domingo, 31 de agosto de 2014

N@ CAPA: Judi Dench e Helen Mirren

Dench e Mirren: noir ladies

A capa do mês de agosto foi uma adaptação da foto da Vanity Fair que celebrava o gênero noir em 2007. Na fotografia, as veteranas Helen Mirren e Judi Dench mostram por que ainda são duas divas inglesas bastante requisitadas em Hollywood. Aos 69 anos, Helen está envolvida em quatro produções que devem chegar em breve aos cinemas. Enquanto Judi (recentemente indicada ao Oscar por Philomena/2013) está prestes a completar 80 anos e tem três filmes prestes a estrear. Além de sucesso no cinema, as duas são veneradas no teatro britânico, ao ponto de participarem da prestigiada série National Theatre Live, onde pérolas da dramaturgia eram exibidas na TV entre 2009 e 2013. 

DVD: Para Roma com Amor

Davis, Allen, Pill e Flavio Parenti: surrealismo não salva as irregularidades. 

Woody Allen dirigiu a maioria de seus filmes com locações em Nova York. A Big Apple ainda é o cenário favorito do diretor, mas desde que ele resolveu realizar alguns trabalhos pela Europa, algumas cidades turísticas do mundo resolveram convidá-lo para fazer o mesmo (incluindo o Rio de Janeiro). Assim que ele filmar na Espanha (Vicky Cristina Barcelona/2008), na França (Meia-Noite em Paris/2011) e até em Roma nesta que seria sua declaração de amor à cidade italiana. No entanto, vale lembrar, que declarações de amor feitas por encomenda costumam não funcionar e Para Roma com Amor. Um amigo meu diria que é um dos filmes que "Woody filmou para cumprir tabela" - se referindo à compulsão do cineasta lançar uma produção por ano, este foi o filme com o selo 2012, ou seja, lançado depois dos prêmios e bilheteria surpreendente de Meia-Noite e Paris e a aclamação de Blue Jasmine/2013. Para contornar a premissa o diretor criou vários personagens que visitam Roma por algum motivo e a filmagem narra os acontecimentos com cada um deles. O efeito é como se fosse um episódio da cine-série cidade que amamos (como Nova York, Eu Te Amo/2008) em que os episódios foram misturados na edição. Algumas histórias são bacanas, outras nem tanto (e essas prejudicam a fluência das que funcionariam bem), sendo assim, Allen chega a temperar algumas com toques surreais para que fiquem mais engraçadas. A coisa funciona com a história do homem comum (Roberto Benigni)  que do nada é perseguido pela imprensa, ou com o homem que é ótimo cantor de ópera - somente quando está debaixo do chuveiro (vivido pelo tenor Fabio Armiliato), mas nada pode salvar a arrastada trama sobre adultério eminente protagonizada por Jesse Eisenberg, Ellen Page e Greta Gerwig que não decola nem com o espectro de Alec Baldwin para dar uma mãozinha (essa deve ser a pior história já escrita por Allen). Allen ainda encontra espaço para colocar Penelope Cruz como uma prostituta metida numa farsa com um jovem tímido recém casado (enquanto a esposinha se perde na cidade) e o fato de colocar uma espanhola como italiana é o motivo da melhor piada autorreferencial do filme, já que Allen diz em cena que não entende espanhol... quando está no meio de uma autêntica discussão italiana. Sem a preocupação de misturar as tramas (são todas independentes) ou seguir uma linha temporal comum (algumas tramas acontecem por dias, enquanto outras acontecem em uma única tarde), Allen recicla algumas ideias (o mundo das celebridades, o adultério, seres imaginários...) e capricha num elenco plural para ajudá-lo a tornar interessante um filme irregular. Maçante em sua duração, Para Roma com Amor (e o título sem graça só reforça a ausência de um corpo coerente à história disfarçada de brincadeira com as Cidades que Amamos) deve figurar na lista dos filmes mais descartáveis do diretor.  Para dizer que não gostei de nada, tem uma piadinha aqui e outra ali que funciona, também curti ver a sumida Judy Davis novamente ao lado do diretor e um personagem discutindo as qualidades de A Solidão dos Números Primos (2010), um dos melhores filmes italianos dos últimos anos. 

Para Roma com Amor (To Rome with Love/EUA-Itália-Espanha/2012) de Woody Allen com Jesse Eisenberg, Woody Allen, Judy Davis, Ellen Page, Alec Baldwin, Alison Pill, Alessandro Tiberi, Roberto Benigni e Fabio Armiliato. ☻☻

DVD: As Bem Armadas

Bullock e Melissa: seguindo a cartilha das duplas policiais. 

Sandra Bullock tem um Oscar na estante para provar que é uma boa atriz. Apesar de ter ficado conhecida por comédias bobas, Sandra sempre gostou de exercitar seus músculos dramáticos em filmes que nem sempre recebiam o devido reconhecimento (e, às vezes, eles nem mereciam). Bullock ganhou o prêmio de atriz debaixo de críticas com o mediano Um Sonho Possível (2009), no ano em que foi mais elogiada por ter feito uma de suas melhores comédias (A Proposta/2009). De lá para cá ela se dedicou a atuações mais densas (como em Tão Forte tão Perto/ e em Gravidade/2013 que lhe rendeu outra indicação ao prêmio da Academia), mas entre eles era preciso fazer um carinho no público que ajudou a pagar suas contas vendo suas comédias. Apesar do sucesso, As Bem Armadas é um filme bastante esquecível. Pegue a fórmula gasta de duplas da lei que precisam trabalhar juntas sem se entender muito bem, transforme-as em mulheres e não precisa nem mudar a tipologia padrão, a certinha e a doidinha já basta para criar gags sobre os conflitos de personalidade entre as duas. Cozinhe a história sobre uma investigação de tema gasto (tráfico de drogas, claro!) por quase duas horas (e a longa duração também preocupa) e você terá um filme. Bullock interpreta a agente especial do FBI Ashburn, tão certinha que usa uma presilha no cabelo que foi banida de Hollywood nos últimos vinte anos! Apesar da boa vontade de seu superior, Hale (Demian Bichir), Ashburn fez alguma bobagem no passado e agora precisa provar o seu valor. O difícil será fazer isso numa investigação sobre traficantes onde terá que lidar com a grosseira Mullins (Melissa McCarthy). Obviamente que as duas parecem água e azeite na dificuldade que tem de se misturar, mas como o roteiro irá lhes mostrar elas não tem outra opção: vão ter que se entender - afinal, todos os filmes de duplas engraçadinhas precisam ser assim. As piadas do filme são de uma fazendo troça da outra, seja das roupas, do apartamento, da família... o roteiro é como um torneio de dardos de uma sobre a outra. Mas nada muito complicado ou denso para afugentar o público, afinal, apesar das personagens serem adultas vividas por atrizes com mais de quarenta anos, elas se comportam como adolescentes. Se Bullock faz o que pode para dar alguma densidade à sua personagem que parece possuir Transtorno Obsessivo Compulsivo até com os fios de cabelos, já Melissa faz o que está se tornando especialista: viver a gorducha grosseirona. Acho que esse é o maior problema do filme. Celebrada por sua atuação em Missão Madrinha de Casamento (2011), pela qual foi até indicada ao Oscar de coadjuvante. Melissa está presa ao tipo, correndo o risco de transformar suas comédias cada vez mais repetitivas. Talvez se ela mudasse de papel com Bullock o filme tivesse algum sabor de novidade. Dirigido por Paul Feig (o mesmo de Missão Madrinha...) o filme pode até gerar risadas, mas está longe de apresentar qualquer novidade para ser lembrado por mais de algumas horas. 

As Bem Armadas (The Heat/EUA-2013) de Paul Feig com Sandra Bullock, Melissa McCarthy, Demian Bichir, Marlon Wayans, Michael Rapaport e Taran Killam. ☻☻

sábado, 30 de agosto de 2014

§8^) Fac Simile: Sulley

James P. Sullivan
Ser monstro em Hollywood não é fácil, principalmente se você quer manter distância dos filmes de terror. Nosso repórter imaginário estava passeando pela Disney World quando encontrou James P. Sullivan, mais conhecido como "Sulley" de Monstros S/A (2001) e Universidade Monstros (2013), dois filmes de sucesso do estúdio, mas que não são garantias de trabalho para esse ator longe da franquia de sucesso. Nosso repórter não perdeu a chance e convenceu Sulley a lhe responder cinco perguntas nessa entrevista que nunca aconteceu:

§8^) Você fez dois filmes de enorme sucesso, mas percebemos que é difícil vê-lo em outras produções, existe muito preconceito com monstros na indústria?

