sábado, 29 de junho de 2019

PL►Y: O Animal Cordial

Benício: da cordialidade à bestialidade. 

Lançado em 2018, o longa O Animal Cordial colocou em evidência uma das diretoras mais radicais da nova geração de cineastas brasileiros. Gabriela Amaral Almeida chamou atenção da crítica pela forma sem concessões com que cria a tensão de seu projeto de estreia. Ambientado em apenas um cenários e com poucos personagens em cena, Gabriela tem coragem de criar uma narrativa que beira o absurdo de tão exagerada, mas que se conclui como um pesadelo imersivo que deve surpreender até os fãs de terror e suspense. A história se passa em um restaurante que parece estar enfrentando dias difíceis, o dono do restaurantes (Murilo Benício) não se entende com seus funcionários, especialmente com o chef Djair (Irandhir Santos). A tensão entre os dois é palpável, especialmente quando esperam ansiosos para o último cliente (Ernani Moraes) ir embora e chega um casal de emergentes pouco simpáticos (Camila Morgado e Jiddu Pinheiro). Quem parece transitar em meio à toda hostilidade sem grandes alterações é Sara (Luciana Paes), que está sempre pronta a fazer o que o patrão lhe pedir. Se o clima já era pesado, ele piora consideravelmente quando dois assaltantes entram no restaurante e o filme segue por caminhos cada vez mais inesperados. O que poderia ser um roteiro sobre dois ladrões e seus reféns em um local fechado vira do avesso quando o dono do restaurante resolve cuidar da situação da pior forma possível. Tudo sai do controle e o que vemos beira o surreal com os personagens reféns de uma violência crescente. Para não tornar seu filme apenas um espetáculo de violência estilosa, Gabriela Amaral utiliza um verniz de comentários sociais através da história, explora a relação entre patrão e empregados, diferenças de classes, preconceitos, assédios e outros elementos sempre por um caminho incomum, o que causa estranhamento e uma certa repulsa diante do que apresenta. É verdade que em alguns momentos investe na caricatura e exageros cômicos (como a cena de sexo esquisita que apresenta lá no meio da história) e ousa cortes estranhos (o desfecho entre Djair e o patrão). Ainda que O Animal Cordial não seja para todos os  gostos é preciso ressaltar que Gabriela Amaral realiza um belo trabalho, mantendo a sensação de um horror constante que não pausa para respirar em momento algum, além disso tem um ótimo domínio de toda a embalagem do seu filme (trilha sonora, fotografia, o trabalho com cores e sombras, o cuidado com os créditos iniciais) o que torna seu filme um exagero bastante coeso. 

O Animal Cordial (Brasil-2018) de Gabriela Amaral com Murilo Benício, Luciana Paes, Irandhir Santos, Ernani Moraes, Camila Morgado, Jiddu Pinheiro e Humberto Carrão. ☻☻

quinta-feira, 27 de junho de 2019

NªTV: Dark - 2ª Temporada

Louis Hoffman: Jonas através do tempo. 

Depois de um ano sem dar as caras, a série alemã Dark está de volta! Admito que no primeiro episódio quase voltei para a primeira temporada para relembrar todos os detalhes do que havia acontecido, mas não demorei a ficar tranquilo já que o roteiro desta segunda temporada tem o cuidado de relembrar a maioria dos pontos importantes das idas e vindas que a primeira temporada nos apresentou. Além disso, preciso destacar o ótimo trabalho de edição que sobrepõe as versões dos personagens através do tempo para que possamos perceber o que está acontecendo. Não sei se é um SPOILER a esta altura dizer que a série intensifica sua temática de viagem no tempo e torna ainda mais complexa as ações de seus personagens ao longo dos períodos distintos que atravessam. Se antes parecia girar mais sobre o drama familiar de Jonas (Louis Hoffman), mais conhecido como o garoto da capa amarela, agora ele se dá conta de que existe uma verdadeira conspiração temporal executada por vários personagens que atravessam o seu caminho. Há de se lembrar que ao final da temporada anterior, o rapaz foi levado para 33 anos no futuro e descobriu que existe um apocalipse iminente. Não por acaso esta temporada é composta por oito episódios e cada um deles representa um dia nesta contagem regressiva para o fim do mundo, ou, pelo menos, do mundo como nós conhecemos. Vale destacar que a atmosfera da série permanece a mesma, sombria na medida certa, com atores dedicados, trilha sonora precisa e  personagens que se misturam cada vez mais nos mecanismos da trama. É verdade que esta nova fase repete alguns dilemas da anterior (são tantos personagens querendo ver o pequeno Mikkel e reorganizar as coisas que fiquei até um pouco cansado), mas também revela segredos e oferece maior destaque a personagens que estavam meio de lado até agora. A narrativa continua envolvente enquanto novos (?) personagens são apresentados e vilões ficam pelo meio do caminho cedendo lugar a outros. Dark continua sendo um intrincado quebra-cabeça, mas conforme se aproximava de seu desfecho temporário fiquei preocupado se a terceira temporada terá fôlego diante dos malabarismos que já ofereceu até aqui. Algumas manobras foram realmente perigosas com todos aqueles personagens indo e voltando no tempo como se fossem comprar pão na esquina. Com mistérios sendo revelados e o tempo surgindo como uma espécie de força imutável, me perguntei a funcionalidade daquela personagem aparecer repaginada no último instante e abrir uma nova porta para a série seguir seu caminho. Anunciada como a última temporada desta cultuada série alemã da Netflix, fica a pergunta se DARK não irá se perder no meio de seu próprio labirinto. 

Dark - 2ª Temporada (Alemanha/2019) de Baran bo Odar e Jantje Friese com Louis Hoffman, Maja Schöne, Jördis Triebel, Karoline Eichhorn, Lisa Vicari e Mark Waschke. ☻☻☻☻

Na Tela: Fora de Série

Kaitlyn e Beanie: hora de curtir. 

Depois que chamou atenção do mundo inteiro em Tron: O Legado (2010), a atriz Olivia Wilde demonstrou cansaço em ter que ser sempre "a-mulher-bonita-do-filme". Há algum tempo que ela deseja ser algo mais e a comédia Fora de Série é a prova de que ela é bem mais do que a beldade em cena. O filme é a sua estreia como cineasta e podemos dizer que ela a faz com maestria! O trabalho com os atores, com a edição e um ritmo invejável do início ao fim, fazem do filme a grande surpresa do ano. Em entrevistas a atriz deixou claro que queria recriar o clima dos filmes de John Hughes dos anos 1980, filmes que ela ainda gosta de assistir. Para isso escolheu uma história simples sobre duas amigas às vésperas da formatura e a nutriu com uma energia que não se percebe todo dia. A trama segue Amy (Kaitlyn Dever de Homens, Mulheres e Filhos/2014) e Molly (Beanie Feldstein de Lady Bird/2017), duas amigas de infância que ao chegar ao final do Ensino Médio descobrem que poderiam ter curtido mais com a galera do que ter passado todos os fins de semana grudadas nos livros. Com a universidade batendo-lhes à porta, elas descobrem que até alunos considerados menos dedicados conseguiram aceitação em Universidades. A partir daí começa uma verdadeira crise, especialmente em Molly, que deseja se esbaldar numa festa aguardada por todos e compensar todas as festas não vividas... o problema é achar a tal festa. Molly e Amy passam então a atravessar a cidade em busca daquela festa em que todo mundo estará falando no dia seguinte, mas não fazem a mínima ideia de onde ela acontece. No caminho se deparam com outras comemorações e colegas que sempre brincam com os estereótipos vistos neste tipo de filme. Estão lá o garoto com fama de pegador, a aluna skatista, a rata de festa (que sempre está em todas as festas ao mesmo tempo!), o bonitão, os nerds, a chata, os artistas, a professora bacana... o roteiro (assinado por quatro mulheres roteiristas) é o maior barato, sempre descolando aventuras para as duas amigas que pretendem curtir mais do que nunca. É verdade que a coisa não funcionaria tão bem se não contasse com duas protagonistas que sabem exatamente o que estão fazendo e, mais ainda, são capazes de tornar palpável os anos de história que as duas personagens tem de convivência (mesmo que o filme não apresente este passado em comum). Entre gírias, dancinhas, brincadeirinhas e piadas internas Kaitlyn e Beanie convencem que Molly e Amy são amigas há tempos! Fora de Série já figura entre as melhores comédias adolescentes do cinema americano e faz por merecer, especialmente por fugir do lugar comum e apresentar cenas como aquela das amigas se vendo como duas bonecas de plástico. Não vou me surpreender se no futuro Olivia Wilde se dedicar mais à carreira de diretora do que de atriz. Esperto e divertido, Booksmart é um grande acerto. 

