segunda-feira, 28 de outubro de 2019

PL►Y: Contato Visceral

Armie Hammer: o problema não é o desodorante...

Armie Hammer é um caso curioso de Hollywood. O rapaz frequentemente sempre aparece em duas listas distintas de Hollywood, em uma delas é considerado um dos atores mais bonitos do cinema atual, na outra é um dos maiores pé-frios de Hollywood. Parece que o fracasso comercial é uma espécie de maldição dos filmes que tem seu nome no alto dos créditos. É verdade que ele teve um respiro benevolente com Me Chame pelo Seu Nome (2017), mas não demorou para suas produções seguintes não alcançarem o sucesso almejado. Se por um lado ajuda que seu novo trabalho seja lançado pela Netflix, por outro, ter o filme traduzido para Contato Visceral no Brasil pode ser um problema... A sorte é que Hammer é um cara esperto e está atento aos diretores que estão em alta e podem lhe render um trabalho interessante, aqui por exemplo ele trabalha com Babak Anvari - que construiu o interessante Sob a Sombra (2016) em seu clima de terror doméstico cheio de simbologias. O problema é que Anvari investe aqui numa história um tanto confusa, que mais sugere do que constrói uma estrutura realmente envolvente ou assustadora. A trama gira em torno de um bartender de Nova Orleans (Hammer) que numa noite normal de trabalho se depara com um celular esquecido em uma mesa. Em busca de encontrar o dono, ele se envolve numa estranha espiral de acontecimentos envolvendo mortes, sacrifícios e ocultismo. Esse vínculo entre tecnologia e o desconhecido não é uma novidade, já vimos em sucessos como O Chamado (2002) e os trablhaos mais cults de David Cronenberg (que mostra-se um influência fortíssima para Anvari na estética deste filme). O problema é que embora o filme explore a interessante ideia do fascínio pela imagem produzida e compartilhada por celulares, a  ideia fica um tanto travada no relacionamento do casal vivido por Hammer e Dakota Johnson - e convenhamos que os dois estão um tanto desgovernados em seus personagens em seus ciúmes e dilemas pessoais. O filme se torna cada vez mais esquisito e cansativo, perdendo aos poucos o que havia de mais interessante. O tom sinistro aparece aqui e ali, mas explode mesmo é no final em uma cena enigmática estranhíssima que promete ficar na cabeça do espectador por algum tempo. Infelizmente, o que o filme oferece até ali não empolga. 

Contato Visceral (Wounds / Reino Unido - 2019) de Babak Anvari com Armie Hammer, Dakota Johnson, Zazie Beetz, Karl Glusman, Brad William Henke e Ben Sanders. ☻☻

APOSTAS PARA O OSCAR 2020: Capítulo I

Eles já começaram a aparecer! Basta ver todas as especulações sobre a interpretação de Joaquin Phoenix em Coringa, a pré-indicação de A Vida Invisível para representar o Brasil no páreo de filme estrangeiro ou o resgate do trabalho impressionante de Lupita N'Yongo em Nós. O Oscar se aproxima e com ele os lançamentos mais ambiciosos do ano quando se fala de prêmios! A seguir os  primeiros favoritos para esta temporada de ouro:

"O Irlandês" 
Scorsese nas últimas semanas deixou de ser falado pelo filme para se meter em pendengas com a Marvel ou com os críticos (desinformados) que reclamaram não haver protagonistas  femininas em seus filmes (e Ellen Burstyn quase devolveu o Oscar que tem na estante por conta disso). O fato é que produzido pela Netflix e com quase quatro horas de duração, O Irlandês conta a história de um matador de aluguel e suas conexões criminosas com a máfia e figuras importantes. No elenco estão Al Pacino, Robert DeNiro, Joe Pesci e Harvey Keitel - velhos conhecidos do diretor.

"Jojo Rabbit" 
O clima é outro neste filme do neozelandês Taika Waititi. O diretor de comédias malucas australianas e de Thor Ragnarok não tem medo de delírios e fazer graça com temas polêmicos. Aqui ele conta a história de um menino e seu amigo imaginário que é ninguém menos do que Hitler - e para piorar as coisas, o menino descobre que a mãe (Scarlett Johansson) está escondendo uma menina judia dentro de casa. A trama baseada no livro de Christine Leunens surpreendeu ao levar o prêmio de Melhor Filme no Festival de Toronto!

"A Marriage Story" 
Johansson e Adam Driver estão cotados para os prêmios de atuação pelo trabalho neste drama dirigido por Noah Baumbach. O diretor já revisitou o divórcio de seus pais em A Lula e a Baleia e foi indicado ao Oscar de roteiro original. Agora ele retoma esta temática com ainda mais camadas e sensibilidade em mais um trabalho produzido pela Netflix. Unanimidade entre os críticos, o filme dificilmente será esquecido entre os indicados do próximo ano - somente se houver lugar somente para um filme da Netflix aos olhos da Academia. 

"Judy"
Peso pesado na corrida ao Oscar de melhor atriz, Renee Zellwegger tem a chance de dar a volta por cima com seu surpreendente trabalho sobre os últimos dias de uma diva de Hollywood! Vivendo uma madura Judy Garland quando sua carreira já estava em declínio (e ela ainda tinha contas a pagar) a atriz alcança o melhor momento de sua carreira! Quem assistiu (pelo menos o trailer) sabe que a atriz está um arraso! Faz tempo que a atriz está afastada de grandes produções, ela já tem um Oscar de coadjuvante na estante e parece querer o de atriz principal agora...

