distante do mundo real. Mesmo incompreendido, A Vida Marinha de Steve Zissou é uma declaração de amor de Wes à sua identidade como autor. O filme simplesmente esfrega na cara do espectador que seus filmes não tem a mínima pretensão de representarem o mundo real, mas um universo muito particular existente na mente do cineasta. Wes fez quase a mesma coisa com Viagem à Darjeeling (2007) para depois adaptar o aclamado O Fantástico Sr. Raposo (2009) - que foi Indicado ao prêmio de Melhor Animação pela Academia e fez às pazes do público e da crítica com Wes. Talvez Raposo tenha feito mais do que isso, fez o mundo perceber que a maneira como o diretor conduz seus filmes live action é bastante semelhante ao que associamos à estética dos desenhos. Em cartaz nos cinemas com o elogiado O Grande Hotel Budapeste (2014) que deve aparecer no Oscar, assim como ocorreu com o anterior (o nostálgico Moonrise Kingdom/2012), Wes Anderson é um desses sujeitos que basta uma cena para percebermos sua assinatura, mesmo que você não goste dela.  

A Vida Marinha com Steve Zissou (Life Aquatic with Steve Zissou/EUA-2004) de Wes Anderson com Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchett, Willem Dafoe, Anjelica Huston e Seu Jorge. ☻☻

sexta-feira, 11 de julho de 2014

MOMENTO ROB GORDON: Personagens Cinematográficos Congelantes

5 - Mr. Freeze (Batman & Robin/1997)
Apesar de ser um dos inimigos mais populares de Batman e de todo o cuidado técnico com sua concepção visual para as telonas, Mr. Freeze (Arnold Schwarzenegger) deu o azar de aparecer no filme mais espinafrado do Homem-Morcego nas telonas. No filme, o cientista especializado em criogênia Victor Fries se junta a outros vilões para derrotar Batman e poder retirar sua esposa (Nora Fries) do estado criônico em que se encontra à espera da cura para uma doença. Fora isso, Freeze criou uma arma congelante que o faz agir quase como um psicopata... ele apareceu pela primeira vez em uma HQ de 1959 com o nome de Mr. Zero, sendo rebatizado na década seguinte. 

4 - Jack Frost (A Origem dos Guardiões/2012)
O filme da Dreamworks serviu para dar maior popularidade mundial a um personagem que é originário do folclore do norte da Europa e já apareceu em outros filmes de menor projeção. Trata-se da personificação do frio, sua função é produzir neve e condições para o inverno (que inclui colorir as folhas no outono e deixar a geada chegar às janelas). No filme ,Frost é um personagem vítima de um acidente e  torna-se um ser invernal. Na trama, Frost tem que ajudar Papai Noel, Coelho da Páscoa e outros personagens mitológicos a combater um ser sombrio que quer acabar com as fantasias infantis. O filme fez sucesso, foi indicado ao Globo de Ouro e deve ter uma sequência. 

3 - Gelado (Os Incríveis/2004) 
Gelado pode não ser original em seus poderes (manipular a umidade do ar e produzir gelo), mas tornou-se extremamente popular sendo o amigo cool (com trocadilho, por favor) do Sr. Incrível no filme de Brad Bird. Numa sociedade onde ser herói foi proibido, ele é o parceiro de aventuras secretas do amigo. Samuel L. Jackson (que empresta a voz ao personagem) até hoje fica surpreso como as crianças o abordam chamando-o de Gelado (lembre-se, Samuel nem aparece no filme, só a voz dele), isso não é qualquer personagem que consegue fazer pelo seu intérprete. Recentemente a Pixar divulgou seu interesse em realizar a sequência de Os Incríveis (sorte nossa que vamos sair de animações chamadas Carros, Aviões, Navios, Bicicletas, Elevadores...) e Gelado é presença certa!

