sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

FILMED+: O Ano Mais Violento

Isaac e Jessica: lembrando como os anos 1970 foram importantes para o cinema.  

Em clima de ressaca do Oscar entra em cartaz no Brasil O Ano Mais Violento. O terceiro longa-metragem de J.C. Chandor apareceu em algumas listas de melhores lançamentos de 2014, foi indicado ao Globo de Ouro de atriz coadjuvante (Jessica Chastain que também concorreu ao Independent Spirit na mesma categoria ao lado da edição e do roteiro escrito pelo próprio Chandor). O filme ainda criou uma polêmica quando foi considerado pelo National Board of Review o melhor filme do ano e ficou de fora de todas as categorias do Oscar. A Academia não deve ter achado seu formato setentista, reproduzido com impressionante perfeição, interessante. Azar o deles. Do poster que remete aos clássicos dos anos 1970 à fotografia granulada, O Ano Mais Violento consegue reproduzir a atmosfera tensa dos filmes que Sidney Lumet e Martin Scorsese faziam na época. O cinema da década de 1970 de Hollywood era banhado no cinema europeu, que referendou os filmes banhados na desilusão, desconfiança das autoridades e paranoia. Afinal de contas, estamos falando a década da Guerra do Vietnã, do caso Watergate, da evacuação das tropas de Saigon, ou seja, o sonho americano não era mais como antes, estava recheado de corrupção e violência. Divertido é que quando Hollywood reproduz o espetáculo dos musicais de décadas passadas (Chicago/2002) ou o saudosismo do cinema mudo (O Artista/2011), o Oscar adora, mas quando reproduz a atmosfera do período mais crítico de sua cinematografia, a Academia ignora solenemente os méritos de uma obra relevante. O roteiro redondo e sem excessos conta a história do casal formado por Abel  (Oscar Isaac) e Anna (Jessica Chastain) Morales na Nova York de 1981 - que, conforme o título lembra, foi o ano mais violento da cidade. Até ali, a década de 1980 não tinha o colorido que a celebrizou depois, ainda carregava as tintas densas da década passada. Os Morales (não por acasos de famílias de imigrantes) conduzem uma empresa de combustível que sofre constantes roubos de seus caminhões de entrega. Depois de algum tempo os caminhões são encontrados vazios, mas cheios de prejuízo para os dois. Enquanto Abel tenta manter a calma e descobrir quem é o responsável pelos assaltos, Anna pensa que é necessário tomar medidas mais drásticas pedindo a ajuda de sua misteriosa família - o que Abel quer evitar ao máximo para evitar confusões. Não bastasse os assaltos, Abel ainda sofre uma investigação do governo (que suspeita de ilegalidades na empresa) e precisa lidar com os atentados sofridos com alguns funcionários (que começam a pensar que precisam andar armados para se defender). Chandor consegue criar uma atmosfera sufocante sobre todos os seus personagens, destacando o contraste entre o pacífico Abel e a esposa, Anna que parece disposta a destruir seus inimigos com unhas e dentes. Essa dinâmica entre o casal é um dos pontos fortes do filme (ressaltando que que são defendidos com gosto por Isaac e Chastain, ambos com atuações intimistas e intensas para marcarem presença entre as melhores do ano passado). No fundo, os roubos sofridos pelos Morales formam apenas o pretexto para expor a vulnerabilidade de todos à cidade que parece devorá-los. Com seus altos índices de assaltos, estupros e assassinatos, nem mesmo a confortável mansão do casal é segura. O cineasta conduz seu filme com uma segurança que impressiona, revisitando climas e personagens que fizeram a glória do cinema dos anos 1970. A selva de concreto com suas ruas e esconderijos, faz com que Nova York se torne uma espécie de personagem nessa homenagem à década que injetou mais ousadia e consistência no cinema americano, além de provocar uma identificação absurda com a paranoia urbana do século XXI.

O Ano Mais Violento (A Most Violent Year/EUA-2014) de J. C. Chandor com Oscar Isaac, Jessica Chastain,  Albert Brooks, David Oyelowo, Elyes Gabel, Alessandro Nivola e Catalina Sandino Moreno. ☻☻☻☻☻

PL►Y: Até o Fim

Redford: personagem sem nome encarando a morte. 

