sábado, 31 de maio de 2025

HIGH FI✌E: Abril / Maio

 Cinco filmes assistidos que merecem destaque:

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PL►Y: Tudo que Imaginamos Como Luz

Kani e Divya: exemplar diferente do cinema indiano.  

Confesso que assisti Tudo que Imaginamos Feito Luz assim que estreou o TeleCine, mas demorei muito para escrever sobre ele. Pensei que fosse bom até revê-lo, já sabendo do tipo de filme que se trata, mas não cheguei a fazê-lo. Comecei a escrever sobre ele algumas vezes desde então, mas sempre apagava o texto. Recomeçava. Desistia. Nas últimas semanas resolvi que ele seria um daqueles longas a que assisto e que não escrevo no blog, ou por não merecer muito comentário ou porque simplesmente não consigo escrever o texto certo para falar sobre ele (e isso acontece mais do que você imagina, tanto que somente recentemente, ao comentar Baby descobri que nunca terminei e publiquei meu texto sobre Corpo Elétrico). Mas por que eu devo escrever sobre este filme? Simplesmente por muitos considerarem que a Índia fez uma baita mancada quando não o indicou para uma vaga ao Oscar de Filme Internacional no ano passado, mesmo com o sucesso do filme em festivais, a começar por seu lançamento no Festival de Cannes - de onde saiu com o Grande Prêmio do Júri (espécie de medalha de prata). A Índia preferiu indicar Laapataa Ladies, que ficou de fora das peneiras iniciais o Oscar, mas ao assistir ao filme de Payal Kapatia fica fácil entender o motivo do país não o escolher. Famoso pelas características de Bollywood, Tudo que Imaginamos como Luz é o oposto do que lembramos quando vemos um filme indiano. Não existe aquele visual multicolorido, as danças e os sorrisos fartos, talvez por isso o país não o tenha considerado um representante digno do seu cinema (o considerou europeu demais?), no entanto, muita gente gotou da sensação de ver um cinema indiano diferente, mais contido, introspectivo – o que não deixa de ser uma ousadia. O filme opta por apresentar Bombaim por outra ótica, mais noturna e diversa. A cidade serve de cenário para duas enfermeiras, Prabha (Kani Kusruti) e Anu (Divya Prabha), que trabalham juntas e dividem o mesmo apartamento. O roteiro tem a preocupação de apresenta-las como mulheres antenadas, que  defendem anticoncepcionais e rejeitam casamentos arranjados pela família, trocam mensagens de celular, usam metrô, escutam músicas, são apresentadas como tantas mulheres que vivem em uma grande metrópole para depois o roteiro aprofundar os dilemas das personagens com raízes bastante culturais. O marido de Prabha foi para a Alemanha e faz tempo que não manda notícias, colocando a personagem em um conflito de sentimentos entre o casamento e a ideia de abandono, enquanto isso, Anu se apaixona por um muçulmano a contragosto da  família deseja que se case com outro rapaz. Apesar de todas as possibilidades melodramáticas perante a vida amorosa das personagens, o filme segue por uma linha diferente, o diretor estica o tempo, a narrativa não acelera e lida com o drama de forma bastante discreta até que a narrativa muda de cenário para aprofundar as metáforas do texto, mesclando o que é real com a imaginação das personagens e do espectador.  A forma como o filme lida com o amor e a sexualidade das personagens, assim como  a cultura local, fazem com que o filme destoe da vasta produção de seu país. A fotografia pode parecer mais sombria que o habitual e os diálogos mais simples do que o esperado, mas isso reforça o realismo do diretor em abordar o cotidiano de seus personagens. Acredito que para muita gente o filme não traz nenhuma novidade, mas o mérito do longa está justamente nisso: ser um filme indiano que consegue apresentar suas personagens como se pudessem viver em qualquer lugar do mundo.

Tudo que Imaginamos Com Luz (All We Imagine As Light / França - Índia - Itália - EUA - Suíça / 2024) de Payal Kapatia com Kani Kusruti, Divya Prabham, Hridhu Haroon, Chhaya Kadam, Azees Nedumangad, Anand Sami e Madhu Raja. ☻☻☻

sexta-feira, 30 de maio de 2025

MOMENTO ROB GORDON: Personagens icônicos de Harrison Ford

 Nascido na cidade de Ilinois em Chicago em 13 de julho de 1942, Harrison Ford começou sua carreira como ator nos anos 1960 e na década seguinte já estava participando de sucessos na telona. Ford ajudou a escrever a história do cinema desde então e poucos atores coleciona tantos papéis icônicos no cinema. Alguns dos trabalhos do ator se tornaram verdadeiras referências ao longo do tempo e este Momento Rob Gordon serve para lembrar cinco de seus trabalhos mais marcantes:

#05 John Book (A Testemunha)  

 John quem? Eu sei que é exatamente isso que você disse ao ver o início dessa lista, no entanto trata-se do único personagem que valeu ao ator uma indicação ao Oscar. No papel do policial que se esconde em uma comunidade Amish para proteger um menino que testemunhou um crime, Ford consegue inserir nuances que surpreenderam a crítica sob a direção do renomado Peter Weir. O filme foi indicado em outras sete categorias no Oscar (incluindo filme e direção), mas levou para casa somente os prêmios de roteiro original e montagem. Embora seja pouco lembrado, é uma das produções de maior prestígio do ator. Também estão no elenco Kelly McGillis, Lukas Haas, Pati LuPone e Danny Glover. 
 
 
Todo mundo sabe que a Academia tem preconceito com filmes de ação, mas em 1993, Ford ao lado do diretor Andrew Davis provou que um filme de ação pode ser levado a sério. Foram sete indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, mas faltou uma indicação para o ator por viver o doutor Richard Kimble que é acusado de matar a esposa - já que todas as evidências apontam para ele. Começa então sua fuga com intenção de provar a inocência. Esta versão de uma série de TV dos anos 1960 supera todas as expectativas e gera torcida na plateia, especialmente pela destreza com que Ford constrói um personagem acima de qualquer suspeita. A prova de que Ford merecia uma indicação ao Oscar foi a estatueta de ator coadjuvante que Tommy Lee Jones levou para casa por persegui-lo o filme inteiro. 
 
#03 Deckard (Blade Runner)

Fosse para escolher meu filme favorito da lista, este aqui estaria em primeiro lugar, mas como não é sobre isso, o personagem fica em terceiro lugar - muito por conta do filme não ter encontrado seu público na estreia em 1982 e ter ganho reconhecimento somente com o passar do tempo se tornando cult e um clássico da ficção científica. Em Blade Runner, Deckard é um caçador de replicantes que em um clima noir ciberpunk começa a duvidar de sua própria humanidade (além de se apaixonar por uma replicante, a Rachel). Por muito tempo falou-se de uma continuação e ela veio somente em 2017 com Blade Runner2049, filme excepcional que também não encontrou seu público (embora seja um sucesso de crítica). 
 