Fora de Série (Booksmart/EUA-2019) de Olivia Wilde com Beanie Feldstein, Kaitlyn Dever, Skyler Gisondo, Billie Lourd, Jason Sudeikis, Will Forte, Lisa Kudrow, Jessica Williams e Diana Silvers. ☻☻☻☻

quinta-feira, 20 de junho de 2019

PL►Y: Alma da Festa

Melissa: de festa em festa entre os estudos. 

O ano passado foi um retrato bastante fiel da carreira de Melissa McCarthy. A atriz que ficou conhecida em séries de TV e ganhou o mundo com sua indicação ao Oscar de atriz coadjuvante por Missão Madrinha de Casamento (2011) tem uma trajetória que causa estranhamento em muita gente. Ela curte fazer comédias simples, com muita bobeira e que tem como maior intenção fazer a plateia rir com suas caracterizações. Entre uma palhaçada e outra ela encontra um papel mais dramático que demonstra que ela é uma das atrizes mais versáteis da atualidade. Ano passado ela apareceu em todas as premiações e culminou com uma indicação ao Oscar de melhor atriz por seu ótimo trabalho em Poderia me Perdoar? (2018), por outro lado, Melissa despertou o ódio de muita gente pelo seu trabalho preguiçoso no controverso Crimes em Happytime (2018) de Brian Henson - longa que misturava fantoches com palavrões e baixarias. O trabalho lhe valeu o Framboesa de Ouro de pior atriz. Diante destes extremos, as pessoas deram pouca atenção para este Alma da Festa, não que o filme mereça grandes lembranças, mas  é o tipo de trabalho mais recorrente na carreira da atriz. A história não é muito original, assim como a condução, que mistura besteirol, bizarrices e idiotices, mas o resultado pode gerar risadas e mostra-se bastante inofensivo. Melissa vive Deanna, uma mulher que sofre com o fim do seu casamento de décadas. Para cuidar da casa, do esposo (Msatt Walsh) e da filha (Molly Gordon), ela largou a faculdade no último ano e nunca mais voltou. Agora ela retorna para concluir os estudos e acaba estudando junto com a filha. O filme faz piadas com a aparência maternal de Deanna, destaca preconceitos - mas sorte que ela tem as amigas da fraternidade para ajudar, ao ponto dela mudar o visual e arrumar um namorado jovem e bonitão chamado Jack  (Luke Benward). Embora o Deanna e Jack mereça torcida, o desenvolvimento da história não tem muito sentido ou lógica, parecendo mais a costura de uma série de episódios que querem fazer o espectador rir a todo custo. Algumas tentativas funcionam, outras nem tanto - o que é uma rotina nos trabalhos da atriz dirigidos pelo marido, Ben Falcone. Alma da Festa serve para passar o tempo se você não exigir demais do filme e admito que as risadas surgem se você entrar no clima. Nos últimos tempos resolvi ser mais generoso com Melissa, cheguei à conclusão que em alguns trabalhos ela só deseja que você desligue o cérebro e se divirta. Prêmios populares como o Teen Choice Awards (indicou o longa à dois prêmios de voto popular) e People's Choice (o filme ganhou o prêmio de comediante favorita do ano) entenderam isso, já o Framboesa colocou Melissa novamente no páreo de Pior Atriz. Curioso mesmo foi a medida da Alliance of Women Film Journalist que indicou Melissa ao prêmio de "atriz que precisa muito mudar de agente". Fica a dica.  

Alma da Festa (Life of Party / EUA -2018) de Ben Falcone com Melissa McCarthy, Luke Benward Matt Walsh, Molly Gordon, Jacki Weaver, Maya Rudolph e Gillian Jacobs. ☻☻

PL►Y: Rock'n Roll - Por trás da Fama

Marion e Guillaume: divertidas paródias de si mesmos.

Sempre considerei que rir de si mesmo é sinal de sabedoria, sendo assim, os franceses Guillaume Canet e Marion Cotillard formam um casal de sábios do cinema francês. Os dois estão juntos desde 2007 e  neste filme eles fazem troça com a imagem que o mundo tem sobre eles. Escrito e dirigido por Canet o filme é uma grande brincadeira, mas com tom bastante incisivo sobre as representações sobre um casal de atores reconhecidos, mas que ainda precisam lidar com alguma exigências da mídia e, sobretudo, com seus egos e conflitos pessoais. O tom é engraçado, mas podemos identificar um bocado de referências ao mundo das celebridades. Embora tenha uma vida estável, no set de seu novo filme,  o ego de Canet  desmorona quando uma atriz novata diz que ele nunca foi "Rock'n Roll" (o que justifica o título do filme), uma alusão à falta de sex appeal do ator - que sempre teve fama de certinho alimentada pela sua estampa de bom moço. Dali em diante ele tenta provar que ele é uma pessoa completamente diferente do que as pessoas costumam pensar dele. Ele até tenta conversar com a esposa  (Marion) sobre isso, mas ela não entende muito bem onde ele quer chegar. Daí em diante, a postura de Guillaume muda completamente, passando por noitadas, mudança de visual, uso de drogas, bebedeiras e tudo o mais. É verdade que o resultado é sempre um desastre para a vida pessoal e profissional do ator, mas a plateia se diverte com esta desconstrução. No filme ele tem quarenta anos, época em que concorreu ao César de melhor ator por Na Próxima, Acerto no Coração/2014 e perdeu para Pierre Niney (um ator dezesseis anos mais jovem que ele), no filme o efeito da derrota é devastador. A partir dali Guillaume toma medidas drásticas para driblar o envelhecimento - e o que fazem com o rosto do ator é um verdadeiro pecado. Nesta jornada de auto-deboche, Marion não sai ilesa, sua preparação para as personagens requer uma imersão tão profunda que beira o exagero. Some a isso algumas excentricidades como dona de casa (a perna da mesa de centro da sala, a criação da horta...), o peso de ser mais famosa que o marido (só para lembrar, ela tem um Oscar de Melhor Atriz por Piaf - Um Hino ao Amor/2001) e outros momentos de puro deboche (a brincadeira com Celine Dion, a cena de sexo mais cretina dos últimos anos...) e teremos a certeza de que ela também é ótima fazendo comédia.   Rock'n Roll não tem relação com música, mas com a impressão de que uma rocha está rolando ladeira abaixo até o fim (e o final é puro besteirol). A brincadeira com o mundo das celebridades em crise de meia idade fez deste um dos filmes mais divertidos que assisti nos últimos anos. 

Rock'n Roll - Por Trás da Fama (Rock'n Roll / França - 2017) de Guillaume Canet com Guillaume Canet, Marion Cotillard, Gilles Lellouche, Camille Rowe e Ben Foster. ☻☻☻☻

quarta-feira, 19 de junho de 2019

PL►Y: Ferrugem

Tiffany e Giovanni: cheiro de tragédia. 