Sempre que me deparo com Até o Fim, penso na dificuldade que J.C. Chandor deve ter encontrado para vender a ideia de seu segundo longa metragem. Afinal, trata-se de um filme estrelado por um único ator, em um único cenário e sem diálogos. A trama sobre o homem que viaja sozinho de barco pelo Oceano Índico (e tem a jornada comprometida quando seu barco colide com um container) gira em torno de uma única situação e a necessidade do diretor costurar seus poucos elementos numa trama envolvente para a platreia. Lembram quando o personagem de Max Von Sydow joga xadrez com a morte em O Sétimo Selo, a ideia aqui é quase a mesma, já que o personagem sem nome e sem história (durante todo o filme sabemos que é apenas um homem num barco) evita que as adversidades faça com que a morte vença e ele pereça ao final dos mais de noventa minutos em cena. Vivido por Robert Redford (indicado ao Globo de Ouro de ator dramático), o protagonista terá que enfrentar todas as ameaças de naufrágio do seu barco - e ainda sobreviver sem água potável e alimento no meio do nada. Chandor quer exibir aqui que pode ser um diretor mais envolvente do que vimos em sua estreia com Margin Call (2011), filme sobre a crise financeira americana que, cheio de personagens e elementos variados, lhe rendeu uma indicação ao Oscar de roteiro original. Aqui ele corta tudo isso e apresenta um filme simples em suas intenções, mas intenso em sua abordagem. As cenas em que acompanhamos a tempestade do interior do barco é vertiginosa com seus movimentos de câmera, som e fúria influenciados pelo que acontece lá fora. Chega a ser arrepiante o momento em que percebemos que o barco virou completamente em meio ao oceano. Com poucas falas, Redford cumpre a missão de expressar toda a angústia de seu personagem com o rosto marcado pelo tempo - o que torna até suas poucas falas supérfluas. Chandor não pouPa a plateia de toda a aflição dessa jornada no desespero do personagem até a cena em que é a prévia de um suicídio. Talvez, quando se acha que tudo está perdido (como diz o título original do filme) é o momento de arriscar tudo o que se tem. Triste e desolador, existem ainda momentos poéticos durante o filme. A cena em que recebe um refrescante banho de chuva, ou o cardume de peixes ameaçado por predadores (que retrata como a morte está sempre próxima) são tratadas com o mesmo cuidados de momentos mirabolantes nessa aventura fadada à tragédia. Outro destaque do filme é a belíssima trilha sonora que ganhou o Globo de Ouro no ano passado (mas ficou de fora do Oscar, que lembrou de indicá-lo somente na categoria de edição de som). Até o Fim exige fôlego da plateia para embarcar numa viagem única (e ousada) do cinema recente. 

Até o Fim (All is Lost/EUA-2013) de J.C. Chandor com Robert Redford. ☻☻☻☻

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PREMIADOS OSCAR 2015

Simmons, Patricia, Julianne e Redmayne: três veteranos e um bebê. 

Depois de começar com um dos números de abertura mais legais de todos os tempos (Neil Patrick Harris e Anna Kendrick me surpreenderam em todos os níveis: voz, carisma, humor, referências...) a cerimonia perdeu o fôlego aos poucos em suas duas horas e quarenta e cinco minutos de duração. O próprio Harris começou a ficar sem graça - ainda que piadas como as feitas com John Travolta, a ausência de alguns indicados (especialmente David Oyelowo) e a coragem de ficar de cueca branca em rede mundial demonstrassem que ele podia muito mais. Gosto muito quando as músicas indicadas são apresentadas, mas ainda não entendo porque colocar números musicais como os de Lady Gaga ou Jennifer Hudson se esgoelando sob a desculpa de homenagear quem ficou na memória, coisas assim só servem para deixar a festa mais longa quando todo mundo quer saber quem vai levar os grandes prêmios da noite. Oscar não é Broadway, ok?! Enfim, vamos aos ganhadores com meus humildes comentários e meus acertos sinalizados com 

Melhor Filme: "Birdman
Gostei muuuitoooo!!! Um dos filmes mais criativos que já assisti. Todos os aspectos são milimetricamente calculados para criar um filme estranhamente extraordinário, surreal, sensacional, divertido, dramático e caoticamente bem construído!  

Melhor Diretor: Alejandro Gonzalez Iñárritu (Birdman)
Embora justíssimo foi a maior surpresa da noite, já que todos imaginavam que se Birdman tinha chances de ganhar, Richard Linklater ganharia o prêmio de direção como espécie de consolação. Quando Alejandro ganhou eu imaginei que a consolação era para ele ver seu filme derrotado... mas a Academia voou mais alto (e achei que colocar Lady Gaga por perto iria até render uma palhinha da música que você sabe qual é...).

Melhor Ator: Eddie Redmayne ("A teoria de tudo") 
Embora eu torcesse por Michael Keaton (mas ao final, ao perceber que houve justiça com outros atores sempre esquecidos, era de se esperar que algum fosse sacrificado). Eu sabia que a Academia não iria resistir à performance de Eddie Redmayne na pele do cientista mais fascinantes do século XX. Não chega a ser injusto, mas o discurso de Redmayne (somado à sua equivocada atuação no recente O Destino de Júpiter) demonstra que o moço ainda precisa amadurecer um bocado.  Depois de fazer justiça com outros atores sempre esquecidos, era de se esperar que algum fosse sacrificado)

Melhor Ator Coadjuvante: J.K. Simmons ("Whiplash") 
Parece que Simmons passou a vida inteira esperando esse papel para ganhar um prêmio. Embora sempre fosse competente (mesmo em papéis minúsculos como em Amor Sem Escalas), Simmons agarrou o papel do mestre carrasco com uma fúria fascinante e mereceu todos os prêmios. Sempre lembro quando seu personagem diz uma única frase ("você pensa que eu sou idiota?") e arrepia a plateia inteira. 