"A Beautiful Day in the Neighborhood"
A atriz Marielle Heller tem feito uma carreira interessante como diretora. Depois de dois significativos (o bom Diário de uma Adolescente e o ótimo Poderia me Perdoar?), ela está prestes a conseguir um terceiro. O filme é uma adaptação de um artigo publicado na revista Esquire sobre um ícone da televisão americana! Tom Hanks vive o famoso Fred Rogers e Matthew Rhys é o repórter cínico que criará o tal artigo sobre ele. A história sobre compreensão pode render indicações para os dois atores e ainda colocar Heller no páreo de melhor direção.

domingo, 27 de outubro de 2019

PL►Y: Dor e Glória

Banderas: belo reencontro com Almodóvar. 

Foram os filmes mais coloridos de Pedro Almodóvar que apresentaram Antonio Banderas para o mundo. O ator tinha vinte e dois anos quando foi descoberto pelo cineasta espanhol em Labirinto de Paixões (1982). Depois os dois voltaram a trabalhar juntos em Matador (1986) e A Lei do Desejo (1987), além dos clássicos Mulheres a Beira de Um Ataque de Nervos (1988) e Ata-me (1989). Depois o astro enveredou por Hollywood e fez todo tipo de filme, filmes bons, filmes ruins, filmes muito ruins, sucessos... Almodóvar e Banderas só se reencontraram em 2011 com o excelente A Pele que Habito (2011). O diretor já era bem mais contido e Banderas sabia que o passar do tempo lhe exigia mais do que a pose de galã. Pena que Almodóvar tropeçou na parceira seguinte (Os Amantes Passageiros/2013, filme que nunca consegui assistir inteiro) e não o escalou para o insosso Julieta (2016). Os deuses do cinema queriam que os dois hispânicos se encontrassem novamente neste Dor e Glória (2019), filme que foi exibido em Cannes e rendeu ao ator o maior reconhecimento de toda a sua carreira: o prêmio de melhor ator. Foi merecido, já que Banderas apresenta uma atuação contida, melancólica e costura a narrativa mais pessoal e literária já construída pelo diretor. Dor e Glória avança quase em capítulos, apresentando seu protagonista para a plateia enquanto aparenta ir e voltar no tempo de suas memórias de infância. O astro vive Salvador Mallo, cineasta que obteve grande reconhecimento, mas que depois de enfrentar problemas com o protagonista de seu filme mais famoso, entrou para o ostracismo. Na verdade, o personagem sofre de dores crônicas em todo o corpo que só se agravaram com  tempo. Tomando medicamentos pesados e passando por cirurgias, falta energia para se dedicar à arte. O filme se movimenta entre a costura do tempo de menino (Asier Flores) ao lado da mãe (Penelope Cruz) e o presente no contato com Alberto Crespo (Asier Etxeandia),  ator famoso que roubou-lhe a cena no passado. Enquanto estes dois colocam os pingos nos is (com cenas de humor, drogas e algumas desavenças), Mallo está prestes a reencontrar um grande amor do seu passado (o argentino Leonardo Sbaraglia). Dor e Glória é a revisão de um homem sobre a vida, suas dores, amores, desejos e apresenta a narrativa mais pessoal e contida de Almodóvar. Nem precisa dizer que existe muito aqui de sua vida pessoal, mas na última cena ele deixa claro que existem momentos em que vida e arte se confundem, mas são dimensões diferentes. Faz tempo que o diretor deixou de lado o humor agudo (e da última vez que tentou retomá-lo, desafinou feio com Amantes Passageiros), mas algumas pessoas devem estranhar o tom que resolveu adotar neste filme e, quem não o conhece, irá estranhar a cena de nudez masculina frontal ou o beijo apaixonado entre dois personagens. A melancolia embalando o tom confessional faz de Dor e Glória um belo filme e, o melhor ainda, somente Almodóvar terminaria a história de um homem feito Salvador com um recomeço e não com uma despedida. 

Dor & Glória (Dolor y Gloria / Espanha - 2019) de Pedro Almodóvar com Antonio Banderas, Penélope Cruz, Asier Etxeandria, Asier Flores, Leonardo Sbaraglia, Nora Navas, César Vicente, Cecilia Roth e Julieta Serrano. ☻☻

domingo, 20 de outubro de 2019

PL►Y: A Lavanderia

Oldman e Banderas: esquemas complicados e química irresistível. 

Pode se dizer que A Lavanderia era um dos filmes mais aguardados da Netflix com lançamento previsto para este ano. Além da assinatura ilustre (Steve Soderbergh) e do elenco cheio de rostos conhecidos, a história é baseada em fatos reais e envolvem o estranho mundo de empresas de fachada que servem para todo tipo de presepada. Quem conduz o espectador por este (sub)mundo um tanto complicado (tentando nos convencer de que fazer trambicagem é mais simples do que parece) é a dupla Ramón Fonseca (Antonio Banderas) e Jürgen Mossack (Gary Oldman), espécie de conselheiros financeiros na fundação destas empresas fundadas em paraísos fiscais sobre um bocado de más intenções. Sempre dispostos a tecer comentários irônicos sobre o que está acontecendo na tela,  os dois costuram as histórias de um grupo de personagens que aparentemente não possuem ligação entre si. Entre os vários personagens está Ellen Martin (Meryl Streep), uma mulher capaz de  perceber que existe algo de errado quando ela e o esposo (James Cromwell) são vítimas de um acidente de barco e o recebimento do seguro está sempre nebuloso num emaranhados de empresas que negociam entre si e dificultam cada vez mais sua vida. Ela acaba tropeçando em Malchus Boncamper (Jeffrey Wright) que engana até a esposa diante da vida dupla que leva e uma série de outras histórias que só ilustram como é fácil enrolar as pessoas quando se conhece os meandros mais obscuros das leis fiscais. Soderbergh constrói uma narrativa esperta calcada no livro de Jack Bernstein, mas que peca ao parecer uma cópia branda dos trabalhos de Adam McKay (A Grande Aposta/2015 e Vice/2018) o que deixa uma sensação estranha perante o roteiro cheio de digressões e desvios que  de vez em quando perde o fio da meada. Contando sua história por dentro do que viria a ser o escândalo do Panama Papers, o filme tem ironia de sobra e um elenco talentoso que consegue dar conta de um roteiro que poderia ser melhor lapidado, especialmente no desfecho (que deve provocar algumas risadas especialmente no Brasil) e seu ponto final que destrói de vez a ilusão de estarmos diante de um filme realista com Banderas e Oldman (é impressionante a química dos dois, uma verdadeira surpresa!) caminhando pelo estúdio em meio a refletores e câmeras, além de Meryl Streep tirando a maquiagem para discursar sobre a ilusão democrática que vivemos. A Lavanderia é um pouco de tudo e, por isso mesmo é tão interessante quanto disperso em alguns momentos. 

