segunda-feira, 30 de abril de 2012

DVD: Noviembre

Lucía e Alfredo: "Eu tentava mudar o mundo, agora só quero que o mundo não me mude". 

Acho interessante que quando menos esperamos somos capazes de encontrar um filme do qual nunca ouvimos falar e que pode nos envolver de forma tão direta. O longa espanhol Noviembre conseguiu chamar minha atenção neste fim de domingo chuvoso enquanto procurava algo de interessante na TV. Dirigido por Archero Mañas, o filme segue a moda de misturar documentário com cenas de ficção. O assunto em questão é o grupo "Noviembre" formado por estudantes de teatro que não se enquadravam no curso que faziam. De tanto questionarem o método tradicional de interpretar, acabaram fundando um grupo pautado por suas próprias regras (que eram dez e incluiam: não cobrar para as exibições, não receber incentivos públicos ou privados  e não manter pessoas que tivessem envolvimento com cinema ou TV). O palco dos integrantes de Noviembre eram as ruas e praças, onde criavam esquetes em que podiam testar automaticamente a reação do público. Embora no início o aspecto cômico prevalecesse (como na montagem de Moça Assanhada ou Anjos de Demônios - este rendendo os primeiros problemas com a polícia), eles eram capazes de criar momentos de grande dramaticidade em críticas sociais como em Os Esquecidos (onde viviam viciados, sem tetos e imigrantes)e polêmicas (Os 60 são todos seus, onde desfilavam vestindo somente casacos entreabertos nas ruas) . O filme mescla depoimentos dos integrantes nos dias atuais  com cenas de ficção retratando as dificuldade do grupo em cenas de flashback, assim, consegue promover reflexões sobre as iniciativas do grupo, assim como a forma como compreendemos a arte.  Embora tenha muitos personagens interessantes (como o radical e impulsivo Daniel vivido por Juan Díaz), o filme se concentra principalmente na figura de Alfredo (Oscar Jaenada, indicado ao Goya de ator revelação), um jovem que leva uma bronca de seu professor de teatro por contar mentiras sobre si durante as aulas. Alfredo, tem a ideia de criar o grupo com sua namorada Lucía (Ingrid Rubio) e aos poucos começa a agregar amigos ao ideal que começa a ganhar forma. Alfredo é visivelmente um idealista e são suas ambições que motivam todo o grupo a construir espetáculos cada vez mais radicais no seu contato com o público nas ruas. Com o tempo o grupo começa a estabelecer novos limites e começam a ter problemas com a polícia - melhor exemplo disso é a polêmica montagem de Atentado, onde buscam conscientizar a população para o crescimento da violência e a prática do terrorismo. Embora a iniciativa fosse carregada de boas intenções, a imagem forte de um sujeito levando um tiro a queima-roupa no meio da rua deixou pessoas em choque e ainda arranjou problemas com paramédicos e polícia que se mobilizaram para perder tempo numa farsa. "Atentado" foi interpetado como apologia ao terrorismo e mostra  como a ausência de censura e a busca pela emoção da plateia beirava a inconsequência. É evidente como Mañas idolatra os seus personagens e sua busca por uma arte repleta de denúncia social e ideais de conscientização, mas os depoimentos documentais servem para colocar o pé no chão com as observações que só a maturidade e o distanciamento temporal é capaz de fornecer sobre as melhores intenções - especialmente quando possuem problemas com a justiça. O bacana é que o roteiro acompanha o grupo até sua maior crise, quando alguns de seus ideais são revistos e começam as discussões entre os parceiros de cena. Mas nada surpreende mais do que o último ato, uma reflexão profunda sobre a forma como o mundo se relaciona com a arte. A última parte da narrativa é tão forte e avassaladora   em sua provocação de como a arte se dilui para ser cada vez mais comercial que os ideais acabam morrendo, literalmente.  Sem ser panfletário ou intelectualóide, Noviembre promove uma bem vinda reflexão sobre o que consideramos da relação entre arte e plateia em nossos dias - e seu detalhamento ao contar a trajetória de Alfredo e seu bando nos faz até fingir que não percebemos que os entrevistados na parte documental são mais velhos do que deveriam (já que o grupo atuou na década de 1990). Mañas remete à estratégia de um grupo teatral que nunca existiu para seduzir o seu espectador pela mesma fórmula surpreendente.

Noviembre (Espanha/2003) de Achero Mañas com Oscar Jaenada, Ingrid Rubio, Javier Ríos e Juan Díaz. 

FILMED+: As Bicicletas de Belleville

Bruno (o cão), Champion e Souza: só vendo, só vendo...

Eu ainda estava na faculdade quando uma amiga comentou ter assistido à animação francesa As Bicicletas de Belleville de Sylvain Chomet. Ela comentava com um deslumbramento que mais parecia uma espécie de transe e vivia repetindo que não sabia nem falar sobre o filme, dizia: "só vendo, só vendo". Eu acabei não vendo o filme nos cinemas e a outra referência que eu tinha era sua indicação ao Oscar de animação e ao prêmio de canção (pela chiclete Belleville Rendez-vous, que rendeu um dos números mais animados da história da premiação). Eu acabei vendo o longa há alguns anos quando achei o DVD numa daquelas bancas promocionais de loja de departamento e entendi totalmente o que minha amiga queria dizer. Só vendo. Mas vou tentar escrever sobre ele. Pra começar, Chomet confia tanto em sua capacidade de contar uma história com seu traço originalíssimo que dispensa diálogos pela maior parte da sessão, tudo se concentra bastante na força das imagens que deseja nos mostrar e sua conjugação perfeita com a trilha sonora, talvez por privilegiar tanto as sensações que suas imagens incomuns nos provocam, muitos consideram a trama de Belleville surreal. O traço lembra muito os livros infantis mais antigos - e as cores só ressaltam o aspecto envelhecido em sua paleta de tons predominantemente marrons. A trama conta a história de Champion, um garotinho que é cuidado pela sua avó, uma portuguesa chamada Madame Souza. Com o objetivo de alegrar o neto, ela lhe compra um cachorro, mas logo o animalzinho é esquecido pelo menino. Souza então percebe o interesse do menino por bicicletas e lhe compra um triciclo. Nessa parte o diretor evoca diretamente o clima da década de 1930 (embalado pelo sucesso de três irmãs cantoras de cabaret desses anos), mas tudo que era luminoso se torna sombrio quando a narrativa avança vários anos e apresenta uma cidade que cresceu sem planejamento, perdendo luminosidade e recebendo um aspecto bagunçado e até sombrio. Descobrimos que Souza treinou seu neto para ser um grande ciclista para participar da famosa competição Tour de France (e o traço inesperado de Chomet reserva um corpo esguio para Champion em contraste com as pernas grossas que se espera de alguém que treinou a vida inteira numa bicicleta), o problema é que ao participar da prova (com a ajuda de sua avó que fica apitando atrás dele como uma severa treinadora) o rapaz acaba desaparecendo, sendo sequestrado por misteriosos personagens vestidos de preto. Madame Silva então parte na missão de encontrar o neto ao lado do seu fiel cão de guarda. O diretor poderia investir no tom de aventura, mas prefere se dedicar a explorar as esquisitices que a esperta Madame Souza encontra pelo caminho numa cidade grande. Neste ponto o melhor momento é quando torna-se hóspede das famosas cantoras de Belleville - não vou nem contar como e o que elas pescam para o jantar, mas posso dizer que estranhamos como Souza não pode ler jornais, mexer na geladeira vazia ou no aspirador de pó na casa de suas anfitriãs. Enquanto descobrimos o sombrio motivo de Champion ter sumido, nos deparamos com um dos momentos musicais mais bacanas de todos os tempos - quando o trio de cantoras ressignificam objetos como instrumentos musicais, criando uma melodia que serve para a cena mais delirante e lírica de todo o filme (que se passa na mente do cachorro). Com uma cena de perseguição no final que mais parece um episódio do desenho Corrida Maluca, Sylvain Chomet termina seu filme como uma ode nostálgica (e ousada) à França que perpassa toda a trama sobre o amor de uma avó pelo seu neto. Vejo que minha amiga tem razão, o máximo que eu consegui fazer foi descrever um pouco a história, a melhor mesmo é captar toda a atmosfera do filme quando nos rendemos às esquisitices de Chomet (com referência à obra de Salvador Dalí) numa viagem para um universo estranho, que na verdade é uma releitura fabulosa do nosso. 

As Bicicletas de Belleville (Les triplettes de Belleville/França-Canadá-Bélgica-2003) de Sylvain Chomet com vozes de Michèle Caucheteux, Jean Claude Donda, Michel Robin e Monica Vegas. 

domingo, 29 de abril de 2012

DVD: O Mágico

O mágico e o seu companheiro: um mundo sem lugar para magias.  