Sulley: Bastante. Eu ainda tenho sorte de ser azul, uma cor que sempre tem oportunidades no cinema, mas nem sempre dou sorte. Sempre tem papel para criaturas azuis. Eu me depilei e fiz uma dieta rígida para filmar Avatar, mas James Cameron me recusou. Fiz teste para Os Smurfs, mas me acharam grande demais. Eu quase fui escolhido para fazer o Fera de X-Men, mas durante as aulas de musculação eu acabei tendo um problema nas costas e perdi o papel! Essas coisas acontecem o tempo todo. Eu também tentei fazer parte do Blue Man Group, mas eles preferiram colocar o Dr. Manhattan de Watchmen na vaga que surgiu. Disseram que eu perdia muito tempo tirando meus pelos. Mas tudo bem, enquanto não filmo eu trabalho aqui na Disney tirando fotos com os fãs!

§8^) Você falou de vários testes, mas convites para outros filmes, você recebe?

Sulley: Muitos, mas quando se tem contrato com a Disney você precisa ter alguns critérios. Me chamam sempre para fazer filmes de terror, mas eu recuso, tenho muitas crianças que me admiram e o efeito poderia ser desastroso para minha carreira. 

§8^) Soube que o Sylvester Stallone também te chamou para fazer Os Mercenários 3, mas você recusou...

Sulley: É, as filmagens aconteceram durante a divulgação de Universidade Monstros e eu acabei recusando o convite. Minha agenda ficou uma loucura naquela época... Sly disse que tinha escrito um papel especialmente para mim e que temos um tipo físico ótimo para filmes de ação, mas o papel acabou ficando com o Kelsey Grammer... o cara que foi o Fera em X-Men 2... ele parece estar sempre atento quando eu perco um papel. 

§8^) Qual foi o papel mais estranho que já te ofereceram?

Sulley: De vez em quando recebo uns convites para fazer uns filmes adultos, eu sempre acho tão esquisito. Principalmente porque alegam que tenho muitos fãs, homens e mulheres que desenvolveram uma espécie de fetiche por mim. Um povo que curte caras peludos... dá para acreditar numa coisa dessas? Minha namorada me mataria se fizesse um filme desses... kkk

§8^) Acha que tem relação com o fato de você não usar roupas? Devem achar que você lida bem com a nudez...

Sulley: Puxa! É verdade... ainda não tinha pensado nisso!

DVD: Universidade Monstros / Monstros S.A.

Sulley e Wazowski: como tudo começou. 

Existe um problema sério com as sequências de sucessos da animação - e nem precisa ser muito rabugento para perceber isso. Vejamos o exemplo de Monstros S/A (2001) o filme da Disney era uma delícia ao mostrar um mundo onde os monstros precisavam visitar às crianças durante a noite para assustá-las - e transformar a potência de seus sustos (ou gritos) em energia para o mundo em que viviam. Naquele universo particular, o grandão azul Sulley (voz de John Goodman) e o caolho verde Wazowski (voz de Billy Cristal) eram os melhores no que faziam. Além das piadas referentes ao funcionamento da empresa (o relacionamento com os colegas, a competitividade, as metas de produção, os acidentes de trabalho...), a dupla de amigos ainda tinham que lidar com um problema adorável: a menina Boo (Mary Gibbs) - que ensina aos dois que crianças não são tóxicas como imaginavam. Além disso, Boo descobre o que esses personagens tinham de mais adorável enquanto mergulhavam numa aventura de tirar o fôlego de crianças e adultos. Além de sucesso de bilheteria, o filme concorreu a quatro estatuetas no Oscars (ganhando a de melhor canção e perdendo a de melhor animação para o japonês A Viagem de Chihiro). Por muito tempo falou-se numa sequência para o filme, doze anos depois ela chegou aos cinemas com a história de como Sulley e Wazowski se conheceram na faculdade. Isso para os fãs é um deleite, especialmente por criar a possibilidade de conhecê-los antes de estabelecerem as personalidades que conhecemos no filme anterior. Não é segredo para ninguém que Sulley e Wazowski estão muito longe de ser assustadores (assim como a maioria dos monstrinhos criados para a série), mas em Universidade Monstros isso torna-se um grande dilema para os dois, especialmente para Wazowski que terá que se esforçar muito para provar que é um monstro de respeito - enquanto isso Sulley tem a sorte de ser de uma família famosa pelos sustos que proporciona, mas enfrenta problemas quando precisa conhecer outras técnicas para ser um monstro profissional. Só isso já está de bom tamanho, mas os roteiristas inventaram uma gincana entre os personagens para motivar as cenas de ação e as gracinhas da trama. O resultado pode até divertir, mas não fica muito longe do que vimos em filmes recentes como Os Estagiários (2013). É verdade que Universidade Monstros tem a (enorme) vantagem de possuir personagens com o carisma testado e comprovado anteriormente, mas o que poderia ser mais uma filmes divertido e original se transforma na velha história dos estudantes excluídos procurando formas de provar seus méritos. Assim, Sulley e Wazowski tornam-se coadjuvantes numa sátira de tantos outros filmes sobre adolescentes querendo provar o seu valor no universo escolar, com a diferença de serem monstros. Mais do que suar para vencer os concorrentes, os dois terão que ralar um bocado para contornar a preguiça dos roteiristas. O visual do filme permanece arrebatador, a fluência da narrativa é boa, mas nunca chega  a ter o frescor e originalidade do filme anterior. Embora divertido, Universidade Monstros é um tanto decepcionante para quem considera Monstros S/A uma das animações mais bem boladas do século XXI. 

Monstros S.A: frescor e originalidade. 

Monstros S/A (Monsters Inc./ EUA-2001) de Pete Docter, David Silverman e Lee Unkrich com vozes de John Goodman, Billy Cristal, Steve Buscemi, Jennifer Tilly e Mary Gibbs. ☻☻☻☻

Universidade Monstros (Monsters University/EUA-2013) de Dan Scanlon com vozes de John Goodman, Billy Cristal, Helen Mirren, Sean Hayes e Alfred Molina. ☻☻☻

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

DVD: O Passado

Rahim, Bérénice e Mosaffa: o passado ente culpas e segredos. 

Chega a ser covardia que qualquer filme tenha que rivalizar em nossa memória com A Separação/2011, o premiadíssimo filme de Asghar Farhadi. O drama era uma mistura inacreditável das relações humanas no Irã, temas como religião, família, diferença entre os sexos, ambições e uma série de outros elementos, se misturam com perfeição numa verdadeira obra-prima. Fica evidente que aguardado filme seguinte de Farhadi seria lançado sob o espectro do filme anterior. Talvez esse seja o motivo de  O Passado não ter empolgado tanto público e crítica pelo mundo, afinal as comparações são inevitáveis (e acarretaram a não indicação do filme ao Oscar de filme estrangeiro desse ano, o que muitos consideravam algo certo). Obviamente que o filme tem seus méritos, mas o tom  ainda mais intimista pode ter transformado a trama numa narrativa menos contundente, embora Farhadi construa seus dramas como suspenses, cheio de surpresas e reviravoltas que se revelam conforme os personagens traçam ações inesperadas que afetam quem está ao seu redor. Se em A Separação acompanhamos uma família em dissolução, em O Passado, encontramos uma família em construção (ainda que constituída com os retalhos de outras). A francesa Marie (Bérénice Bejo) está prestes a consumar o seu divórcio com o iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) para que possa finalmente se casar com Samir (Tahar Rahim). Pairando sobre o trio está o filho de Samir, o menino Fouad (Elyes Aguies) e as filhas de Marie, a adolescente Lucie (Pauline Burlet) e a pequena Léa (Jeanne Jestin) - fruto de relacionamentos anteriores da personagem. Embora Ahmad não tenha filhos, seu relacionamento com as filhas da ex-mulher é bastante próximo, ao ponto de Marie utilizá-lo como uma espécie de pacificador para o conflituoso relacionamento com a filha adolescente - que não aceita o relacionamento dela com Samir. O cineasta promove o encontro um tanto torto entre os personagens, regado a diálogos ásperos, situações desconfortáveis e um mistério a ser resolvido: a causa da tentativa de suicídio da esposa de Samir (que encontra-se em coma). Enquanto os personagens tentam se encaixar numa residência que está, não por acaso, em reforma (afinal, a ideia é construir um novo lar para a nova família que se constitui), pequenas revelações acontecem sobre a situação da mulher que encontra-se inconsciente. Do desconforto constante de Samir, passando pela angústia de Lucie e a tensão quase descontrolada de Marie, sobra ao visitante Ahmad (que está prestes a cortar o laço com esses personagens) mediar os vários conflitos que se anunciam. Embora Bérénice tenha recebido o prêmio em Cannes de melhor atriz, seus parceiros de cena também merecem destaque pela generosa forma como passam o bastão um para o outro conforme a trama se desenvolve. Enquanto Bérénice está perdidamente humana na personagem, o excelente Ali Mosaffa (o marido de A Separação) carrega a serenidade de quem passou por maus bocados no passado e Tahar Rahim convence quando o filme deposita nele as emoções mais densas no desfecho quase inacreditável, afinal, uma personagem quase insignificante mostra-se fundamental para tudo o que acompanhamos desde o início. Entre culpas e mesquinharias, o filme mostra que o passado precisa ser purificado para que as possibilidades do presente possam ser alcançadas plenamente. O passado pode não ser uma obra-prima, mas é um filme interessante pela proposta de mover seus personagens, um tanto desconectados, para o ajuste de suas trajetórias.