A Lavanderia (The Laundromat/EUA-2019) de Steve Soderbergh com Meryl Streep, Gary Oldman, Antonio Banderas, James Cromwell, David Schwimmer, Jeffrey Wright, Robert Patrick, Matthias Schoenaerts e Sharon Stone. ☻☻

sábado, 19 de outubro de 2019

KLÁSSIQO: Vergonha

Liv e Max: o casamento em  tempos de guerra. 

Ao longo da carreira o sueco Ingmar Bergman dirigiu cerca de 70 produções divididas entre cinema e televisão. Trabalhando entre os anos de 1946 e 2008, seu cinema atravessou décadas sem maiores problemas, uma vez que Bergman sempre foi moderno na abordagem de suas histórias que sempre deixavam o foco no ser humano e suas emoções. O aspecto psicológico de seus personagens é sempre importante no desenvolvimento de suas narrativas, e, por este motivo, encarar um dos seus filmes é sempre uma tarefa um tanto árdua pelas emoções que desperta no espectador. Vergonha (1968) é um filme do qual se houve falar pouco, lançado depois de Persona (1966) e antes de Gritos e Sussurros (1972), o filme conta a história de um casal que escolheu viver afastado em uma ilha. Os dois mantém uma rotina bastante bucólica e partem para a cidade somente para vender o que produzem e comprar o que não conseguem fazer por conta própria. No entanto, este isolamento não impede que os dois saibam que a guerra permanece ao redor deles e, aos poucos, se aproxima impiedosamente. Não demora para que o que parecia ser um paraíso seja invadido e coloque não apenas o casamento, mas a vida de ambos em risco. Bergman nunca foi muito chegado a abordar questões políticas em seus filmes, mas neste aqui ele arranha um pouco esta temática apresentando o poder devastador da guerra, não apenas no espaço físico, mas também no interior dos seus personagens. Neste aspecto, as oscilações no ritmo da história é primordial para que o espectador sinta as transformações que acontecem na história. A tranquilidade é invadida por explosões, violência e morte, mas, ainda assim é notável como tudo isso serve para que algumas rachaduras no relacionamento entre Jan (Max von Sydow) e Eva (Liv Ullman) recebam cada vez mais densidade. O que eram detalhes que poderiam ser contornados se tornam cada vez mais incômodos obstáculos para que os dois permaneçam juntos. As inseguranças dele, a ausência de filhos, o fantasma da traição sobre ambos, são elementos que aos poucos Bergman utiliza para aprofundar o abismo entre os dois, provocando uma dinâmica de atração e repulsa na segunda metade do filme. Acho que não precisa dizer que Max e Liv estão ótimos nos conflitos dos seus personagens. No entanto, foi o trabalho de Max von Sydow que mais de chamou atenção, o ator confere um certo charme sensível para Jan, que aos poucos se esvai e o leva a ter atitudes impensáveis para o personagem que conhecemos no início da história. Pelos seus méritos, que impressionam até hoje, Vergonha foi indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. 

Vergonha (Skammen / Suécia - 1968) de Ingmar Bergman com Liv Ullman, Max Von Sydow, Sigge Fürst e Ulf Johansson. ☻☻

Pódio: Patrick Wilson

Bronze: O Herói Aposentado
O elenco deste filme é um grande acerto e Patrick Wilson aparece como o super-herói Coruja, que em sua trajetória viu tantas atrocidades (e amigos enlouquecerem) que preferiu se aposentar e ganhar uns quilinhos. Quem lhe devolve um pouco da aura de herói em estado puro é o interesse amoroso por Spectral (Malin Akerman). Revestindo o clássico personagem de grande humanidade, Patrick está excepcional! Sempre digo que a adaptação de Zach Snyder para a saga de Alan Moore e Dave Gibbons é um dos filmes mais injustiçados de todos os tempos! 

Prata: mormon em crise
2º Angels in America (2003)
Nem me atrevo a dizer que a antológica minissérie da HBO não é cinema! Dirigida por Mike Nichols, esta premiada adaptação da peça de Tony Kushner é um filme de quase seis horas de duração! A trama sobre o surgimento da AIDS nos anos 1980 e seu impacto na sociedade americana é um verdadeiro marco! O ator vive o certinho Joe Pitt, que começa a repensar sua vida perante tudo o que acontece ao seu redor. Nascido no estado da Virginia, Patrick Wilson tinha trinta anos e só um filme no currículo quando foi escolhido para o papel que lhe rendeu indicação ao Globo de Ouro e ao Emmy de ator coadjuvante.  