Eu não sabia que existia um dia do cinema brasileiro. Descobri meio que por acaso e pesquisei que a escolha de data ocorre por conta do dia em que o ítalo-brasileiro Afonso Segreto (reconhecido como o primeiro cinegrafista e diretor do país) registrou as primeiras imagens em movimento em território nacional: 19 de junho de 1898. Existem algumas divergências na escolha da data, já que algumas pessoas preferem celebrar no dia 05 de novembro, data da primeira exibição pública de cinema no país. Diante deste embate, considero a data de hoje bem mais emblemática. Por conta da data escolhi escrever sobre um dos filmes mais impressionantes do cinema brasileiro recente: Ferrugem. O diretor Aly Muritiba já havia realizado um ótimo trabalho com seu longa anterior (Para minha Amada Morta/2016) e aqui ele meio que revisita o ponto de partida sobre outra ótica. O filme é dividido em duas partes, a primeira é dedicada à Tati (Tiffany Dopke), a adolescente que terminou recentemente o seu namoro e que a vida segue normalmente. Cercada pelos colegas da escola, fazendo selfies constantemente e com um crush por perto. O crush em questão é Renet (Giovanni di Lorenzi), garoto tímido e um pouco sisudo que está bem perto de conquistar o coração da garota e vice-versa. Eis que um dia no passeio da escola, Tati perde o celular. Os colegas ajudam a procurar e parece que não tem jeito, o aparelho se perdeu de vez. Não demora muito para a menina chegar na escola e estranhar os olhares e sussurros dos colegas, sem entender muito bem o que está havendo ela descobre pelas amigas que houve a divulgação de um vídeo íntimo com o ex-namorado. Logo a menina é vítima de comentários maldosos, exclusões, xingamentos, bullying e tudo mais que acontece nestes casos (que só revela como o moralismo permanece o mesmo através dos séculos, não importa o quanto a sociedade seja hipócrita e diga o contrário). A vida da garota vira de cabeça para baixo e ela suspeita que foi Renet o responsável pela divulgação do tal vídeo que estava no celular perdido. O rapaz nega, mas a postura dele não ajuda em nada. Cada vez mais introspectivo e sisudo, o filme mergulha nos pensamentos do rapaz na segunda parte quando conhecemos um pouco melhor a família do rapaz. Aly Muritiba comprova ser um ótimo diretor de atores, especialmente do casal juvenil que tem atuações realmente convincentes.  Aly sabe como tornar o filme cada vez mais sombrio e pessimista, mantendo a narrativa sem pressa e (quase sempre) tensa até o desfecho. O quase sempre se deve a algumas cenas desnecessárias que emperram o filme justamente quando ele chega no auge da história, são dois momentos que poderiam ter ficado de fora do corte final e ter rendido uma narrativa impecável do início ao fim. Este pequeno defeito não compromete o todo, talvez no texto escrito até fizesse sentido, mas depois que o filme ganhou corpo, nem precisava daquele "segredinho" do Enrique Diaz. Celebrado no Festival de Sundance e ganhador dos prêmios de Melhor filme, roteiro e som no Festival de Gramado, Ferrugem é esperto (aquela sacada das obscenidades escritas no banheiro foi uma forma genial de estampar os pensamentos remoendo na mente da menina), interessante e dolorido, mas vale ressaltar que ele apresenta dois pontos bastante sintomáticos deste tipo de produção: adolescentes não procuram conversar sobre seus problemas com os adultos e não procuram as autoridades para resolver problemas vinculados às redes sociais. Na vida real é assim também?  Não deveria. O filme demonstra que lidar com alguns sentimentos pode ser muito complicado, especialmente quando a solidão é tão próxima.

Ferrugem (Brasil - 2018) de Aly Muritiba com Tiffany Dopke, Giovanni di Lorenzi, Enrique Diaz, Clarissa Kiste e Gustavo Piaskoski. ☻☻☻☻

4EVER: Rubens Ewald Filho

07 de março de 1945 ✰ 19 de junho de 2019

Nascido na cidade de Santos em São Paulo, Rubens Ewald Filho foi jornalista, roteirista, apresentador, diretor teatral e crítico de cinema. Formado pela UniSantos, Rubens trabalhou nos maiores veículos de comunicação de nosso país e se tornou uma autoridade quando o assunto era crítica cinematográfica, sendo o mais convidado para comentar a entrega do Oscar no Brasil.  Ainda que alguns de seus comentários gerassem polêmicas recentemente, seus guias e livros são referências no assunto. Reza a lenda que Rubens assistiu aproximadamente 37.500 filmes! Rubens também fez alguns trabalhos como ator de cinema sobretudo nos anos 1970, sendo o último realizado em 1982 (aquele famigerado banido Amor Estanho Amor/1982). Rubens também era um bom roteirista, tendo seu trabalho mais famoso a novela Éramos Seis exibida pelo SBT em 1994.  Rubens faleceu em decorrência das consequências de um desmaio seguido de queda em uma escada rolante. O crítico estava internado desde o dia 23 de maio. 

PL►Y: AlphaGo

Lee (à direita) e seu oponente: mudando paradigmas. 

É muito interessante as sensações que temos ao assistir ao documentário AlphaGo, afinal, ao acompanhar o empenho da equipe de programadores que constroem a inteligência artificial capaz de jogar o milenar Go nós torcemos para que sejam bem sucedidos. Por outro lado, lá pelas tantas, começamos a ficar tristes com a expressão do campeão mundial que vai da confiança mais certeira para a insegurança mais aterradora diante do fantasma da derrota nunca antes experimentada.  Há um peso inegável sobre os ombros dele e isso pesa sobre nossa torcida também. Existem vários filmes sobre a relação da humanidade com suas criações, mas quando se trata de jogos a coisa sempre ganha uma conotação diferente. Lembro quando eu era adolescente em 1996 e o assunto era o duelo do campeão mundial de xadrez Garry Kasparov  com um computador da IBM, o DeepBlue e Garry acabou  perdendo uma partida. Este documentário até cita aquele embate histórico, mas tenta nos convencer de que ganhar uma partida de Go seria ainda mais complicado para uma máquina. Eu conheço Go desde que assisti a Pi (1998) (o primeiro longa de Darren Aronofsky) e confesso que foi difícil entender a lógica do jogo desde então. Considerado por muitos o jogo de tabuleiro mais complexo que existe, já que o tabuleiro possibilita um número tão elevado de posições que julgavam ser impossível um algoritmo convencional processa-las, sendo considerado que somente o raciocínio humano seria capaz de somar raciocínio lógico com criatividade e intuição para jogar. Desenvolvido pelo Google, AlphaGo rompeu paradigmas. O documentário de Greg Kohns começa com o desafio a um campeão europeu de Go, que fica surpreso com a derrota, mas, quando o jogo ganha atenção da mídia, existe um clamor para que AlphaGo enfrente o campeão mundial Lee Sedol. Chinês e jogador desde a infância, Lee considera que a máquina jamais será capaz de superá-lo até que precisa rever os seus conceitos. Ao longo das cinco partidas, o filme consegue retratar muitíssimo bem a tensão no ar. A atenção dos espectadores, os comentários feitos pela mídia em torno do desafio e especialmente o verdadeiro abismo que se abre diante de Lee Sedol e de quem está por perto. É uma situação impressionante de assistir. É belo e um tanto assustador, especialmente como os envolvidos se transformam ao longo daquela partida. Medo, orgulho, sucesso, fracasso e superação estão sempre presentes e nos instiga a continuar assistindo. Aos curiosos vale ressaltar que o robô AlphaGo encontra-se aposentado atualmente, mas as reflexões que gerou sobre o jogo milenar continuam fascinando os praticantes do jogo. 

AlphaGo (EUA-2017) de Greg Kohns com Lucas Baker, Nick Bostrom, Lee Sedol, Joseph Choi, Arthur Guez e John Holmes. ☻☻☻☻

domingo, 16 de junho de 2019

10+: Mudando Andrea Riseborough

Nascida no ano de 1981 em Northumberland, Inglaterra, Andrea Louise Riseborough estudou interpretação na Academia Real de Arte Dramática e depois de alguns trabalhos na televisão britânica migrou com sucesso para o cinema. Sei que pouca gente conhece a atriz, mas ela já participou de vários filmes e, com certeza, reconhecê-la é um problema para os menos (e mais) atentos como podemos perceber nesta lista de bons momentos da camaleônica atriz:

#10 "The Devil's Whore" de Martin Brant e Peter Flannery (2008)
Nesta produção do Channel 4, a atriz vive a fictícia Angelica Fanshawe que acompanha os acontecimentos da Guerra Civil Inglesa entre 1642 e 1960. A obra lhe rendeu grandes elogios. 