O Passado (Le Passé/França-Itália-Irã/2013) de Asghar Farhadi com Bérénice Bejo, Ali Mosaffa, Tahar Rahim, Elyes Aguis e Pauline Burlet. ☻☻

terça-feira, 26 de agosto de 2014

NªTV: The Knick / Helix

The Knick: o pretensioso hospital de Soderbergh. 

Me preparo para todo tipo de ofensa ao terminar de escrever esse post, afinal, trata-se de minha humilde opinião de duas séries que estrearam recentemente no Brasil com ambições opostas e com aceitação um tanto divergente de crítica e público. The Knick é a badalada série de Steven Soderbergh que retrata a vida no hospital Knickbocker em nova York no início do século XX - com Clive Owen a frente do elenco -, a outra série é a menos pretensiosa Helix, criada por Cameron Porsandeh que tem Billy Campbell (o candidato azarado da primeira temporada de The Killing). Evidentemente que a crítica especializada está toda derretida pela nova obra de Soderbergh (e ele anda tecendo inúmeros elogios pela liberdade criativa que a TV lhe oferece). É verdade que podemos perceber todo estilo do cineasta a cada milimetro de The Knick, o uso de câmera na mão, o não uso de luz artificial, a edição um tanto desconexa... no entanto, ainda preciso de motivos para acompanhar o seriado. O próprio diretor diz que todos nós já vimos essa história de cotidiano hospitalar na TV e seu anseio é justamente mostrar como era no início do século XX, com todas as suas inovações e, ao mesmo tempo, um tanto de horror se comparado aos recursos que temos hoje. Embora crie arrepios com a autenticidade cênica das cirurgias mais escabrosas, Soderbergh promete se embrenhar cada vez mais nos lugares obscuros de seus personagens, especialmente do conceituado John Thackery (Cllive Owen), médico de prestígio que assume a tarefa de manter a reputação inovadora do hospital enquanto lida com seus vícios em cocaína e prostitutas orientais. Por enquanto The Knick chega ao seu terceiro episódio no Brasil, mas falta um pouco de foco no programa. A reconstituição de época é boa, os personagens são promissores, mas Soderbergh investe numa marcha vagarosa que cozinha o grande diferencial do seriado: profissionais inovadores frente às limitações de seu tempo. Nesse quesito o roteiro enrola na abordagem de temas como racismo (especialmente quando os médicos brancos precisam lidar com o colega negro vivido por André Holland), o sexismo (sobretudo com relação à enfermeira vivida por Eve Hewson) e até o otimismo de quem enxerga além de tudo isso (pelos olhos do residente cheio de expectativas vivido por Michael Angarano). O fato é que a liberdade autoral de Soderbergh não percebe o quanto sua pretensão engessa um bocado a narrativa, cozinhando em excesso as possibilidades de seus dez episódios. Até agora, a série exige disposição para embarcar nessa viagem no tempo que começa curiosa, mas que pode se tornar um tanto cansativa durante um episódio. Acho que a própria HBO notou isso ao relegar a série ao canal Max, famoso por exibir produções cabeças, obscuras e alternativas. Já Helix investe no caminho oposto. Ao abordar os problemas de uma base científica localizada no ártico, a série parece começar no meio da história para motivar o clima de mistério. Desde o início sabemos que os cientistas que trabalhavam ali descobriram (ou desenvolveram) um vírus perigoso, que destrói o organismo humano e é transmitido oralmente. Helix tem a difícil tarefa de não descambar para o trash, com sua trama que de certo verniz conspiratório e político, afinal não sabemos ao certo com que os personagens estão lidando, além disso,  estabelece conflitos num espaço onde convivem contaminados, suspeitos de contaminação, cientistas, veteranos, membros das forças armadas e agentes de controle de doenças que terão de colaborar de alguma forma se quiserem sobreviver. Pois é, você já viu essa história antes e, talvez, até melhor contada, mas o fato é que Helix consegue criar uma tensão interessante entre os personagens, sem perder de vista uma certa claustrofobia de conviver num ambiente que é, por si só, uma ameaça. Exibida em janeiro pelo canal SyFy americano, o seriado é exibido no Brasil pelo AXN e consegue costurar seus segredos com desenvoltura capaz de satisfazer os fãs órfãos de Lost e Arquivo X. Helix pode não ser genial (e acho que nem quer ser), mas consegue contar uma história que já vimos com eficiência, o que é um ganho diante de outras séries que tem ideias inovadoras, mas não sabem ao certo que história contar. Ao final de seus treze episódios, Helix foi renovada para uma segunda jornada no inverno de 2015!

Helix: suspense regado a nerdices, trashices e eficiência. 


The Knick (EUA) de Steven Soderbergh com Clive Owen, André Holland, Michael Angarano, Eve Hewson e Juliet Rilance. ☻☻

Helix (EUA) de Cameron Porsandeh com Billy Campbell, Jordan Hayes e Hiroyuki Sanada. ☻☻

GANHADORES EMMY 2014

O elenco premiado de Breaking Bad: sorte da concorrência em 2015!

A essa hora muita gente agradece ao fim de Breaking Bad. A série se transformou uma febre rumo ao seu final e foi o maior destaque no Emmy 2014. Os outros destaques ficaram por conta da série Fargo e de Sherlock. Entre as comédias não houve grandes novidades, mesmo assim, listei os indicados desse ano destacando os vencedores.

Série Dramática
Breaking Bad  (AMC)
Downton Abbey (ITV/PBS)
Game of Thrones (HBO)
House of Cards  (Netflix)
Mad Men (AMC)
True Detective  (HBO)

Série Cômica
The Big Bang Theory (CBS)
Louie (FX)
Modern Family (ABC)
Orange is the New Black (Netflix)
Silicon Valley (HBO)
Veep (HBO)

Minissérie
American Horror Story: Coven (FOX)
Bonnie & Clyde (Lifetime)
Fargo (FOX) 
Luther (BBC/BBC America)
Treme (HBO)
The White Queen (BBC/Starz)

Telefilme
Killing Kennedy (National Geographic Channel)
Muhammad Ali’s Greatest Fight (HBO)
The Normal Heart (HBO) 
Sherlock: His Last Vow (Episódio de longa duração de série britânica – BBC/PBS)
The Trip To Bountiful (Lifetime)

Ator de Série Dramática
Bryan Cranston por Breaking Bad (AMC)
Jeff Daniels por The Newsroom (HBO)
Jon Hamm por Mad Men (AMC)
Woody Harrelson por True Detective (HBO)
Matthew McConaughey por True Detective (HBO)
Kevin Spacey por House of Cards (Netflix)

Ator de Série Cômica
Don Cheadle por House of Lies (Showtime)
Louis CK por Louie (FX)
Ricky Gervais por Derek (Channel 4/Netflix)
Matt LeBlanc por Episodes (Showtime)
William H Macy por Shameless (Showtime)
Jim Parsons por The Big Bang Theory (CBS)