Ouro: o marido adúltero
Bem que o ator merecia uma indicação ao Oscar por seu trabalho neste drama de Todd Field baseado na obra de Tom Perrotta. Com a maior pinta de galã, Patrick insere tantas camadas no seu personagem que fica impossível não torcer por esta história de adultério contada com bastante particularidade no subúrbio americano. Ele vive Brad, homem casado com uma bela documentarista e pai de um menino esperto, mas que não faz a mínima ideia do que fazer da vida de agora em diante. Reza a lenda que a escalação dele foi uma indicação de Kate Winslet, que interpreta sua amante em atuação impecável (indicada ao Oscar). 

PL►Y: Campo do Medo

Patrick e seus colegas: momento ingrato. 

Stephen King é sempre um nome que agrega curiosidade sobre qualquer filme que apareça no radar da maioria das pessoas que curtem cinema, tenho até uma amiga que pensava que King nem era escritor, mas diretor dos filmes em que apareciam o seu nome Se King fosse realmente o diretor dos filmes em que seu nome aparece, ele seria um cineasta bastante irregular e, só para lembrar, bastou ele dirigir somente um filme (Comboio do Terror/1986) para perceber que era melhor ele continuar sendo apenas escritor. Campo do Medo é o terceiro longa baseado em sua obra lançado somente este ano. A direção ficou a cargo de Vincenzo Natali, que apesar do nome é um americano nascido em Detroit e que possui algumas obras bastante interessantes no currículo (Cubo/1997, Splice/2009 e vários episódios da série Hannibal), além de um senso estético bastante apurado em comparação com outros diretores chegados a um filme de terror. O problema é que em Campo do Medo o diretor parece ter ficado intimidado com a premissa de um autor tão famoso e deixou o filme um tanto cansativo. Seria até irônico dizer que o filme fica dando voltas em torno de si mesmo, já que a história é assim mesmo, mas o longa nunca cresce para se tornar envolvente ou instigante, mesmo quando tenta, acaba parecendo um tanto ridículo ao perder qualquer sutileza na hora de criar sustos ao espectador. Ou seja, quando era para ficar mais aterrorizante, ele apenas piora, o mais curioso é que ele piora quando o rosto mais conhecido do elenco recebe mais destaque na história. O filme começa com um casal viajando de carro, a mulher (a brasileira Laysla de Oliveira) está grávida e diante do enjoo provocado pela viagem, eles param na margem da rodovia. Escutam o grito de socorro de uma criança vindo de um matagal. Não existe ninguém por perto, veem apenas uma lanchonete abandonada há tempos e uma igreja cheia de carros empoeirados na porta. Quando o casal resolve entrar no matagal, os dois acabam se perdendo e, diante das tentativas de se reencontrarem, se perdem ainda mais, deparando com um verdadeiro enigma. Acho que é um SPOILER dizer que roteiro se embaralha tempo e espaço ao longo de sua duração ao acrescentar outros personagens que aparecem ao longo da sessão, um destes é Patrick Wilson na pele do pai do tal menino perdido. Não tenho dúvidas de que Patrick é um bom ator e, por conta de seus trabalhos em Invocação do Mal (2013) e seus derivados, ele se tornou um rosto bastante popular entre os fãs de terror. No entanto, o que o roteiro faz aqui com o seu personagem é uma maldade, afinal, quando ele cresce na trama o filme precisa lidar com o risco de tornar-se cada vez mais ridículo com as reviravoltas bruscas que acontecem. Não ajuda muito o filme ser ambientado a maior parte do tempo no meio do mato e alguns personagens mudarem de temperamento o tempo inteiro (e quem conhece Stephen King sabe que o melhor de seus livros reside justamente nestas mudanças, mas aqui, falta habilidade para o filme lidar com este elemento). No meio de toda esta presepada, quem se sai melhor é o pequeno Will Buie Jr., que consegue ser sinistro em uma cena e vulnerável logo em seguida sem desafinar. Campo do Medo está bem longe de ser uma das minhas adaptações favoritas do autor, mas serve para passar o tempo se você não dormir no meio do caminho do final previsível. 

Campo do Medo (In The Tall Grass / Canadá - 2019) de Vincenzo Natali com Patrick Wilson, Will Buie Jr, Laysla de Oliveira, Avery Witted e Harrison Gilbertson. ☻☻

terça-feira, 15 de outubro de 2019

PL►Y: Millenium - A Garota na Teia de Aranha

Foy: sobrevivendo numa teia com problemas. 

Não são poucos os que ficam chateados com a série de reboots de sucessos recentes que, sabe se lá o motivo, os estúdios resolvem que a história  precisa ser contada do zero novamente. No entanto, mais estranho ainda é quando resolvem não recomeçar uma história, mas dar continuidade a ela ignorando tudo o que já foi visto anteriormente. Como se realizar um projeto destes? Eu não faço a mínima ideia, mas foi isso que passou pela cabeça de quem resolveu produzir este Millenium - a Garota na Teia de Aranha, que poderia ser a continuação de Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011) de David Fincher, que por sua vez era a versão americana de uma trilogia de sucesso na Suécia baseada nos livros de Stieg Larsson. Sendo assim, saem de cena o perfeccionismo de Fincher, os rostos conhecidos de Daniel Craig e Rooney Mara (que foi até indicada ao Oscar de Melhor Atriz por sua personificação da hacker Lisbeth Salander). Outra baixa considerável neste projeto é a escrita sórdida de Stieg Larsson, que faleceu em 2004 devido a um infarto fulminante. Com o criador da série morto, a solução foi investir em outro autor para explorar o mundo de Salander, no caso, David Lagercrantz que em suas obras explora o passado da personagem. Embora ele se esforce na construção de uma trama cheia de surpresas, falta um pouco de peso na trama envolvendo a acusação de Lisbeth num crime que ela não cometeu (e que aos poucos se mistura com o passado dela mesma)  Lisbeth agora é mostrada como uma espécie de justiceira que pune homens que maltratam mulheres e que se tornou famosa pelos artigos escritos por Mikael Blomqvist (rejuvenescido na pele de Sverrir Gudnason) sobre suas aventuras. Agora ela se vê metida no meio de uma confusão que aos poucos se revela um grande ajuste de contas. Convocado para dar conta desta empreitada, o uruguaio Fede Alvarez (do sucesso O Homem Nas Trevas/2016 faz o que pode para dar ritmo ao filme e imitar a estética sombria de Fincher, porém, não consegue esconder que o roteiro tem sérios problemas em sua estrutura (especialmente ao explorar a relação Mikael e Lisbeth). Resta transformar a outrora estranha personagem em uma espécie de heroína atormentada  que Claire Foy consegue defender com competência, mas, ainda que a atriz seja talentosa, fica evidente em comparação com os outros filmes inspirados na série Millenium que este é o mais fraquinho - especialmente pela enorme confusão que é não ser uma continuação ou, tão pouco, um recomeço. Parece algo que acontece num universo paralelo, em outra dimensão diferente das vistas anteriormente. 

