Leto, Al, Gaga, Adam e Irons: família do barulho.
Eu quase fui assistir Casa Gucci enquanto estava em cartaz na minha cidade, mas confesso que as críticas mistas e o fato de ter duas horas e quarenta minutos de duração pesou muito em meio à uma crise de coluna (adoro cinema, mas minhas três hérnias de disco não cooperam muito nas cadeiras). Acabei deixando o filme escapar, o que foi bom para proporcionar um bem vindo distanciamento à toda voracidade com que o filme foi exposto e devorado pela mídia. O filme Casa Gucci era um projeto que há tempos habitava o imaginário de Hollywood, mas faltava um diretor com coragem para se embrenhar a história da família que carrega o nome da marca e foi dissecada no livro homônimo de Sara Gay Forden. Quem conhece a obra, garante que a trama real renderia muito melhor em uma minissérie, já que é repleta de intrigas, crimes, romance e traições com tempero fashionista, elementos que fariam a glória de qualquer novela e, de certa forma, Ridley Scott capta esta referência ao entregar um filme cheio de personagens e arcos que por vezes soam apressados e um tanto desiguais quando projetados lado a lado na tela grande. A vontade de abraçar o desenvolvimento de tantos personagens e subtramas, deixam a sensação que que lá pela sua segunda hora o filme perde foco e fôlego ao ceder mais espaço aos personagens que orbitam em torno de Patrizia Reggiani (Lady Gaga) e Maurizio Gucci (Adam Driver). A primeira parte do filme é dedicada aos dois, ela a herdeira de uma empresa de transporte ferroviário, ele o tímido herdeiro de um império da moda. Gaga e Adam tem química suficiente em cena para ganhar a torcida e a atenção do público, portanto, convencem como integrantes de uma história que combina amor e um tanto de ambição (e quem conhece a história real do casal, sabe exatamente como termina). Maurizio era filho de Rodolfo Gucci (Jeremy Irons) que não via com bons olhos aquela união, o que faz com que tio Aldo Gucci (Al Pacino) se aproxime dos pombinhos despertando o ciúme do filho, Paolo Gucci (Jared Leto), que nunca primou muito pelo bom senso ou bom gosto. Misture o ego dos membros desta família e o resultado é realmente explosivo, o que acabou afetando a marca que terminou vendida e sendo administrada por pessoas de fora do clã (atualmente pertence à marca Kering, cujo esposo de Salma Hayek é um dos proprietários). As atuações são carregadas, os sotaques são uma bagunça e Ridley Scott parece ter dado plena liberdade para que seus atores fizessem o que julgassem interessante para o filme. O resultado perde em termos de se tornar um retrato realista da glamourosa família e, principalmente, ao desviar o foco de Maurizio e Patrizia quando o roteiro apressa a transição da história de amor para uma espécie de ojeriza do rapaz tímido (picado pela ambição) à sua parceira de, digamos, vida conjugal e maracutaias. Neste ponto, a transição de Adam Driver soa da noite para o dia, enquanto Gaga perde espaço de tela após conquistar o público com uma atuação feroz. Devo admitir que desde que assisti Casa Gucci, considero uma verdadeira injustiça a esnobada que ela recebeu do Oscar, já que sua Patrizia torna-se o trabalho mais marcante do filme. Cheia de camadas, Gaga consegue dar coerência à visão de mundo da personagem, ainda que ela meta os pés pelas mãos e o filme resuma o complexo desfecho da personagem naquele julgamento - e apenas ensaiando, com aquela letra tremida, o tumor no cérebro que veio a ser diagnosticado depois. Fosse dedicado ao escandaloso crime ocorrido por encomenda que sepultou de vez a união de Maurizio e Patrizia, o filme teria sido muito melhor. Acho que nem precisa dizer que a família Gucci odiou o filme e considerou tudo uma afronta, mas o melhor comentário foi mesmo de Tom Ford, que fortaleceu a marca nos anos 1990 (e que no filme é vivido por Reeve Carney, o Dorian Grey de Penny Dreadful), que mencionou que durante o filme ria de algumas interpretações, mas não sabia se deveria fazer isso. Casa Gucci pode não ser o filme magnífico que queriam que ele fosse ao pagar o preço pela irregularidade, mas ainda assim merece atenção (nem que seja pelo trabalho de Lady Gaga).
Casa Gucci (House of Gucci/EUA-Canadá /2021) de Ridley Scott com Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jeremy Irons, Jared Leto, Jack Huston e Salma Hayek. ☻☻☻
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