O animador francês Sylvain Chomet ganhou o mundo quando realizou o diferente As Bicicletas de Belleville (2003) que foi indicado ao Oscar de animação e canção. Belleville já deixava claro que Chomet não estava disposto a se render aos recursos mais modernos da animação, preferindo os desenhos a mão. Seu traço também estava longe das linhas arredondadas e tons rosados dos filmes clássicos da Disney - e seu roteiro não se preocupa muito com as falas, deixando que elas apareçam raramente, de forma que devemos nos concentrar nas expressões faciais e físicas dos personagens criados por ele. A história flerta todo o tempo com o surreal e a força narrativa da trilha sonora combina sempre com as imagens  caprichadas. Enfim, Sylvain Chomet tem um estilo próprio de fazer cinema, de forma que ao colocarmos os olhos em uma de suas obras somos capazes de reconhecê-la instantaneamente (quantos cineastas são capazes disso?). Lançado em 2010 no Festival de Berlim, O Mágico chamou a atenção do público e da crítica, recebendo fôlego para concorrer ao Oscar de animação (o filme ainda ganhou o César de melhor animação e o Prêmio do Cinema Europeu na mesma categoria). Baseado numa obra inédita de Jacques Tati (escrita em 1957), Chomet conta a história de um velho mágico (com traços inspirados em Tati) que na década de 1950 percebe que existe uma mudança no mundo das artes. Trata-se dum período de menos contemplação e nascimento do Rock'n roll (a cena em que espera a banda The Britoons acabar o show rende boas risadas) com suas fãs histéricas - e seus números de tirar o coelho da cartola chama cada vez menos a atenção do público. Ele faz shows pela Europa sempre com a mesma impressão de que o mundo está mudando e que ainda não encontrou o seu espaço no meio de tanta transformação. É na Escócia que encontra uma jovem que se interessa por seus números e ela segue viagem com ele, fazendo-lhe companhia e dando um pouco de graça à uma vida deslocada - afinal, a única companhia do mágico era o seu temperamental coelho branco. É na relação de ambos que o filme caminha em seu segundo ato, sempre equilibrando melancolia com um humor sutil típico de Jacques Tati combinado ao de Chomet. O diretor capricha nos planos de fundo, deixando tudo como se Paris houvesse se transformado num belíssimo livro infantil. Mas nem tudo é belo como o cenário, o mágico tem que pagar as suas contas e percebe que para ganhar dinheiro precisa vincular seu trabalho cada vez mais com a propaganda e o consumo (chega a trabalhar fazendo mágicas com lingeries numa vitrine ou pintando outdoors com trapezistas num dos momentos mais geniais do filme). É visível o desconforto do personagem nesses momentos, acrescente o fato de sua amiga começar a namorar um vizinho e ver o triste destino de um ventríloquo e sua marionete que a situação se agrava ainda mais. Mesmo quem não curte o tom "artístico" do desenho irá reconhecer que todos os prêmios que Chomet receber serão merecidos, mas quem gostou do humor amalucado de As Bicicletas de Belleville irá estranhar a mudança quase brusca no tom, já que por trás de todas as gracinhas que vemos nas cenas, o filme fica cada vez mais deprimente quando o protagonista percebe que não há espaço para sua arte no mundo. São belíssimas as cenas em que o destino dos personagens tomam seus caminhos rumo ao final, especialmente na cena do vagão de trem, onde podemos sentir o dilema do mágico em alegrar uma criança com sua mágica ou não. Ainda que termine fazendo surgir um um nó em nossa garganta, O Mágico é mais um belo trabalho de Chomet.  

O Mágico (L'Illusionist/França-Reino Unido-2010) de Sylvain Chomet com vozes de Jean Claude Donda, Eilidh Rankin e Duncan MacNeil. 

PODERES ESPECIAIS - 5ª EDIÇÃO

Nem só de HQs vivem os personagens com super-poderes no cinema. Vivendo como pessoas comuns estas pessoas tentam esconder suas habilidades...

Yen (Onze Homens e Um Segredo)
Poder: Elasticidade
Contratado pelo grupo de Danny Ocean, Yen recebe as missões mais estapafúrdias graças às suas habilidades acrobáticas. Na verdade Yen esconde um grande segredo, seu corpo é feito de borracha e por isso consegue realizar movimentos impossíveis para as pessoas comuns. Embora não seja de falar muito, não acredite quando ele diz que suas habilidades correspondem ao treino exaustivo de uma vida circense desde pequeno ou nas horas gastas em yoga. Yen possui células especiais, o que lhe permite toda a flexibilidade que conhecemos. 

Vera (A Pele que Habito)
Poder: Pele indestrutível
A misteriosa Vera teve seu corpo totalmente reconstruído em laboratório por um cientista não muito ético ou normal das ideias, mas apesar de dolorosas alterações em sua anatomia, Vera recebeu uma pele sintética resistente à ferimentos e até às chamas. O maior problema é que ninguém perguntou se ela queria tamanho presente! Após cometer um crime, a personagem permanece desaparecida - mas há quem acredite que ela trabalha atualmente para o serviço secreto espanhol. 

Ricky (Ricky)
Poder: Voar
Desaparecido ainda bebê, o menino chamado Ricky era filho de operários na França e começou a chamar atenção quando começou a nascer asas. Preocupados com o que estava acontecendo os pais acabaram contando à imprensa - o que assustou o menino que acabou fugindo. Sabe-se que de vez em quando o pequeno aparece para a sua mãe àss margens de um rio. Avesso a aparecer em público, o pequeno Ricky pode ser facilmente confundido com um anjo. Ainda não está confirmado seu grau de parentesco com o Arcanjo do X-Men. 

Grace (Os Outros)
Poder: Invisibilidade/Imortalidade
Tão bela quanto sinistra, Grace possui um segredo que a torna imortal e invisível para a maioria das pessoas. Sobrevivendo num casarão por muitos anos ao lados dos filhos com fotossensibilidade, Grace é capaz de entrar sem ser percebida em qualquer lugar - de forma que os outros acreditam que ela é um fantasma, o que ela nega. A claridade lhe incomoda, mas não tanto quanto ver seus filhos em perigo. Para missões extremamente secretas as habilidades desta loura é a melhor estratégia

O Grande Danton (O Grande Truque)
Poder: Multiplicidade
Na verdade Robert Angier começou sua carreira como ilusionista no século XIX, embora tenha boa índole a morte da esposa o deixou profundamente traumatizado - ao ponto de perder as estribeiras quando seu inimigo (o também ilusionista Alfred Borden ) está por perto. Mas o maior truque de Danton é (um grande SPOILER)  poder  dar origem a vários de si com a ajuda de uma máquina desenvolvida pelo mago Tesla. Desta forma pôde ficar vivo até a atualidade e destruir seus adversários. O problema é que nem ele lembra mais quem é o original. 

sábado, 28 de abril de 2012

Na Tela: Os Vingadores


Thor, Homem de Ferro e Capitão América: domando os egos super-poderosos!

Quando moleque eu não curtia muito os gibis da Marvel, eu achava aqueles heróis problemáticos demais, cheios de traumas, conflitos... o engraçado é que a gente cresce e percebe que são essas complexidades que tornam os personagens (de qualquer mídia, filme, livro, HQ...) mais interessantes. Desde que a Marvel se meteu a fazer filmes dos seus heróis, ela não perdeu esse fator de vista e, ciente de que um filme de duas horas e alguns minutos - não daria conta do que sua superequipe tem de melhor. Então, resolveu fazer um longa dedicado a cada herói para dar base à sua empreitada mais ambiciosa: Os Vingadores. Fazer um filme misturando personagens - e suas legiões de fãs nas salas de cinema - não é tarefa fácil (a DC Comics que o diga, já que até hoje não conseguiu tirar seu Liga da Justiça do platônico mundo das ideias). Depois que vimos como as peças se ajeitavam nos filmes de Homem de Ferro (2008 e 2010), Thor (2011) e Capitão América (2011) sabiamos que a coisa poderia funcionar se soubessem apertar os botões certos. Os Vingadores é o primeiro blockbuster de verdade do ano e dá para visualizar o orçamento inchado em cada cena, assim como a vontade explícita (até demais) de conquistar o público com humor e muita ação. Em Homem de Ferro 2 ficou claro que a intenção era convencer o egocêntrico Tony Stark (Robert Downey Jr.) para um grupo de heróis capaz de proteger a terra de grandes ameaças, misture isso com o irmão malvado de Thor (Chris Hemsworth) , Loki (Tom Hiddleston) com sede de vingança e poder concretizados num cubo místico utilizado pelos nazistas derrotados pelo Capitão América (Chris Evans) que você entenderá a premissa do filme. Loki precisa do cubo místico para abrir um portal para que seus seguidores alienígenas invadirem a Terra e ajudá-lo a dominá-la. Diante da situação a misteriosa agência S.H.I.E.L.D. liderada por Nick Furry (Samuel L. Jackson) recruta Homem de Ferro, o descongelado Capitão América e Bruce Banner  (Mark Ruffalo) - mais conhecido como Hulk - com a ajuda de Viúva Negra (Scarlett Johansson) para formar uma super equipe de heróis. Diante da ameaça de seu irmão ao mundo que prometeu proteger, Thor (Chris Hemsworth) aparece para ajudar. Quem conhece as histórias em quadrinhos da equipe, sabe que Os Vingadores são famosos por sua constantes brigas (que leva a reformulações constantes no grupo) e o filme não deixou os desentendimentos de fora, afinal de contas, nada mais coerente que um grupo de seres tão especiais tivessem egos tão grandes quanto seus poderes - prova disso é que Viúva Negra e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) não possuem super-poderes e são os integrantes mais cientes da importância do projeto em que se meteram. Loki sabe que juntar tantos poderes num grupo pode ser uma grande armadilha e manipula o grupo enquanto pode para que ele se destrua quando deveria estar unido. O diretor Joss Whedon (criador de Buffy-A Caça Vampiros) acerta na mosca no ritmo insano das cenas de ação, no potencial barulhento que tem em mãos e tempera tudo com muitas piadinhas (algumas perigosas, principalmente quando Hulk soca Thor sem motivo aparente ou quando trata Loki como um trapo). O maior perigo é que no meio de toda a ação o filme deixasse os personagens em segundo plano, mas não é isso que acontece, todos tem os seus momentos e os atores dão conta de seus papéis com uma habilidade rara em blockbusters, dos astros ao ilustre coadjuvante Clark Gregg (que interpreta o agente da S.H.I.E.L.D que aparece desde o primeiro Homem de Ferro) todos se encaixam numa coerência louvável. Destaco ainda a atuação de Ruffalo como Bruce Banner/Hulk, que, embora não apareça mais do que os outros, consegue dar uma consistência ao personagem que fez falta em todas as aventuras solo do herói (o engraçado é que ele faz em poucas cenas tudo que Edward Norton e Eric Bana não conseguiram em filmes inteiros). Sem perder o desenvolvimentos dos personagens - Homem de Ferro precisa aprender a levar as coisas a sério, Hulk precisa se controlar, Capitão América precisa se situar num grupo que não é de seu tempo... - Os Vingadores é um filme pipoca saboroso e deve garantir mais uma franquia milionária à Marvel (além de vitaminar ainda mais as aventuras solo de seus heróis). A julgar pela empolgação do público é o primeiro forte candidato a maior bilheteria do ano - seu maior concorrente ao título é Dark Knight Rises que deve terminar a era Nolan nos filmes do Homem Morcego, mas até o herói da DC estrear em julho a patota da Marvel deve reinar absoluta.