#02 Han Solo (Star Wars)
 
Difícil escolher os dois primeiros lugares desta lista, mas acho que a medalha de prata fica bem no pescoço do aventureiro mercenário de charme irresistível Han Solo. O personagem surgiu no filme que iniciou a saga de Star Wars em 1977 pilotando a antológica Millenium Falcon e tendo como amigo fiel o co-piloto wookie Chewbacca. Seu crush pela Princesa Leia rendeu um dos romances mais falados das galáxias e perdurou por outros três filmes até que o personagem recebeu seu desfecho em O Despertar da Força (2015). Vale lembrar que a origem do personagem foi abordada em Solo (2018) em que o personagem é vivido por Alden Ehrenreich, mas não alcançou o sucesso desejado. 
 
#01 Indiana Jones (O próprio)
 
Apesar de suas duas últimas aventuras não serem tão empolgantes e não honrarem o legado de Henry Jones Junior, o fato é que Indiana Jones é um dos heróis de filmes de ação mais queridos de todos os tempos. O personagem foi concebido por Steven Spielberg em homenagem aos heróis de ação da década e 1930. Lançado em Os Caçadores da Arca Perdida (1981), o personagem conquistou fãs e apareceu em mais duas aventuras lendárias: O Templo da Perdição (1984) e A Última Cruzada (1989). Nelas perdemos o fôlego com o pacato professor que se aventura atrás de relíquias pelo mundo como se tivesse uma dupla personalidade. Em Reino da Caveira de Cristal (2008) e A Relíquia do Destino (2023) a coisa de perde. Fique com a trilogia original e pronto. 

PL►Y: Capitão América - Admirável Mundo Novo

Mackie: pagando os pecados na pele do Capitão América.
  
Se Thunderbolts animou parte do público, mas não o suficiente para alcançar a bilheteria esperada, considero que teve alguma relação com Capitão América: Admirável Mundo Novo (2025). Ouvi poucos comentários quando o filme estreou nos cinemas e, em sua maioria, não foram muito empolgados. Esse desânimo tem relação não apenas com o histórico recente do estúdio, mas também com a trama empolada, cheia de ideias para articular, mas sem esperteza para tanto. O triste é saber que o Falcão, Sam Wilson (Anthony Mackie) merecia mais dedicação em sua estreia como protagonista de um longa metragem com o escudo do Capitão. A Marvel estava cansada de saber de toda a desconfiança em torno do personagem herdar o título, mas colocar um projeto arriscado desses nas mãos de um cineasta como Julius Onah mostra-se um problema. Julius assinou o controverso O Paradoxo Cloverfield (2018) e fez bonito no ambíguo Luce (2019), mas não faço a mínima ideia de onde imaginaram que ele daria conta de um filme de super-herói. As cena de ação não empolgam e o clima de conspiração não engrena - e este seria o aspecto principal para que o filme funcionasse. O vilão também é um baita problema e as referências ao primeiro filme do estúdio (O Incrível Hulk/2008 aquele com Edward Norton correndo em uma favela brasileira) e (finalmente) citar alguma razão para Os Eternos (2021) ter existido, só demonstra o desespero da Marvel voltar a construir uma unidade em seu universo depois de atirar para todos os lados e pagar o preço de perder o público fiel. O filme segue alguns dos acontecimentos da série Falcão e o Soldado Invernal (2021), com Sam assumindo de vez o título de Capitão América e tendo que lidar com o pedido do presidente Thaddeus Ross (papel que era do falecido William Hurt no filme do Hulk e agora é interpretado por Harrison Ford) para criar os Novos Vingadores enquanto o presidente está muito interessado na descoberta de um metal indestrutível: o Adamantium, encontrado mediante as explorações da Ilha Celestial (aquele deus que nasceria no final de Eternos e acabaria com o planeta Terra). Acontece que enquanto o novo presidente dos EUA pretende convencer seus aliados de suas nobres intenções, ele sofre um atentado que aos poucos desencadeia a descoberta de segredos obscuros do seu passado. O filme inventa tantas pontas para amarrar, tantos segredos a descobrir, que o resultado fica mais confuso do que interessante. Eu só não fico com mais pena do Anthony Mackie tentando tirar leite de pedra de um texto tão insosso, porque no meio do caminho tem Tim Blake Nelson vivendo um vilão risível e Harrison Ford exercendo seu profissionalismo ao levar a sério um personagem tão mal desenvolvido. Quando o filme terminou eu fiquei imaginando o dia em que a Marvel decidiu que Guerras Secretas (2027) dará um reboot em seu universo cinematográfico que anda capengando em reencontrar o rumo. 
 
Capitão América - Admirável Mundo Novo (Captain America - Brave New World / EUA - 2025) de Julius Onah com Anthony Mackie, Harrison Ford, Danny Ramirez, Shira Haas, Carl Lumbly, Tim Blake Nelson, Giancarlo Esposito e Liv Tyler. ☻☻  

domingo, 25 de maio de 2025

PL►Y: Herege

Grant: labirinto retórico que funciona.
 
Duas jovens mórmons (Sophie Tatcher e Chloe East) batem de porta na busca novos fiéis para sua religião. Entre ridicularizações que parecem testar a fé das duas, elas costumam conversar nas visitas que realizam afim de esclarecer dúvidas que possam ter sobre a religião da qual são devotas. Elas nem imaginam no início de uma terrível tempestade elas baterão na porta de Mr. Reed (Hugh Grant). Ele mostra-se bastante simpático e receptivo, até menciona que a esposa fez uma torta para receber as meninas. Conversa vai, conversa vem, a mulher do homem nunca aparece. As perguntas parecem cada vez mais provocativas e algumas mentiras, do antes simpático Mr. Reed, começam a ser reveladas. Durante a melhor parte de Herege, o que temos é uma interessante discussão sobre religião e fé. O trio principal deixa a conversa sempre estimulante e constrói um elaborado labirinto retórico aos olhos e ouvidos do espectador. Os diretores Bryan Woods e Scott Beck conseguem manter o interesse do espectador em uma tensão crescente que desperta aquela curiosidade por onde aquela situação irá chegar. Os dois têm o crédito por participarem da elaboração de Um Lugar Silencioso (2018), mas também possuem culpa no cartório por estrearem na direção com aquela bomba Ameaça Pré-Histórica (2023) estrelada por Adam Driver. Isso diz um pouco sobre a estrutura do filme, que vai muito bem até um pouco além da metade, mas se perde quando começa a delirar demais, deixando o suspense e a bela retórica de lado e descamba para um terror de apelo trash. Deixa a impressão de que os dois não acreditavam que o filme daria conta do recado somente com as reflexões que provocam nas duas devotas (e na plateia) que se veem prisioneiras do jogo doentio de um homem misterioso. É verdade que os jovens talentos de Sophie Tatcher e Chloe East tem papel importante em nosso envolvimento com a história, afinal, nos importamos com as duas desde a primeira cena. No entanto, os maiores elogios foram para Hugh Grant. Muitos críticos consideraram que a melhor interpretação da carreira do veterano está neste filme. Indicado a vários prêmios por sua performance (incluindo o BAFTA, o Critic's Choice e Globo de Ouro) é interessante ver como o ator, que figurou entre os maiores galãs da Inglaterra dos anos 1990 soube assumir as rugas e os cabelos brancos, sabendo reconfigurar seu sorriso e expressões para dar vida a um tipo tão ameaçador. Obviamente que o ator utiliza seu charme de sempre para convencer aquelas meninas de que não é um mal sujeito, para logo depois, mostra-se um completamente insano. Essas oscilações do personagem faz até a plateia esquecer das escorregadas que o filme possui para criar um desfecho tão elaborado quanto insatisfatório. Herege seria um filme muito melhor se mantivesse sua discussão sobre a escolha de uma religião e a fé envolvida nisso.