Millenium - A Garota na Teia de Aranha (Millenium - The Girl in the Spider's Web / Alemanha - Suécia - EUA / 2018) de Fede Alvarez com Claire Foy, Sverrir Gudnason, Lakeith Stanfield, Sylvia Hoecks, Stephen Merchant, Vicky Krieps e Claes Bang. ☻☻

sábado, 12 de outubro de 2019

4EVER: Robert Forster

13 de julho de 1941 ✰ 11 de outubro de 2019

Não é por acaso que sempre que aparecia na tela Robert Forster evocava aquela aura de ator de um clássico de Hollywood. Ele iniciou sua carreira nos anos 1960 em programas de televisão antes de receber papel de destaque no cinema com A Noite da Emboscada (1968). A partir dali o cinema o descobriu, mas ele retornaria como protagonista à televisão como o detetive particular da série Banyon (1971-1973). Entre os fãs da série estava um menino que um dia se tornaria diretor de cinema e lembraria de escalar Forster para um papel que lhe renderia a primeira indicação ao Oscar. Foi Quentin Tarantino que tirou o ator de produções de gosto duvidoso e lhe deu destaque novamente no ótimo Jackie Brown (1997). Pela performance o ator foi lembrado na categoria de ator coadjuvante no Oscar e recebeu convites para filmes como Cidade dos Sonhos (2001) e Os Descendentes (2012), além de participações em série importantes como Desperate Housewives, Heroes e Twin Peaks.  Seu último trabalho é o recente El Camino, derivado da série Breaking Bad, produzido pela Netflix. Nascido em Nova York, o ator faleceu em decorrência de um câncer no cérebro. 

PL►Y: O Predestinado

Sarah e Ethan: os nós da viagem no tempo. 

Quando você acha que filmes sobre viagens no tempo não poderiam mais inventar novidades, surge um filme como O Predestinado. O longa australiano faz o possível e o impossível para surpreender a plateia e pode pagar um preço alto por isso se o espectador não entrar no clima da brincadeira. O filme conta a história de um viajante no tempo (Ethan Hawke) que tem a missão de descobrir quem é um incendiário que que tem causado desastres ao longo da história. Logo no início nos o encontramos acabando de se recuperar de uma terrível missão mal sucedida que quase lhe custou a vida.  Disposto a cumprir sua tarefa, ele volta no tempo mais uma vez e conhece um rapaz misterioso, que pode ser tanto o incendiário quanto mais um escolhido para viajar no tempo. Ao longo da história do rapaz as surpresas começam a aparecer e ganham proporções quase absurdas diante das mudanças que lhe foram impostas. Neste ponto, vale ressaltar o excelente trabalho de caracterização da atriz Sarah Snook (a Shiv do seriado Succession da HBO), que para além dos figurinos e maquiagem está bastante convincente no seu trabalho de corpo e voz, sabendo compor as fases distintas de sua personagem. Depois da longa narrativa amparada pela interpretação da atriz, segue o próximo ato em que sem medo de tornar tudo um pouco ridículo, O Predestinado se esforça para dar um nó na cabeça da plateia. Ao longo da sessão comecei a imaginar no que estava acontecendo e me vi pensando em algo semelhante à velha história do "ovo e da galinha" . Consegui até perceber algumas pistas que o filme oferecia ao longo da sessão e até fiquei curioso de ver o filme novamente para captar ainda mais sugestões que pudessem aparecer, mas fiquei com medo de encontrar furos na história e acabar ficando com raiva. É verdade que o filme é um tanto irregular nas transições apresentadas, mas desperta a curiosidade de descobrir onde tudo aquilo irá parar. Assinado pelos irmãos Michael Spierig e Peter Spierig (que se revelaram para o mundo com o modesto Canibais/2003 e lançaram no ano passado A Maldição da Casa Winchester/2018), o filme tem efeitos visuais eficientes e cenários que impressionam pelo detalhamento, além de criatividade e um bocado de cara de pau (sobretudo no final que pode render gargalhadas). 

O Predestinado (Predestination/Austrália - 2014) de  Michael Spierig e Peter Spierig  com Ethan Wake, Sarah Snook, Christopher Kirby, Christopher Sommers e Kuni Hashimoto. ☻☻☻

PL►Y: Maus Momentos no Hotel Royale

Jon, Jeff e Cynthia: ninguém é o que parece. 

