quinta-feira, 8 de maio de 2025

Na Tela: Homem dom H

Jesuíta Barbosa: performance de respeito. 

Quando soube que estavam produzindo uma cinebiografia sobre Ney Matogrosso eu fiquei um tanto receoso, já que todo mundo já deve estar cansado daquelas biografias protocolares sem sal de colagem de fatos soltos sobre a vida de um artista conhecido, mas que não carrega nada da identidade do retratado. Poucos filmes se salvam da seara do gênero, se pegarmos os filmes brasileiros, basta ver o bom resultado de Dois Filhos de Francisco (2005) em contraposição com a decepcionante Meu Nome é Gal (2018). Vale ressaltar que não estou discutindo gosto musical por aqui, mas estou falando de cinema e sua capacidade de contar histórias bem construídas em uma narrativa envolvente. Eu comecei a ficar animado com Homem com H por conta do projeto ser idealizado por Esmir Filho, um cineasta para prestarmos atenção desde sua estreia com o atmosférico Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), depois eu soube que escalaram Jesuíta Barbosa para viver o artista na telona, mas fiquei preocupado, já que sempre percebi Jesuíta um ótimo ator para viver personagens contidos que vivem seus conflitos de forma mais internalizada, não consegui nem imaginar o ator pernambucano convencendo no palco com os Secos e Molhados, por exemplo. Sorte que o rapaz realizou uma preparação física poderosa e está perfeito como Ney Matogrosso, encarnando sua pessoa discreta fora dos palcos e aquela persona mítica dos palcos (tanto que em algumas cenas eu fiquei pensando se eram cenas de arquivo ou com o ator). Melhor ainda constatar que Esmir Filho emoldura a performance arrebatadora do seu protagonista com uma produção de respeito. Pra começar, ele não se esquiva de abordar a sexualidade de seu biografado, seja nos palcos ou fora dele, o filme transborda uma energia sexual para lá de envolvente, seja pelos movimentos no palco, a vida de Ney com seus parceiros ou com o uso das letras para emular sentidos que por vezes até esquecemos por julgar que as conhecemos tão bem. Particularmente adorei a parte dedicada à música que dá nome ao filme, confesso que fiquei hipnotizado com a montagem desta parte - vale ressaltar que a edição é perfeita em sua alternância de ritmo sem perder a fluência entre as cenas mais dramáticas e, digamos, as mais... eufóricas. O longa usa  sucessão de episódios importantes sobre a vida do cantor par subverter a própria fórmula, ele nunca perde o seu fio condutor amparado pela relação de Ney com a arte, a construção de sua identidade artística intensa e sua personalidade serena, além do espectro do tempestuoso relacionamento com o pai (vivido por Rômulo Braga). O cuidado de Esmir Filho em suas escolhas para tecer a trajetória de Ney na telona é de um cuidado minucioso, construindo um arco emocional que não se rompe ao longo de duas horas e envolve o espectador com um personagem transgressor, instigante e necessário para os tempos caretas que atravessamos. Ao final do filme, Ney (que participou ativamente das filmagens) surge radiante com seus 83 anos e nos faz pensar no conceito de imortalidade não apenas de sua voz única. Para os fãs (como eu) é um verdadeiro deleite, para quem não é, torna-se apenas obrigatório. 

Homem com H (Brasil / 2025) de Esmir Filho com Jesuíta Barbosa, Rômulo Braga, Hermila Guedes, Bela Leindecker, Jeff Lyrio, Bruno Montaleone, Mauro Soares, Jullio Reis e Ney Matogrosso. ☻☻☻☻

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