Starkey e Craig: em busca da ayahuasca perdida.
Assim que Queer foi anunciado, Daniel Craig se tornou um dos favoritos ao Oscar de melhor ator desse ano. A assinatura ilustre do italiano Luca Guadagnino só parecia ajudar, mas bastou o filme ser exibido no Festival de Veneza para que os ânimos em torno da adaptação da obra de William S. Burroughs (1914-1997) resfriassem (e o fôlego de uma indicação para Craig chegou somente até o Globo de Ouro). Adaptar o autor para qualquer outra mídia não é fácil, suas obras são narrativas em fluxo de consciência regada a alucinógenos, o que torna a tarefa de execução de um roteiro e tradução das palavras em imagens um desafio para qualquer um. David Cronenberg se aventurou por este universo quando resolveu adaptar a obra mais famosa do escritor, Naked Lunch (1991), e dividiu opiniões. Guadagnino sempre ressaltou em entrevistas que Queer (um livro lançado originalmente em 1985) é uma obra literária muito importante para sua vida, portanto, é compreensível que vejamos uma reverência à obra em alguns trechos que poderiam ter ficado de fora na transposição para o cinema. Queer conta a história de Lee (Daniel Craig), um expatriado dos EUA que se encontra na Cidade do México após ser dispensado pela Marinha. Lee vive uma vida boêmia em bares, sempre a procura de um novo parceiro sexual. Eis que um dia ele conhece outro expatriado, o jovem Eugene Allerton (Drew Starkey), um rapaz pelo qual sente uma atração imediata. Só que o rapaz aparentemente não é homossexual e está sempre na mesma companhia feminina pelas noites da cidade. No entanto, Lee, está disposto a se envolver com ele, mesmo que seja por apenas uma noite. Guadagnino é um especialista em filmar o desejo entre seus personagens (basta lembrar que Me Chame Pelo Seu Nome/2017, o recente Rivais/2024 e o estranho Até os Ossos/2022) e aqui os melhores momentos estão naquelas cenas em que consegue ilustrar o pensamento do protagonista perante aquele que deseja. Os momentos em que as ações contidas convivem na tela com as intenções de Lee garantem o maior charme do filme, que aos poucos se rende a cenas cada vez mais tórridas entre Craig e Starkey. No entanto, a questão do desejo entre os dois se torna um verdadeiro dilema, já que Allerton ainda não sabe ao certo o que está acontecendo em suas emoções ao se relacionar com outro homem mais velho e experiente, além disso, os problemas de cada um (como o refluxo de Allerton e o envolvimento de Lee com as drogas) garantem a cota de situações para o filme resolver. O problema maior está no terceiro capítulo do filme. Quando os dois partem para a América do Sul atrás de uma droga alucinógena (e se encontram com a inglesa Lesley Manville bancando a xamã latina) o filme se perde completamente. Acredito que esta parte seja bastante fiel ao livro, mas da forma como foi encaixada aqui se torna bem próxima do desastre completo. Ainda que apele para alucinações, body horror e confissões reveladoras, beira o impossível manter o interesse pela narrativa nesta parte. Talvez optar por um corte para o futuro e apresentar o que houve em flashback fosse uma saída mais eficiente. Eu sei que Queer é um termo adotado para abordar a diversidade sexual, mas Guadagnino parece ter se rendido também aquele significado mais antigo na língua inglesa (relacionado à estranheza) ao fazer um filme que se perde no meio das intenções. A cena final (o epílogo) funcionaria muito melhor se a parte anterior não testasse a paciência do espectador com tanta devoção. Quanto a Daniel Craig, não foi dessa vez que o James Bond mais recente do cinema recebeu o reconhecimento que desejava. Ninguém duvida que ele é um bom ator e que está bem em cena, mas faltou um cadinho de bom senso na execução do filme para que alcançasse voos mais altos na temporada de prêmios. Aos interessados, o longa está disponível no acervo da MUBI.
Queer (Itália - EUA / 2024) de Luca Guadagnino com Daniel Craig, Drew Starkey, Jason Schwartzman, Henrique Zaga, Colin Bates, Omar Apollo, David Lowery e Lesley Manville. ☻☻
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