Ator de Minissérie ou Telefilme
Chiwetel Ejiofor por Dancing on the Edge (BBC/Starz)
Martin Freeman por Fargo (FOX)
Billy Bob Thorton por Fargo (FOX)
Idris Elba por Luther (BBC/BBC America)
Benedict Cumberbatch por Sherlock (BBC/PBS)
Mark Ruffalo por The Normal Heart – Telefilme (HBO)

Atriz de Série Dramática
Lizzy Kaplan por Masters of Sex (Showtime)
Claire Danes por Homeland (Showtime)
Michelle Dockery por Downton Abbey (ITV/PBS)
Julianna Marguiles por The Good Wife (CBS)
Kerry Washington por Scandal (ABC)
Robin Wright por House of Cards (Netflix)

Atriz de Série Cômica
Lena Dunham por Girls (HBO)
Edie Falco por Nurse Jackie (Showtime)
Julia Louis-Dreyfus por Veep (HBO)
Melissa McCarthy por Mike & Molly (CBS)
Amy Poehler por Parks and Recreation (NBC)
Taylor Schilling por Orange Is the New Black (Netflix)

Atriz em Minissérie ou Telefilme
Jessica Lange por American Horror Story (FOX)
Sarah Paulson por American Horror Story (FOX)
Helena Bonham Carter por Burton and Taylor (Telefilme – BBC/BBC America)
Minnie Driver por Return to Zero (Telefilme – Lifetime)
Kristen Wiig por The Spoils of Babylon (IFC)
Cicely Tyson por The Trip to Bountiful (Telefilme – Lifetime)

Ator Coadjuvante em Série Dramática
Aaron Paul por Breaking Bad (AMC)
Jim Carter por Downton Abbey (ITV/PBS)
Peter Dinklage por Game of Thrones (HBO)
Mandy Patinkin por Homeland (Showtime)
Jon Voight por Ray Donovan (Showtime)
Josh Charles por The Good Wife (CBS)

Ator Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme
Colin Hanks por Fargo (FOX)
Martin Freeman por Sherlock ( BBC/PBS)
Jim Parsons por The Normal Heart (HBO)
Joe Mantello por The Normal Heart (HBO)
Alfred Molina por The Normal Heart (HBO)
Matt Bomer por The Normal Heart (HBO)

Ator Coadjuvante em Série Cômica
Andre Braugher por Brooklyn Nine-Nine (FOX)
Adam Driver por Girls (HBO)
Ty Burrell por Modern Family (ABC)
Jesse Tyler Ferguson por Modern Family (ABC)
Fred Armisen por Protlandia( IFC)
Tony Hale por Veep (HBO)

Atriz Coadjuvante em Série Dramática
Anna Gunn por Breaking Bad (AMC) 
Maggie Smith por Downton Abbey (ITV/PBS)
Joanne Froggatt por Downton Abbey (ITV/PBS)
Lena Headey por Game of Thrones (HBO)
Christina Hendricks por Mad Men (AMC)
Christine Baranski por The Good Wife (CBS)

Atriz Coadjuvante em Série Cômica
Julie Bowen por Modern Family (ABC)
Allison Janney por Mom (CBS)
Kate Mulgrew por Orange is the New Black (Netflix)
Kate McKinnon por Saturday Night Live (NBC)
Mayim Bialik por The Big Bang Theory (CBS)
Anna Chlumsky por Veep (HBO)

Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme
Frances Conroy por American Horror Story (FX)
Kathy Bates por American Horror Story (FX)
Angela Bassett por American Horror Story (FX)
Allison Tolman por Fargo (FX)
Ellen Burstyn por Flowers in the Attic (Telefilme – Lifetime)
Julia Roberts por The Normal Heart (Telefilme – HBO)

Roteiro em Série Dramática
Breaking Bad no episódio Ozymandias (AMC)
Breaking Bad no episódio Felina (AMC)
Game Of Thrones no episódio The Children (HBO)
House Of Cards no episódio 4 (Netflix)
True Detective no episódio The Secret Fate Of All Of Life (HBO)

Roteiro em Série Cômica
Episodes no episódio 3×5 (Showtime)
Louie no episódio So Did The Fat Lady (FX)
Orange Is The New Black no espisódio I Wasn’t Ready (Netflix)
Silicon Valley  no espisódio  Optimal Tip-To-Tip Efficiency (HBO)
Veep  no episódio Special Relationship (HBO)

Roteiro em Minissérie, Telefilme ou Especial
American Horror Story: Coven no episódio Bitchcraft (FX Networks)
Fargo no episódio The Crocodile’s Dilemma (FOX)
Luther (BBC/BBC America)
The Normal Heart (Telefilme – HBO)
Sherlock – His Last Vow (BBC/PBS)
Treme no episódio  To Miss New Orleans (HBO)

Direção de Série Dramática
Boardwalk Empire no episódio Farewell Daddy Blues  (HBO)
Breaking Bad no episódio Felina (AMC)
Downton Abbey no episódio 1 (ITV/PBS)
Game Of Thrones no episódio The Watchers On The Wall (HBO)
House Of Cards no episódio 14 (Netflix)
True Detective no episódio Who Goes There (HBO) 

Direção de Série Cômica
Episodes no episódio 3×9 (Showtime)
Glee no episódio (FOX)
Louie no episódio Elevator – Parte 6 (FOX)
Modern Family no episódio Vegas (ABC) 
Orange Is The New Black  no episódio Lesbian Request Denied (Netflix)
Silicon Valley no episódio Minimum Viable Product (HBO)

Direção de Minissérie, Telefilme ou Especial
American Horror Story: Coven no episódio Bitchcraft (FOX)
Fargo no episódio The Crocodile’s Dilemma (FOX)
Fargo no episódio Buridan’s Ass (FOX)
Muhammad Ali’s Greatest Fight (Telefilme – HBO)
The Normal Heart (Telefilme – HBO)
Sherlock no episódio His Last Vow (BBC/PBS)

Melhor Cinematografia em Reality Show
Alaska: The Last Frontier
The Amazing Race 
Deadliest Catch
Project Runway
Survivor
The Voice

Programa de Variedade
Jimmy Kimmel Live (ABC)
Real Time With Bill Maher (HBO)
Saturday Night Live (NBC)
The Colbert Report (Comedy Central) 
The Daily Show With Jon Stewart (Comedy Central)

The Tonight Show Starring Jimmy Fallon (NBC)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

DVD: Chamada de Emergência


Berry: será que ela leu o roteiro até o final?

Nada pode mudar o fato que Halle Berry é a primeira (e única) negra a ganhar o Oscar de melhor atriz. Para mostrar o mérito dessa tarefa, basta lembrar que recentemente Viola Davis (Histórias Cruzadas/2011) perdeu mesmo quando era favorita - e no passado o mesmo aconteceu com Whoopi Goldberg em A Cor Púrpura/1985. Em A Última Ceia/2000, Berry exibiu (além do corpo) dotes dramáticos que até então eram vistos com desconfiança (e o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim prova que o Oscar foi merecido). O problema é que a maldição do Oscar agarrou na atriz com gosto, já que ela encontra uma dificuldade gigantesca de escolher roteiros que prestem. Quando não está em uma franquia milionária (como X-Men), Halle padece em filmes que se perdem pelo meio do caminho - e de nossa memória. Chamada de Emergência até se tornou uma exceção na lista de fracassos, já que o orçamento minguado (13 milhões de dólares) permitiu que a arrecadação nos cinemas americanos o tornasse um sucesso (quase 52 milhões de dólares). O fato é que Chamada de Emergência funciona em seus dois primeiros terços como um suspense eficiente, apesar dos exageros no meio do caminho. Halle interpreta Jordan, uma atendente de do conhecido 911 que sofre um trauma quando o assassino conversa com ela e, dias depois, descobre que uma das suas clientes foi brutalmente assassinada. Impossibilitada de filtrar a situação, ela passa meses no trabalho de instrutora até que, diante de uma emergência, suas habilidades terão que ser utilizadas novamente. Halle convence quando Jordan precisa ser astuta ao telefone para guiar as ações de uma jovem vítima de sequestro (vivida pela crescida Miss Sunshine Abigail Breslin). O filme consegue criar saídas engenhosas e momentos de tensão que compensam os momentos apelativos (a vítima pedindo para dizer aos pais que os ama muito ou o desespero ao ver uma chamada  do namorado) e outros em que a edição sucumbe à linguagem de clipes. O fato é que existe uma boa química entre Berry e Breslin, o que mantém a atenção do espectador quando "contracenam" pelo telefone. Mas como roteiros enxutos e redondos estão fora de moda, torna-se necessárias surpresas a qualquer preço... e aí o filme vai ladeira abaixo. Quando o roteiro dá sua guinada e tudo parece perdido o espectador até se conforma com o desfecho eminente, perdoando até a coincidência que já era esperada. A coisa complica quando Jordan torna-se mais esperta do que qualquer detetive do filme, colocando a vida dela de da vítima em risco, caminhando sozinha para resolver a situação. Nesse ponto o filme fica desgovernado, vale traumas de infância, porões sinistros, motivações bizarras... mas nada é mais ridículo do que a bandeira dos Estados Unidos tremulando no último ato. Sinal da coragem feminina americana? Isso era realmente necessário? Pior que isso só o final desconjuntado que prega a justiça feita com as as próprias mãos da forma mais descarada possível. O diretor Brad Anderson (O Operário/2004), depois de passar anos dirigindo episódios para seriados variados, aceitou esse trabalho por encomenda e perdeu a chance de criar um suspense bacana para criar mais um destinado ao esquecimento. No entanto, a maior questão do filme é: Halle Berry (que é uma boa atriz) não tinha nada melhor para filmar? Ainda acho que essa bobagem tem relação com aceitar o convite de estrelar a série Extant da CBS, produzida por Steven Spielberg. 