 Herege (Heretic / EUA - Canadá / 2024) de Bryan Woods e Scott Beck com Hugh Grant, Sophie Tatcher, Chloe East, Topher Grace, Elle Young e Elle McKinnon. ☻☻☻

PL►Y: Here

Liyo e Stefan: de humanos e musgos.
 

Confesso que tenho um pouco de dificuldade em acompanhar as narrativas dos filmes do belga Bas Devos. Sei que ele tem fãs ao redor do mundo e realmente os admiro por enxergar atrativos em suas narrativa quando, na maioria das vezes, o que geram é minha desatenção. Tenho um amigo que é muito fã do cinema de Devos e vê-lo falar tão entusiasmado do último filme do cineasta (que acabou de chegar no Filmicca), tornou assistir Here uma verdadeira questão de honra. O curioso foi que se tornou o primeiro longa do diretor que consegui assistir completo (como ele possui apenas quatro longas no currículo, talvez eu possa dar uma segunda chance aos outros). Se não fosse o comentário do tal amigo, mais uma vez, eu não veria nada demais na história que temos aqui: Stefan (Stefan Gota) é um trabalhador da construção civil que está prestes a sair de férias e ir visitar à família na Romênia. Paralelo a isso conhecemos Shuxiu (Liyo Gong), que leciona microbiologia na faculdade de manhã e ajuda a tia em um restaurante chinês à noite. Se ele habita um ambiente urbano, com muitos prédios e concreto (ampliado pelos planos abertos utilizados pelo diretor), Shuxiu volta-se cada vez mais para o micro, um universo tão pequeno em comparação aos arranha-céus que passa desapercebido pela grande maioria das pessoas. O encontro dos personagens faz com que a narratia estabeleça uma espécie de zoom, que vai da construção de um prédio na cidade, passando para os núcleos familiares de seus personagens até chegar ao estudos de Shuxiu sobre musgos. Não é por acaso que o roteiro explora o encontro de um rapaz que está de férias e volta às suas origens e uma microbiologista de origem estrangeira. Existe entre os dois uma busca por conexão com os lugares que habitam (e com o mundo em si) e o diretor estabelece um quase romance entre os dois personagens de forma bastante discreta e singela, mas que não deixa de ter uma certa sensualidade ao explorar o sorriso irresistível de Shuxiu ou as pernas sempre à mostra de Stefan (a quem a personagem se refere como "o rapaz de short"). Bas Devos sempre mostrou-se um diretor que gosta de criar belas imagens, muitas vezes estando mais preocupado com a estética dos filmes do que com seus roteiros. Aqui ele consegue conciliar isso de forma quase terapêutica, estabelecendo uma viagem do macro ao micro da vida na Terra, seja da vida dos seres humanos em seus encontros, idas e vindas ou da presença de musgos que irão herdar o mundo quando as pessoas partirem. Essa sensação de respiro que o filme proporciona rendeu no Festival de Berlim o prêmio de melhor longa na mostra Encounters, do qual saiu também com o prêmio da crítica. 

Here (Bélgica - 2024) de Bas Devos com Stefan Gota, Liyo Gong, Cédric Luvuezo, Teodor Corban, Saadia Bentaïeb, Alina Constantin e ShuHuan Wang. ☻☻☻

sábado, 24 de maio de 2025

PREMIADOS FESTIVAL DE CANNES2025

Um Simples Acidente: Palma de Ouro em Cannes 2025.

Parece que o páreo da 78ª Edição do Festival de Cannes foi acirrado! Ouvi tantos comentários entusiasmados da crítica sobre os filmes exibidos que foi difícil prever quem seria o ganhador. No fim das contas, o apelo do cinema iraniano clandestino de Jafar Panahi prevaleceu. Com isso, Panahi se tornou o raro tipo de diretor que conquista os principais prêmios dos maiores festivais de cinema do mundo (antes, ele já recebeu o Leão de Ouro por Taxi Teerã/2015 no Festival de Berlim e o Leão de Ouro no Festival de Veneza por O Círculo/2000). Se muitos apontavam o novo de Joachin Trier como o favorito, ele ficou com um honrado segundo lugar com o Grande Prêmio do Júri (que este ano foi presidido por Juliette Binoche e contava ainda com nomes como Halle Berry, Alba Rohrwacher e Jeremy Strong). O representante brasileiro não levou o prêmio principal mas não fez feio, levando três prêmio importantes que selam seu passaporte no início de sua repercussão na temporada. Abaixo todos os premiados do maior Festival de Cinema no mundo... (e já podemos começar a campanha do Wagner para melhor ator no Oscar do ano que vem?):

    Palma de Ouro | "It Was Just an Accident" de Jafar Panahi
    Grand Prix | "Sentimental Value" de Joachim Trier 
    Prêmio do Júri | "Sirât" de Olivier Laxe 
Prêmio da Crítica | "O Agente Secreto" de Kleber Mendonça Filho
    Melhor Diretor | Kleber Mendonça Filho (O Agente Secreto)
    Melhor Atriz | Nadia Melitti (The Little Sister)
    Melhor Ator | Wagner Moura (O Agente Secreto)
    Melhor Roteiro | "Young Mothers" de Luc e Jean-Pierre Dardenne
    Prêmio Especial do Júri | "Ressurection" de Bi Gan
    Câmera de Ouro | "The President's Cake" de Hasan Hadi
 
Wagner e Kléber: melhor ator, melhor diretor e prêmio da crítica. 

PL►Y: A Cura

Yakusho, Ujiki e Hajiwara: e se serial killer tiver super-poderes?