Em seu primeiro papel de protagonista no cinema, a atriz surpreende ao viver uma mocinha ingênua que se apaixona pelo cara errado neste filme subestimado. Ela está ótima em todas as cenas!

Não, não é a Amy Winnehouse! É Andrea na pele de uma das costureiras revolucionárias desta produção britânica baseada em fatos reais dos anos 1960. 

O segundo filme da Rainha do Pop não fez o sucesso esperado, mas Madonna ficou toda prosa com os elogios recebidos pela atriz - que recebeu o prêmio de revelação no Hollywood Film Awards. 

Escalada para ser a namorada atriz de Michael Keaton neste filme oscarizado, Andrea recebeu o prêmio de melhor elenco pelo Sindicato dos Atores. 

Sabe aquela sensação de que você conhece a atriz de algum lugar e nunca lembra? Pois é. Com mais uma visual diferente, isto acontece neste elogiado suspense psicológico... 

#04 "Black Mirror: Crocodile" de John Hillcoat (2017)
Como esquecer da amargurada assassina prestes a ser desmascarada neste episódio antológico da série da Netflix? De cabelos loiros curtinhos, Andrea mudou novamente. 

Dá para acreditar que esta moça sorridente e cabeluda é a mesma da foto anterior? Aqui ela vive a cabeleireira que cai de amores pela tenista Billie Jean King. 

Envelhecida e taciturna, ela vive a desconfiada filha de Stalin nos dias posteriores à morte do líder russo. Num elenco dominado por homens, ela está irreconhecível mais uma vez. 

De visual bastante sugestivo, ela vive o personagem título deste terror muito louco dirigido pelo diretor canadense. Em alguns momentos só olhar para ela já gera arrepios. 

PL►Y: Mandy - Sede de Vingança

Cage: personagem contra bizarrices. 

Aclamado como um dos melhores filmes de terror do ano passado, Mandy de Panos Cosmatos é uma experiência bastante estranha - até mesmo para quem assistiu aquela sandice Além do Arco-Íris Negro (2010) filme anterior do cineasta. Ambos deixam evidentes o estilo do diretor: uso delirante de cores (sobretudo vermelho), trilha sonora com sintetizadores e uma história destrambelhada. Aqui a história se passa em 1983 e é dividida em três atos. No primeiro, conhecemos o paraíso particular de Red Miller (Nicolas Cage), que após uma temporada de trabalho vive isolado em uma floresta com a namorada, Mandy Bloom (a camaleônica Andrea Riseborough). Ainda que nesta parte o paraíso dos dois seja apresentado sem pressa, Cosmatos insere um toque de pesadelo aqui e ali, seja em sonhos ou lembranças, a sensação é que o mal está sempre à espreita. Eles nem imaginam que o mal será encarnado por um bando de sujeitos estranhos que cruzam com Mandy numa estrada e a partir daí o filme se torna um horror macabro com direito a um trio de criaturas estranhas e um grupo de doidos que cultuam um cantor biruta chamado Jeremiah Sand (Linus Roache). A segunda parte é um pesadelo completo em que o diretor demonstra grande habilidade em aterrorizar o espectador com uma atmosfera psicodelicamente diabólica. Estes dois atos são todos de Andrea Riseborough, a ótima atriz britânica que capricha em suas caracterizações desde que foi revelada por Madonna no mediano W/E (2011). Aqui a própria personagem é apresentada dentro de uma estranheza instigante e Andrea dá conta das cenas com maestria. Apesar de estar nos atos do crédito, Nicolas Cage assume o posto de protagonista somente na segunda metade do filme, depois que seu personagem passa por maus bocados e surta de vez para se vingar dos malfeitores. Nesta hora, Panos Cosmatos não tem medo de ser ridículo e o filme bebe com vontade em várias referências de filmes Z para baixo (a fotografia granulada não é usada por acaso). O resultado é grotesco, sangrento, bizarro e completamente insano (com direito até a duelo de serra elétrica). Não é o tipo de filme que costumo apreciar, mas há de se elogiar a forma despudorada como o roteiro explora um universo sórdido bastante particular e sem perder a densidade assustadora em duas horas de narrativa. 

Mandy - Sede de Vingança (Mandy / EUA - Bélgica - Reino Unido / 2018) de Panos Cosmatos com Nicolas Cage, Andrea Riseborough, Linus Roache e Ned Dennehy. ☻☻


sábado, 15 de junho de 2019

4EVER: Franco Zeffirelli

12 de fevereiro de 1923  15 de junho de 2019

Nascido em Florença na Itália, Gianfranco Corsi Zeffirelli era filho de uma designer de moda. Após o sucesso como cenógrafo no teatro e no seu filme de estreia Camping (1958), em 1967 ele foi para Hollywood filmar o clássico A Megera Domada estrelado por Elizabeth Taylor. Shakespeare continuou em sua vida no ano seguinte quando lançou a versão mais famosa e premiada versão de Romeu e Julieta (1967) para o cinema - que lhe valeu uma indicação ao Oscar de direção. Zeffirelli continuou mantendo seu estilo e encantou o mundo com o sucesso de Irmão Sol, Irmã Lua (1972),  sobre amizade de São Francisco de Assis e Santa Clara. O filme foi indicado ao Oscar de direção de arte, aspecto que se consagrou como um dos pontos fortes de sua cinematografia. Depois ousou fazer a minissérie Jesus de Nazaré (1977) que é cultuada até hoje e fez os clássicos campeões de lágrimas O Campeão (1979)  e Amor sem Fim (1981). Com o tempo, sua marca emocional passou a ser criticada e seu cinema foi considerado pretensioso. No entanto, a crítica elogiou muito seus últimos filmes Callas Forever (2002) e Chá com Mussolini (1999). Diretor de clássicos e sucessos, o diretor se foi em decorrência de uma doença não revelada pela família. 

FILMED+: Vida Selvagem

Carey, Ed e Jake: família em crise. 

Bom ator conhecido por seus trabalhos em filmes independentes, Paul Dano estreou na direção no ano passado com o drama Wild Life. Exibido no Festival de Cannes, o filme recebeu elogios que o colocaram entre os favoritos para as premiações de fim de ano. Não foi bem assim. Apesar de celebrado pela crítica e com ótima acolhida em festivais, o filme conseguiu destaque somente no Independent Spirit com indicações a melhor atriz (Carey Mulligan), fotografia e melhor primeiro filme. Talvez se fosse menos melancólico o filme recebesse a atenção merecida, uma vez que, Paul Dano realiza um ótimo trabalho atrás das câmeras. A história gira em torno de uma típica família americana dos anos 1950 e o que confere à narrativa um toque especial é o foco no olhar do filho adolescente, Joe (o ótimo Ed Oxenbould), que aos quatorze anos vê o casamento de seus pais se dissolver diante dos seus olhos. Se no início o que vemos é um lar perfeito, logo esta ideia se desfaz quando o patriarca Jerry (Jake Gyllenhaal) perde o emprego. No início, a esposa Jean (Carey Mulligan) começa a trabalhar para ajudar nas despesas da casa, mas logo as fissuras do relacionamento começam a aparecer e se fragilizam ainda mais quando Jerry aceita um emprego bastante arriscado na região. Em tom introspectivo, o diretor foca no relacionamento entre mãe e filho na distância do pai, tendo a dinâmica entre os dois alterada Jean muda seu comportamento de forma surpreendente. Com ótima edição e grande segurança na condução da narrativa, Paul Dano economiza no uso da trilha sonora, não cria firulas ou situações cômicas para aliviar a tensão e  demonstra grande habilidade em transformar os conflitos daquelas relações num verdadeiro suspense. Diante de nossa identificação com Joe, existe a atmosfera de uma ameaça constante ao lar e a união de seus pais - que demonstra-se bem menos idílica do que ele imaginava. Colabora muito para isso a sintonia perfeita entre os atores. Jake Gyllenhaal tem poucos momentos em cena, mas está bastante convincente como o pai meio atrapalhado em suas decisões, já a inglesa Carey Mulligan (caprichando no sotaque sulista) tem uma tarefa bem mais complicada ao ter que lidar com uma personagem que se transforma a cada cena. A atriz descasca Jean ao longo da história e consegue exibir suas nuances bastante diferentes sem perder o fio da meada. Os conflitos que a personagem atravessa lhe garantiram muitos elogios (e assusta imaginar que embora a atriz pareça jovem para o papel, ela tem realmente a idade da personagem). Bem cuidado visualmente e emocionalmente, Vida Selvagem é uma estreia bastante promissora para um ator que se acostumou a viver tipos estranhos no cinema. Vale destacar que este é mais um roteiro assinado por Paul Dano e sua esposa Zoe Kazan, que mais uma vez realizam um belo acerto juntos. 