Chamada de Emergência (The Call/EUA-2013) com Halle Berry, Abigail Breslin, Morris Chestnut, Roma Maffia, Michael Eklund e Michael Imperioli. 

domingo, 24 de agosto de 2014

DVD: Carrie - A Estranha (2013) x Carrie - A Estranha (1976)

Chloë: antenada e nada estranha. 

Parece que sempre que Hollywood resolve fazer uma nova versão do livro Carrie - A Estranha de Stephen King, no inconsciente existe a vontade de provar que o clássico filme de Brian DePalma (1976) é insuperável. A última tentativa foi realizada por Kimberly Peirce, que teve de lidar com o vespeiro de dar uma modernizada na trama. Kimberly cercou-se de atores de prestígio como Chloë Grace Moretz,  Julianne Moore (no papel da mãe fanática da personagem), Judy Greer e o mocinho do momento Ansel Elgort, manteve praticamente a mesma estrutura clássica da história, mas tropeça toda vez que seu filme tenta ser inovador dentro da conhecida história. Sempre que entra uma marca atual na história, soa forçada, exagerada e (estranhamente) cafona. A história de Carrie (Moretz), a menina que é perseguida na escola por seu comportamento introspectivo, especialmente depois que menstrua pela primeira vez no vestiário da escola, permanece a mesma. Ela ainda tem que lidar com o fanatismo religioso da mãe, com a meninas maldosas e populares da escola e com um baile de formatura onde sua humilhação plena irá resultar num massacre (quando seu descontrole emocional reflete-se nos seus poderes paranormais). No entanto, enquanto no filme de 1976 os poderes de Carrie apareciam de forma disfarçada, quase como um detalhe para ressaltar o desconforto da protagonista, Kimberly utiliza esse pretexto para transformar a personagem numa X-Men desgarrada. Com o auxílio da internet, a personagem descobre como controlar seus poderes e não aguenta calada os devaneios de sua mãe. O que poderia dar mais força à personagem acaba sacrificando um dos aspectos mais valiosos da história: as dores da adolescência. Embora seja uma boa atriz, Chloë Moretz se perde em trejeitos e sua personagem se distancia da menina tímida para se transformar num protótipo de Jean Grey com uma velocidade incômoda, isso sem falar que ela não é estranha, nem sob um decreto. Nisso percebe-se outro grande mérito do filme dirigido por Brian De Palma, sua Carrie era estranha, e por isso mesmo, digna de sensibilizar a plateia - mesmo em seu momento de fúria (onde ela não se convertia em vilã, mas numa jovem que cansou de sofrer humilhações diante de uma plateia de adolescentes cruéis). Ainda que a versãoa atual mantenha a professora compreensiva, uma colega mais gentil na escola e o mocinho dos sonhos que convida Carrie para o baile, Kimberly trata com uma naturalidade superficial que retira toda a sutileza do livro de Stephen King. Nas mãos de Kimberly o que era estranho torna-se um espetáculo de efeitos especiais. Além disso, utiliza o pretexto de modernizar a história com apetrechos tecnológicos (internet, celulares, youtube...) para esquecer como a trama aborda os sentimentos sempre presentes na adolescência (a auto-estima frágil, a inadequação, o desconforto, os hormônios, a busca por respostas, necessidade de ser aceito, negação dos pais...). Se Kimberly Peirce  ainda tinha algum prestígio por dirigir Meninos não Choram (1999), ele deve ter ido para o ralo com seu olhar bregamente trash sobre uma história que permanece atual. Nesse ponto, Brian DePalma teve mais sorte, pois ele reconhecia que quanto mais recursos vinculados à uma época, mais torna sua obra datada, impessoal e distante dos personagens. Carrie, para mim, ainda é sinônimo de Sissy Spacek com aqueles olhos enormes tentando controlar sua fúria adolescente prestes a explodir - as outras são apenas paródias.  

Spacek: para sempre a melhor Carrie. 

Carrie - A Estranha (EUA-2013) de Kimperly Peirce com Chloë Grace Moretz, Julianne Moore, Jufy Greer e Ansel Elgort.

Carrie - A Estranha (EUA-1976) de Brian DePalma com Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, John Travolta e William Kat. ☻☻☻☻

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

DVD: Austenland

Keri (ao centro): o lado pouco agradável do universo de Jane Austen. 

Embora a obra de Jane Austen (1775-1817) sempre gozasse de popularidade, pode-se dizer que foi o cinema que ampliou seu público de forma exponencial. Suas histórias repletas de mocinhas românticas, pretendentes e ironias são admiradas no mundo todo. Sua escrita pode até ser considerada conservadora, mas é indiscutível que sua obra proporciona uma visão bastante rica sobre a situação social da época que retrata - especialmente nas questões pertinentes à situação das mulheres na virada do século XVIII para o XIX (razão pela qual a escritora é exaltada por  algumas feministas). No entanto, o cinema percebeu que não basta adaptar as obras da escritora, mas criar tramas românticas sobre personagens que admiram seu legado. Esse recurso já foi utilizado no desequilibrado Clube de Leitura de Jane Austen (2007) e agora aparece no divertido Austenland na estreia da produtora da roteirista Jerusha Hess como cineasta. Baseado no livro de Shannon Hale (que colaborou com Hess na execução do roteiro) ela conta a história de Jane Heyes (Keri Russell), uma mulher obcecada pela escritora (especialmente por Orgulho e Preconceito). Ela resolve investir suas economias na temporada em um parque temático onde pode viver como uma personagem dos livros de sua escritora favorita. Só que ao chegar lá, terá algumas surpresas. Seja por só ter dinheiro para pagar o pacote de viagem mais barato (e por isso mesmo, ser tratada como uma pessoa de classe inferior) ou por saber que a brincadeira lhe dá o direito de ter um romance com um dos personagens masculinos do parque, Jane irá se sentir um tanto incomodada com aquele universo que antes lhe parecia tão romântico. Embora seja cortejada por dois pretendentes, Jane encontra alguma dificuldade para descobrir se o que vive é real ou apenas atuação dos homens em questão. Embora essa pareça ser a ideia principal do filme, ela mostra-se menos interessante quando Austenland ressalta, em tom de sátira, aspectos desagradáveis muito retratados na obra de Austen (os quais suas heroínas deveriam lidar com a classe exigida à época em que viviam), ou seja, parecem os preconceitos sociais, as limitações impostas à boa conduta das moças de família durante o interesse dos rapazes (nunca ficar sozinha com um homem, se ficar, será mal vista e expulsa do parque) e o tédio de não ter muita coisa para fazer naquele ambiente. Nas intrigas presente no filme, Hess retrata que viver na época de Austen não era moleza, mas que o romantismo nostálgico despertado pelos seus romances, ofusca essas questões para a grande maioria das suas leitoras suspirantes. Nas piadas do filme (e não me refiro aos celulares e churrascos em contraste com trajes de época) sobram referências às obras da escritora, seja o segredo de uma personagem (que remete à Razão e Sensibilidade), a semelhança de Mr. Henry Nobley (vivido por JJ Feild, que é a cara de Tom Hiddleston) com o adorado Mark Darcy (de Orgulho e Preconceito) ou as megeras endinheiradas que atrapalham as pretensões das mocinhas (presente em todas as obras de Austen). Keri Russell (a eterna Felicity e, agora, espiã russa de The Americans) está bem como a mocinha de Austen, embora exagere algumas vezes nos trejeitos, ela consegue transmitir as indagações de sua personagem perante a reprodução de um universo que antes parecia conhecer tão bem. Suas companheiras de jornada (vividas pela divertida Jennifer Coolidge e Georgia King) garantem um humor mais escrachado e os rapazes garantem variados arquétipos da escritora e de livros românticos em geral (clássicos ou de bolso). Lançado direto em DVD no Brasil, Austenland diverte, mas poderia ser menos previsível se não houvesse a necessidade de apresentar um final feliz para sua Jane e seu Darcy, mesmo assim é um bom passatempo enquanto não chega aos cinemas obras mais badaladas como a versão moderna de Persuasão e a sempre adiada releitura Orgulho, Preconceito e Zumbis (agora prevista para 2015).