Um grupo de pessoas se encontram num hotel decadente e alguns deles escondem suas verdadeiras identidades (e intenções) para se hospedarem ali... esta premissa está longe de ser original, mas quando bem utilizada pode render uma trama muito interessante. Ao que a primeira cena indica, existiu um crime relacionado com aquele hotel e seus desdobramentos serão inevitáveis ao longo das mais de duas horas de  duração de Maus Momentos no Hotel Royale. Ao que se vê, os anos '70 estão longe de ser a glória daquele estabelecimento, no entanto, ele mantém a curiosidade da construção ser metade localizada no estado de Nevada e a outra metade na Califórnia. Esta peculiaridade aparece em uma linha divisória vermelha que cruza a construção, assim como estabelece a decoração de cada parte de sua arquitetura. A ideia rende alguma tiradas engraçadas sobre as características de cada estado, mas nada que sobreviva ao início da história. O hotel hospedará o padre Daniel Flynn (Jeff Bridges) e a discreta Darlene Sweet (a ótima Cynthia Erivo), assim como o vendedor de aspirador de pó Laramier Sullivan (Jon Hamm). Tão logo o jovem recepcionista Miles (Lewis Pullman, filho de Bill Pullman) começa a atendê-los, uma jovem misteriosa (Dakota Johnson) aparece para colocar ainda mais segredos na trama. Não cabe dizer muito o que acontece a partir daqui, já que o mistério é parte fundamental para o interesse na trama. Posso adiantar que o cineasta mexicano Drew Goddard (diretor do sucesso inesperado O Segredo da Cabana/2012 e indicado ao Oscar pelo roteiro de Perdido em Marte/2015) demonstra mais uma vez por narrativas truncadas, cheia de idas e vindas, cenas revisitadas por pontos de vistas diferentes, digressões aparentemente sem muito sentido e uma mudança constante no foco da narrativa. Mais uma vez o diretor constrói uma grande pegadinha, já que dois crimes se misturam à própria história do hotel - que já possui  sua cota histórica de segredos a serem trabalhados. Vale ressaltar que Drew também filma bem. Sabe como utilizar os cortes, os planos e um tom sério quando necessário, prova disso é quando envereda por uma clássica linguagem noir no momento em que os personagens se encontram. No entanto, a coisa perde um pouco de fôlego quando entra na trama o personagem de Chris Hemsworth. Nada contra o Thor e seu abdômen trincado sempre à mostra, mas o filme caminhava muito melhor antes de seu personagem ganhar destaque na história. Seu personagem destoa de todo resto e o roteiro acaba inventando coisa demais para resolver durante a projeção. Ainda assim, Maus Momentos no Hotel Royale ainda demonstra ter estilo e qualidades suficientes para envolver a plateia nos segredos de seus personagens que nunca são o que aparentam, assim como os próprios filmes do cineasta.     

Maus Momentos no Hotel Royale (Bad Times at El Royale / EUA - 2018) de Drew Goddard com Jeff Bridges, Jon Hamm, Cynthia Erivo, Chris Hemsworth e Lewis Pullman. ☻☻☻

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

NªTV: Killing Eve - Temporadas 1 e 2

Sandra e Jodie: gata e rata espertas. 

Enquanto assisti a primeira temporada do seriado britânico Killing Eve, eu apenas me culpava por não ter descoberto a série antes. Me contentei em me desculpar justificando que num mundo com tantas séries interessantes, sempre pagamos o preço de deixar algumas para depois. Também atrapalha um pouco quando a série está em um serviço de streaming que você até então não dava a mínima atenção. Disponibilizada pela GloboPlay, Killing Eve já tem disponível a primeira e a segunda temporada por aqui - enquanto os fãs aguardam ansiosamente a terceira temporada (e espero que saia logo, já que enrolei bastante para terminar a segunda temporada, mas... já terminei). Um dos pontos que despertaram maior interesse pela série foi a então desconhecida Jodie Comer receber o Emmy de melhor atriz em série dramática pela sua personagem Villanelle. Uma serial-killer de aluguel (isso existe, produção?) que começa a chamar a atenção do MI6. Embora seus crimes pareçam isolados em lugares distintos da Europa, ela chama atenção de Eve Polastri (Sandra Oh que ficou famosa mundialmente com seu papel na cultuada Grey's Anatomy, mas que eu conheço desde a época em que era a senhora Alexander Payne), uma funcionária do serviço burocrático da agência que começa a tecer relações entre os crimes, que ninguém até então imaginava serem cometidos pela mesma pessoa. Eve acaba sendo recrutada por Carolyn Martens (Fiona Shaw) para comandar um grupo capaz de encontrar Villanelle, além de descobrir quem utiliza seus serviços. Daí em diante o que temos é uma trama imprevisível que insere elementos variados no que poderia ser um tradicional jogo de gato e rato. Nesta jornada tudo pode acontecer, um personagem de destaque pode se tornar o próximo morto num piscar de olhos, assim como a intensificação do jogo de sedução entre Eve e Villanelle. Desde o início é perceptível a admiração e atração que a vilã exerce sobre a agente e a coisa complica cada vez mais conforme a assassina se nutre desta admiração. Com uma reviravolta em cada capítulo, a primeira temporada de Killing Eve é viciante e faz você devorar os oito episódios rapidinho. Com suspense, drama e doses certeiras de humor negro, a criação de Phoebe Waller-Bridge (também criadora e protagonista da aclamada Fleabag) acerta em cheio. No entanto, a segunda temporada perde boa parte do humor e da cadência cheia de energia para desenvolver um pouco mais os efeitos que a primeira temporada causou nas vidas de suas protagonistas (afetando todos que estavam por perto). Eve começa a ter impulsos cada vez mais perigosos (e o casamento vai de mal a pior) enquanto Villanelle deixou de ser a assassina misteriosa de outrora para cuidar de, digamos, situações menos importantes. Embora não seja tão empolgante como a temporada de estreia, a segunda torna as protagonistas ainda mais complexas, sem deixar de enfatizar aquele olhar arrepiante que Jodie Comer utiliza quando está prestes a eliminar mais um personagem. Embora o elenco esteja em ótima sintonia, Jodie tem papel realmente fundamental no sucesso da série. Ao construir uma personagem tão sedutora quanto perigosamente escorregadia, cada passo de Villanelle é aguardado com grande ansiedade por Eve e a plateia que a acompanha. 