Os Vingadores (The Avengers/EUA-2011) de Joss Whedon com Robert Downey Jr., Chris Evans, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Scarlett Johansson, Samuel L. Jackson, Clark Gregg, Jeremy Renner, Stellan Sarsgaard e Gwyneth Paltrow. 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

CATÁLOGO: A Mulher e o Atirador de Facas

Auteuil e Paradis: saborosa comédia romântica. 

Pouca gente lembra mas aquela famosa música da Senhora Luciano Huck, "Vou de Táxi" é uma versão de uma música francesa "Joe le Taxi" de Vanessa Paradis (antes que me perguntem como minhas mente lembra desse tipo de coisa eu explico, a minha irmã mais velha tinha um LP com essa música que tocava insanamente na vitrola da casa de meus pais. Agora, não me peça para explicar o que era um LP ou uma vitrola). Acontece que o tempo passou e Paradis pode não ter emplacado outro hit mundial como aquele, mas conseguiu seguir na carreira de cantora e ainda tornar-se uma atriz de respeito na França. Até recentemente casada com Johny Depp, para entender o motivo do verdadeiro culto que algumas pessoas nutrem por ela, basta assistir a esta comédia romântica do diretor Patrice Leconte. Pode se considerar genial a ideia de uma história de amor entre uma garota deprimida convidada para ser o alvo de um atirador de facas ("Não, muito obrigada! Prefiro me virar sozinha" é sua primeira resposta para ele). Temperando a quase dois milhões de bilheteria - o que é uma raridade para um filme em língua estrangeira e em preto e branco). O filme começa com Adèle (Paradis) comentando as suas tristezas, sua má sorte para escolher namorados, a falta de amigos, o azar que teve durante toda a vida. Nesse monólogo sincero (que depois mostra ser mais uma entrevista) a personagem já desperta o nosso interesse e nos faz torcer para que não se atire de uma ponte. Sorte que naquela noite um homem cruza o seu caminho, Gabor (Daniel Auteuil, em sua atuação mais galanteadora) e a convida para ser alvo em seu espetáculo de atirador de  facas. Adéle fica assutada no início, mas acaba aceitando a empreitada. O roteiro constrói delicadamente a relação do casal nos bastidores dos shows angustiantes (onde Adèle se torna um alvo coberta por lençol branco, num trem em movimento ou numa roda da morte). Desde o início Gabor deixa claro que não é sua habilidade que faz a diferença, mas a sorte de seu alvo que é primordial para o sucesso dos números realizados. Juntos eles descobrem que tem uma sorte danada, sendo capazes de dar prejuízo a cassinos e encontrar objetos valiosos pelo caminho. Diante da química que brota dos personagens/atores as coisas poderiam se resolver de forma mais fácil entre eles se Gabor não tivesse como mandamento nunca se relacionar com seus alvos (restando à Adèle continuar sua peregrinação em busca do homem de sua vida - o candidato mais curioso é um contorcionista vestido de leopardo). A sorte é apenas o sinal de que Adèle e Gabor são verdadeiras almas gêmeas (um sem o outro é como uma cédula pela metade, sem valor algum), mas que demoram (ou evitam?) a admitir isso. Leconte conta sua história com um visual invejável (mesmo sendo em preto e branco, que confere ao filme um ar clássico e glamouroso) e momentos incomuns para quem está acostumado com as comédias românticas tradicionais. A cena inicial com o monólogo de Adèle é longa (oito minutos filmados de uma só vez) e pode afugentar os mais ansiosos, mas vale a pena resistir para ver as cenas de show que parecem mais relações carnais entre os personagens (sem que eles encostem um dedo um no outro), sem falar nos diálogos à distância travados antes do final e o bom humor que perpassa toda a narrativa. Tanto esmero na produção lhe valeram indicações ao Globo de Ouro e o BAFTA de filme estrangeiro, além de oito indicações ao prêmio César, onde ganhou a  categoria de ator com Daniel Auteuil. 

A Mulher e o Atirador de Facas (La fille sur le pont/França-1999) de Patrice Leconte com Daniel Auteuil, Vanessa Paradis, Demetre Georgalas e Bertie Cortez. 

DVD: Tokyo Godfathers

Gil, Myiuki e Hana: um simpático conto natalino. 

Neste final de semana assisti a animação Tokyo Godfathers e me deparei com uma grata surpresa. Não sei se é comum entre os cinéfilos, mas sempre que vejo a palavra Godfather imagino que é algum filme sobre máfia (para quem não lembra The Godfather é o nome original de O Poderoso Chefão) e acabo esquecendo o sentido original da palavra: padrinho. Tokyo Godfathers é uma belíssima animação, com um cuidado que transcende a estética do traço irrepreensível, a profundidade dos personagens é espetacular! Em diversos momentos eu esqueci de que estava diante de um desenho animado graças à saga de fim de ano de um trio de mendigos japoneses muito bem intencionados. O barbudo Gil, a adolescente Miyuki e a travesti Senhorita Hana vivem na capital japonesa e em meio ao clima de fim de ano (e todas as reflexões cabíveis em alguém que vive nas ruas, longe da família com fome e frio), Hana insiste para que encontrem um presente para Myiuki - e acabam encontrando um bebê perdido no lixo. Enrolado num cobertor com algumas fotos e uma chave. Hana, automaticamente adota a criança, alimentando ainda mais seu lado maternal e resolver seus próprios problemas íntimos, mas os outros dois sabem que cuidar de um bebê nas condições que vivem (num barraco de papelão e pedaços de madeira) não será muito fácil, portanto são enfáticos em estabelecer que no dia seguinte eles procurem à mãe da criança. Com muito humor e doses de drama, a jornada em busca da mãe do bebê serve como pretexto para que conheçamos ainda mais a história desses três personagens, os motivos que os guiaram a viver nas ruas, suas tristezas e angústias, ao mesmo tempo que o roteiro os distancia da caricatura. Nessa busca pela mãe desaparecida acabam discutindo os laços que os une numa família anticonvencional e se deparam com o que parece ser a máfia japonesa, investigações policiais e delinquentes (que maltratam os mendigos sobre o pretexto de limpar as ruas). Mas esses momentos mais agressivos são poucos e não chegam a espantar o tom natalino do filme. Na véspera de Natal eles acabam se perdendo pela cidade, enfrentando aventuras e desafios, esbarrando em familiares e amigos importantes em suas histórias de vida. Inspirado claramente no filme O Céu Mandou Algúem (3 Godfathers/1948) de John Ford, o filme mistura magistralmente referências ocidentais  no desenvolvimento dos personagens (como as obras de Charles Dickens), sem perder traços da cultura japonesa. Embora exista aquelas expressões exageradas típicas dos animes (olhos arregalados, bocas gigantes, gestos exagerados) são nos momentos mais sutis das cenas mais significativas que o filme dá conta de seu recado como representante da cultura oriental - olhar cabisbaixo, palavras não ditas, o tom de voz apropriado. O diretor Satoshi Kon demonstra grande habilidade na condução da trama e na mistura de referências num equilíbrio notável - o que se tornou sua marca registrada assim como a exuberância dos planos de fundo. Falecido precocemente em agosto de 2010, aos 46 anos de câncer no pâncreas, o diretor ficou conhecido por longas como Perfect Blue (1997) e Paprika (2006) onde sempre apresentou interesse pela complexidade psicológica dos personagens.

Tokyo Godfathers (Japão/2003) de Satoshi Kon com vozes de Aya Okamoto, Toru Emori e Yoshiaki Umegaki. 

domingo, 22 de abril de 2012

DVD: Os 3

Cazé, Camila e Rafael: três corpos tentando ocupar o mesmo espaço.