Muitos consideram o cineasta Kiyoshi Kurosawa um mestre do terror japonês. Dirigindo desde a década de 1970, ele acumula vários títulos que são dignos de culto pelos fãs. Um deles é este intrigante A Cura, que foi lançado em uma época em que os serial killers cinematográficos estavam em alta em produções de Hollywood - e se David Fincher soube fazer a diferença com Se7en (1995), dois anos depois, Kurosawa (que não tem nenhum parentesco com o Akira Kurosawa) também soube deixar a plateia hipnotizada com o suspense de sua trama. O filme conta a busca do detetive Kenichi Takabe (Kôji Yakusho) pela relação que existe entre uma série de crimes cometidos por pessoas diferentes em circunstâncias semelhantes. No entanto, alguns elementos demonstram que os crimes possam ter uma relação entre si. Seus autores eram pessoas inofensivas que, subitamente, sem maiores explicações, assassinaram pessoas próximas. O interessante é que a trama conta esta história de uma forma diferente, ao invés de manter o foco somente no detetive, a narrativa parece um tanto dispersa no início, apresentando vários personagens e, aos poucos, nos damos conta do painel traçado como se fosse um mapa das pistas que levarão até o provável responsável pelas atrocidades. Quando ele aparece (um ótimo trabalho de Masato Hagiwara), esquecido, perdido, sem identidade, somos incapazes de dizer do que aquele jovem é capaz de fazer - mas não demora para que possamos perceber o quanto aquela figura difusa é ameaçadora. Em determinados momentos o detetive parece até mais ameaçador do que o rapaz de fala macia e conversas enigmáticas. Colocando o vilão emaranhado na mente de seus "cúmplices", o filme assume riscos que o torna ainda mais estimulante e surpreendente, deixando os caminhos do detetive tão imprevisíveis quanto os crimes cometidos. Não por acaso, o final lembraria o filme de Davi Fincher se o roteiro não se esticasse mais um pouco e apresentasse que ameaça pode estar em qualquer lugar. Vendo o filme lembrei de uma conversa sobre Longlegs/2024 em que dois alunos (que curtem muito cinema) me recomendaram este filme que não estava disponível em streaming algum (agora está fresquinho no Filmicca). Kiyoshi Kurosawa faz um filme seco e até elegante perante a atmosfera psicológica que emana desde os momentos iniciais. 

A Cura (Cure/Kyua - Japão/1997) de Kiyoshi Kurosawa com Kôji Yakusho, Masato Hagiwara, Tsuyoshi Ujiki, Anna Nakagawa, Yoriko Dōguchi, Yukijirō Hotaru e Ren Osugi. ☻☻☻

sexta-feira, 23 de maio de 2025

4EVER: Sebastião Salgado

08 de fevereiro de 1944  ✰   23 de maio de 2025

Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu na cidade de Aimorés em Minas Gerais. Graduou-se em Economia na Universidade do Espírito Santo, realizou mestrado na Universidade de São Paulo e doutorado na Universidade de Paris. Economista de formação, inicialmente trabalhou como secretário para a Organização Internacional do Café (OIC). Sua primeira sessão de fotos foi nos anos 1970 e o inspirou a ser fotojornalista independente. Depois de passagens por agências de fotografia renomadas, passou a ser ainda mais reconhecido por seus livros de fotojornalismo que se tornaram referências mundiais. O seu olhar crítico social fez de obras como Êxodos (sobre os movimentos migratórios) sucessos editoriais. Salgado contribuiu ao longo dos anos com causas humanitárias, trabalhando ao lado da UNICEF, ACNUR, OMS, Médicos sem Fronteiras e Anistia Internacional. Junto à esposa, Lélia Wanick, apoiaram o Instituto Terra em causas de reflorestamento. O engajamento do fotojornalista gerou o documentário O Sal da Terra (2014) dirigido pelo alemão Win Wenders que ganhou o César de Melhor Documentário e foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

PL►Y: Babygirl

Nicole e Harris: o sexo subvertendo hierarquias. 

Ano passado houve um verdadeiro congestionamento de estrelas na disputa por uma vaga ao Oscar de melhor atriz. Alguns deles estavam no páreo do Globo de Ouro de melhor atriz em filme de drama, dentre elas, quatro ganharam os holofotes da mídia no Festival de Veneza do ano passado: Angelina Jolie, Tilda Swinton, Fernanda Torres e Nicole Kidman. Dentre elas, a premiada foi a brasileira que se tornou a única do páreo a cravar uma indicação ao Oscar na temporada. No entanto, perante o júri de Veneza foi Kidman a ser considerada a melhor interpretação feminina. Era para tanto? A atriz interpreta Romy, uma executiva poderosa de uma empresa conceituada, ela vive uma vida confortável ao lado do esposo (Antonio Banderas) e das filhas (Esther McGregor e Vaughan Reilly). Ela fica surpresa ao descobrir que foi inscrita em um programa de monitoria para estagiários. Para piorar (ou melhorar, depende...), ela se depara com Samuel (Harris Dickinson), um jovem, digamos, insolente. Não demora muito para que se instaure um jogo de sedução entre os dois, nele o rapaz subverte a estrutura de poder da empresa. Fica claro desde o início que ele ditará as regras nos encontros e nas relações sexuais estabelecidas entre eles. A parte mais curiosa do filme dirigido e escrito pela holandesa Halina Reijn é que Romy embarca naquele jogo sem paraquedas, explorando aspectos de sua sexualidade que preferiu manter em segredo até mesmo de seu marido. Conforme ela se envolve cada vez mais com o jovem amante, algumas surpresas aparecem pelo caminho. O filme sabe utilizar bem a plasticidade de Nicole para explorar o que se esconde por baixo da aparência gélida da personagem, de certa forma, mas o mesmo com a aparência "certinha" de Dickinson, que constrói um personagem imprevisível justamente por não ter o que perder. No entanto, quem espera cenas de sexo explícito irá se frustrar, já que Reijn opta por uma abordagem mais sutil da relação tórrida entre os personagens. O filme escorrega aqui e ali em vários clichês do gênero, especialmente na parte em que outros personagens começam a perceber o que acontece entre a executiva e seu estagiário. Diante disso, Nicole carrega o filme nas costas com uma personagem em constante conflito com seus desejos. Para quem conhece a filmografia da diretora Halina Reijn é inevitável não lembrar de seu primeiro longa-metragem, Instinto (2019), em que explorava a atração de uma psicóloga com um detento da penitenciária em que trabalha. Mudando as características e um tanto da posição de seus personagens em meio às relações profissionais, Babygirl soa quase como o passo seguinte à estreia da diretora. Embora seja menos impactante que seu antecessor,  o resultado ainda é uma obra interessante para tempos tão conservadores. 

Instinto (Países Baixos - EUA / 2025) de Halina Reijn com Nicole Kidman, Harris Dickinson, Antonio Banderas, Sophie Wilde, Esther McGregor, Victor Slezak, Leslie Silva e Robert Farrior.

domingo, 18 de maio de 2025

PL►Y: Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra

Putthipong e Usha: herança familiar.