Killing Eve - Temporada 1 (EUA - Reino Unido - Itália / 2018) de Phoebe Waller-Bridge com Sandra Oh, Jodie Comer, Fiona Shaw, Sean Dalaney, Owen McDonell, Kim Bodnia, David Haig, Susan Lynch e Kirby Howell-Baptiste. ☻☻☻☻

Killing Eve - Temporada 2 (EUA - Reino Unido - Itália / 2018) de Phoebe Waller-Bridge com Sandra Oh, Jodie Comer, Fiona Shaw, Sean Dalaney, Owen McDonell, Kim Bodnia, Edward Bluemel, Nia Sosanya e Henry Lloyd-Hughes. ☻☻☻☻

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

PL►Y: O Confeiteiro

Kalkhof: amor inesperado. 

O Confeiteiro é um filme aparentemente simples, mas que fala de coisas bastante complicadas. Seu ritmo lento, sua fotografia límpida, os diálogos que nunca parecem dizer muita coisa escondem na verdade uma série de sentimentos e dilemas em torno de temas como amor, morte, saudade e lembranças. O filme do israelense Ofir Maur Graizer conta a história do jovem alemão Thomas (Tim Kalkhof), dono de uma confeitaria em Berlim que se envolve com o israelense Oren (Roy Miller) que tem negócios na região. Oren e Thomas se encontram uma vez por mês e o resto do tempo, o estrangeiro volta para sua família em Jerusalém. É em uma dessas voltas para a terra natal que ele deixa de mandar notícias e o confeiteiro acredita ser o fim do relacionamento entre os dois. Ele nem imagina que Oren faleceu. Diante desta ausência, o rapaz vai para Jerusalém e se aproxima cada vez mais da viúva, Anat (Sarah Adler) e do filho de seu amante. A proximidade perigosa lhe garante contato com o universo do falecido lhe dando algum conforto emocional, embora sua presença germânica seja vista com muita desconfiança pela sociedade judaica local. Por outro lado,  a companhia gentil de Thomas preenche o vazio que a ausência do esposo deixou na vida de Anat. Embora de início a proximidade entre os dois pareça caminhar para lugar algum, o roteiro constrói o afeto entre os dois por meio da culinária e das lembranças que possuem do falecido. Em determinados momentos se tem a impressão que Anat já imagina que o alemão conhecia o esposo, afinal, precisa apenas ligar alguns pontos para perceber isso, no entanto, se instaura ali um desejo sutil entre os dois que é capaz de reaproximar ambos de algo que não pertence mais à este mundo. Lá pelo meio da sessão, o filme conta alguns segredos do casamento entre os dois e um pouco mais do relacionamento entre os amantes num fluxo quase hipnotizante até que o preço de viver numa sociedade tão conservadora aparece. Fiquei bastante surpreso com a sensibilidade do filme e sua capacidade de comunicar sentimentos através dos olhares e silêncios de seus personagens e admito que a solidão de Thomas me fez chorar quando prepara a massa mais triste de sua vida... e bem que o final poderia ter aquela cena que o público tanto espera.  

O Confeiteiro (The Cakemaker / Israel - Alemanha / 2017) de Ofir Maur Graizer com Tim Kalkhof, Roy Miller, Sarah Adler, Zohar Shtrauss, Sandra Sade e Tamir Ben Yehuda. ☻☻☻☻

domingo, 6 de outubro de 2019

Na Tela: Ad Astra

Brad: na solidão do universo. 

É curioso pensar que li O Coração das Trevas de Joseph Conrad no início deste ano por conta dele servir de inspiração para o clássico Apocalypse Now (1979) e, embora o livro seja bastante diferente do filme de Francis Ford Coppola, ambos se tornam ainda mais interessante pelos pontos que tem em comum. O mesmo pode se dizer de Ad Astra, filme produzido e estrelado por Brad Pitt e dirigido por James Gray que bebe na mesma fonte da guerra de Coppola, só que aqui, a trama é ambientada no espaço. O filme gira todo em torno de Roy McBride (Brad Pitt), um sujeito intimista, meio deslocado e que se dedica a ser astronauta na esperança de ficar bem longe da Terra e seus habitantes. Este desejo não deixa de ser uma influência do pai, H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones) que fez história e se tornou famoso por conta de suas expedições para toda a distância que nosso sistema solar permitia. Explorando outros planetas, Clifford chegou até Netuno e perdeu-se contato com ele por muitos anos. Agora, diante de ondas de energia que tem causado estragos na Terra e nas bases instaladas em planetas vizinhos, chega-se à conclusão que Clifford está vivo e precisa ser encontrado para que estes sinais sejam impedidos. Para esta missão é escolhido Roy, principalmente pelo apelo emocional que pode ter junto ao pai, mas sua mensagem para o recluso astronauta só poderá ser enviada de Marte e a jornada de Roy começa. Na verdade ela já começou há tempos, desde que o pai partiu e deixou um enorme vazio que afetou para sempre sua relação com as outras pessoas, sobretudo com a esposa (Liv Tyler), sempre condenada a ficar em segundo plano diante das ambições do esposo. Brad Pitt tem aqui um dos maiores desafios de sua carreira, vivendo um personagem calado e intimista, o ator consegue demonstrar emoções com uma sutileza rara em sua carreira. Habituado a ser escalado para viver personagens expansivos e de charme quase irresistível, Brad demonstra aqui que o passar do tempo lhe fez muito bem! Aos 55 anos, demonstra ser um ator capaz de um trabalho complexo, cheio de camadas e Ad Astra se apropria não apenas de suas expressões, mas também de sua voz para dar conta de uma narrativa em off modular, como se fosse a voz de uma consciência sempre incomodada. Para ambientar a jornada de Roy, James Gray tem o cuidado de construir mundos dotados de beleza e estranhamento, que em alguns momentos parecem sonhos e em outros cópias frias de nosso planeta. No entanto, da Terra até Netuno,  a busca de Roy pelo pai, um sujeito que provoca temor e admiração (tal e qual o perturbado General Kurtz de Apocalypse Now) mostra-se bem mais grata do que a de Clifford que em busca do desconhecido, perdeu talvez o que poderia ter de mais precioso. Não por acaso é na solidão do espaço que Roy explora um território ainda mais complicado: ele mesmo.  