Vida Selvagem (Wild Life / EUA - 2018) de Paul Dano com Ed Oxenbould, Carey Mulligan, Jake Gyllenhaal, Bill Camp, Darryl Cox e Zoe Margaret Colletti. ☻☻

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Pódio: Jeremy Irons

Bronze: o sogro adúltero. 
Quase que o filme saiu da lista por conta de Terra D'Água (1992), que eu adoro! Nos anos 1990, o inglês Jeremy Irons havia se tornado o ator fetiche dos filmes sérios. Assim, o elogiado ator se viu em uma série de filmes sobre homens maduros presos à relacionamentos perigosos (e com cenas ousadas). O melhor exemplo disso aconteceu neste filme de Louis Malle em que um parlamentar de prestígio se apaixona pela noiva (Juliette Binoche) do filho (Rupert Graves). O bom trabalho como homem severo que não consegue controlar seus desejos recebeu elogios, mas foi ofuscado pela esposa traída vivida por Miranda Richardson (que foi até indicada ao Oscar de coadjuvante). 

Prata: os irmãos gêmeos.
Gêmeos - Mórbida Semelhança (1988)
Falando em fetiche, David Cronenberg resolveu duplicar o ator em um dos seus melhores pesadelos, vivendo dois irmãos que partilham uma intensa relação e se apaixonam pela mesma mulher. Cronenberg capricha nas esquisitices e Jeremy torna o filme mais interessante pelas ambiguidades sugeridas a cada cena. Nunca mais um filme de Cronenberg conseguiu ser tão estranhamente sexy e, até hoje, provoca arrepios pelas conotações psicológicas que embala os relacionamentos dos personagens. Este suspense psicológico se tornou um marco na carreira do ator. 

Ouro: o marido suspeito.
O Reverso da Fortuna (1990)
Depois de fazer sucesso no teatro britânico e chamar atenção em seus trabalhos para a TV, Jeremy Irons levou para casa o Oscar de melhor ator por este filme de Barbet Schroder em que é acusado de matar a esposa para herdar toda fortuna. O filme é um verdadeiro duelo entre as sugestões da narrativa e o trabalho do ator que não endossa, mas também não nega, o que dizem sobre seu personagem. O trabalho lhe colocou entre os melhores atores dos anos 1990 e o fez sempre fugir do rótulo de galã. A carreira seguiu caminhos inusitados, prova disso é topar ser Ozymandias na nova série Watchmen da HBO. 

PL►Y: Operação Red Sparrow

Jennifer e Joel: amantes na Guerra Fria. 

Depois de sofrer um bocado em Mãe! (2017), as coisas também não ficaram fáceis para Jennifer Lawrence neste Operação Red Sparrow. Aqui ela interpreta uma bailarina famosa que tem a perna quebrada em pleno palco. Depois ela sofre duas tentativas de estupro. É torturada e cortada várias vezes quando o filme está prestes a acabar, além de haver forte sugestão de incesto em torno de sua personagem. Vá entender qual era o objetivo disso tudo ao se assistir o filme que retoma a parceria da atriz com Francis Lawrence, diretor dos três últimos episódios da franquia Jogos Vorazes. O resultado não empolgou muito o público ou a crítica, mas o problema talvez esteja no roteiro, que mistura toneladas de clichês sobre filmes de espiões, sobretudo os que se bebem no clima da Guerra Fria. Jennifer vive Dominika Egorova, a primeira bailarina do balé de Bolshoi que perde o posto e a estabilidade depois de uma acidente terrível. Com dificuldades para manter as despesas e os cuidados com a mãe doente (Joely Richardson), ela aceita a ajuda de um tio (Matthias Schoenaerts) que sugere o nome da moça para um programa de treinamento secreto de espiões chamados Sparrow. No treinamento ela aprenderá a usar a sedução como arma, irá aprender a se despir da moral e dos pudores que lhes foram ensinados e servir aos interesses do governo da Rússia. A ideia não é nenhuma novidade em filmes do gênero e aqui não existe nenhuma sutileza nas insinuações sobre sexo e nudez ao longo da história. Esta forma fria de lidar com estes aspectos caem como uma luva na atuação de Jennifer, que está sempre gélida e distante a maior parte do tempo. A intenção funciona na maioria das vezes, principalmente quando ela se envolve em um jogo ambíguo em que ninguém faz a mínima ideia de onde ela quer chegar, mas em alguns momentos, priva a atriz de ampliar as camadas de Dominika, especialmente quando ela se envolve com o agente americano Nate Nash (Joel Edgerton) que não resiste aos seus encantos, nem que isso lhe renda uma das cenas de tortura mais agonizantes da história do cinema. Baseado no livro de Jason Matthews, o roteiro assinado por Justin Haythe se ampara em guardar segredos do espectador até o desfecho, mas bem que poderia ter caprichado mais nos diálogos que estão longe de ser originais. Operação Red Sparrow é basicamente uma colagem de vários filmes do gênero que serve para passar o tempo embalado por protagonistas e coadjuvantes de luxo. 

Operação Red Sparrow (Red Sparrow / EUA - 2018) de Francis Lawrence com Jennifer Lawrence, Joel Edgerton, Matthias Schoenaerts, Charlotte Rampling, Jeremy Irons, Ciarán Hinds, Mary-Louise Parker e Tekla Reuten. 

NªTV: Black Mirror - 5ª Temporada

Anthony e Yahia: amizade a algo mais. 

Vendo a quinta temporada de Black Mirror, a única semelhança que posso enxergar com suas origens é a quantidade de episódios. Quando estreou em 2011 a série causou estranhamento pela forma como apresentava o efeito da tecnologia na relações humanas. Privilegiando aspectos sinistros, a série sempre primou por apresentar o lado sombrio do ser humano alimentado por suas criações. Foi assim na primeira temporada com seus três episódios arrepiantes e a sensação prosseguiu na segunda (lançada em 2013). A série ganhou maior popularidade quando entrou para o catálogo da Netflix. Nascida no Reino Unido pode se dizer que a série migrou para os Estados Unidos em 2016, mas o seu tom já estava diferente. Na época fiquei em dúvida se havia me acostumado com a série ou se realmente o tom havia se tornado mais palatável para conquistar um público mais amplo. Animado com o resgate de sua cria, Charlie Brooker criou seis episódios para a Netflix (um deles, San Janipero até ganhou um Emmy de Melhor Filme para a TV, embora esteja longe de estar entre os meus favoritos). A quarta temporada trouxe mais seis episódios, resgatou o tom mais sombrio da série e não perdeu a chance de inserir um humor doentio quando era necessário (quer melhor exemplo que USS Callister?). Após a experiência do filme interativo Bandersnatch (2018), Black Mirror voltou com três episódios que não empolgam, embora dois deles tenham premissas interessantíssimas - mas desenvolvimentos equivocados. O primeiro traz a ideia de dois amigos que gostam de jogar games e se reencontram anos depois para uma partida em realidade virtual. Não vou estragar a surpresa que o episódio reserva, mas até chegar lá, você precisa de muita paciência. Arrastado e sem energia, o episódio parece não ter a mínima ideia de como trabalhar uma excelente premissa. Há diálogos demais, melodrama demais e um ar interminável. Quando olhei para o relógio, fiquei realmente surpreso que o episódio ainda estava na metade! Descuidado em sua execução, Striking Vipers depende muito do carisma de seus atores para prender a atenção (Anthony Mackie, Yahya Abfdul-Matteen II, Nicole Beharie, Ludi Lin e Pom Klementieff - a Mantis de Guardiões da Galáxia 2 - num desperdício de energia coletiva).