M (Putthipong Assaratanakul) é um jovem tailandês que  acaba de deixar a faculdade e não parece interessado em nada além de videogames. No início do filme ele participa com a família do que seria uma espécie de Dia de Finados do seu país. Naquele dia, sua avó, Mengju (Usha Seamkhum) contou para a família que gostaria de ser enterrada em um grande terreno que custa uma fortuna fora de seu alcance. Ninguém imaginava que naquele mesmo dia ela seria levada ao hospital por conta de uma queda e que, apesar de não ter sofrido nada demais com o tombo, através dos exames irão descobrir que ela está com câncer em fase terminal. A família resolve manter em segredo o diagnóstico, mas M percebe ali a oportunidade de cuidar da avó e ganhar algo de uma herança iminente. O rapaz começa então sua jornada para conquistar a exigente avó para receber algo em troca. No entanto, o que era para ser um jogo de interesses, recebe outras camadas conforme os laços entre os dois voltam a se estreitar depois de tanto tempo. Na convivência com a avó, M começa a mudar seu olhar sobre a dinâmica da família e percebe outras nuances na relação entre seus tios e a avó, além da própria dinâmica entre sua mãe e a matriarca. Se a dinâmica entre avó e o neto já deixa o filme gradativamente mais interessante, a produção se torna ainda mais rica quando envolve as relações entre os outro personagens e questões sobre envelhecimento e solidão. Por conta disso, nem precisa dizer que o filme se torna cada vez mais emocionante e ainda reserva algumas surpresas ao longo da sessão. Todos estão ótimos em cena, mas o destaque mesmo fica por conta de Putthipong Assaratanakul e Usha Seamkhum na pele de neto e avó que estabelecem uma dinâmica de sensibilidade crescente entre os personagens, da primeira até a última cena. Embora seja dirigido pelo estreante Pat Boonnitipat (que sabe o momento exato de utilizar momentos melodramáticos na trama), o filme demonstra bastante equilíbrio em conciliar drama com um tempero cômico ao longo da narrativa. Em cartaz na Netflix, o filme se tornou o longa tailandês de maior bilheteria mundial e foi selecionado pelo país para concorrer à uma vaga na última edição do Oscar na categoria de Filme Internacional, chegando à avançar nas pré-listas, mas ficou de fora dos cinco escolhidos. 

Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra (Lahn Mah / Tailândia - 2024) de Pat Boonnitipat com Putthipong Assaratanakul, Usha Seamkhum, Sanya Kunakorn, Pongsatorn Jongwilas, Jear Sarinrat Thomas, Tontawan Tantivejakul e Duangporn Oapirat.

KLÁSSIQO: Onde Fica a Casa do Meu Amigo?

Babak: um clássico do cinema iraniano.

Pode se dizer que Onde Fica a Casa do Meu Amigo de Abbas Kiarostami desencadeou uma onda de interesse pelos filmes iranianos. Nos anos seguintes vários filmes feitos no país receberam destaque mundial e seu tornaram cults com suas histórias singelas e realistas executadas para abordar temáticas amplas sobre aquele país. É a ideia do micro, falando do macro. Durante todo o longa o que vemos é a inocência e a amizade de duas crianças em confronto com o mundo dos adultos em suas asperezas. É assim que acompanhamos a jornada de Ahmed (Babak Ahmadpoor), um menino que desde a primeira cena sofre ao ver o amigo levar uma bronca do severo professor por não ter usado o caderno para fazer a lição. Kiarostami parece nos colocar no meio da agitação daquela sala de aula e nos deixa aflitos diante da situação, compartilhamos assim a mesma indignação do pequeno protagonista naquele contato com aquela personificação da autoridade e da disciplina. Acontece que na saída da escola naquele dia, Ahmed leva o caderno do amigo para casa por engano e ficara angustiado para entregá-lo. Se a mãe considera que aquela história é só uma desculpa pra os dois brincarem o dia todo, o garoto irá partir em uma verdadeira odisseia para encontrar a casa do amigo e entregar o caderno a tempo dele fazer a lição para o dia seguinte. A cada pessoa que o menino encontra, a cada situação que enfrenta, o que vemos é uma espécie de um denso encontro de gerações. O filme segue carregado da tensão de Ahmed (valorizada ainda mais pelos olhos reluzentes do menino que o interpreta) e a certa altura ficamos aflitos não apenas sobre a entrega do bendito caderno, mas também sobre seu paradeiro e seu retorno para a casa. A ideia de construir uma espécie de suspense a partir dos dramas de seus personagens se tornou uma marca do cinema iraniano e um dos motivos para se tornar tão envolvente, mesmo que os acontecimentos aqui soem dispersos, a tensão permanece até o fim. Teóricos e críticos de cinemas consideraram esta a primeira parte de uma trilogia na cinematografia de Kiarostami, que ficou conhecida como Trilogia Koker (o nome do vilarejo em que a trama acontece). No filme seguinte (E A Vida Continua/1992) vemos a busca dos meninos protagonistas de Onde Fica a Casa do Meu Amigo sob o receio de terem falecido no terremoto que aconteceu em 1990 que vitimou 50.000 pessoas ao norte do Irã e Através das Oliveiras retoma uma cena do segundo filme para construir uma narrativa em destaque. Kiarostami se tornou um os diretores mais importantes do cinema desde então. 

Onde Fica a Casa do Meu Amigo (Khane-ye doust kodjast? / Irã - 1987) de Abas Kiarostami com Babak Ahmadpour, Ahmed Amadpour, Iran Outari, Khodabaksh Defai, Ayat Ansari e Teba Soleimani.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

PL►Y: Sex (Love Dreams)

Jan Gunnar Røise: relacionamento em conflito.

Avdelingsleder (Thorbjørn Harr) é o chefe de Feier (Jan Gunnar Røise) no trabalho de limpeza de chaminés. Entre um trabalho e outro os dois começam a conversar sobre um sonho que deixou Avde intrigado. Ele sonhou que David Bowie o observava como se apreciasse uma mulher. Ainda que fosse um sonho, a sensação vivenciada por ele foi muito real e o deixou pensativo. Ele não imaginava que após relatar o sonho, o colega iria lhe confidenciar que transou com um homem pela primeira vez no dia anterior. Vale ressaltar que ambos se consideram heterossexuais, são casados com mulheres e possuem filhos numa estrutura familiar bastante convencional e sem maiores conflitos, pelo menos até aquele momento. Feier conta com bastante naturalidade sobre o ocorrido, da mesma forma que contou para a esposa sobre a experiência e acreditou estar tudo bem, afinal, para ele traição seria manter um relacionamento afetivo com alguém fora do casamento, o que não é o caso. Porém, Feier não imaginava que  sua esposa, Lege (Anne Marie Ottersen), começaria a questionar um casamento que aparentava total estabilidade. O primeiro filme da trilogia Sex Love Dreams de Dag Johan Haugerud já demonstra que o diretor quer fazer a plateia embarcar em uma reflexão sobre os temas que dão título aos filmes do projeto. Não quer apontar respostas, dizer quem está certo ou errado, mas fazer a cabeça do espectador fermentar perante as ações dos personagens. Ao longo do filme Feier, que parecia tão confiante com sua primeira experiência sexual com outro homem, começa a perceber como isso afeta seu relacionamento com a esposa - além disso, um certo temor começa a se instaurar sobre a percepção que as pessoas possuem dele. Embora ele repita o tempo inteiro que não é gay (da mesma forma que ressalta que beber cerveja não o torna um alcoólico) suas interações com a esposa se tornam cada vez mais difíceis em conversas sobre ciúme, desejo e fidelidade. O ator Jan Gunnar consegue dar conta do personagem em conflito por um viés inusitado, seu rosto de certinho, sua expressão sempre acanhada e uma certa ausência de sex appeal nos desperta uma sensação diferente ao tentar julgá-lo e por vezes gera risos nervosos, como naquele momento em que a esposa pede para que conte (em detalhes) como foi fazer sexo com outro homem. Aos poucos a dinâmica entre os dois se torna uma tortura psicológica, ela cada vez mais cortante e ele cada vez mais esquivo, dando a impressão que somente a demonstração de alguma culpa (algo que ele não apresenta no início) será capaz de amenizar a tensão instaurada. Fosse só a trama de Feier em crise o filme já seria interessante, mas o texto escorrega ao ter de lidar com os sonhos do outro homem da trama. Sem saber muito para onde ir com Avdelingsleder (que nome difícil para um personagem), o que poderia ser uma discussão interessante sobre gênero e religiosidade (este um tema que rende um dos diálogos mais inusitados do filme) fica pelo meio o caminho. Duas curiosidades sobre o filme: ele não possui cenas de sexo e conta com uma pequena participação de Bjorn (Lars Jacob Holm), que recebe mais destaque em Love, o segundo filme da trilogia.  O fato é que o longa me deixou ainda mais curioso para ver a terceira parte da trilogia, Dreams, que ainda não tem previsão de estreia por aqui. 