Austenland (EUA/Reino Unido - 2014) de Jerusha Hess com Keri Russell, JJ Feild, Jane Seymour, Jennifer Coolidge, Georgia King, James Callis e Parker Sawyers. ☻☻

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Ladies & Gentlemen: Chris Pratt

De comediante gorducho passando para pinta de galã sarado (mas mantendo o bom humor), Christopher Michael Pratt é o mais forte candidato a queridinho da América depois de protagonizar Guardiões da Galáxia (2014). O mais engraçado é que pouca gente lembra de ter assistido um filme com ele nos últimos anos (e sim, você deve ter assistido pelo menos um), graças à sua repaginada visual (resultado de cinco meses de dieta e musculação),  além disso, ele tem papel cativo em uma premiada série de TV (Parks & Recreation da Sony). Nascido em 1979 na cidade de Virgina no Minessota, Pratt começou a ser reconhecido por suas participações nas série Everwood (2002/2006) e The O.C. (em 2006 e 2007), antes ele havia realizado dois filmes para o cinema (The Extreme Team/2003 e Strangers with Candy/2005) que não receberam muita atenção do público ou da crítica (e nem mereciam). Em 2007 participou de uma comédia dramática independente, Walk The Talk ao lado de Cary Elwes e Illeana Douglas, mas o sucesso na telona permanecia distante. As coisas também não melhoraram com a comédia boboca Os Salsichas de 2008 e o sucesso passou raspando com sua participação no filme de ação mirabolante O Procurado/2008 ao lado de Anjelina Jolie e James McAvoy, mas seu papel era pequeno demais para chamar atenção. A situação começou a melhorar quando foi escalado para ser um dos noivos de Noivas em Guerra/2009, restando servir de escada para Anne Hathaway e Kate Hudson. No filme, seu gosto pela comédia ajudou para que conseguisse ser protagonista da comediota Deep in The Valley (2009) com Denise Richards. Fez uma participação em Garota Infernal/2009, mas sua atuação mereceu tanta atenção quanto o resto do (fiasco que foi o) filme. Investiu mais uma vez no tom cômico em Uma noite Mais que Louca/2011, que estava longe de ser memorável... sorte que no mesmo ano ele atuou O Homem que Mudou o Jogo (2011) ao lado de Brad Pitt. Na trama sobre um time de beisebol formado por jogadores fracassados, problemáticos e derrotados, que Pratt deu a sorte de encarnar o jogador com maior destaque na trama. Sua atuação contida serviu para mostrar que ele tinha dotes dramáticos bastante confiáveis. O filme fez surpreendente sucesso e foi indicado a 6 Oscars (incluido melhor filme e roteiro adaptado). No mesmo ano fez duas comédias românticas de algum sucesso (Qual é o seu Número? e Dez anos de Pura Amizade) que lhe garantiram ainda mais a simpatia do público como aquele rapaz de bochechas em (constante) crescimento e carisma para viver sujeitos comuns bem humorados. Esse tipo simpático foi encarnado mais uma vez, em Cinco Anos de Noivado (2012) onde faz o amigo/cunhado do casal protagonista (Emily Blunt e Jason Segel). No mesmo ano, atuou em outra produção indicada ao Oscar, o badalado A Hora Mais Escura, onde vive um dos soldados que participa da caçada à Osama Bin Laden. Chris (já bastante acima do peso, encarnado o estereótipo do gordinho engraçado) percebeu que seu nome começava a ficar em alta, tanto que ousou participar de um dos curtas mais divertidos do grotesco Para Maiores/2013, onde vivia um rapaz que precisava lidar com o estranho fetiche da namorada. Apesar do tema nojento (que recuso escrever aqui), Pratt conseguiu mais uma vez dar alguma dignidade a um personagem que poderia facilmente cair na canastrice. No mesmo ano, o moço provou ser pé quente quando o assunto é Oscar, afinal, participou de Ela, filme de Spike Jonze, indicado a cinco estatuetas (incluindo melhor filme) e que levou para a casa o prêmio de melhor roteiro original. Pratt interpreta (de bigode) o gentil amigo de Joaquin Phoenix que compreende sua paixão por um sistema operacional. Uma participação afetiva pequena, mas que encaixa perfeitamente no retrato das relações construídas pelo filme. Em 2013 também participou de De Repente Pai - e se fosse o protagonista do filme (que ficou a cargo de Vince Vaughn), talvez o filme alcançasse maior sucesso junto ao público. Provavelmente foi pela sua versatilidade em viver diferentes personagens em diferentes locais e situações que foi escolhido para duplar o simpático protagonista de Uma Aventura Lego (2014), animação esperta que mostra um boneco comum que se junta a alguns personagens famosos do universo Lego para salvar o mundo. Sucesso de público e crítica, o filme parecia o prenúncio do barulho que o novo filme de Pratt faria. Os Guardiões da Galáxia (2014) de James Gunn já era um risco por levar às telas personagens pouco conhecidos do universo Marvel, mas ampliou esse risco ao investir num protagonista desconhecido que poderia colocar tudo a perder se não encontrasse o tom certo. Sorte que Chris Pratt  estava no papel de sua vida como o auto-proclamado Senhor das Estrelas, que já é considerado um dos personagens mais cool da ficção científica, uma espécie de Han Solo repaginado para o público do século XXI. Além disso, serviu para provar que o ator tem capacidade de levar um filme nas costas (ainda mais depois da transforação física que passou no último ano). A confiança no seu taco está tão forte que ele foi escalado para ressuscitar a franquia Parque dos Dinossauros no ano que vem. Parque dos Dinossauros IV não conta com a atuação de Steven Spielberg (assim como o episódio anterior) e será o primeiro filme do ator após o sucesso de Guardiões da Galáxia, resta saber se o papel fará tão bem à sua carreira quanto ele imagina. Até lá podemos vê-lo como Andy Dawyer na série Parks & Recreation, onde relembra seus tempos onde precisava só fazer graça para a plateia (sem se envolver com cenas de ação mirabolante cheias de efeitos especiais).

Pratt (ao centro) em Para Maiores: antes da dieta. 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

NaTela: Guardiões da Galáxia

Os guardiões: aventura nostálgica e humor de tirar o fôlego. 