Andrew e Dawson: sequestrador herói?

A coisa piora consideravelmente com Smithereens, um dos piores episódios de toda a série.  Na tentativa de criar uma trama surpreendente, a trama caminha como se não tivesse para ter onde ir até sugerir um segredo do protagonista que faz a história mergulhar num melodrama sofrível. Curiosamente é o episódio mais atual da série, sem precisar de saltos no futuro para demonstrar o efeito da tecnologia a longo prazo, aqui o efeito realmente já aparece a olhos vistos com uma crítica às pessoas que não conseguem ficar sem olhar o celular. Não vejo problema em criar uma história sobre o assunto, mas a forma que ela é construída a partir de um encontro, um sequestro, uma chantagem e uma choradeira me deixou com a sensação de que não precisava ter assistido um episódio inteiro para chegar no desfecho. Assim que o episódio terminou, minha vontade foi apagá-lo da memória. O terceiro episódio começa morno, mas depois melhora e termina como o mais interessante da temporada, não porque seja grande coisa, mas por comparação ele se sai melhor. Contando a história de uma adolescente tímida fã de uma popstar que lança um robô interativo com inteligência artificial, Rachel, Jack e Ashley Too também tem doses cavalares de melodrama (a tendência da temporada) e a tentativa de fazer humor. Centrado em duas irmãs que não se entendem contada em paralelo com a história da cantora pop "que é um sucesso na mídia e um fracasso em sua vida pessoal" o episódio tem momentos espertos. Investindo na comédia adolescente, o episódio conta até com Miley Cirus como a estrela pop em crise. Houve quem dissesse que ficou decepcionado com a participação de Miley na série, mas como já sei há tempos que ela não é boa atriz achei que ela fez o de sempre (caretas, gritos e poses...) com a personagem que é quase a versão hardcore de Hannah Montana. Com voz de taquara rachada e dotes dramáticos sofríveis, a graça fica mesmo por conta da robozinha que é uma bela criação de efeitos especiais. Truncados em querer contar histórias que se perde em melodramas, a quinta temporada parece composta de ideias que sobraram das outras. Charlie Brooker precisa repensar se Black Mirror ainda é tão Black Mirror ou apenas um pastiche de si mesma. 

Miley: no melhor episódio (e chata como sempre). 

Black Mirror - 5ª Temporada (Reino Unido - EUA / 2019) de Charlie Brooker com Anthony Mackie, Yahya Abfdul-Matteen II, Nicole Beharie, Ludi Lin, Pom Klementieff, Andrew Scott, Damson Idris, Topher Grace, Monica Dolan, Miley Cirus, Angourie Rice, Madison Davenport, Susan Pourfar e Marc Menchaca. 

domingo, 9 de junho de 2019

PL►Y: I Am Mother

Mãe e Filha: os dilemas da maternidade. 

Num mundo pós-apocalíptico existe uma base de repovoamento cuidada por um robô. Ele será responsável por acompanhar o desenvolvimento de cada embrião e cuidado adequado para seu crescimento. Coloque neste robô a inteligência artificial programada para se tornar uma mãe exemplar e você terá a fonte de conflito mais interessante deste filme original da Netflix. Dirigido pelo estreante Grant Sputore, I Am Mother é uma bela surpresa pela forma como lança um olhar humano sobre o relacionamento de um robô com a criança pela qual é responsável. Deixando um pouco de lado o tema da inteligência artificial, o filme curte mais as nuances do relacionamento entre mãe e filha, as emoções envolvidas e a mistura de senso de criação, sucesso, fracasso e lealdade entre as duas. Acho emocionante como as personagens se chamam de mãe e filha durante todo o filme, além de travarem diálogos que poderiam facilmente acontecerem entre duas pessoas. No entanto, o microuniverso de Mãe (Rose Byrne) e Filha (Clara Rugaard) começa a ruir quando as histórias contadas começam a ser questionadas pela filha, especialmente quando uma mulher misteriosa (a esquecida duplamente oscarizada Hillary Swank) aparece pedindo ajuda. Esta mulher irá instigar a garota a questionar a razão de tudo que está ao seu redor e, sobretudo, se a Mãe é realmente o que aparenta. O filme pode ser dividido em três atos. O primeiro é estabelecido de forma meticulosa sobre a relação entre as duas protagonistas, ali são postas todas as características que deixam até o espectador em dúvida diante do que acontece no segundo ato. No terceiro a coisa escorrega, mas  colabora muito para o funcionamento do filme inteiro o magnífico trabalho vocal de Rose Byrne como robô. A forma como ela sugere afeição ao espectador é brilhant! Clara Rugaard também chama atenção pela sua segurança e Hillary Swank deixa a interrogação de qual é o problema de a colocarem em mais filmes (será sua não adequação em papéis de mocinhas frágeis?). Embora o roteiro de Michael Lloyd Green desperdice algumas possibilidades por ser direto demais, o trabalho das atrizes e do diretor colocam o filme entre um dos mais interessantes do ano. Com boa direção de arte, trilha sonora competente, ótima fotografia e efeitos especiais I Am Mother é um acerto cmo seu olhar possível de várias analogias sobre a maternidade.

I Am Mother (Austrália / 2019) de Grant Sputore com Clara Rugaard, Rose Byrne e Hillary Swank. ☻☻

Na Tela: X-Men - Fênix Negra

Sophie: despedida melancólica dos mutantes da FOX. 