Aos poucos o cinema brasileiro começa a voltar a sua lente para o público jovem - que é o grupo mais difícil de ser agradado (afinal, é o que tem mais possibilidade de diversão que não seja a sala escura). Enquanto longas como Muita Calma nessa Hora (2010) e Desenrola (2011) investem menos nas histórias e mais nas piadas, outros como Apenas o Fim (2009), Os Famosos e Os Duendes da Sorte (2009) e As Melhores Coisas do Mundo (2010) preferem levar os dramas juvenis a sério, já Os 3 de Nando Olival  fica no meio dessas duas vertentes - já que não é uma comédia rasgada e está muito distante de soar deprimido. Apesar de não ter alcançado sucesso arrebatador, o filme tem alguns elementos que poderiam servir de parâmetro para quem investir no gênero. Para começar o roteiro é visivelmente bem cuidado, sem firulas moderninhas, prefere ser direto e não enrolar sobre os dilemas dos personagens. Camila (Juliana Schalch), Cazé (Victor Mendes) e Rafa (Gabriel Godoy) são universitários e após se conhecerem numa festa resolvem morar juntos no apartamento de Cazé e fazem um pacto de amizade, que inclui não haver romance entre nenhum deles (com o pretexto de que um deles ficaria sobrando). Desde o início dá para perceber que há atrações mútuas no trio, mas eles preferem ignorar isso entre os compromissos da facul. Tornam-se inseparáveis. Porém, quando passa os quatro anos da graduação e esta fase da vida chega à reta final, está na hora de enfrentar os sentimentos que preferiam esconder. Ou pelo menos, eles são descobertos quando Rafa percebe que Camila e Cazé já tinham um affair há algum tempo. O filme poderia até se acomodar e se tornar mais uma comédia romântica de encontros e desencontros amorosos, mas surge então outra virtude do longa: preparar surpresas para o espectador conforme a narrativa avança. Os três são responsáveis por um trabalho na faculdade de comunicação social onde criam um reality show online onde todos os produtos utilizados podem ser comercializados. Um agência publicitária se interessa pela ideia, compra a estratégia, mas com a condição dos três serem os participantes do reality. É engraçado como a presença da câmera faz empacar os rumos das relações que se desenhavam (embora a tensão sexual só aumente) e somente quando a estratégia está prestes a ser cancelada que as coisas evoluem para um outro patamar. Embora seja essencialmente uma comédia romântica, Os 3 consegue segurar a atenção do espectador com surpresas pelo caminho que nunca soam forçadas e ainda traz algumas reflexões sobre as fronteiras da realidade e da ficção (que muitas vezes se misturam no reality criado pelo trio), além disso  estabelece questões sobre privacidade e consumo. Conforme o trio consegue aumentar as vendas, sentem-se cada vez mais produtos da internet e menos sujeitos capazes de se relacionar de verdade. Estrelado por desconhecidos (o rosto mais famoso é de Sofia Reis, que foi VJ por um tempo na MTV) o filme não dá aos personagens aquele gosto de plástico que geralmente se vê nesse tipo de produção - e o visual desglamourizado serve para acentuar ainda mais que a câmera de Olival está mais preocupado com a criação de uma história do que a pasteurização do gênero. O diretor, que antes havia assinado Domésticas  (2001) ao lado de Fernando Meirelles, consegue transmitir bastante naturalidade nas situações apresentadas. Os 3 só poderia ser um pouco mais longo, para dar tempo dos amigos Camila, Cazé e Rafa aprofundarem mais os sentimentos que nutrem um pelo outro - mas aí a coisa poderia virar um verdadeiro Big Brother!

Os 3 (Brasil/2011) de Nando Olival com Juliana Schalch, Victor Mendes, Gabriel Godoy, Sofia Reis e Cecília Homem de Melo. 

DVD: Ondine

Ondine: bela mistura de romance e fantasia. 

Não há dúvidas de que Neil Jordan é um grande cineasta, mas faz tempo que um filme do diretor não encontra o sucesso. Apesar de ter assinada o sucesso de bilheteria Entrevista com o Vampiro (1994), Jordan prefere realizar obras mais intimistas e, de preferência, com um romance diferente na trama - foi assim com o filme que o revelou para o mundo (Traídos pelo Desejo/1992) e com seu último sucesso nas telonas (Fim de Caso/1999). Enquanto se dedica à série Os Bórgias e finaliza seu longa Byzantium (novamente sobre vampiors) resta-nos assistir Ondine, ele voltou a contar uma triste história de amor, só que desta vez o público e a crítica não  se empolgaram muito com o resultado. O que há de mais interessante em Ondine é a forma como o diretor flerta o tempo inteiro com a fantasia, e, mesmo depois que ela se desmancha ainda resta momentos mágicos no roteiro que tornam a fita mais interessante do que a média. O filme já começa de forma promissora, com a imensidão do mar sob a trilha sonora melancólica. Quando a câmera encontra seu protagonista, um pescador chamado Syracuse (Colin Farrell, ainda empenhado em ser levado a sério) pesca uma mulher (Alicja Bachleda, que parece a irmã mais experiente de Kristen Stewart) em sua rede. Aparentemente não se trata de uma sereia, após ficar consciente, ela deixa claro que possui alguns segredos que prefere não revelar. Desde o início ela prefere ficar escondida, e Syracuse a leva para uma casa abandonada. Ela diz se chamar Ondine e aceita a acolhida do pescador. Não demora para Syracuse perceber que Ondine lhe dá sorte na pesca, basta ela estar a bordo e cantar sua música estranha para que lagostas e salmões sejam pescados garantindo um período de bom sustento. Ciente de que a situação possui um bocado de  fantástico, o pescador começa a contar sua história como se fosse um conto de fadas para a filha que possui problemas de insuficiência renal. Diante da história a menina acredita que a mulher resgatada é uma selkie, uma figura do folclore escocês que é meio mulher, meio leão marinho e que ao estar na terra esconde sua capa marinha para conviver entre os humanos. O filme utiliza bastantes elementos folclóricos para prender a atenção do espectador, tornando Ondine cada vez mais misteriosa, aceitando as fantasias da menina e nutrindo um afeto cada vez maior por Syracuse - cujo apelido Circus, já demonstra que não era levado a sério pela vizinhança local devido ao alcoolismo. Jordan conta sua história no ritmo correto, aprofundando as relações do trio principal sem pressa, com belas paisagens e sinais de que o contato desse mundo imaginário com a realidade será inevitável. O filme funciona que é uma beleza como fábula romântica tratando Ondine como figura envolvente com sua história regada às sete lágrimas necessária para viver com o pescador de seu conto de fadas. Quando homens estranhos aparecem na cidade em busca dela, sabemos que as coisas vão tomar outro rumo. É belíssima a cena em que Syracuse desiste do romance improvável com um ser mitológico, mas existe uma virada brusca pouco depois - e o filme acaba errando a mão por não utilizar um caminho mais sutil para abordar a triste história de Ondine. Quando resolve retomar  a atmosfera anterior a sensação é que algo se perdeu, talvez por pressão dos produtores ou por não confiar na história de amor singela que tinha em mãos, o diretor injetou doses de violência na história. Sorte que até chegar nessa parte já estamos totalmente absorvidos pelo romance dos dois - que consegue utilizar elementos fantásticos com bastante equilíbrio, sem cair no ridiculo. Para melhorar, o filme ainda é embalado pelas melodias de uma das minhas bandas favoritas, a islandesa Sigur Rós. Apesar da bilheteria modesta, trata-se de um filme para assistir e ficar na mente (e nos ouvidos) por vários dias.

Ondine (Irlanda/EUA-2009) de Neil Jordan com Colin Farrell, Alicja Bachleda, Alison Barry, Tony Curran e Stephen Rea. 

sábado, 21 de abril de 2012

Combo: Baseado em Música

Nos últimos anos se tornaram comuns os longas baseados em canções famosas. Vale lembrar que estão em processo de produção mais dois longas: American Idiot baseado no cultuado álbum da banda Greenday (a ser produzido por Tom Hanks depois do sucesso alcançado na Broadway) e o brasileiro Faroeste Caboclo, calcado na música quilométrica da Legião Urbana. Neste combo eu destaquei os filmes mais badalados por se inspirar em músicas consagradas:

5 Veja Esta Canção (1994) O primeiro filme brasileiro que me vem à cabeça  quando lembro de músicas como inspiração é esse longa de Cacá Diegues, que une quatro curtas de gêneros diferentes. A músicas Pisada de Elefante (de Jorge BenJor) origina um romance suburbano proibido, Drão (de Caetano Veloso e Gilberto Gil) investe num olhar sobre a zona sul carioca, Você é Linda (de Caetano) aborda meninos de rua e Samba do Grande Amor (de Chico Buarque) - considerado o melhor - se trata das obsessões de um anotador do jogo do bicho. Embora o formato atribua irregularidade ao filme, ele se tornou um sucesso de bilheteria no período da retomada do cinema nacional.