Melhor Atriz: Julianne Moore ("Para sempre Alice") 
Quem não torcia por ela? Depois de quatro indicações esnobadas (e tantas outras que nem vieram), Julianne tornou-se a atriz que já levou para a casa todos os grandes prêmios do cinema (Oscar, Globo de Ouro, Veneza, Cannes, Berlim, SAG...), o filme não é grande coisa e nós já vimos Julianne destrinchar personagens mais interessantes, mas foi muito merecido sua consagração na festa de ontem.

Melhor Atriz Coadjuvante: Patricia Arquette ("Boyhood") 
Patricia foi considerada uma das atrizes mais celebradas da década de 1990, depois o cinema perdeu o interesse por ela - e a ex-esposa de Nicolas Cage encontrou abrigo nas séries de TV. Redescoberta na melhor atuação da odisseia de 12 anos de Richard Linklater, Patricia ainda reivindicou melhores salários para as atrizes no discurso mais aplaudido da noite. 

Melhor Roteiro Original: Alejandro Gonzalez Iñárritu, Nicolás Giacobone et al. ("Birdman") 
Eu não tinha dúvidas de que isso aconteceria, principalmente pelos elementos fantásticos acoplados a vida do ator à beira do abismo por reconhecimento... e como escapar do abismo? Voando, oras! 

Melhor Roteiro Adaptado: Graham Moore ("O jogo da imitação") 
Não há dúvidas de que o grande trunfo do filme é o roteiro - e diante de todas as estatuetas que perderia, render honras a Graham Moore - depois de anos tentando vender um roteiro considerado inviável comercialmente. Moore ainda rendeu o discurso mais sincero da noite. "Be Freak"! A memória de Allan Turing agradece!
Melhor Filme em Língua Estrangeira: "Ida" (Polônia) 
Embora eu torcesse pelos hermanos argentinos, todo mundo  já imaginava que o Oscar não iria ignorar um filme que flerta com as mazelas do holocausto. A surpresa fica por conta do sucesso que o filme está fazendo no circuito de arte no Brasil. 

Melhor Documentário: "Citizen Four" 
Personagem badalado. Assunto badalado. Filme badalado! Tinha como errar ao abordar as polêmicas declarações de Edward Snowden?

Melhor Documentário em curta-metragem: "Crisis Hotline: Veterans Press 1" 
O filme sobre o programa de assistência telefônica aos veteranos de guerra agrada ao patriotismo da Academia. O pior foi a diretora ter o discurso cortado depois de declarar que seu filho havia se suicidado - a maior gafe do Oscar na noite. 

Melhor Animação: "Operação Big Hero" 
A junção Marvel + Disney parecia imbatível e realmente foi. Se Uma Aventura Lego estivesse no páreo, talvez o resultado fosse outro.

Melhor animação em curta-metragem: "Feast" 
Pixar + Disney 

Melhor curta-metragem em 'live-action': Phonecall
Realizado em 2013 e visto só recentemente,  curta estrelado por Sally Hawkins surpreendeu quem apostava no favorito "Parvaneh". 

Melhor Fotografia: Birdman
Eu pensei que a Academia iria amarelar e escolher um trabalho mais tradicional, mas Emmanuel Lubezki merecia pelo seu trabalho sem luz artificial, câmera digital e ainda assim ocultar cortes de edição. Vale lembrar que ele ganhou na mesma categoria ano passado com seu trabalho em Gravidade

Melhor Edição: Whiplash
Pensei que a Academia iria sensibilizar-se com as milhas e milhas de imagens colhidas por doze anos e ainda assim, costurá-las de forma harmônica em Boyhood, mas o ganhador foi o meu favorito! A edição do filme é realmente estupenda, construindo um duelo crescente e constante.

Melhor Design de Produção: O grande Hotel Budapeste 
Essa era uma das maiores barbadas da noite. Curioso que só agora a Academia parece ter entendido a forma que Wes Anderson constrói seus filmes visualmente em torno dos personagens. 

Melhores Efeitos Visuais: Insterstelar 
Queria muito que Guardiões da Galáxia levasse esse prêmio, mas uma obra de Chris Nolan é sempre uma obra de Chris Nolan (e para não passar em branco, era o momento ideal). 

Melhor Figurino: O grande hotel Budapeste
Milena Canonero deve causar arrepios em seus concorrentes quando é indicada. Essa foi sua quarta estatueta, mas a primeira por uma de suas parcerias com Wes Anderson (essa foi a terceira vez que trabalharam juntos). 

Melhor Maquiagem e Cabelo: O grande hotel Budapeste
Não era o meu favorito, mas como reclamar de qualquer aspecto visual de um filme de Wes Anderson?  (Ainda mais com o que fizeram com a Tilda Swinton)

Melhor Trilha Sonora: O Grande Hotel Budapeste
Alexandre Desplat concorria com ele mesmo e levou seu primeiro Oscar depois de ser indicado outras seis vezes. 