2 - Bobby / Homem de Gelo (X-Men - 2000/2014)
Sei que tem gente que irá criticar o lugar do mutante no segundo lugar, mas convenhamos, o cara já apareceu em quatro filmes da série X-Men (pelo segundo rendeu até o prêmio de ator revelação na MTV para seu intérprete: Shawn Ashmore) e seu personagem começou numa pontinha tímida e aos poucos ganhou cada vez mais espaço nas aventuras (e com direito aos seus truques mais bacanas no recente Dias de Um Futuro Esquecido /2014). Nos filmes, Bobby, ou melhor Robert Louis Drake, é um jovem herói obstinado e tem o coração dividido entre Vampira (Anna Paquin) e  Kitty Pride/Lince Negra (Ellen Page). Nos gibis sua primeira aparição foi em 1963, quando a equipe dos X-Men foi reformulada. 

1 - Elsa (Frozen/2013)
Sei que irão me acusar de cair no mais descarado modismo, mas apesar da personagem não ser minha favorita da lista, não posso ignorar o fato da nova princesa da Disney ter números impressionantes na telona. Ela protagoniza o filme de animação de maior bilheteria das animações, sua trilha sonora fez um sucesso impressionante entre a criançada, assim como os inúmeros penduricalhos que carregam sua figura ilustre. Fora isso é uma princesa diferente - que não precisa de um final feliz ao lado de um príncipe, ela já é coroada rainha logo no início da trama. Seu dilema é saber lidar com suas habilidades especiais de "mutante de conto de fada" (afinal, a personagem foi criada por Hans Christian Andersen em 1844). 

quinta-feira, 10 de julho de 2014

DVD: Frozen - Uma Aventura Congelante

Elsa e Anna: sessão nostalgia. 

Frozen ficou conhecido como a maior bilheteria da Disney, ou melhor, como a animação de maior bilheteria de todos os tempos. Quando o filme estreou tornou-se uma febre não apenas entre as crianças, virou sucesso e foi considerado a melhor animação de 2013 pela Academia. Era para tanto? Particularmente não achei o filme tão impressionante, mas tem alguns méritos inegáveis que contribuíram para o seu sucesso. O primeiro é que a história soa como os clássicos da Disney, com princesa e tudo mais, ou melhor princesas, já que aborda o relacionamento de duas irmãs da realeza. Elsa (Idina Menzel), que por ser mais velha assumirá o trono um dia, e a caçula Anna (Kristen Bell). A vida das duas poderia ser bem tranquila se Elsa não tivesse o poder de produzir gelo - o que, após um perigoso acidente, provoca o afastamento das duas irmãs. Por muitos anos, Elsa tenta manter o poder em segredo, mas no dia de sua coroação a proposta de casamento que sua irmã recebe de Duke (Alan Tudyk) gera uma série de acontecimentos que irá prejudicar o reinado da moça. Não vale entrar em mais detalhes, mas Anna partirá numa aventura para que a irmã volte ao seu reinado. Nessa jornada, Anna irá conhecer o aventureiro Kristoff (Jonatan Groff) e o boneco de neve Olaf (Josh Gad) que deixarão a história mais animada. Como dá para perceber, o filme segue a cartilha clássica da Disney com algumas pequeninas alterações (que não cabe revelar). Fora isso resgata um hábito do estúdio que estava meio caidinho depois de servir de alvo de deboches em várias produções (outras animações inclusive: as canções. No início Frozen é um musical em sua essência (e se fosse realizado com humanos não renderia mais de um bilhão nos cinemas nem por decreto), não havendo apenas músicas, mas diálogos que são praticamente cantados. Vale ressaltar que as canções são engraçadinhas (e rendeu prêmios para seus compositores, sobretudo para a melosa "Let it Go") e merecem ser apreciadas com legendas (já que criar composições dubladas para encaixar nas melodias sempre parece um tanto desengonçado). As crianças não tem do que reclamar e os mais velhos vão curtir o clima nostálgico da sessão que representa as pazes da Disney com sua própria história, afinal, vale ressaltar, que trata-se de uma versão para uma obra de Hans Christian Andersen: A Rainha da Neve (e há quanto tempo você não vê um clássico da literatura infantil anabolizado pela Disney?). O visual do filme é deslumbrante e a qualidade da animação solta aos olhos, especialmente quando o filme recebe o tom de aventura e  a agilidade das cenas impressiona. Debaixo de tudo isso, o filme esconde uma conhecida metáfora para o interior gélido das relações de sua personagem com o mundo. Essa simbologia, de apelo universal, é outro fator que colaborou para o sucesso de um filme que tem sabor de tecnologia recheada de nostalgia. 