Os Guardiões da Galáxia apareceram pela primeira vez nos quadrinhos em 1969. Renegados ao posto de coadjuvante do universo Marvel por muito tempo, a equipe aparecia esporadicamente em aventuras de heróis de maior gabarito da editora como Thor e Capitão América. Somente em 1990 os Guardiões ganharam sua própria revista em quadrinhos, que durou 62 edições (ou seja, até julho de 1995). De lá para cá a equipe de Peter Quill & Cia passou por minisséries especiais, reformulações e sagas intercaladas com as outras dimensões do universo da editora. Animada com a anabolizada que o cinema proporcionou em heróis menos populares (como Homem de Ferro/2008), com a bilheteria bilionária de Os Vingadores/2012 e com a mágoa de ter os diretos de sua outra super-equipe (os X-Men) vendidos para a Fox, estava na hora da Marvel elevar seus Guardiões a outro patamar. Aos poucos, de ilustres desconhecidos do grande público, se tornaram protagonistas de um dos filmes mais aguardados do ano e o resultado prova que valeu a pena investir na trupe. James Gunn (que já mergulhou no universo "heróico" com Super/2010) consegue escapar de armadilha de fazer uma variável de Os Vingadores, investindo no tom de ficção científica retrô e com um humor menos gratuito. A plateia ri durante o filme inteiro, mas Gunn sabe exatamente quais os botões apertar para emocionar a plateia quando se faz necessário. Nesta primeira aventura, o diretor conta como os personagens se conhecem e, meio que sem querer, montam uma equipe que, por acaso, salvará a Galáxia. Peter Quill (o sempre carismático Chris Pratt, depois de cinco meses de dieta e academia) é um terráqueo que foi abduzido na década de 1980. Crescido nos confins do universo (embalado por um walkmen e uma fita K-7), vive de roubar artefatos raros para vender a quem possa pagar mais. Enquanto velhos conhecidos o perseguem, existem outros seres intergalácticos que estão interessados pela recompensa oferecida por ele. Em busca de sua captura estão uma árvore e um guaxinim, ou melhor, Groot (voz de Vin Diesel - dizendo só uma frase o filme inteiro) e Rocky (voz de Bradley Cooper), dois seres que parecem deslocados numa aventura sci-fi, mas que vão ensinar você a rever os seus conceitos sobre aparência e praticidade nesse tipo de história que é quase uma paródia do gênero habitado por seres intergaláticos. Completam o time a guerreira Gamora (Zoe Saldana) filha adotiva do vilão espacial Thanos e o fortão Drax (Dave Bautista) - que tem contas a ajustar com Gamora, Thanos e todo vilão que aparecer no filme. Sem ser propriamente um grupo de amigos, o roteiro os envolve em situações que só ajudarão a perceberem que juntos é mais fácil se manterem vivos. Gunn faz questão de mostrar que o filme não é mais um filme de super-herói ao destacar que os seus personagens são anti-heróis em sua essência, marginalizados espaciais que sabem o que é certo e errado e só precisam de uma motivação para escolher um desses lados. Nesse ponto que Dunn constrói uma narrativa bem humorada e bastante coesa em cada uma das situações das quais os personagens precisam se safar - com o grande mérito de não sufocar seus personagens com os efeitos especiais. Prova disso é que o filme além de transformar Peter Quill num dos personagens mais cool do espaço, subverte nossas primeiras impressões dando à Gamora mais nuances do que ser "a mocinha das história", transforma a figura fofa de Rocky num valente de respeito e transforma Groot num personagem antológico da ficção científica com seus poderes de... árvore, oras! Para ressaltar ainda mais o sabor de matinê dos velhos tempos, ainda tem a trilha sonora nostálgica que mantém o vínculo de Quill com as lembranças de sua vida na Terra. Os Guardiões da Galáxia tem tudo para ter o maior faturamento de 2014 e ainda fazer Os Vingadores tremerem diante da sequência a ser lançada no ano que vem. Com o sucesso do filme, a sequência já tem até data de estreia (!!!): 28 de julho de 2017! Nem o Senhor das Estrelas teria apostado nisso!

Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy/EUA-2014) de James Gunn com Chris Pratt, Zoe Saldana, Bradley Cooper, Vin Diesel, Dave Bautista, Lee Pace, John C. Reilly e Glenn Close. ☻☻

domingo, 17 de agosto de 2014

FILMED+: SEXY BEAST

Kingsley (esq.) e Winstone (dir.): o dia em que Glazer matou Gandhi.  

Sei que muitos vão achar um exagero considerar Sexy Beast um dos melhores filmes que já assisti, mas devo confessar que tenho uma certa gana (em todas as definições possíveis) pelo filme de estreia do inglês Jonathan Glazer. Pra começar, aquele estilo espanhol paradisíaco em que vive o protagonista Gal (Ray Winstone) com a esposa Deedee (Amanda Redman) no início do filme, mantendo os fiéis amigos Aitch (Kavan Kendall) e Jackie (Julianne White), é meu sonho de consumo. No meio de uma paisagem árida, sua casa com piscina parece um Oásis no deserto. A vida de Gal é bastante tranquila, mas quando o vemos à beira da piscina  - com uma rocha rolante prestes a atrapalhar seu descanso - existe a lembrança de que algo de muito ameaçador pode acontecer há qualquer instante. Embora Gal não sofra um arranhão, aquela rocha presa ao fundo da piscina é quase um presságio. Enquanto curte os jantares com os amigos, regado a amenidades a vida é mostrada como o Olimpo da Terra. A trilha sonora, a fotografia e os atores são fundamentais para criar o clima necessário de que nada poderia destruir o bom momento da aposentadoria que estão desfrutando. Mas estão aposentados do que? Quando Gal descobre que um colega de trabalho está a caminho, o nervosismo do personagem começa. O visitante é o truculento Don Logan (Ben Kingsley), parceiro de Gal e Aitch por muitos anos no negócio de assalto a bancos. Don não veio saber como os ex-companheiros estão, veio para convencer Gal a fazer um último serviço que somente ele seria capaz de coordenar. Mas enquanto Gal trocou aquela vida pelo sossego ao lado da esposa (e não faz a mínima questão de voltar à ativa), Don permanece a mesma besta fera de antes. Agressivo, grosseiro, violento e imprevisível, Don é uma bomba relógio em forma de brucutu. Além de ofender cada um dos personagens com os fatos que preferem esquecer, ele levará até as últimas consequências a tentativa de convencer Gal a fazer o serviço. Don é a encarnação psicótica do passado do qual precisam se livrar.  Pode se dizer que Sexy Beast é dividido em três atos, o primeiro é paradisíaco, o segundo é infernal e o terceiro uma espécie de purgatório por onde Gal deve passar para livrar-se dos pecados. Muita gente se queixa do terceiro ato quando Don não aparece, mas Glazer é bastante correto ao elaborar essa última parte para expressar como Gal não pertence mais aquele mundo. Ele soa tão deslocado quanto o segundo ato anuncia que ele será - se aceitar o serviço que lhe foi encomendado. Depois da fúria encarnada de Ben Kingsley (que apaga qualquer lembrança de sua atuação como o espiritualizado Gandhi/1982 e, por isso mesmo, foi indicado ao Oscar de coadjuvante), seria mais do que normal que sua ausência deixasse o filme em outro tom, para compensar, Glazer capricha na tensão. Em momento algum fazemos ideia do que poderá acontecer com Gal (e a cena onde ele suplica para a esposa dizer o nome dele ao telefone, é como se precisasse lembrar de quem realmente é), mas ele precisa mergulhar no passado pra retornar ao seu Olimpo. Além da desenvoltura com que conta sua história, Glazer ainda mantém alguns segredos na narrativa (como Gal ser extremamente paternal com o menino que vive na casa, sem que revele que ele é filho de Gal e Deedee), inclusive o próprio título. Alguns preguiçosos acharam que se refere à figura humanoide que aparece nos pesadelos de Gal, outros que se refere ao passado de Gal (onde seus adjetivos másculos são sempre exaltados por Don), já Glazer preferiu sair pela tangente e dizer que refere-se a todos os personagens e suas motivações sexuais (seja o vilão vivido por Ian McShane, Gal por querer voltar para os braços da esposa, ou por Aitch proteger seu casamento com Jackie - que prefere esquecer que se envolveu com Don num passado infeliz). O fato é que Sexy Beast bebe na tradição dos filmes de gangsteres, mas o renova de forma admirável  com personagens interessantes e um embate memorável deles com o passado sórdido. O mais engraçado é que no lançamento do filme, Glazer disse que seu interesse era fazer filmes que as pessoas gostassem de assistir e não criar obras para meia dúzia de seus amigos. Diante de seu último filme, Sob a Pele (2013) seu ponto de vista parece ter mudado.