Melhor Canção: "Glory" (Selma)
Aqui meu voto era para "Lost Stars", mas obviamente que a Academia iria limpar sua barra com as exclusões sofridas pelo filme de Ava Duvernay. Como dar o prêmio principal parecia impossível...

Melhor Edição de Som: Sniper Americano
Está de bom tamanho.

Melhor Mixagem de Som: Whiplash
Fico realmente feliz como um filme essencialmente indie chega ao Oscar e ganha mais prêmios do que se imaginava! O filme de Damien Chazelle levou três estatuetas para a casa e rendeu algumas das melhores surpresas da noite nas categorias técnicas.

TOTAL DE ACERTOS: 14 (em 24 categorias - voltei ao fiasco de 2012!) 

PLACAR OSCAR
Birdman - 4
O Grande Hotel Budapeste - 4
Whiplash - 3
A Teoria de Tudo - 1
O Jogo da Imitação - 1
Boyhood - 1
Sniper Americano - 1
Insterestelar - 1
Selma - 1

domingo, 22 de fevereiro de 2015

APOSTAS PARA O OSCAR 2015


Hoje à noite é a entrega do Oscar, o maior prêmio do cinema americano e sempre um retrato do que passa na cabeça da indústria americana. Parece que depois de anos sem muita criatividade, Hollywood investiu em produções mais ousadas e o resultado é o auge da temporada de prêmios sem um favorito distante de seus concorrentes. Especialistas dizem que apesar de Birdman ser o favorito, Boyhood perdeu fôlego mas ainda está em alta. Se houver uma divisão maciça de votos entre os dois candidatos, O Grande Hotel Budapeste e Whiplash seriam os mais prováveis ganhadores! Esse clima gera expectativas e prováveis surpresas. A 87ª edição do prêmio será transmitida pela TNT a partir das oito e meia, mas a premiação  mesmo começa às 23h. Quem não tem TV por assinatura terá que se contentar com a transmissão atrasada da Globo que ficou para depois daquela bosteira do Big Brother Brasil.  A seguir minhas apostas para a noite de hoje (o que não significa que todos sejam meus favoritos):

Melhor Filme
Melhor Diretor
Richard Linklater ("Boyhood") 

Melhor Ator
Eddie Redmayne ("A teoria de tudo")

Melhor Ator Coadjuvante
JK Simons ("Whiplash") 

Melhor Atriz
Julianne Moore ("Para sempre Alice")

Melhor Atriz Coadjuvante
Patricia Arquette ("Boyhood")

Melhor Roteiro Original
Alejandro G. Iñárritu, Nicolás Giacobone et al. ("Birdman")

Melhor Roteiro Adaptado
Graham Moore ("O jogo da imitação") 

Melhor Filme em Língua Estrangeira
"Ida" (Polônia)

Melhor Documentário
"Citizen Four"

Melhor Documentário em curta-metragem
"Crisis Hotline: Veterans Press 1"

Melhor Animação
"Operação Big Hero"

Melhor animação em curta-metragem
"Feast"

Melhor curta-metragem em 'live-action'
"Parvaneh"

Melhor Fotografia
Robert Yeoman ("O grande hotel Budapeste")

Melhor Edição
Sandra Adair ("Boyhood")

Melhor Design de Produção

Melhores Efeitos Visuais

Melhor Figurino
Milena Canonero ("O grande hotel Budapeste")

Melhor Maquiagem e Cabelo

Melhor Trilha Sonora
Jóhann Jóhannsson ("A teoria de tudo")

Melhor Canção
"Lost Stars" ("Mesmo se Nada Der Certo")

Melhor Edição de Som

Melhor Mixagem de Som


Os indicados nas categorias de melhor ator, melhor atriz, melhor atriz coadjuvante, melhor ator coadjuvante e direção formaram o tema da capa desse mês no blog. Você pode conferir o nome de todos eles clicando aqui antes de fazer as suas apostas! Amanhã divulgarei os ganhadores com meus comentários sobre cada categoria (além de conferir os meus acertos, sempre comprometidos pelo meu gosto pessoal).


INDICADOS AO OSCAR 2015: Melhor Filme

Indicado em nove categorias (concorre ainda aos prêmios de direção, ator/Michael Keaton, ator coadjuvante/Edward Norton, atriz coadjuvante/Emma Stone, roteiro original, fotografia, mixagem de som e edição de som), o filme de Alejandro González Iñárritu ganhou fôlego de favorito na reta final do Oscar - e pode surpreender quem o achou estranho demais ao contar a saga do ator que deseja ser reconhecido pelo seu talento depois de anos esquecido. A tensão em espiral funciona do início ao fim num dos filmes mais criativos dos últimos anos. 

O filme de Richard Linklater é do tipo que assim que você escuta falar dele, imagina que ele iria estar entre os indicados ao Oscar da categoria, afinal o diretor acompanha o crescimento do seu personagem filmando seus atores por doze anos! Crescendo diante da tela, personagens e atores compõe uma narrativa sutil sobre a passagem do tempo. O longa também está no páreo de direção, atriz coadjuvante/Patrícia Arquette, ator coadjuvante/Ethan Hawke, roteiro original e edição num total de seis categorias. 