Frozen - Uma Aventura Congelante (Frozen/EUA-2013) de Chris Buck e Jennifer Lee com vozes de Kristen Bell, Idina Menzel, Jonatan Groff e Alan Tudyk. ☻☻ 

CATÁLOGO: Maria Cheia de Graça

Maria: a graça de 62 pacotes mortais. 

O uso de Drogas é um dos assuntos mais recorrentes nos noticiários e filmes policiais. É notável como num mundo sem grande perspectivas torna-se terreno fértil para sua utilização e tráfico, uma vez que nascem da mesma realidade (que nunca parece nunca superada). Vendo Maria Cheia de Graça, nem parece que o filme do diretor americano Joshua Marston já completa dez anos. O filme ficou conhecido quando foi exibido no Festival de Berlim e rendeu prêmios para o diretor e sua atriz, Catalina Sandino Moreno (que na ocasião dividiu o prêmio com Charlize Theron/Monster, as duas entrariam juntas no páreo do Oscar em 2005 - e Theron levaria a melhor). Sem firulas narrativas, Marston conta a história de Maria (Catalina), grávida de um bebê que não deseja de um homem que não ama. A personagem vive numa comunidade rural na Colombia e trabalha numa plantação de flores onde é responsável pela desagradável tarefa de tirar os espinhos. Condenada a um salário baixo - que precisa ser dividido para o sustento da mãe, irmã e sobrinho - num momento de insatisfação ela decide servir de "mula" e carregar em seu estômago 62 pacotes de cocaína para os Estados Unidos. Vale ressaltar que ela (e todos os outros) têm ciência de que se um dos pacotes vazar a sua vida terá fim. A situação expressa bem o desespero das drogas representarem uma vida melhor para seu envolvidos, já que se o plano der certo ela estará salva (ao menos financeiramente), até aí, nenhuma novidade.  O maior trunfo do filme é que na jornada dessa jovem de 17 anos, vemos uma perspectiva diferente sobre o tráfico. O olhar não é do traficante, da polícia ou de um herói de filmes de ação, trata-se do olhar do ponto mais baixo e vulnerável de uma cruel engrenagem. Marston faz questão de contar a história da forma mais  realista possível, sobre a perspectiva de uma personagem que considera "não ter nada a perder" e que coloca-se em risco cm a ilusão de uma vida melhor. A narrativa cresce numa tensão absurda, sobretudo quando cada minuto parece aumentar o risco de Maria e suas companheiras de serviço que se veem sozinhas num mundo incapazes de dominar.  É verdade que muito da emoção do filme brota da desesperança magistralmente expressa pela estreante Catalina Sandino Moreno. Na última parte do filme (onde tenta consertar um plano que estava fadado ao fracasso desde o início), sua atuação retira da personagem qualquer sinal de falsa redenção ou arrependimento, Maria parece mudar seu olhar sobre o futuro ao conviver com a irmã de uma amiga. Sem ser moralista ou moderninho, o filme conta sua história de forma limpa e bem executada, deixando sua maior polêmica por conta do pôster que mostrava a personagem aparentando receber a comunhão, mas que na verdade observa um dos pacotes que carregará no corpo. A imagem gerou a analogia da "graça efêmera" que a droga representa, mas serve para apresentar uma personagem que acredita que a contravenção é um caminho para uma vida melhor diante da dura realidade que vivencia - algo cada vez mais comum na sociedade contemporânea. 

Maria Cheia de Graça (Maria, Llen Eres de Gracia/Colômbia-2014) de Joshua Marston com Catalina Sandino Moreno, Yenny Paola Vega, Virginia Ariza e Orlando Tobon. ☻☻☻☻