Sex (Sex / Noruega - 2024) de Dag Johan Haugerud com Thorbjørn Harr, Jan Gunnar Røise, Siri Forberg, Anne Marie Ottersen e Birgitte Larsen.

NaTela: Thunderbolts*

Florence e seus amigos: heroísmo e saúde mental. 
 
Concebido para ser uma espécie de Esquadrão Suicida da Marvel, o filme que tinha a missão de juntar um grupo de personagens renegados do estúdio recebeu uma missão extra ao longo do tempo: empolgar a plateia saturada de produções de super-heróis que apresentam mais do mesmo. A Marvel cometeu tantas variadas bobagens desde o seu auge com o evento que foi Vingadores: Ultimato (2019) que ela mesma ficou perdida em meio a todos os projetos e personagens que deixou ao longo do caminho (a lista gigantesca inclui desde o filme dos Eternos, passando por SheHulk, Shang Chi, Echo e a lista segue...). O próprio MCU percebeu que a coisa estava degringolando e viu que estava na hora de puxar o freio de mão e elaborar melhor seus projetos (talvez As Marvels/2023 seja o ponto mais baixo do estúdio, já que reuniu três personagens importantes só para criar um pastiche sem graça do universo em que estão inseridas). Ano passado a Marvel resolveu nos agraciar com Deadpool e Wolverine (2024) para aprofundar o clima de galhofa que se tornou o multiverso no objetivo de capitalizar sucessos passados embalado pela nostalgia dos fãs ainda dispostos a gastar dinheiro para ver seus heróis na telona (e o filme se tornou o segundo mais visto de 2024 com quase um bilhão e meio nos caixas). Não sei vocês, mas no lançamento de Capitão América: Admirável Mundo Novo (2024) senti um climão de ressaca e ninguém se empolgou muito com o filme (e não posso falar muito porque ainda não o assisti). Diante de tudo isso, Thunderbolts* tem o objetivo de voltar a nos empolgar com o universo Marvel nas telonas e, o melhor de tudo, ele consegue. Saí do cinema com a esperança de que o MCU pode voltar aos trilhos depois de tantos projetos mal planejados em sua conturbada Fase5. Devemos agradecer muito ao diretor Jake Schreier que torceu o nariz para a ideia inicial do filme e com os roteiristas Eric Pearson e Joanna Calo conseguiu dar um coração para a trama. Assim, a história começa com uma crise existencial vivida por Yelena (Florence Pugh, ótima como sempre), que após tantos acontecimentos complicados em sua vida de mercenária percebe que precisa fazer algo mais na vida. Essa crise a leva a conversar com a patroa, a diretora da CIA, Valentina Alegra (Julia Louis-Dreyfus, vivendo a versão mais sombria de Celina Meyer de Veep) em busca de um trabalho menos clandestino. Não demora muito para ela se ver junto com os personagens Fantasma (Hannah John-Kamen), Treinadora (Olga Kurylenko), Agente Americano Wyatt Russell e o desconhecido Bob (Lewis Pulman) em uma missão que parece cada vez mais uma queima de arquivo. Eles nem imaginam que aquele é só o início de grandes problemas que lidam diretamente com as ambições de Valentina (que responde por um processo de impeachment que pode sepultar de vez sua carreira) e o resultado de uma experiência que pode sair do controle. Jake Schreier (que antes dirigiu Frank e o Robô/2012 e a série Treta/2023 ) conduz seus personagens em uma sintonia perfeita em uma trama que se beneficia pelo sabor do imprevisível, finalmente aqui, nós tememos pelos personagens, com a sensação de que algo muito ruim pode acontecer - especialmente quando somos apresentados ao vilão da história que ganha ainda mais força quando o filme revela tratar-se de saúde mental (e adorei a referência com Quero Ser John Malkovich/1999 quando os personagens pulam de uma lembrança para outra como se passeassem por cômodos do inconsciente). A ideia de tratar um assunto sério, e em constante debate nos dias atuais, não oferece ao filme um viés oportunista, pelo contrário, cria uma base sólida para a construção da história que a torna mais coerente desde o seu ponto de partida. Obviamente que não posso deixar de mencionar a presença do Soldado Invernal (Sebastian Stan) e o Guardião Vermelho (David Harbour) ao longo da trama, mas quem brilha mesmo é Florence Pugh, mais uma vez se reafirmando como um dos grandes nomes de sua geração. Thunderbolts* ganha pontos por trazer uma trama conectada ao gigantesco universo Marvel, mas que consegue ser redondinho e independente, Quarteto Fantástico deve seguir pelo mesmo caminho e, se for assim, já podemos comemorar. 
 
Thunderbolts* (EUA-2025) de Jake Schreier com Florence Pugh, David Harbour, Sebastian Stan, Julia Louis-Dreyfuss, Wyatt Russell, Lewis Pullman, Hannah John-Kamen, Olgua Kurylenko e Geraldine Viswanathan.   

Na Tela: Homem dom H

Jesuíta Barbosa: performance de respeito. 