O risco de rachar os votos entre os dois candidatos anteriores faz com que o filme de Wes Anderson tenha chances concretas de ganhar na categoria. A história das desventuras do concierge de um luxuoso Hotel na Europa antes da II Guerra Mundial é conduzida com o tom peculiar do diretor numa atmosfera única de visual impressionante. Lançado em março nos EUA o filme continuou na memória do público, dos críticos e dos votantes do Oscar que lhe renderam nove indicações: filme, diretor, roteiro original, fotografia, edição, design de produção, figurino, maquiagem e trilha sonora). Só faltou a indicação de Ralph Fiennes para melhor ator!

O filme já foi considerado um dos favoritos ao Oscar depois que ganhou do prêmio no Festival de Toronto, mas perdeu fôlego na reta final. O filme conta a história do matemático Alan Turing, que decifrou o código de guerra nazista durante a Segunda Guerra Mundial (criando uma máquina que é considerada como o primeiro computador). O filme tem fortes chances nas categorias de roteiro adaptado e eu também não estranharia se Benedict Cumberbatch levasse a de melhor ator (num páreo acirrado com Michael Keaton e Eddie Redmayne). O filme ainda concorre nas categorias de direção (Morten Tyldum), atriz coadjuvante (Keira Knightley), edição, design de produção e trilha sonora. 

Apesar de considerarem o Oscar "mais branco" dos últimos anos, parte da história sobre a luta pelos direitos civis dos afro-americanos americanos se faz presente na cerimonia com o filme dirigido por Ava Duvernay. O filme sobre a luta de Martin Luther King e seus seguidores é retratada com cenas impactantes e dilemas que servem para destacar a importância do líder pacifista na história mundial - além de mostrar um pouco do homem por trás do mito. A marcha pelo voto entre as cidades de Selma e Montgomery em meio ao racismo latente do Alabama gerou um belo filme - que teve problemas sérios de distribuição e concorre só em duas categorias: Filme e canção original. 

A ala mais conservadora e patriótica da Academia deve votar no novo filme de Clint Eastwood que conta a história do atirador de elite do exército americano que, em suas ações no Oriente Médio, foi responsável por mais de duzentas mortes (o filme lhe atribui umas cento e vinte). O filme também aborda sua fama de "herói" e suas dificuldades em voltar a ter uma vida normal ao lado da família. O destaque fica com Bradley Cooper que desbancou atores mais cotados e cravou sua terceira indicação seguida ao Oscar. O filme ainda concorre ao prêmio de roteiro adaptado, edição, mixagem de som e edição de som. 

A vida do casal formado pelo cientista Stephen Hawking e a esposa Jane Hawking rendeu um filme belamente romanceado sobre a história de como eles conduziram a vida diante da doença degenerativa sofrida por ele (até que conflitos inevitáveis começaram a aparecer). O diretor James Marsh evita polêmicas e entrega um filme bem feito para cair no gosto das plateias. Além de concorrer na categoria principal, o longa ainda tornou Eddie Redmayne o favorito na categoria de ator. Felicity Jones também foi lembrada na categoria de melhor atriz e o filme também tem chances nas outras duas categorias a que concorre: roteiro adaptado e trilha sonora. 

Nem os mais otimistas imaginavam que o filme modesto (filmado em vinte dias) e sucesso em Sundance conseguiria tantos elogios e cinco indicações ao Oscar. A história sobre o tempestuoso relacionamento de um promissor baterista com seu mestre temperamental deve dar o prêmio de ator coadjuvante para o veterano J.K. Simmons (na pele de um dos maiores carrascos do cinema). O longa de Damien Chazelle ainda concorre nas categorias de roteiro, edição e mixagem de som - e há quem acredite que é o quarto mais possível ganhador da categoria (o que seria uma bela surpresa)!

OS ESQUECIDOS: 
O ANO MAIS VIOLENTO ficou totalmente fora do Oscar, ainda que colhesse elogios e estivesse presente na maioria das listas de melhores do ano. O visual que remete aos grandes filmes da década de 1970, direção precisa de J.C. Chandor e ótimas atuações de Oscar Isaac e Jessica Chastain não foram suficientes para o filme receber uma indicação sequer.  Por outro lado, FOXCATCHER é o candidato mais óbvio que ficou de fora da categoria, mas pelo menos concorre em outras cinco (direção, ator/Steve Carrell, ator coadjuvante/ Mark Ruffalo, roteiro original e maquiagem). Acho que ninguém reclamaria se os dois se juntassem à lista de indicados no total de dez candidatos que sempre fica desfalcada pelo novo critério de pontos adotado pela Academia. 

Na Tela: Selma

David (ao centro): marchando pelos direitos civis. 