4 Cisne Negro (2010) Tem gente que vai estranhar ver esta obra-prima de Darren Aronofsky na lista, mas é inevitável perceber a influência das músicas de Tchaicovsky na criação da trajetória obscura em que mergulha a bailarina Nina (Natalie Portman) ao vestir o lado mais dark do espetáculo Lago dos Cisnes. A utilização constante da trilha do balé só entrega o quanto Cisne Negro é uma versão moderna da princesa enfeitiçada que precisa lidar com as artimanhas de sua maior inimiga (que acaba sendo ela mesma). Tão belo quanto esquizofrênico, o longa de Aronofsky bateu recordes de bilheteria, tornou-se o maior sucesso de sua carreira e ainda lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar (tudo isso com a intenção de ser uma homenagem à sua irmã - que penava ensaiando para o espetáculo). 

3 Cenas do Subúrbio (2011) O curta metragem de Spike Jonze estreou no Festival de Berlim e vai ser visto por um bom tempo somente na Internet - já que ainda não tem perspectiva de ser lançado por aqui (nem em DVD). Baseado no (excelente) álbum The Suburbs da banda Arcade Fire, o filme aborda o processo de maturidade de dois adolescentes, um sob uma perspectiva otimista e outro de forma pessimista em meio à intervenção militar que acontece na vizinhança. O clipe da música The Suburbs serve de trailer para o filme e marca o tom melancólico e tenso que perpassa a quase meia hora de projeção. Quem curte o trabalho de Jonze e do Arcade Fire pode conferir as obras de ambos numa versão dupla e limitada do álbum (que só foi lançada na Europa).

2 O Abismo Prateado (2011) Quando exibido em Cannes no ano passado, muitos críticos se perguntaram o motivo do novo longa de Karïm Ainouz não participar da mostra competitiva (muitos acreditaram que a atuação de Alessanda Negrini merecia mais o prêmio de atriz do que várias outras atrizes que estavam na competição). Baseado na canção Olho nos Olhos de Chico Buarque, o filme é uma viagem sensorial pelas vinte e quatro horas do dia em que Violeta (Negrini), uma dentista de 40 anos descobre que foi abandonada pelo marido após 14 anos de união. O mais interessante do longa é a sensação de perda que o diretor consegue exalar em cada cena da atuação desconcertante de Negrini (que após desilusões televisivas encontrou refúgio no cinema).

1 Magnólia (2009) Baseado nas músicas da cantora Aimée Mann, Paul Thomas Anderson resolveu escrever o roteiro de Magnólia, curiosamente os dois foram indicados ao Oscar, ele pelo roteiro e ela pela (belíssima) canção  "Save me" que toca na última cena do filme. O filme mistura a vida de nove personagens de Los Angeles, um enfermeiro (Phillip Seymour Hoffman), um policial (John C. Reilly), um palestrante misógino (Tom Cruise, indicado ao Oscar de coadjuvante), um homem doente (Jason Robards), uma viciada em drogas (Mellora Walters), uma golpista arrependida (Juliane Moore), um ex-prodígio (William H. Macy) entre outros personagens em cenas que flertam o tempo inteiro com o realismo e o surreal. De chuvas de sapo à coincidências inesperadas o filme foi premiado em Berlim é tão ousado que o estilo do diretor mudou radicalmente depois dele. 


CATÁLOGO: The Wall


Geldof: A passividade que atira para todos os lados.

O veterano diretor Alan Parker anda sumido, desde o incômodo A Vida de David Gale (2003) não lança um longa metragem. Parker tem um talento incomum para construir cenas e um interesse muito especial pela música pop, uma vez que assinou sucessos como Fama (1980), The Commitments (1991) e Evita (1996), além de The Wall (1982), famigerado longa metragem baseado no álbum homônimo do Pink Floyd. Houve uma época que eu me sentia um verdaderio ET por não ter visto o filme, todo mundo tinha uma opinião sobre ele, sobre suas cenas surreais, o fluxo delirante dos pensamentos do protagonista, suas críticas à escola e outras coisas. Bem, chegou a minha hora de tecer a minha humilde opinião sobre o filme com roteiro de Roger Walters. Devo admitir que há um bocado de ideias no filme, mas dizer que todas são interessantes é um engano. Dá para entender os motivos de ter causado grande impacto e polêmica quando foi lançado em 1982, mas passado trinta anos, o filme envelheceu mais do que deveria. Por vezes tive a impressão que Parker criou clipes para as músicas do álbum e que Waters se preocupou em criar um historinha preguiçosa para amarrar as ideias presentes nas canções. Sei que o álbum é conceitual, mas em sua transposição de som para imagem não existe necessariamente cinema. Obviamente que existem cenas belíssimas, momentos que beiram o cinema experimental que um bando de universitários da faculdade de cinema podem fazer com mais coesão e coerência do que vemos aqui, mas o longa não consegue empolgar para que acompanhemos hora e meia de reclamações sobre o mundo cruel. A trama gira em torno de um roqueiro chamado Pink (Bob Geldof que como ator é um bom músico) e seus dilemas pessoais. Pink tem uma legião de fantasmas para exorcizar enquanto vive uma crise depressiva gerada pela fama. Ele revisita a escola (que o transformou em carne moída?), a mãe zelosa (que o tornou passivo?), os horrores da guerra e a traição da esposa (que se cansou de sua autopiedade passiva?). Sei que o filme pretende ser crítico ao "sistema", mas não custava nada ter procurado alvos mais originais, o próprio protagonista não sabe que rumo tomar em sua vida e quando resolve reagir prefere quebrar quartos de hotel, se automutilar e tornar-se um líder nazi-fascita contra aqueles que são considerados diferentes pelo senso comum. Não há nada pior do que o perseguido tornar-se perseguidor. Os momentos em que o filme alcança seus melhores momentos ainda são os embalados por Anoher Brick in the Wall - com todas aquelas famosas alfinetadas ao sistema educacional  - e Comfortably Numb (cujo a letra nem é de Waters, mas de David Gilmour) quando o menino Pink perpassa os momentos de seu futuro obscuro. Sei que o filme não pretende ser um longa bonitinho de começo, meio e fim, mas acredito que  a ideia de romper o "muro" que ao mesmo tempo protege e oprime o protagonista não era soar como o texto de alguém que acabou com todos os cogumelos da vizinhança. Sombrio e deprimente, ainda que esteticamente cuidadoso, o filme é uma jornada árdua pela mente de um personagem à beira da loucura. Se tivesse olhado para fora do seu umbigo (e não estou falando de Pink) o resultado seria mais interessante, talvez até fosse um filme de verdade e não uma colagem de videos impactantes.

The Wall (Reino Unido-1982) de Alan Parker com Bob Geldof,  Christine Hargreaves, Eleanor David e David Bingham. 

DVD: O Concerto

Guskov e Laurent: momentos sublimes embalados por Tchaikovsky.

Em 2010, o fanco-russo O Concerto foi indicado aos principais prêmios do cinema (incluindo o Globo de Ouro), o sucesso perante a crítica lhe garantiu a distribuição em diversos países, com relativo sucesso - e o fato de ter no elenco Mélanie Laurent, estrela de Bastardos Inglórios (2009) ajudou um bocado na campanha boca-a-boca. Quando vi O Concerto minha primeira impressão foi de decepção, apesar do filme ser vendido abertamente como uma comédia, considerei tudo debochado, exagerado e até preconceituoso com os russos - ainda mais que um monte de amigos viviam dizendo que os tipos que aparecem no filme retratava "as diferenças daquela nação". Diante da serenidade do protagonista, deixei que ele me guiasse até o fim da sessão - e não me decepcionei. Trata-se de um filme belíssimo com um olhar bastante particular sobre as pessoas que atravessaram as bruscas mudanças daquele país e alcança momentos sublimes quando chega a hora anunciada pelo título - e o melhor é que nem precisa ser grande admirador de música clássica para ficar comovido. Se no início tiver a impressão que tudo irá resvalar num enorme clichê, você irá se surpreender! Andrei Filipov (Aleksey Guskov) era o renomado maestro da cultuada orquestra Bolshoi, mas foi perseguido pelo regime comunista, considerado inimigo do povo pela sua defesa aos músicos judeus e foi obrigado a ganhar a vida fazendo serviços de limpeza. Perdendo o posto por perseguições políticas, resta-lhe as memórias de um tempo que não volta mais... pelo menos até uma noite de trabalho num escritório e vê um fax convidando a orquestra de Bolshoi para tocar no Teatro Châtelet em Paris. A oportunidade várias ambições: reviver seus dias de glória, vingar-se dos que causaram a interrupção de sua carreira e visitar a França e... você precisa assistir o filme para descobrir o resto. O maior problema é que Andrei precisa arranjar pouco mais cinquenta músicos para compor uma orquestra, além de roupas, instrumentes, vistos, passagens e neste momento o filme não tem medo do ridículo para criar situações engraçadas (mistura ciganos, músicos pretensiosos, máfia russa, interesses comerciais, estereótipos do leste europeu e muito álcool), apesar de não descambar para a baixaria, investe pesado no exagero. Enquanto Andrei procurar criar alguma coesão no grupo de músicos que agregou, acompanhamos a sua convidada francesa para a apresentação, a jovem violinista Anne Marie Jacquet (Mélanie Laurent), que se depara com a oportunidade de tocar ao lado de seu ídolo e ainda vencer seus medos em tocar os solos de Tchaikovsky - para horror de sua misteriosa empresária. Quando chegam à França as confusões continuam, os músicos se perdem pela França e as oportunidades que representa, brigam por cachê, faltam ensaios, além de lidar com as lembranças que não correspondem mais à realidade local. Porém, todas as trapalhadas ficam de lado quando o roteiro investe no segredo que une o maestro e a solista. São nesses momentos que a tensão do filme aumenta e revela os motivos de todos os elogios rasgados que recebeu. É justamente na ameaça de que o concerto não se realize que a relação de Anne Marie com Filipov chega aos seus momentos cruciais, neste momento que O Concerto torna-se um filme excepcional. A ideia do diretor Radu Mihaileanu de evitar o óbvio e investir nos pensamentos do maestro ao lado do solista durante a apresentação eleva o filme a outro patamar. A edição é perfeita e a música impregna cada momento de uma textura épica à trajetória pessoal desses personagens. Torna-se sublime quando nos damos conta dos fios  de vida que se ajustam àquela melodia. Só pelos seus vinte minutos finais o filme já merecia ser visto, uma verdadeira aula de cinema e a forma como palavras, música e imagens são capazes de levar o espectador numa viagem pelas emoções de outras pessoas, algo que só uma obra de arte é capaz de proporcionar com tamanha desenvoltura.  