Ad Astra: Rumo às Estrelas (Ad Astra / EUA - 2019) de James Gray com Brad Pitt, Tommy Lee Jones, Donald Sutherland, Ruth Negga, Liv Tyler e Donnie Keshawarz. ☻☻☻☻

Na Tela: Coringa

Joaquin: Why so Serious?

A Warner estava bastante preocupada com o resultado alcançado com o filme da Liga da Justiça (2017). Ao juntar os heróis mais famosos da DC Comics, a bilheteria ficou abaixo do esperado e de nada adiantou a repaginada de Joss Whedon (Vingadores/2012) no trabalho de Zach Snyder. No meio da confusão, o estúdio resolveu que não teria mais um universo integrado com os personagens da DC para rivalizar com a Marvel, mas produções independentes entre si. Foi no meio desta situação que o diretor Todd Phillips (Se Beber Não Case/2009) apresentou a ideia de criar um filme solo do grande inimigo do Batman, o Coringa. Mas deixou bem claro que o Homem-Morcego não apareceria no filme (na época era Ben Affleck que habitava a BatCaverna) e que Jared Leto (que encarnou o palhaço do crime no fiasco retalhado Esquadrão Suicida/2016) estaria bem longe do personagem. A ideia de Phillips era beber na estética dos filmes da década de '70, especialmente no universo de Martin Scorsese. Quando Joaquin Phoenix topou o desafio de encarnar o Coringa todo mundo percebeu que a coisa estava ficando séria... o que culminou com a exibição do filme no Festival de Veneza e os já lendários aplausos de oito minutos. Não bastasse os elogios, o filme levou o prêmio máximo do Festival, O Leão de Ouro de Melhor Filme. No entanto, as primeiras polêmicas começaram a aparecer, já que o filme rompe totalmente com o que se viu até hoje em filmes sobre histórias de super-heróis e seus inimigos, passa num universo em que os filmes da Marvel nem foram cogitados e que os últimos filmes da DC considerados sombrios pareçam produções infantis. Autoridades americanas ficaram atentas à estreia do filme com medo de tragédias acontecerem (e no atual barril de pólvora em que vive o Tio Sam, eu entendo completamente). Mas será que o filme merece mesmo tanta gente aflita? A resposta talvez esteja na narrativa realista e a mensagem subliminar de que a própria sociedade constrói seus vilões e, quando um deles surge disposto a riscar o fósforo num mundo doido para pegar fogo, o caos se instaura. Neste ponto, embora seja um filme que não tenha relação direta com nenhuma produção em que o personagem já tenha aparecido, o roteiro mistura várias referências sobre ele, seja dos quadrinhos ou do cinema. O filme conta a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix digno de Oscar), sujeito instável que ganha a vida como palhaço de rua e mora com a mãe (Frances Conroy). Tudo leva a crer que Arthur tem vários problemas psicológicos, já teve uma passagem por sanatório, toma seis medicamentos, faz acompanhamento médico e até o final da sessão você irá perceber que ele não sabe discernir sobre o que é real (e este detalhe deve gerar várias dúvidas no expectador, mas faz parte da crença em torno do personagem ter sua origem seja sempre nebulosa). A jornada de Arthur é o inverso do que vemos na maioria dos filmes, ao invés de ser uma caminhada para sua purificação, acompanhamos sua jornada oposta, seu caminho é para a libertação para o que há de pior dentro dele. Gotham City e sua intolerância alimenta sua explosão sempre iminente e quando ele explode o mundo está disposto a seguir o mesmo caminho. Joaquin Phoenix está espetacular em cada momento do personagem, oferecendo camadas e nuances diferentes a cada novo gesto, cada olhar, cada risada descontrolada que tenta se inutilmente contida. Seu Coringa ganha uma ambientação perfeita numa Gotham que é o espelho da Nova York sombria dos anos 1970 embalada por uma trilha sonora sempre opressora e tonalidades sujas. Todd Phillips fez o dever de casa direitinho e criou um filme bastante incômodo, que bebe diretamente na fonte de Taxi Driver (1976) e O Rei da Comédia (1982) - e não por acaso Robert DeNiro (protagonista dos dois clássicos de Scorsese) é o coadjuvante com maior destaque no filme. Todo mal estar e suspeita que recai sobre o filme pode ser pela sensação de que aquela sociedade que vemos ali é a nossa - e somos todos um tanto culpados por ela ser do jeito que é. 

Coringa (Joker / EUA -2019) de Todd Phillips com Joaquin Phoenix, Robert DeNiro, Frances Conroy, Zazie Beetz, Brett Cullem, Leigh Gill e Bill Camp. ☻☻☻☻