O maior mérito de Selma, longa metragem dirigido por Ava Duvernay, é o seu não contentamento em ser uma cinebiografia do ícone Martin Luther King. É triste que ainda exista uma tensão racial gigantesca no sul dos Estados Unidos e no período em que ocorreu a luta pelos direitos civis a situação ainda era pior por ser legitimada pelo governo, que com sua postura de ficar em cima do muro presenciava massacres movidos pelo preconceito como se nada estivesse acontecendo. Em 1965 uma minoria da população negra americana tinha direito a voto - e a reivindicação por um processo mais justo para tornar-se eleitor era visto como uma grande ameaça pelos governantes locais, especialmente no estado do Alabama. O filme conta as tentativas de realizar a histórica marcha da cidade se Selma para Montgomery pelo direito de votar. A ideia era que ao longo daquela dezena de quilômetros, as pessoas se sensibilizassem com a população negra de uma terra que já alardeava a democracia como seu bem mais precioso (no entanto, essa democracia era bem demarcada pela população branca). Num cenário pouco amistoso, o pastor Martin Luther King Jr (uma ótima atuação de David Oyelowo) organiza a marcha em Selma, mas enfrenta problemas com o governador Geroge Wallace (Tim Roth) em suas tentativas de conter as intenções de King e seus seguidores. A situação não é melhor com o presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson) com diálogos que nunca avançam e sua postura de esquivar-se de uma situação insustentável. A narrativa pontua as ações de Martin como se formassem um dossiê sobre sua postura (sendo público e notório como J. Edgar Hoover o considerava uma grande ameaça para o país), ao mesmo tempo que retrata manifestações pacíficas que eram tratadas com brutal violência pela polícia por comprometer o status quo. Selma carrega nas tintas de um embate de violências simbólicas que culminam em agressões físicas para manter o que está instituído, mas sem perder de vista os personagens que tem em mãos. Portanto, existem cenas emocionantes que nem precisavam da câmera lenta e da trilha sonora para comover a plateia, as situações falam por si só. Assim,  não interessa se Oprah Winfrey (que também assina a produção ao lado de Brad Pitt) tem um papel pequeno, mas desenvolvido com muita emoção ou se o desconhecido Oyelowo incorpora o mito e o homem que se esconde por trás dele, um dos maiores méritos do filme é conseguir humanizar os personagens que viveram num período complicado sem cair no excesso. Bem produzido (embora pudesse ter uns quinze minutos a menos), o filme levantou algumas polêmicas sobre o retrato de situações que nunca aconteceram - e que podem ter comprometido sua campanha para o Oscar (que lhe atribuiu apenas duas indicações: Melhor Filme e Canção Original), no entanto, a essência de sua mensagem está ilesa, afinal, é sempre bom lembrar que os direitos conquistados não foram gentilezas de governantes, mas fruto de lutas alimentadas com sangue, suor e lágrimas de pessoas que fizeram a diferença, mesmo que soubessem que não viveriam para ver toda a mudança que desejavam. 

Selma (EUA-2014) de Ava Duvernay com David Oyelowo, Carmem Ejogo, Oprah Winfrey, Tim Roth, Tom Wilkinson, Giovani Ribisi e André Holland. ☻☻☻

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Na Tela: Sniper Americano

Cooper: a dura tarefa de se sobrepor aos clichês patrióticos. 

Concorrendo a seis Oscars na cerimonia desse ano, Sniper Americano se beneficiou um bocado do patriotismo dos membros da Academia. Dirigido por Clint Eastwood - que do excepcional Cartas de Iwo Jima/2006 não atiçava tanta simpatia dos acadêmicos (houve até indicações para os seus atores em A Troca/2008 e Invictus/2009, mas o mérito era mais das notoriedades de Anjelina Jolie, Morgan Freeman e Matt Damon) - o filme tem aquelas cenas que parecem feitas para cair somente no gosto do público americano... e funcionou por lá! Afinal, o filme é o mais rentável entre os oito filmes que concorrem na categoria de Melhor Filme lançado em 2014. O filme conta a história de Chris Kyle, famoso sniper (traduzindo: atirador de elite) do exército americano, responsável por mais de 200 mortes em suas ações no Oriente Médio (mas o filme credita a ele pouco mais de 120). Kyle era um texano que ganhava a vida como cowboy, antes de entrar para as forças armadas aos 36 anos. No exército descobriu um dom que o tornaria um verdadeiro herói nos tempos pós-11 de setembro: a pontaria. Bradley Cooper (em ótimo desempenho, que lhe valeu a terceira indicação seguida ao Oscar) consegue dimensionar com precisão os dilemas do personagem, do rapaz descolado, ele se torna cada vez mais introspectivo diante do que faz e observa na guerra. Cooper, imprime uma tensão crescente no personagem, para o desespero de sua esposa (Sienna Miller) que presencia o distanciamento cada vez maior da vida comum que tinham. Se no campo de batalha ele é chamado de herói, na vida domiciliar, ele mal consegue segurar um bebê no colo ou conversar com a esposa. Existe uma tendência do filme a mitificar Chris Kyle, mas o ator é o responsável por estabelecer um equilíbrio entre o homem e o mito, demonstrando seu desconforto com o papel a que lhe foi atribuído entre os colegas - visível no constrangimento quando é reconhecido como um herói, afinal, seu trabalho é matar, independente do fato de ser em nome da pátria (e nessa tarefa não importa se são homens, mulheres ou crianças: se representa uma ameaça, sua função é matar). A direção de Eastwood tenta não tomar partido, mas não consegue, afinal, o roteiro encadeia combates sem maiores explicações, como se tudo girasse em torno da caça aos terroristas (e nem vou entrar no mérito de que o "maior inimigo" de Chris, o sniper iraquiano Mustafa (Sammy Sheik) é apresentado como uma caricatura risível), sem entrar em maiores explicações. Some isso a frases como "os EUA são o melhor país do mundo" que é melhor o se concentrar em momentos como o irmão de Chris, Jeff (Keir O'Donnell) mandando o patriotismo às favas ao ser convocado para a guerra, ou nos momentos em que Chris torce para não ter que apertar o gatilho. Sniper Americano não acrescenta muito aos filmes de guerra, não se tornará um clássico do gênero, tem uma cena de ação realmente marcante (o combate em meio à uma tempestade de areia) e alguns momentos de tensão, no entanto, a dimensão humana da história quase se perde. O maior mérito do filme fica por conta do protagonista em sua árdua tarefa de apresentar os tormentos de seu personagem quando torna-se cada vez mais introspectivo. 