O Concerto (Le Concért/França-Itália-Romênia-Bélgica-Rússia/2009) de Radu Mihaileanu com Aleksey   Guskov, Mélanie Laurent, Miou Miou e Dmitri Nazarov e Laurent Bateau. 

terça-feira, 17 de abril de 2012

DVD: O Gato de Botas

Entre ovos e gatos: divertida brincadeira com histórias infantis. 

Indicado ao Oscar de animação deste ano, Gato de Botas está chegando às locadoras. Desde que o personagem apareceu pela primeira vez em Shrek 2 a Dreamworks estava aflita em lançar a aventura solo do gato com voz de Antonio Banderas. Apesar do sucesso de bilheteria, a crítica não se empolgou muito com o longa. Talvez porque mantém aquela brincadeira com o universo das histórias infantis que consagrou o ogro verde ou pelo aspecto estereotipado da latinidade do bichano. São nessas horas que fico pensando o que as pessoas esperam de um desenho animado fruto de uma franquia milionária e consagrada pelo humor. Em termos de diversão, Gato de Botas é infinitamente melhor do que os dois últimos filmes do Fiona & Cia (e muito mais engraçado) sem perder a magia que 80% dos filmes que brincam com personagens clássicos não conseguem nem o pó. É verdade que do personagem original da literatura de Charles Perrault  só ficou a esperteza, uma vez que o roteiro mistura o felino com referências à João e o Pé de Feijão, Alice no País das Maravilhas e Mamãe Gansa, agora, dizer que o filme é desinteressante é um grande equívoco. O filme pretende lavar a roupa suja entre Gato de Botas e seu amigo, quase irmão Humpty Alexandre Dumpty (Zach Galifianakis), os dois se encontram por acaso e entre ambos está a gatinha Kitty (vox de Salma Hayek). Além de deixar claro que os dois tem uma pendenga a resolver, o filme mostra a infância de ambos num orfanato, o passado de golpes e a busca de ambos pelos lendários feijões mágicos (sem esquecer a origem daquele famoso olhar que consagrou o personagem). Depois as vidas dos manos segue caminhos diferentes, Gato de Botas se torna um herói enquanto Humpty é perseguido pela polícia. Mas a fase heróica do gato não demora muito, sendo logo considerado um fugitivo da lei. Estando do mesmo lado, percebemos que Humpty é mais ardiloso do que aparenta nas aventuras que viverão na busca pelo castelo do gigante e sua gansa que põe ovos de ouro. Da mesma forma existe uma química irresistível entre Gato e Kitty. Com trilha latina, a animação do filme é de primeira, com  o cuidado recorrente do estúdio aos mínimos detalhes (fique atento aos movimentos do ovo rolando, que são perfeitos). É uma animação fácil de assistir e gostar com o tempero da nostalgia de uma época em que éramos crianças e fantasias tornavam nosso mundo mais interessante. Quando o filme foi lançado nos cinemas poucos amigos meus lembravam do personagem Humpty que é um bocado bizarro para a criançada. Trata-se de um  ovo antropomórfico, com rosto, braços e pernas que aparece em várias obras literárias, tendo o seu primeiro registro num verso dos contos da mamãe gansa (o personagem serve até de inspiração para uma bela música da banda escocesa Travis chamada "The Humpty Dumpty Love Song") e não deixa de ser interessante seus dilemas em não ser um homem ou um ovo que nunca será chocado.  Com calorosa ambientação na cidade de San Ricardo, Gato de Botas tem tudo para conquistar ainda mais o público infantil em DVD e comprova que o melhor papel de Antonio Banderas ainda é o bichano. Eu já aguardo a sequência.

Gato de Botas (Puss in Boots/EUA-2011) de Chris Miller com vozes de Antonio Banderas, Salma Hayek, Zach Galifianakis e Billy Bob Thornton. 

FILMED+: Ed Wood

Depp e Landau: o divertido estranho mundo de Ed Wood. 

Não há dúvidas de que Johny Depp é o ator favorito de Tim Burton e basta ver suas atuações nos melhores filmes do diretor para perceber isso. Prestes a estrear com o novo longa de Burton (Sombras da Noite, onde interpreta um vampiro que visita seus descendentes), o astro revelado por ele em Edward Mãos de Tesoura (1990) só repetiu a parceria com o diretor na saborosa biografia do pior cineasta de todos os tempos: Ed Wood. Cultuado até hoje pelo público trash, Wood fez história em Hollywood com seus filmes de produção sofrível, roteiros toscos e muita paixão pelo cinema. O filme não pretende ser uma história fiel ao cineasta, mas rende momentos brilhantes em que mescla a vida real com as fantasias de um artista que acreditava poder se equiparar a Orson Welles! Dirigindo, escrevendo, produzindo e até estrelando seus filmes, ele teve que aguentar as duras críticas que recebia com suas obras esquisitas. Baseado no livro de Rudolph Grey, o filme se inicia na confusa carreira teatral de Edward Davis Wood Jr., pouco antes dele começar a se dedicar somente ao cinema. O longa mostra seu envolvimento num projeto baseado num homem que muda de sexo, o qual, Wood acabou convencendo os produtores argumentando que entendia perfeitamente o personagem - e que também gostava de se vestir de mulher (para o desespero da esposa, a atriz Dolores Fuller, a melhor atuação de Sarah Jessica Parker). Mas  o roteiro de Wood mexeu tanto na história verídica que o filme acabou virando Glen ou Glenda, que lançado em 1958 foi um retumbante fracasso estrelado por ele mesmo vestido de mulher em várias cenas (e que marcou um certo ar cômico em suas obras que as tornaram objeto de adoração para os fãs). O fracasso foi lançado já contando com a amizade entre Wood e o ator Bela Lugosi, famoso pela interpretação antológica de Conde Drácula. Lugosi recebe uma interpretação magnífica de Martin Landau (Oscar de coadjuvante, transformado pela maquiagem de Rick Baker  que levou o de maquiagem), cheio de humor, estranheza e alguma melancolia (são hilariantes os momentos em que se empolga com os textos mais bobos de Wood "MEXA SEUS PAUZINHOS!!!!" é de rolar de rir assim como os momentos em que  avacalha o famoso Frankenstein de Boris Karloff). O filme é bastante fiel ao processo de criação de seu protagonista que aproveitava efeitos, cenas, apetrechos e tudo mais de outras produções para driblar o orçamento minguado que tinha, seus filmes sempre tinham um aspecto tosco (edição descontínua, cortes gritantes e outros detalhes comprometedores para qualquer  cineasta profissional), mas em momento algum deixa de retratar a paixão de seu personagem em fazer cinema. Além de ter dois dos personagem mais interessantes da história do cinema, Burton teve a bem sacada ideia de reproduzir o clima de uma época específica (coisa feita e aclamada no recente O Artista como se fosse uma grande novidade ou inovação). Nesse processo a fotografia mostra-se fundamental para ambientar a história numa atmosfera que retrata os filmes de terror da década  de 1950. Além disso o filme constrói o protagonista como se fosse um personagem de Ed Wood (reparou que o roteiro não se preocupa em deixar as cenas amarradinhas) e essa viagem surreal tem momentos inusitados repletos de tipos excêntricos (Wood adorava chamar pessoas caricatas para seus trabalhos, como o ex-lutador de luta livre Tor Johnson ou a apresentadora Maila Nurmi, conhecida como Vampira que aceitou participar do maior sucesso de Wood, Plano 9 do Espaço Sideral/1956, sob a condição de não ter fala alguma). Ed Wood é o filme mais ambicioso de Burton,  mas de nada adiantaria tanto esforço se não tivesse um astro tão carismático quanto Depp. Embora tenha vários tipos excêntricos no seu currículo é no cuidado das obras de Burton que Depp consegue dar mais substâncias a esses tipos que facilmente poderiam cair na caricatura mais grosseira. Na pele de Wood, Depp concebe um artista que trabalha com a alegria de um garoto brincando com os amigos e, talvez por isso, seja tão convincente. Ao final, após o encontro mágico de Wood seu ídolo Orson Welles, entendemos toda a identificação de Burton com seu biografado: fazer cinema, mesmo que os outros considerem suas obras apenas esquisitas.  