Sexy Beast (Reino Unido/2000) de Jonathan Glazer com Ray Winstone, Ben Kingsley, Amanda Redman, Ian McShane, Julianne White, Kavan Kendall, James Fox e Álvaro Monje. ☻☻☻☻☻

sábado, 16 de agosto de 2014

DVD: Sob a Pele

Scarlett: o existencialismo alienígena segundo Jonathan Glazer

Antes de se tornar diretor de cinema, o inglês Johnathan Glazer ganhou fama fazendo vídeos de estilo inacreditável. Quando estreou no cinema com Sexy Beast (2000) choveram comparações com Quentin Tarantino e Guy Richie, no entanto, Glazer parece estar disposto a provar que sua inspiração vem de outra fonte, com Reencarnação (2004) ele já flertava com os climas e silêncios do cinema de Stanley Kubrick, mas em Sob a Pele, o diretor extravasa essa referência, provando que não está afim de fazer concessões para contar a história extraída do romance de Michel Faber. Exibido no Festival de Veneza em 2013, o filme demorou muito para ser distribuído, estreando no circuito alternativo dos EUA somente em abril desse ano. No Brasil o filme estreou um mês depois, mas se não fosse estrelado por Scarlett Johansson (e cercado pelos boatos das cenas de nudez), possivelmente seria lançado sorrateiramente em DVD. O motivo dessa dificuldade para empolgar os distribuidores vem da virtuose de seu diretor praticamente não usar diálogos ou gastar o tempo explicando a trama. Preocupado em construir uma obra sensorial, Sob a Pele pode ser um programa árduo para muita gente, para outros, pode ser um deleite no uso do som e imagem. Há de se elogiar a coragem de Johansson em se afastar das superproduções e se dedicar a um filme que, sem ela, possivelmente, não seria nem produzido. Ela vive uma alienígena, encarregada de atrair homens para lugares abandonados e drenar seus corpos para produzir energia a ser enviado para seu mundo. Na maior parte do tempo ela vaga pelas ruas dentro de um furgão até encontrar sua presa. Utiliza algumas perguntas, dá a entender que existe um interesse sexual no convite e... eles desaparecem feito mágica numa substância misteriosa feito um espelho movediço. A narrativa é construída basicamente nesses encontros, com leves alterações (sobretudo quando ela atrai um homem de aparência deformada). Sutilmente, Glazer mostra que a personagem começa a nutrir alguma curiosidade pelo mundo em que foi enviada, é nesse ponto em que esquece sua tarefa e busca conhecer um pouco os prazeres humanos de estar na Terra. Glazer deixa seu filme cheio de lacunas para que o espectador as preencha com sua própria imaginação, em alguns momentos funciona, em outros nem tanto. Não me importo muito com os motoqueiros misteriosos que andam pelo filme, prefiro que concentrar por cenas meio soltas como o destino dos homens caçados pela alienígena ou a triste cena final onde existe um jogo cruel entre a humanidade e a invasora. É verdade que Glazer provoca o público de forma quase insuportável em algumas cenas (o bebê chorando à deriva na praia deve ser a pior delas). Talvez ele queira falar menos sobre a sua protagonista e mais sobre a humanidade em sua eterna busca por companhia. Os silêncios, a lentidão e as paisagens desertas criam uma atmosfera muito peculiar na construção da incômoda narrativa. Em meio ao elenco desconhecido o que dizer de Scarlett Johansson? Simplesmente não sei, como a atriz é apenas um disfarce para a versão cabeça do trash A Experiência (1995), não sei muito bem os parâmetros para apreciar sua atuação. Posso apenas dizer, que no último ato ela partiu meu coração. Acredito que depois desse filme cheio de pretensões, Jonathan Glazer vai voltar com uma obra totalmente oposta, já que mais hermético do que aqui é impossível ficar. 

Sob a Pele (Under The Skin/Reino Unido - 2013) de Jonathan Glazer, com Scarlett Johansson, Jeremy McWilliams, Dougie McConnell e Kevin McAlinden. ☻☻☻

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

DVD: Álbum de Família

Julia, Meryl e Julianne: lavando a roupa suja - sem anestesias. 

Existem filmes que somente pelo elenco que reúne já merecia um Oscar. Nesses casos, muitas vezes o diretor peca por desperdiçar talentos e privilegiar um ou outro, mas quando consegue utilizar seus atores com simetria, o filme tem tudo para dar certo. Em seu segundo filme, John Wells (mais conhecido pelo seu trabalho como produtor de séries para a TV) escolheu adaptar para a telona mais um texto corrosivo do dramaturgo Tracy Letts (que fez questão de adaptar o seu texto teatral para o filme). Letts é conhecido nos cinemas pelas história do terror psicológico Possuídos (2006) e pelo marginal Killer Joe (2011), mas aqui, Letts quase engana que será mais leve ao abordar o encontro de uma família um tanto problemática. Quando o patriarca some (papel de Sam Shepard) - pouco depois de contratar Johnna (Misty Uphan) para ajudar sua esposa, Violet (Meryl Streep) no cuidado com a casa - está na hora de reunir a família e esperar pelo pior. Quando descobre-se que o patriarca morreu, sob suspeita de ter cometido suicídio, o filme poderia tornar-se uma obra pesarosa, mas investe numa lavagem de roupa suja das boas. Quando Violet precisa conviver com suas três filhas, a irmã, o cunhado, o sobrinho, os genros e a neta, a coisa caminha para um verdadeiro caos familiar. O fato da indomável Violet precisar lidar (ironicamente) com um câncer na boca, lhe dá a justificativa perfeita para utilizar medicamentos variados para driblar a dor. Quase sempre sobre o efeito dos remédios, Violet não poupa nenhum dos seus parentes das verdades que precisa dizer para aliviar a dor, o que gera desconforto, dramas e risos na plateia pelo exagero como John Wells lida com a história. Wells é esperto o suficiente para não colocar freios em seu elenco estelar em personagens fortes, sobretudo as femininas. Embora conte com os nomes estelares de Streep e Julia Roberts (merecidamente indicadas ao Oscar nas categorias de melhor atriz e atriz coadjuvante), existe um notável equilíbrio no uso dos atores durante o filme. Karen (Juliette Lewis, atriz que eu adoraria ver mais nas telas) é a filha que engata um relacionamento no outro sem admitir que o tempo passou e que suas expectativas se converteram em ilusões, enquanto Ivy (a ótima Julianne Nicholson) é a filha que largou suas expectativas para morar perto dos pais e ajudá-los quando preciso (mas mantém um relacionamento que prefere manter em segredo). Completa o trio de irmãs a amargurada Barbara (Julia Roberts), que tenta lidar com o fracasso do seu casamento com o professor universitário Bill (Ewan McGregor) e de seus pendores maternais com a filha adolescente - com a qual não consegue se comunicar (papel da crescidinha Pequena Miss Sunshine/2006, Abigail Breslin). Barbara é a que possui o relacionamento mais tempestuoso com Violet, talvez por não admitir suas semelhanças com a própria mãe - num processo de espelhamento e negação que Freud poderia explicar muito bem. Completa a família a tia Mattie (Margo Martindale), a implacável mãe do "pequeno" Charlie (o grande Benedict Cumberbatch) e esposa de Charles (Chris Cooper). Misturar todos esses personagens repletos de segredos,  pílulas, frustrações, pílulas, ressentimentos e pílulas transforma a casa da família Weston num barril de pólvora. No entanto, Wells afasta seu drama familiar da fórmula xaroposa que faz naufragar tantos outros, investindo num tom quase caricatural além de comicamente ácido, mas que não inibe a catarse dos personagens que gravitam em torno de Violet, esta em atuação poderosa de Meryl Streep. Criando uma fortaleza sobre si mesma, Violet pode estar doente, solitária, triste, mas não aceita ser uma "coitada". Esse é o maior mérito do filme, subverter nossas impressões sobre a personagem e permitir que Meryl mostre (mais uma vez) que uma atriz não se faz com vaidades e melindres, mas com entrega total à personagem, ciente de que não importa o quão desagradável ela seja, ela precisa nos lembrar no momento certo que debaixo da armadura existe um ser humano. Wells pode não ter feito uma obra-prima, mas seu filme é um álbum repleto de fotos interessantes. 

Álbum de Família (August: Osage County/EUA-2013) de John Wells, com Meryl Streep, Julia Roberts, Julianne Nicholson, Juliette Lewis, Ewan McGregor, Abigail Breslin, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch, Margo Martindale e Dermot Mulroney. ☻☻☻☻