Quando soube que estavam produzindo uma cinebiografia sobre Ney Matogrosso eu fiquei um tanto receoso, já que todo mundo já deve estar cansado daquelas biografias protocolares sem sal de colagem de fatos soltos sobre a vida de um artista conhecido, mas que não carrega nada da identidade do retratado. Poucos filmes se salvam da seara do gênero, se pegarmos os filmes brasileiros, basta ver o bom resultado de Dois Filhos de Francisco (2005) em contraposição com a decepcionante Meu Nome é Gal (2018). Vale ressaltar que não estou discutindo gosto musical por aqui, mas estou falando de cinema e sua capacidade de contar histórias bem construídas em uma narrativa envolvente. Eu comecei a ficar animado com Homem com H por conta do projeto ser idealizado por Esmir Filho, um cineasta para prestarmos atenção desde sua estreia com o atmosférico Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), depois eu soube que escalaram Jesuíta Barbosa para viver o artista na telona, mas fiquei preocupado, já que sempre percebi Jesuíta um ótimo ator para viver personagens contidos que vivem seus conflitos de forma mais internalizada, não consegui nem imaginar o ator pernambucano convencendo no palco com os Secos e Molhados, por exemplo. Sorte que o rapaz realizou uma preparação física poderosa e está perfeito como Ney Matogrosso, encarnando sua pessoa discreta fora dos palcos e aquela persona mítica dos palcos (tanto que em algumas cenas eu fiquei pensando se eram cenas de arquivo ou com o ator). Melhor ainda constatar que Esmir Filho emoldura a performance arrebatadora do seu protagonista com uma produção de respeito. Pra começar, ele não se esquiva de abordar a sexualidade de seu biografado, seja nos palcos ou fora dele, o filme transborda uma energia sexual para lá de envolvente, seja pelos movimentos no palco, a vida de Ney com seus parceiros ou com o uso das letras para emular sentidos que por vezes até esquecemos por julgar que as conhecemos tão bem. Particularmente adorei a parte dedicada à música que dá nome ao filme, confesso que fiquei hipnotizado com a montagem desta parte - vale ressaltar que a edição é perfeita em sua alternância de ritmo sem perder a fluência entre as cenas mais dramáticas e, digamos, as mais... eufóricas. O longa usa  sucessão de episódios importantes sobre a vida do cantor par subverter a própria fórmula, ele nunca perde o seu fio condutor amparado pela relação de Ney com a arte, a construção de sua identidade artística intensa e sua personalidade serena, além do espectro do tempestuoso relacionamento com o pai (vivido por Rômulo Braga). O cuidado de Esmir Filho em suas escolhas para tecer a trajetória de Ney na telona é de um cuidado minucioso, construindo um arco emocional que não se rompe ao longo de duas horas e envolve o espectador com um personagem transgressor, instigante e necessário para os tempos caretas que atravessamos. Ao final do filme, Ney (que participou ativamente das filmagens) surge radiante com seus 83 anos e nos faz pensar no conceito de imortalidade não apenas de sua voz única. Para os fãs (como eu) é um verdadeiro deleite, para quem não é, torna-se apenas obrigatório. 

Homem com H (Brasil / 2025) de Esmir Filho com Jesuíta Barbosa, Rômulo Braga, Hermila Guedes, Bela Leindecker, Jeff Lyrio, Bruno Montaleone, Mauro Soares, Jullio Reis e Ney Matogrosso. ☻☻☻☻

quarta-feira, 7 de maio de 2025

4EVER: James Foley

28 de dezembro de 1953 ✰ 06 de maio de 2025

James Foley nasceu no Brooklyn em Nova York. Filho de um advogado, James se formou em psicologia, mas ao iniciar seus trabalhos na profissão, decidiu fazer filmes e foi estudar na Universidade da California. Em 1984 estreou na direção com Jovens Sem Rumo estrelado por Aidan Quinn e Daryl  Hannah, dois anos depois seu filme Caminhos Violentos, estrelado por Sean Penn. O longa foi selecionado para o Festival de Berlim, mas ficou mais conhecido pela inclusão do hit Live to Tell de Madonna na trilha sonora. Foley ficou famoso por seus vários trabalhos com a artista, com quem fez clipes (ao todo foram seis), shows e um filme (um clássico da Sessão da Tarde: Quem é Essa Garota? de 1987). Embora nunca tenha sido levado muito a sério como cineasta, Foley rendeu uma indicação ao Oscar para Al Pacino por O Sucesso A Qualquer Preço (1993), foi responsável por um dos primeiros papéis de destaque de Reese Whiterspoon e Mark Wahlberg (em Medo/1996), além de ter trabalhado com Gene Hackman (O Segredo/1996) e Halle Berry (A Estranha Perfeita/2007). Foley também dirigiu episódios para séries famosas como Twin Peaks, Hannibal, House of Cards e Billions. Seus últimos trabalhos no cinema foram os sucessos bregas de 50 Tons Mais Escuros (2017) e 50 Tons de Liberdade (2018). O diretor faleceu em decorrência de um tumor cerebral. 

domingo, 4 de maio de 2025

PL►Y: Love (Sex Dreams)

Andrea e Thomas: coisas do amor no século XXI.

Marianne (Andrea Bræin Hovig) é uma médica bem resolvida emocionalmente que não faz muita questão de ter um relacionamento amoroso. Ela costuma ter conversas sobre o assunto com o enfermeiro Tor (Tayo Cittadella Jacobsen) e a amiga Heidi (Marte Engebrigtsen), que prepara uma atividade cultural para celebrar o aniversário da cidade junto a vários artista. Tor também não está em nenhum relacionamento no momento, mas costuma usar o Grindr quando a solidão aperta. Marianna por sua vez flerta cada vez mais com um amigo de Heidi, Thomas (Thomas Gullestad), que é mora ao lado da ex-esposa e divide com ela a guarda das duas filhas. Embaralhando seus personagens e o que eles desejam de uma relação, o norueguês  Dag Johan Haugerud propõe ao espectador uma reflexão sobre o amor nos tempos atuais. O maior mérito do filme é soar bastante contemporâneo e nada hermético ou moralista. Mesmo quando os diálogos parecem ter saído de uma sessão de terapia, o filme consegue fluir muito bem, especialmente pela desenvoltura naturalista do elenco tão a vontade nos personagens que nem parece estar interpretando. Há momentos muito interessantes como aquela cena em que uma personagem está interessada em um homem, mas acaba saindo com outro, ou aquele momento em que ela começa a projetar sua infância em outros personagens, causando uma avalanche de emoções em que ela não está preparada para lidar. É interessante ver como a forma como alguns personagens soam pragmáticos demais quando falam de se apaixonar, como se fosse possível haver um controle total sobre os sentimentos e o desejo, como se as regras estabelecidas servissem como mandamentos para a vida amorosa perfeita. Mera ilusão. Dentro dos personagens o que mais me chamou atenção foi Bjorn (Lars Jacob Holm), um psicólogo que procurar pessoas para conversar no Grindr e perto do desfecho tem um longo diálogo sobre como lidou com horrores da AIDS nos anos 1980 e a forma como sua vida sexual o fez sentir-se um verdadeiro sobrevivente diante de todas os exames e perdas que vivenciou. Bjorn é um desses que tentou seguir as regras que ele mesmo estabeleceu por uma vida amorosa idealizada, mas ao mesmo tempo parece estar sempre procurando por algo que não havia aparecido até que, melhor não contar. A forma como o filme lida com os dilemas de seus personagens emoldurados pela belíssima fotografia de cartão postal faz da obra uma produção envolvente. O longa compõe a trilogia Sex Love Dreams de Dag Johan Haugerud, Love é o episódio do meio (que já está disponível na Reserva Imovision ao lado de Sex, que comentarei em breve). Vale lembrar que a conclusão, o terceiro episódio, Dreams tornou-se o grande vencedor do Leão de Ouro do Festival de Berlim deste ano.  