Ed Wood (EUA/1994) de Tim Burton com Johny Depp, Martin Landau, Sarah Jessica Parker, Patricia Arquette, Jeffrey Jones e Lisa Marie Smith. 

sexta-feira, 13 de abril de 2012

DVD: O Espião que Sabia Demais

Cumberbatch e Oldman: peças num xadrez da espionagem. 

O sueco Tomas Alfredson foi exaltado pelos quatro cantos do mundo quando realizou o drama vampírico Deixe Ela Entrar (2008) - que fez tanto sucesso que recebeu até uma versão Made in Hollywood -, nada mais previsível que seu talento fosse importado para o cinema de língua inglesa e com alcance maior de público. O mais interessante em sua transição é que seu primeiro filme em inglês pode ser considerado uma refilmagem e com o mesmo sucesso de sua última produção na terra natal. O Espião que Sabia Demais é a versão do livro de John LeCarré para a telona (o mesmo foi levado à TV no formato de minissérie com Alec Guiness no papel de George Smiley). Antes de continuar, vale ressaltar, que os fãs de ação desenfreada e explosões vão detestar o filme, mas aqueles que sempre acharam que como agente secreto James Bond é fantasioso demais irão se deliciar com a tensão e as informações que requerem toda a atenção do espectador. Carré (pseudônimo do escritor David Cornwell, que realmente trabalhou para o Serviço de Inteligência Britânico) criou todo um universo paralelo para o seu livro, repleto de ironias e analogias com o cotidiano dos agentes secretos. Chama a autoridade máxima da Inteligência Britânica de Control (o sempre vigoroso John Hurt), a casa de vidro onde se encontram de Circus (que faz referência ao bairro inglês onde se encontra na ficção, ou pode ser apenas um "circo" mesmo. Na realidade, a Inteligência era espalhada por Londres em pequenos cubículos em prédios decadentes - conforme afirma Carré nos extras), a conspiração é chamada de Witchcraft (traduzindo: bruxaria) e o próprio título original em inglês se refere aos apelidos que Control utiliza para os suspeitos de traição entre os membros de sua cúpula. Ambientado durante o auge da Guerra Fria, o fio condutor da trama é a suspeita de que existe um espião infiltrado no Serviço de Inteligência do Reino Unido (o MI6), a motivação em descobrir quem é este sujeito ardiloso que causa a missão malfadada em Budapeste no início da sessão - onde o agente Jim Prideaux (Mark Strong, provando que   é ainda melhor fazendo bons moços) é vitimado. Muita coisa muda com o descrédito da missão e elas só pioram quando o agente aposentado George Smiley é convidado a remexer as suspeitas de Control após a sua morte. Smiley era um dos membros da cúpula do MI6 quando Control estava no comando, dividia as decisões mais secretas com Percy Allelline (Toby Jones), Bill Haydon (Colin Firth), Roy Bland (Cyarán Hinds) e Toby Esterhase (um impressionante David Dencik), os quais Control costumava chamar  pelos respectivos codinomes: Fuzileiro, Alfaiate, Soldado e Pobretão. Conforme tenta encaixar as informações que possui nas mãos, Smiley torna-se a costura da arquitetura narrativa proposta por Alfredson.   Em vários momentos tive a impressão que interessa menos ao diretor descobrir quem é o espião do que expor os sacrifícios exigidos por uma vida de discrições e desejos abandonados pelo caminho. Smiley, assim como outros personagens, tentam lidar com seus problemas pessoais com o mesmo sigilo da profissão - e quando esse mundos colidem o resultado parece ainda mais doloroso. Pelo caminho Smiley ainda contará com a fidelidade do jovem agente Peter (Benedict Cumberbatch) e do misterioso Ricky Tarr (Tom Hardy), que possui outros interesses na busca pelo traidor. É interessante como os russos e a própria burocracia governamental aparecem como obstáculos para que Smiley destrinche os mistérios que surgem pelo caminho. O incrível mesmo é como Alfredson investe numa trama hipnótica, onde não entendemos muito o que acontece durante boa parte da sessão (o que acontece quase sempre quando vejo filmes de espionagem), mas conforme entrelaça os fios da trama tudo caminha para uma solução direcionada pela sutileza cortante de Smiley. Gary Oldman foi merecidamente indicado ao Oscar por sua atuação minimalista, mas que deixa transparecer toda a inteligência e perspicácia de seu personagem. É ele que nos guia pela trama com seus óculos antiquados (procurados por Gary exaustivamente ao ponto de quase desistir do papel por não encontrar os que considerava ideais para o papel). Entre cenas de um presente melancólico e um passado glorioso, Alfredson sobrepõe segredos, mentiras e (in)fidelidades e cria uma estética irretocável na construção de imagens e atuações. Sem medo de desagradar o grande público, Alfredson criou uma espécie de totem aos agentes apresentados quase sempre de forma espalhafatosa no cinema. Aqui eles se despem de bugigangas fantasiosas e se tornam seres de carne e osso, capazes de reflexões memoráveis. Os espiões perderam a ação desenfreada, mas ganharam um roteiro robusto (indicado ao Oscar) e brilhante trilha sonora de Alberto Iglesias (também indicado ao Oscar). Ao final do filme o que permanece é a visão de que todos aqueles conflitos da Guerra Fria não fazem muito sentido no mundo de hoje - mas as relações humanas, banhadas em traições e lealdades, continuam causando identificação nas plateias de qualquer tempo. 

O Espião que Sabia Demais (Tinker, Taylor, Soldier, Spy/Reino Unido-França) de Tomas Alfredson com Gary Oldman, Benedict Cumberbatch, John Hurt, Tom Hardy, Mark Strong, Colin Firth, Ciarán Hinds, David Dencik, Stephen Graham e Kathy Burke. 

quinta-feira, 12 de abril de 2012

KLÁSSIQO: Os Pássaros


Hedren: A hora da vingança?

Dia desses revi Os Pássaros de Hitchcock e perambulando pela internet encontrei um blog que consegue fazer algo que o filme nem se preocupa: dar uma explicação para o estranho fenômeno que ocorre na cidade litorânea de Bodega Bay (eu sei, o nome é hilariante). O que aconteceu pouco antes do filme ser rodado foi um suicídio de gaivotas na costa californiana causado pela intoxicação por ácido domóico. Mas obviamente que ver o filme de Hitchcock baseado no livro de Daphne Du Maurier é muito mais interessante do que qualquer explicação científica. O filme começa numa pacata loja de pássaros administrada pela elegante Melanie Daniels (Tippi Hedren, a mãe de Melanie Grifiths - portanto, sogra de Antonio Banderas), logo de início ela tem um desentendimento com um freguês chamado Mitch (Rod Taylor) por conta de dois periquitos namoradeiros que ele gostaria de comprar para a irmã. Não fica muito claro, mas os dois possuem uma história mal resolvida no passado por conta do fato dele ser advogado e ela ser filha de um magnata das comunicações. Puro pretexto para ela rumar para Bodega Bay levando a encomenda para ele. O que ela não imagina é que a cidadezinha será alvo de uma verdadeira invasão de pássaros mal intencionados. Melanie conhece a família de Mitch (especialmente sua estranha mãe vivida por Jessica Tandy) e conforme o roteiro aprofunda a relação entre os personagens a invasão dos passarinhos se desenha com acontecimentos esquisitos até que se torna decretada uma guerra entre eles e os habitantes. A cidade vira um caos, acidentes e mortes horripilantes acontecem na vizinhança até o ponto dos personagens principais ficarem presos em suas próprias gaiolas  casas. Quando foi lançado o filme foi um dos menos elogiados do diretor, mas ainda hoje se percebe seus méritos, não apenas na construção do suspense, mas do filme enquanto obra de suspense/horro. Ainda impressiona o som ensurdecedor dos pássaros durante os ataques (como se fosse uma sinfonia histérica e angustiante quanto a de Psicose/1960), a construção das cenas como a dos pássaros se acumulando no playground da escola ou a arrepiante cena final com a cidade coberta por aves. Embora pareçam toscos para os padrões atuais, o filme foi indicado ao Oscar de Efeitos Especiais (e perdeu para Cleópatra) por conta das da eficiência sufocante de cenas como a de Melanie sendo atacada no sótão. Hitchcock não perde tempo com explicações e prefere deixar a imaginação do expectador preencher esse espaço. Afinal seria uma vingança dos pássaros à mulher que ganha a vida colocando-os em gaiolas? Será que o namoro dos periquitos incomoda a passarada?  Será que as gaivotas querem libertá-los por algum motivo especial? Será que alguém controla os pássaros? A verdade é que o medo do inexplicável ainda faz com que o longa conquiste admiradores. Sei que minhas explicações são até risíveis, mas falando nisso é muito engraçado como existia um padrão tão rígido no glamour de Hollywood que prefiro acreditar que Hitchcock está sendo irônico quando coloca a sempre arrumada Melanie andando pela praia de salto alto - isso antes de fazê-la quase um espantalho no final do filme. Só para lembrar, a ideia do filme foi reaproveitada descaradamente em 1999 naquele terror chamado Morcegos - onde você pode imaginar o que acontece numa cidadezinha pacata do Texas...