Sniper Americano (American Sniper/EUA-2014) de Clint Eastwood com Bradley Cooper, Sienna Miller, Sammy Sheik, Ben Reed e Keir O'Donnell. ☻☻

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Combo: Um Homem Só

Tornou-se uma espécie de febre os filmes que investem num único ator em cena. Lembro aqui de alguns filmes mais interessantes com esse formato, lembrando que não é uma "ousadia" tão recente assim (o primeiro que vi foi em 1988, chamava-se O Telefone e era dirigido por Rip Torn e estrelado por Whoopi Goldberg). Vale lembrar que desclassifiquei alguns concorrentes por não deixar seus atores sozinhos em cena em tempo integral, por isso ficaram de fora Gravidade / 2013 (pela presença de George Clooney), Náufrago/2000 (por conta de Helen Hunt e outros atores na parte inicial do filme), Lunar /2009 (pelas várias versões de Sam Rockwell, pela voz de Kevin Spacey e as cenas de vídeo familiares), 127 Horas/2009 (pelos coadjuvantes de James Franco) e alguns outros... assim, os cinco mais solitários foram:

05 - Locke (2014) O filme de Steve Knight tem fãs fervorosos que clamaram uma indicação ao Oscar para Tom Hardy por sua interpretação do gerente de construção que dirige pela cidade enquanto precisa tomar algumas das decisões mais importantes de sua vida. Através de um celular ele conversa com a amante que dará a luz a um filho dele, discute a relação com a esposa, despista o filho e ainda chama a atenção de um funcionário com tendências alcóolicas - e isso sem provocar nenhum acidente! O filme ficou fora das premiações, mas prova que o inglês Hardy tem fôlego de sobra para carregar um filme nas costas. 

04 Enterrado Vivo (2010) Imaginar um filme com Ryan Reynolds em cena sozinho dentro de um caixote parece um programa de índio, por isso mesmo, muita gente se surpreendeu com o dinamismo desse filme. Sucesso de público e crítica desde sua exibição em Sundance, o filme mostra a angústia de Paul Conroy, um caminhoneiro americano a serviço no Iraque que é sequestrado e feito refém dentro de um caixote. Com alguns poucos objetos em cena (incluindo um celular, sempre ele) o personagem tenta salvar a pele enquanto novos desafios aparecem. Porém, o passar do tempo deixou claro que o maior talento em cena não era o de Ryan, mas do cineasta espanhol Rodrigo Cortés. 

03 The Secret Honor (1984) Esse filme pouco lembrado de Robert Altman é um criativo monólogo inspirado na crise do caso Watergate e as reflexões (fictícias) do presidente Richard Nixon diante disso. Sozinho em cena, Phillip Baker Hall demonstra bastante energia defendendo seu papel diante da câmera. Frases elaboradas (cortesia da peça de Donald Freed e Arnold M. Stone) e movimentos de câmera demonstram que um bom ator pode até fazer o filme ficar interessante, mas um bom diretor ajuda muito! Curioso lembrar que Altman é famoso por criar filmes com dezenas de personagens e aqui lida com somente um ator em cena. 

02 Até o Fim (2013) O cineasta J. C. Chandor provou que merecia ainda mais atenção ao colocar o veterano Robert Redford como o personagem que sai para velejar e acaba tendo de lidar com um acidente. Redford (indicado ao Globo de Ouro) surpreende num papel extremamente físico, de pouquíssimas falas e dominando o filme do início ao fim. Chandor cria um filme espetacular, mas foi lembrado somente na categoria de edição de som (sua única indicação ao prêmio). Até o Fim tornou-se cult e merece ser mais lembrado do que o filme anterior do cineasta, Margin Call (que rendeu a J. uma indicação ao Oscar de roteiro original). 