Os X-Men entraram para a história como o primeiro grupo de heróis a fazer um filme realmente de sucesso. Era o alvorecer do século XXI, as adaptações de quadrinhos andavam em baixa desde que Batman e Robin (1997) se transformou num mico cinematográfico e ninguém queria mais enveredar pelo ramo. Com o sucesso de Blade (1998) os estúdios pensaram que a coisa poderia funcionar com uma pegada diferente e a FOX convenceu a Marvel de que poderia fazer uma produção que prestasse com o seu time mais popular. Convidaram o ascendente Brian Singer para dirigir e um elenco vindo de todo canto do mundo. O resultado foi um grande sucesso. De lá para cá muita coisa aconteceu não apenas com o grupo, mas com o próprio gênero dos filme de super-heróis. Novas produções de sucesso surgiram e estabeleceram novos padrões, concorreram a prêmios importantes no Oscar e fizeram bilheterias milionárias. Neste caminho, a Fox fez de tudo com os seus heróis (de bom e de ruim) enquanto a Marvel se expandia ao infinito no cinema. Quando a Fox foi comprada pela Disney e a Marvel ficou mais próxima dos seus heróis Mutantes as pessoas não se deram conta de que os filmes que estavam em produção sofreriam um bocado (Novos Mutantes vive sendo refeito e adiado). Nesta esteira X-Men: Fênix Negra do  estreante Simon Kinberg (que está envolvido com a franquia desde 2006) teve a estreia adiada e precisou ser refeito porque sua trama apresentava semelhança com outros filmes de heróis que foram lançados neste ano (até Michael Fassbender brincou que tinham espiões nas filmagens - e se você viu o filme identificou fácil os filmes que "copiaram" ideias daqui).  Ou seja, o filme perdeu o seu momento - e ainda tem a missão ingrata de suceder o mal-resolvido X-Men: Apocalipse (2016), o pior da franquia mutante. X-Men segue ainda a sua cartilha, não existem as piadinhas da Marvel, as baixarias de Deadpool ou não existe a vontade de agradar da nova fase da DC e o que vemos é um grupo de heróis que se despede do cinema a contragosto. Fica evidente que a história cria escopo para novos filmes, acontece uma crítica à postura do Professor Charles Xavier (James McAvoy), uma mudança na postura do domesticado Fera (Nicholas Hoult) e uma nova crise no relacionamento com Magneto (Michael Fassbender), tudo isso por conta de Jean Grey (Sophie Turner) ficar com poderes ilimitados após uma missão no espaço (que desperta até a cobiça de uma raça alienígena pouco amistosa liderada por Jessica Chastain). Ao colocar em discussão o papel dos X-Men no mundo, o filme se tornam mais sombrio e pesaroso, mas se torna apressado em sua necessidade de se tornar uma despedida. O filme não é perfeito, mas fica evidente que os filmes mutantes seguiriam outro caminho nos próximos anos investindo no desenvolvimento mais elaborado dos personagens que sempre eram coadjuvantes. Os efeitos especiais são interessantes, a trilha sonora é tensa e as cenas de ação são boas, mas insisto que Fênix Negra sofre por ter o estilo de outro tempo e ainda tem que se esquivar de X-Men: O Confronto Final (2006) que também bebeu na fonte da Fênix. Este é o fim melancólico de um legado, mas ele termina triste por não termos visto o pleno desenvolvimento dos personagens juvenis como Noturno (Kodi Smit-McPhee), Tempestade (Alexandra Shipp) e Ciclope (Tye Sheridan). Sheridan fez até fez um apelo pelo grupo de jovens atores dizendo que a Marvel poderia aproveitá-los na nova fase, mas provavelmente será ignorado. 

Ciclope, Xavier, Noturno e Tempestade: indo para a Marvel. 

X-Men: Fênix Negra (X-Men: Fênix Negra / EUA -2019) de Simon Kinberg com Sophie Turner, James McAvoy, Jennifer  Lawrence, Michael Fassbender, Jessica Chastain, Tye Sheridan, Alexandra Shipp, Nicholas Hoult e Kodi Smit McPhee. ☻☻ 

sexta-feira, 7 de junho de 2019

NªTV: Chernobyl

Jared e Emily: a obra-prima da HBO.

Qual é o preço da mentira? Qual é a dívida que você contrai a cada mentira que você conta? Ainda que muita gente não goste da verdade, ela está lá. Estas são algumas palavras que encerraram a magnífica série da HBO  sobre um dos maiores horrores vividos pela humanidade: a explosão da usina nuclear de Chernobyl em 1986. Os mais xiitas podem até contestar a visão que a série apresenta dos fatos, mas como não perceber ali a mensagem para um mundo que mergulha cada vez mais no discurso superficial das auto-verdades, do desprezo ao rigor científico e à intolerância de quem pensa diferente. O ponto de partida é simples: não é por você não acreditar que uma tragédia é eminente que ela não acontecerá. Mais do que o retrato de um pesadelo real, Chernobyl revela-se uma obra afinada com o nosso tempo. O programa foi criado por Craig Mazin e foi inspirado em histórias reais em torno da tragédia, curiosamente ela começa pelo final e  termina num tribunal onde é didaticamente explicado o que aconteceu no centro da explosão. Ao longo dos episódios vemos como era difícil lidar com a verdade naquele ambiente diante do delicado viés político (e não pense que aquele comportamento perigoso era produzido só na União Soviética, o autoritarismo cegante e seus seguidores são ambidestros e continuam por aí de ambos os lados). Desde o momento em que a usina foi pelos ares qualquer evidência que demonstrasse que havia algo de errado era negada com veemência. Sobrou para o físico Valery Legasov (Jared Harris) explicar (incluindo para a plateia) o tamanho do estrago que estava feito - e se multiplicando a cada minuto com a radiação que se espalhava. Mais complicado do que explicar sobre como a usina se tornou numa bomba nuclear era lidar com as escalas de poder e as politicagens da Guerra Fria. Narrada em cinco episódios, a série nos mergulhou num pesadelo com roupas radioativas, animais domésticos caçados, pessoas se decompondo em vida, cidades fantasmas e candidatos a heróis marcados para morrer. No meio de tudo isso, a sorte foi Valery contar com a ajuda de um homem capaz de compreender o desastre que tinham em mãos, ele era Boris Scherbina (Stellan Skarsgaard), que aos poucos se rende à realidade. Também não posso esquecer de uma mulher consciente da responsabilidade gigantesca que tinham em mãos (Emily Watson), que muitas vezes funciona como ponto equilíbrio para estes dois homens. Harris, Skarsgaard e Emily estão ótimos e suas atuações contidas tornam esta jornada ainda mais nervosa, no entanto, todos os coadjuvantes estão em uma sintonia invejável (como esquecer de Barry Keoghan caçando cachorros no quarto episódio?). Com excelente reconstituição de época e uma precisão cirúrgica na edição, fotografia e trilha sonora, foi curioso ver a série ganhar mais destaque depois que chegou ao final Game of Thrones o hit da HBO. Subitamente Chernobyl se tornou o programa mais comentado na internet - e o mais bem avaliado em sites especializados. Favorita ao posto de melhor produção televisiva do ano, a minissérie conta um trabalho surpreendente do diretor Johan Renck, nada semelhante ao que realizou até aqui (antes ele havia dirigido clipes, outras séries de TV e um filme esquisito chamado Downloading Nancy - que no Brasil se chamou Distúrbios do Prazer/2008) e termina instigando nossa consciência a enxergarmos os tempos sombrios que se aproximam. Simplesmente magistral. 

Chernobyl (EUA-Reino Unido / 2019) criado por Craig Mazin e dirigido por Johan Reck com Jared Harris, Emily Watson, Stellan Skarsgaard, Jessie Buckley, Karl Davis e Barry Keoghan. ☻☻☻☻☻ 

PL►Y: The Perfection

Logan e Allison: surpresas em excesso. 

Parte da graça de assistir ao suspense The Perfection (em cartaz na Netflix) está em deixar ser enganado pela narrativa que parece ser mais uma daquelas histórias sobre competição entre mulheres. No primeiro ato do filme eu lembrei de A Malvada/1950,  Cisne Negro/2010 e até Chicago/2002, mas o filme não pode ser acusado de ser igual a nenhum deles, já que envereda por caminhos cada vez mais inesperados e um tanto destrambelhados. Ele começa com o retorno de Charlotte (Allison Williams), violoncelista promissora que deixou uma carreira como musicista para cuidar da tia doente. Em seu lugar logo foi colocada a elogiada Lizzie. Depois de anos cuidando da mãe sozinha, Charlotte procura novamente os seus mentores e reencontra Lizzie crescida (Logan Browning), as duas serão juradas de um concurso internacional no oriente em que uma nova artista do ramo será destacada. Sabendo que existe uma admiração mútua entre as duas, elas se aproximaram (até demais) e uma sucessão de acontecimentos bizarros colocara a fidelidade delas em questão. Não se pode falar muito mais do que isso para não estragar as surpresas que o filme reserva. Posso dizer que ele é dividido em quatro atos que se complementam e sempre demonstram que o que vemos não é o que parece, sempre dependendo de um complemento, um detalhe e circunstância que ressignifica o rumo dos fatos. Muitas vezes o filme revela-se nojento, tenso, sangrento e um tanto bizarro até o desfecho, mas muita gente tem curtido o resultado, especialmente pela astúcia do diretor/roteirista Richard Shepard em contar a história um tanto truncada. Shepard já provou que sabe contar histórias imprevisíveis em seu último filme, A Recompensa (2014) e aqui ele conta com Allison Williams, sua colaboradora no seriado Girls para dar credibilidade, mais uma vez, a uma personagem que parece ser o que não é (ela fez isso em Corra!, lembram?). Allison é acompanhada por outra jovem atriz talentosa, Logan Browning, a protagonista da série Cara Gente Branca e aqui faz uma personagem totalmente diferente. Embora tenha alguns exageros The Perfection prende a atenção e provoca nervosismo na plateia durante boa parte do tempo, mas poderia ser melhor se não dependesse tanto das firulas narrativas para soar original. 