Love (Kjærlighet / Noruega - 2024) de Dag Johan Haugerud com Andrea Bræin Hovig, Tayo Cittadella Jacobsen, Thomas Gullestad, Lars Jacob Holm e Marte Engebrigtsen. ☻☻☻☻

PL►Y: Um Homem Diferente

Adam e Sebastian: a aparência em crise de identidade.

 Edward (Sebastian Stan) é um ator com neurofibromatose e, por conta dos inúmeros tumores benignos que desenvolve, sua aparência tornar-se bastante peculiar. Existe uma grande frustração em Edward já que tudo ao seu redor é pautado pela forma com que as pessoas reagem à sua condição. Dos trabalhos para os quais é escolhido à forma como as pessoas interagem com ele, tudo é vivenciado com bastante desconforto. Até quando ele começa a se aproximar da vizinha Ingrid (Renate Reinsvie), a aparência se torna um impeditivo para qualquer investimento que o relacionamento avance para algo maior. Na esperança de haver alguma mudança em sua vida, Edward aceita participar de um tratamento experimental para a doença em questão. Edward sempre imagina que na pesquisa ele ficou com o grupo de controle que tomará os placebos, mas se surpreende quando percebe que seu rosto está se deteriorando até que... um novo rosto surja abaixo do antigo. Animado com as possibilidades de sua nova aparência, Ed assume uma nova identidade, mas a coisa desanda quando reencontra Ingrid em seu novo projeto e existe a estranha sensação que a ruptura com sua antiga vida lhe causou danos nunca imaginados. Muito do interesse que nutri pelo filme, surgiu da forma como me esquivei de saber maiores informações sobre a trama e me surpreendi bastante com os rumos que o diretor e roteirista Aaron Schimberg escolheu para construir a história. Misturando um tanto de metalinguagem e crise de identidade, o filme mergulha cada vez mais nos conflitos do protagonista que perdeu de si mesmo no meio do caminho. Neste processo, seu contato com o confiante Oswald (Adam Pearson, um ator que realmente possui neurofibromatose) tornará sua nova vida ainda mais complicada. Sebastian Stan está ótimo no papel principal, com ou sem a maquiagem pesada (indicada ao Oscar) ou a máscara que usa em algumas cenas, a forma como atua com seus gestos, voz e posturas deixam claro o quanto seu personagem está passando por uma crise de identidade fortíssima. Seu prêmio de atuação no Festival de Berlim foi merecido, assim como o Globo de Ouro de ator de comédia ou musical (curiosamente, a categoria feminina ficou com Demi Moore por A Substância que encontra semelhanças com este outro aqui em sua abordagem da destruição do selfie). Este é o tipo de filme que ao terminar eu fico imaginando de onde o seu criador conseguiu tamanha inspiração. Ajuda a entender o fato de que Schimberg nasceu com lábio leporino e, assim como visto em seu filme anterior (Acorrentado para a Vida/2018 também estrelado por Adam Pearson) curte explorar temáticas sobre, digamos, aparências diferentes. Misturando humor negro, psicologia, drama e um tantinho de body horror, Um Homem Diferente merece uma vaga na lista de meus favoritos do ano. 

Um Homem Diferente (A Different Man / EUA - 2024) de Adam Schimberg com Sebastian Stan, REnate Reinsvie, Adam Pearson, C. Mason Wells, Owen Kline, Charlie Korsmo, Patrick Wang e Michael Shannon. ☻☻☻☻

sábado, 3 de maio de 2025

Pódio: Lady Gaga

Coringa: Delírio a Dois (2024) Aproveitando o clima do show de Lady Gaga em Copacabana, resolvi fazer uma recapitulação de sua carreira no cinema. Ironicamente a lanterninha do pódio fica com seu último trabalho ao viver a icônica personagem da DC Comics, a Arlequina. Chamada de Lee Quinzel e com a origem um tanto diferente da personagem original, ela também cai de amores pelo Coringa, mas o andamento do filme de Todd Phillips não segue o rumo esperado para a decepção geral nas bilheterias. Ainda assim, Gaga foi considerada a melhor coisa do filme, mas infelizmente tem pouco tempo de tela e acaba desperdiçada. O trabalho inspirou Gaga a produzir um álbum conceitual e ainda lhe rendeu à ela (um exagerado) Framboesa de Ouro de pior atriz e pior dupla (ao lado de Joaquin Phoenix). 

Nasce Uma Estrela (2018) Nem o Bradley Cooper aguentava mais os agradecimentos de Gaga por tê-la escolhido para ser a protagonista da nova versão deste antigo clássico. Era a estreia de Cooper na direção e era a primeira vez que a cantora recebia um papel de destaque nas telonas. Vivendo uma garçonete que sonha em ser uma grande estrela da música, a artista provou que tinha competência para se tornar uma estrela de cinema - e público e crítica concordaram para além dos suspeitos fãs. O resultado: indicações a todos o prêmios do cinema, incluindo Globo de Ouro, Oscar, Critic's Choice e a coroação com o Prêmio do Sindicato num empate com Glenn Close. Se o Oscar de atriz não veio, ela recebeu a estatueta de melhor canção original pela balada Shallow. Madonna subiu pelas paredes. 

1º Casa Gucci (2021) Confesso que olhei com desconfiança o trabalho de Gaga em seu filme anterior, mas tive a impressão que no papel certo ela demonstraria que é uma atriz de calibre elevado. Assim, quando Ridley Scott a escolheu para viver a controversa Patrizia Reggiani ninguém imaginava o grande acerto que estava a caminho. Embora o filme seja bastante criticado por não se levar a sério, Gaga salva a produção por entender exatamente o tom que o filme deveria ter. A mistura de jovem ambiciosa com esposa traída vingativa caiu como um luva para Gaga que recebeu aclamação da crítica, foi indicada a vários prêmios novamente, mas foi esnobada no Oscar. 

quinta-feira, 1 de maio de 2025

4EVER: Nana Caymmi

29 de abril de 1941 1º de maio de 2025

Nascida na cidade do Rio de Janeiro, o talento musical de Dinahir Tostes Caymmi começou cedo. Filha do compositor, cantor e músico Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana começou sua carreira artística nos anos 1960 quando gravou a faixa Acalanto ao lado do pai, a canção tem um significado ainda mais especial já que foi composta para ninar a cantora quando ainda era criança. Seu primeiro LP foi lançado em 1963. Em 1966 participou do I Festival Nacional da Canção e desde então o tom solene de sua voz grave se tornou sinônimo de um dos maiores talentos da música brasileira. Seus álbuns, parcerias e espetáculos fizeram história. Canções como "Só Louco", "Não se esqueça de Mim", "Suave Veneno" e o enorme sucesso de "Resposta ao Tempo" se mostraram atemporais. Ao longo da carreira Nana lançou 68 álbuns e se consagrou como um dos grandes nomes da MPB. A artista faleceu em decorrência de disfunção de múltiplos órgãos após um longo período de internação.