01 Yaadein (1964) Quem acha que esse tipo de filme é uma novidade, ficará surpreso quando descobrir esse aqui! Considerado uma obra-prima do cinema indiano, o filme é dirigido, escrito e atuado por Sunil Dutt. O filme parte da ideia de um homem que chega em casa e percebe que a esposa e o filho não estão mais lá. Diante da ameaça de ter que viver só, ele se rende às reflexões de suas indiscrições passadas numa catarse cênica de 113 minutos (o filme pode ser encontrado aqui). Para aliviar a solidão do ator, diretor, autor e solitário artista, somente a sombra de sua esposa (Nargis Dutt) aparece na última cena. 

Na Tela: Livre

Reese: reencontrando seu caminho. 

Esse ano me dei ao luxo de conferir o maior número de indicados ao Oscar até o dia da cerimonia. Livre de Jean-Marc Vallée está em cartaz há mais de um mês no Brasil, mas o conferi só recentemente. Não sei se é por conta de uma antipatia recente sobre os filmes centrados especificamente em um ator em cena a maior parte do tempo (que parece ter uma luz piscante dizendo: "OSCAR! OSCAR!") ou uma ideia inconsciente de que filmes sobre gente em contato com a natureza costuma me deixar entediado a maior parte do tempo. O fato é que demorei para investir meu tempo nessa empreitada de Reese Witherspoon ao lado do diretor do premiado Clube de Compras Dallas/2013. A vida não andava boa para Reese desde que ganhou o Oscar de atriz como a esposa de Jonhy Cash em Johny & June (2005). De lá para cá ela se separou do ator Ryan Phillipe, teve problemas com álcool, sofreu um dos atropelamentos mais estranhos da história... e no trabalho as coisas não estavam melhores. Desde sua premiação teve dois filmes de sucesso (a comédia natalina Surpresas do Amor/2008 e Monstros e Alienígenas/2009 no qual fazia a voz da grandalhona Ginormica), mas nada que de relevante para quem tem um Oscar na estante. Hollywood parecia querer transformá-la em apenas uma loura (basta ver o que ela faz nos intragáveis Como você Sabe?/2010 e Guerra é Guerra/2012). Olhando assim, seus trabalhos eram mais interessantes antes de ganhar a cobiçada estatueta. Seria Reese mais uma vítima da maldição do Oscar que afetou Halle Berry, Jessica Lange e Mira Sorvino? Voltando os olhos para o início de sua carreira nos filmes independentes, Reese reencontrou seu caminho nos últimos anos em filmes de orçamentos modestos - mas de ideias consistentes para suas atuações em  Sem Evidências (2012), Amor Bandido (2012) e o recente Vício Inerente (2014). Essa longa introdução serve para demonstrar o que atraiu Witherspoon na jornada de Cheryl Strayed, que resolveu fazer a trilha pela costa do Pacífico para colocar sua vida sob nova perspectiva. Enquanto caminhava, com fome, sede e um pé maltratado por botas apertadas, Cheryl queria esquecer o fracasso do seu casamento, anos de sexo promíscuo, o vício em heroína e a morte da mãe vítima de câncer. Durante toda a jornada, Cheryl repete para si mesma que ao final voltará a ser a mulher que sua mãe esperava. É verdade que durante o caminho, Chreyl encontra outros desafios, de homens ameaçadores, água escassa, calor, frio, cobras, neve... tendo muitos momentos para pensar na vida e poucos de diversão, são essas experiências (misturadas às memórias em flashback da personagem) que torna sua jornada bastante intimista. No entanto, sua história não me envolveu. Não sei se não percebi, ou se de fato o roteiro nunca explica muito bem qual é a grande angústia da personagem para se impor aquela peregrinação toda. Com exceção da morte da mãe (vivida pela sempre competente Laura Dern, indicada ao Oscar de coadjuvante), todos os outros problemas de Cheryl poderiam ser revolvidos se ela caísse em si a qualquer momento em qualquer lugar. Percebo que existe uma dificuldade para dimensionar as motivações da personagem, mais isso não prejudica em nada a atuação de Reese (indicada ao Oscar de melhor atriz). A atriz se sai bem no desafio de imprimir veracidade às diferentes fases de Cheryl. Talvez a intenção de Vallée é demonstrar que, ao final da cansativa jornada (para Cheryl e para o espectador), a personagem perdoa a si mesma pelos tropeços que cometeu, mas até lá percebe que andar centenas de quilômetros por vários dias não afasta seus fantasmas, pelo contrário, os deixam ainda mais presentes e necessários para sua sobrevivência. 

Livre (Wild/EUA-2014) de Jean-Marc Vallée com Reese Witherspoon, Laura Dern, Thomas Sadoski, Kevin Rankin e Gabby Hoffman. ☻☻