Os Pássaros (The Birds/ 1964 - EUA) de Alfred Hitchcock com Tippi Hedren, Rod Taylor, Jessica Tandy, Veronica Cartwrigth e Charles McGraw. 

DVD: Entre Segredos e Mentiras

David e Katie: do amor perfeito ao crime perfeito.

Ano passado Ryan Gosling atuou em sua primeira comédia (o divertido Amor à Toda Prova), acostumado a interpretar personagens pesados e dramáticos o ator andava deprimido e seu analista receitou: "Sugiro que você faça uma comédia"! Ele fez. Sentiu-se melhor. Foi indicado ao Globo de Ouro de ator de comédia e ainda engatou um namoro com a voluptuosa Eva Mendes. As coisas vão bem para o rapaz atualmente, mas sempre que assistirmos a filmes como Entre Segredos e Mentiras iremos perceber os motivos dele ser ficado com baixo astral. Considerado um dos melhores atores de sua geração e acostumado a mergulhar na obscuridade de seus personagens, imagino como dever ter ficado seu estado quando levou para as telas o personagem real de David Marks, um dos sujeitos mais sinistros que já vi num filme. Baseado num misterioso caso de desaparecimento (o que sugere que se trata de um assassinato ainda insolúvel), o filme merecia ter recebido mais atenção na premiações quando foi lançado no final de 2010. O filme só chegou aqui na esteira de sucesso de Ryan e sua parceira de cena, Kirsten Dunst, quando ela foi premiada em Cannes no ano passado por Melancolia de Lars von Trier (e o filme foi um sucesso: custou cerca de 37 milhões e rendeu quase 600 milhões em bilheteria. O filme começa como uma idílica história de amor. David ajuda o pai a administrar alguns imóveis e um dia conhece Katie (Dunst), uma jovem luminosa que realça a atmosfera  deslocada que ronda o rapaz. Existem diferenças grandes entre os dois, mas David parece seguro ao lado de alguém visivelmente mais extrovertido do que ele. O pai de David não aprova muito o romance que se inicia, mas isso não impede que David invista em uma vida a dois, fugindo para o interior e abrindo uma loja (que carrega o título em inglês do filme: All Good Things/Todas as coisas boas). Tudo seria perfeito na vida de ambos se os negócios da família de David não atravessasse o caminho (e o pai sempre desconfiado de que Katie é uma mercenária que quer mais do que uma vidinha tranquila no interior). Nessa primeira parte, o filme sabe trabalhar muito bem a tensão crescente sobre David e a forma estranha com que lida com isso (ele vive falando sozinho sobre o que o desagrada) e o que era doce começa a se tornar cada vez mais azedo quando voltam para a cidade grande. Apesar de toda a pompa, os negócios da família de David se concentra em cobrar aluguel do submundo da Big Apple: prostíbulos, casas de massagem, cinemas pornôs e inferninhos em geral.  É neste momento que o que era anunciado como romance muda de tom ao explorar mais a personalidade soturna de David e as mazelas de sua infância. David entra numa espécie de colapso emocional, tornando-se mais calado e violento até o momento em que sua esposa desaparece. Não estou estragando a surpresa porque o filme deixa isso bem claro desde o início quando mostra David em 2003 respondendo pelo desparecimento da esposa em 1983. O diretor Andrew Jarecki consegue uma atmosfera precisa de suspense com o auxílio de seu elenco e um roteiro que (des)monta cada peça de uma relação com as esquisitices dele, as frustrações dela e um bocado de tristeza. Ryan Gosling consegue ser sinistro sem caretas, apostando no mínimo (até sua mensagem na secretária eletrônica é arrepiante), o que funciona em ótimo contraste com a solar atuação de Kirsten Dunst - que aos poucos definha diante da câmera num ótimo trabalho (até melhor do que o visto em Melancolia de Lars Von Trier). Se parasse no exato momento em que o crime é sugerido o  filme seria um suspense exemplar. Seria, porque o roteiro parece criar um outro filme a partir desse momento, onde as coisas se tornam mais confusas e com um grave problema de ritmo justamente antes do desfecho. Ainda assim, Entre Segredos e Mentiras é um filme bastante interessante sobre um estranho relacionamento entre marido e mulher e as consequências trágicas que isso pode gerar. O final, sem apontar uma verdade sobre o caso prefere gerar hipóteses que só tornam David Marks um dos personagens mais perturbadores dos últimos anos. Ryan Gosling que o diga...

Entre Segredos e Mentiras (All Good Things/EUA-2010) de Andrew Jarecki com Ryan Gosling, Kirsten Dunst, Frank Langella, Kirsten Wiig, Phillip Baker Hall, Diane Venora e Trini Alvarado.  

domingo, 8 de abril de 2012

CATÁLOGO: O Diabo Veste Prada

Meryl: o melhor diabo de todos os tempos.

Anne Hathaway é uma das atrizes mais celebradas em Hollywood e boa parte dos seus méritos foram exaltados quando estrelou a adaptação do livro de Lauren Weisberger sobre o período em que trabalhava na Vogue americana - comendo o pão que Anna Wintour amassou. No livro e no filme Anna se chama Miranda Priestley, uma diva em toda a abrangência do termo: rabugenta, exigente, megera, luminosa, mimada e esperta como poucas mortais ousam ser. Dizem que o filme aliviou bastante a personalidade difícil da personagem, mas a verdade é que torna-se impossível não admirar uma figura feminina tão forte com todos os seus prós e contras, a Miranda do filme ainda tem uma vantagem desleal com a do livro: a atuação de Meryl Streep. O mais curioso é que Meryl pode ser ultrafamosa e premiada, mas nunca foi um ícone da moda, pelo contrário, seu visual é muitas vezes mais despojado do que qualquer outra coisa - e quando se arruma opta pelo clássico mais convencional - no entanto, ela compõe uma Miranda arrasadora, das madeixas brancas ao equilíbrio em saltos vertiginosos. A composição de Meryl é tão vibrante que fica difícil até considerá-la como vilã que atormenta a vida de suas secretárias, ela pode até ser uma chata, mas não chega a ser o que o título se anuncia. Miranda é a editora da conceituada revista Runway e recebe como nova assistente a jovem Andrea Sachs (Hathaway), que como seu figurino deixa perceber, acha o mundinho fashion bem fútil - ao contrário da secretária de Miranda, Emily (uma divertida Emily Blunt, na atuação de sua vida). É inevitável que exista uma rivalidade entre Andy e Emily para garantir a atenção de Priestley e, ao mesmo tempo, não demora para que Andy se sinta um peixe fora d'água com toda a propriedade com que a poderosa redatora consegue vender o seu peixe do mundo da moda (a cena em que Miranda transforma uma combinação inusitada de saia rosa e volumosa e jaqueta  com o acréscimo de um cinto chega a ser mágica). Sorte que Andy consegue um fado padrinho, Nigel (Stanley Tucci, num personagem que funciona tão bem que chegou a repetí-lo no tolo Burlesque/2010) que irá transformá-la numa autêncica garota Runway. Mas isso não basta para que a assistente satisfaça todos os desejos de Miranda - que inclui até conseguir o manuscrito original de um novo exemplar de Harry Potter - e de seu namorado (o irritante Adrian Grenier) que se sente cada vez mais em segundo plano. O filme é um grande acerto em retratar o mundo da moda pelos olhos de uma mera mortal, todas as grifes e estilistas são mencionados exaustivamente, mas dentro de um contexto bem construído onde o que está em jogo são as relações entre os personagens e a sensação de que o glamour e o estilo causam uma impressão que desaparece assim que chegamos em casa - e isso serve para garotas como Andrea ou divas como Miranda (que mostra-se desconfortável quando seu universo particular de crises conjugais é descoberta por Andrea). Existem intrigas e piadas com o universo fashion (como a careta de Miranda quando algo a desagrada e a cena em que Emily confessa que sua dieta consiste em "quando sinto que vou desmaiar, como um pedaço de queijo") e muitos atrativos que deixaram a mulherada alucinadas com o filme, mas debaixo de tudo isso, existe uma alegoria simples, ainda que eficaz sobre vender a alma para o seu ofício. Aquela ideia de abandonar tudo, seus amores e planos numa jornada que pode parecer sem volta e tornar-se aquilo que você mais temia. É essa decisão que Andrea terá de tomar após ver Miranda sem sua máscara diária e ver-se refletida num espelho de cristal. Ritmo preciso, edição bem cuidada, fotografia de catálogo, trilha sonora sem modernices e atuações inesquecíveis garantiram o sucesso do filme. É filme pipoca da melhor qualidade que prova que o cinema ainda pode ser pop sem perder a qualidade! Meryl foi premiada com o Globo de Ouro (de atriz de comédia) e recebeu uma indicação ao Oscar. Emily Blunt também foi lembrada na categoria coadjuvante no Globo de Ouro e Anne Hathaway teve que se contentar em ser ofuscada pelas duas, sua indicação ao careca dourado só viria depois com O Casamento de Rachel (2008) - que comprovou que ela é muito mais interessante quando não fica sorrindo o tempo todo diante da câmera, ou simplesmente liberta seus diabinhos interiores.     

O Diabo Veste Prada (EUA-2006) de David Fankel com Anne Hathaway, Meryl Streep, Emily Blunt, Stanley Tucci,  Adrian Grenier, Simon Baker e Gisele Bündchen.