The Perfection (EUA-2019) de Richard Shepard com Allison Williams, Logan Browning, Alaina Huffman, Steven Weber, Molly Grace e Eileen Tian. ☻☻

PL►Y: Minha Vida em Marte

Paulo e Monica: amizade à toda prova. 

"Os Homens são de Marte... e é para lá que eu vou" fez um sucesso danado no teatro, no cinema e na televisão e um produtor esperto sabe que enquanto a ideia estiver funcionando, vale a pena continuar ganhando. Minha Vida em Marte é a continuação do filme que chegou aos cinemas em 2014 e ao invés de repetir o que vimos no primeiro filme soube mudar o foco e se tornou uma grata surpresa. Depois de fechar o primeiro filme com o casamento de Fernanda (Monica Martelli)  e Tom (Marcos Palmeira) - acho que nem é SPOILER dizer (afinal, aparece no trailer) que o casamento deles não duraria muito tempo (desde o início achei o homem um chato de galochas). Aqui a protagonista se esforça para salvar o casamento com todo o tipo de clichê que pode ser utilizado, mas nada segura um casamento em que o marido estabelece que só quatro minutos para tomar banho! O casal até parece que teve seus dias bons, tiveram até uma filha (Marianna Santos), mas o fogo já está apagando e eles nem conseguem disfarçar. Já que Tom não se enquadra no posto de herói de comédia romântica (e convenhamos que Marcos Palmeira pode ser qualquer coisa, menos engraçado) o roteiro tem a sabedoria de ampliar a participação do amigo de Fernanda, o sócio Aníbal (Paulo Gustavo). Juntos, Fernanda e Aníbal (ou Monica e Paulo) são garantia de boas risadas, mesmo quando o roteiro não ajuda muito. Assim, Fernanda percebe que para se sentir bem não precisa necessariamente de um marido ao seu lado, Aníbal garante a diversão seja numa festa de casamento em que precisam improvisar ou na organização de um funeral que pode garantir um novo mercado de trabalho para a dupla. Os dois também vão para Nova York, mas o que ganhava tanto destaque no trailer é uma viagem rápida  que avacalha com Central Park, se diverte com as farmácias americanas e faz troça com arte moderna. O filme também pontua que arranjar um relacionamento não está fácil numa era com relacionamentos abertos e pessoas comprometidas se aventurando por aí, Fernanda se percebe cada vez mais pertencer a outro tempo de flerte. Ainda que a direção da estreante Susana Garcia não inove, achei o filme bem divertido e  fico feliz de ver a protagonista menos paranoica para arranjar namorados - com um amigo espirituoso à tiracolo a vida pode ser muito mais divertida. A única coisa que achei esquisita no filme é que depois da separação a filha de Fernanda simplesmente desaparece junto com o marido mala. Senti falta de uma cena da garota se divertindo com a mãe e o tio Aníbal, nem que fosse com aquele porquinho de estimação (presente do estorvo em forma de pai, claro!). 

Minha Vida em Marte (Brasil - 2018) de Susana Garcia com Monica Martelli, Paulo Gustavo, Marcos Palmeira, Fiorella Matheis e Lucas Capri. ☻☻☻

quarta-feira, 5 de junho de 2019

NªTV: Fosse / Verdon

Sam e Michelle: dupla de talento.

Faz algum tempo que indago na internet quando a minissérie do Fosse/Verdon estreará na programação do canal FX no Brasil. Com a exibição terminada recentemente nos Estados Unidos, o programa sobre o relacionamento entre Bob Fosse e Gwen Verdon permanece sem data de estreia por aqui. Um amigo solidário me permitiu assistir toda a série nas últimas semanas e me explicou que até na Terra do Tio Sam o programa recebeu algumas críticas sobre não ter público amplo interessado na história que tem para contar, afirmou que no mundo de hoje, são poucos os que lembram de Fosse e  Gwen. Eu tive vontade de chorar. Bob Fosse foi um dos maiores diretores de musicais dos Estados Unidos. Além de coreógrafo, ator, dançarino e produtor, ele dirigiu filmes que merecem ser revistos até hoje - especialmente Cabaret/1972 e All That Jazz/1979. A forma como o homem pensava a alma de um musical, seja no palco ou na tela, permanece única até hoje. Menos conhecida por aqui, Gwen Verdon era uma consagrada estrela da Broadway, ganhadora de quatro prêmios Tony e bastante influente. Ela e Fosse trabalharam juntos e se casaram, tiveram uma filha e depois se separaram,  mas, ainda assim, o destino dos dois estava unido para sempre. Fosse/Verdon guarda bastante semelhanças com um projeto de Ryan Murphy, Feud, que nos brindou com o embate de Bette Davis e Joan Crawford, antes que Murphy migrasse para a Netflix. O FX quis continuar com a ideia e criou um programa onde a relação entre os protagonistas é ainda mais intensa. A trama é contada em oito episódios e tem como ponto de partida o período em que Fosse (vivido por Sam Rockwell) deixava de ser um diretor de teatro em ascensão para se tornar cineasta. A estreia ocorreu com Sweet Charity (1969), sua parceria nos palcos com Gwen Verdon (vivida por uma brilhante Michelle Williams) e que ganhou as telas com Shirley MacLaine. O passo seguinte foi Cabaret (1972), que contou com a ajuda de Gwen para ganhar forma na mesa de edição, nos figurinos e na maquiagem... e levou oito Oscars para casa! A partir dali se percebe que não importa quantos tropeços aconteçam no caminho dos dois, havia algo muito especial ali. Os dois se entendiam e se complementavam com uma naturalidade impressionante, embora muitos ressentimentos sejam acumulados pelo caminho. Fosse era um mulherengo egocêntrico (mas que ganha contornos humanizados pela leveza cheia de camadas de Rockwell), mas este senso de grandeza quase acabou com a vida dele e comprometeu vários planos de Gwen - basta ver a dificuldade que foi para convencê-lo a montar Chicago, a última grande parceria da dupla nos palcos (e que teria virado outra coisa se Fosse estivesse vivo para fazer sua versão para o cinema). Como não deixaria de ser, o último capítulo do programa é dedicado a All That Jazz, espécie de filme testamento em que o Fosse revisita sua vida perante a espreita da morte. Fosse/Verdon mescla a obra dos artistas com idas e vindas temporais, cria alegorias referendadas em suas peças e filmes  (incluindo até o pouco lembrado Lenny/1974), além de algumas cenas de bastidores e palco. O programa criado por Thomas Kalil e Steven Levenson (tendo a filha do casal, Nicole Fosse como consultora) está mais preocupado em entender a união criativa que existia entre os dois personagens. O resultado é um magnífico duelo de interpretações. É visível o esforço de Rockwell para não fazer de Fosse um monstro, mas é Michelle Williams que arrasa em cada cena que aparece. O sotaque, os passos, a caracterização, o processo de envelhecimento, ela parece realmente uma diva da Broadway sobre o peso do tempo. Mesmo quando o destaque está sobre Bob, são seus olhares e gestos que enriquecem ainda mais a história. Rico em recriações e exuberante em termos de narrativa, Fosse/Verdon já está na minha lista de melhores do ano, ainda que se considere que o Brasil não tem público para este tipo de programa.  

Fosse / Verdon (EUA-2019) de Thomas Kalil e Steven Levenson com Sam Rockwell, Michelle Williams, Jake Lacy, Margaret Qualley, Norbert Leo Butz e Bianca Marroquin. ☻☻☻☻