quarta-feira, 17 de abril de 2024

PL►Y: Suzume

Suzume: por trás dos terremotos japoneses.
 
O anime japonês Suzume de Makoto Shinkai teve uma torcida absurda para cravar uma indicação ao Oscar de melhor animação em 2023. Embora fosse um dos mais premiados do gênero daquele ano e conquistado uma indicação ao Globo de Ouro de animação, o filme acabou ficando de fora das cinco vagas na disputa. Os fãs ficaram indignados, mas a ausência entre os indicados não diminui em nada os méritos do filme que agora pode ser visto na Netflix. Shinkai é um dos nomes mais interessantes das animações japonesas, ele estreou em 2004 com O Lugar Prometido de Nossa Juventude, mas começou a chamar atenção com Viagem para Agartha (2011) e ganhou fama com Seu Nome (2016). Se todo cuidado com estética visual de suas histórias já chamava atenção, aqui ela atinge seu auge. Em Suzume o detalhamento dos traços e o uso das cores é realizado de forma a cair o queixo do espectador, mas o diretor não deixa de lado os momentos de ação e o bom humor que se faz muito presente durante todo o filme. Suzume é uma menina de 17 anos que conhece um  rapaz misterioso. Ela não faz ideia que ele é guardião de portais que quando abertos podem provocar grande destruição em nosso mundo. Acontece que ela acaba atrapalhando a missão do mocinho e passa o resto do filme tentando consertar a confusão que desencadeou. Acho que é o tipo de filme que se contar mais do que isso perde a graça por estragar as surpresas que o filme reserva. Basta dizer que no meio da relação entre os portais e os terremotos (estes fenômenos naturais que sempre assombram o Japão) existe ainda um gato falante e uma cadeira "viva" de três pernas que servirá de companhia para a protagonista. Existem muitos elementos de fantasia e aventura em Suzume, mas o que prende mesmo a atenção é como o roteiro consegue entrelaçar a realidade dos espaços abandonados por conta dos terremotos com elementos de fantasia ao longo de toda a história. Além disso, a forma como a história da própria Suzume se mistura com estas ocasiões cria um suporte emocional bastante eficiente ao longo da trama. O filme tem um visual deslumbrante, cenas de tirar o fôlego e demonstra como Shinkai está disposto a se tornar uma referência do gênero. Recentemente em entrevistas, o cineasta disse o quanto se incomoda ao sempre ser comparado com o mestre Hayao Miazaki, assistindo Suzume as referências são visíveis, mas Shinkai demonstra talento para ter voz própria faz tempo.
 
Suzume (Japão/2022) de Makoto Shinkai com vozes de Nanoka Hara, Houto Matsumara, Eri Fukatsu, Sairi Itô e Kotone Hanase.

domingo, 14 de abril de 2024

PL►Y: Viver

Bill: pensando sobre a vida que resta.

Bill Nighy é um rosto bastante conhecido dos cinéfilos. Com 74 anos de vida e mais de quatro décadas de carreira, o ator inglês já participou de inúmeras produções para teatro, cinema e televisão. Apesar de ser mais conhecido por seus trabalhos em comédias, Bill tem uma cota de personagens sérios respeitáveis, mas que o Oscar parecia não dava muita bola até que em 2022 ele atuou neste filme de Oliver Hermanus. Viver conta a história de Sr. Rodney Williams (Nighy), burocrata de Londres que chefia um grupo de funcionários que são responsáveis por obras na cidade. Sisudo e fleumático, Williams não é muito aberto a intimidades com seus colegas e parece aquele tipo de pessoa que passou todo o tempo agarrado em seus compromissos - enquanto a vida passava junto aos ponteiros do relógio sem que ele se desse conta. Sua rotina rígida é quebrada quando ele descobre que possui câncer e alguns meses de vida. Naquele momento ele percebe que a vida não poderia ser só aquilo que fez até ali e deseja fazer algo diferente no tempo que lhe resta. O roteiro segue então pelo caminho mais óbvio, que é inserir o personagem por noitadas, com mulheres, bebidas e gastos que não caberiam na vida de um sujeito tão regrado. A diferença é que mesmo nesses momentos, Sr. Williams não parece encontrar satisfação, deixando que algo mais se revele em momentos mais intimistas, como aquele em que toma coragem para bancar um projeto que há muito tempo é barrado no trabalho ou nos momentos em que passa a se encontrar com uma jovem colega de trabalho, a senhorita Margaret Harris (Aimee Lou Wood), momentos em que a suspeita de um romance tardio ganha menos espaço do que a sensação de tempo perdido ao longo da vida. São nos detalhes que a atuação de Bill Nighy se revela merecedora de espaço entre os indicados ao Oscar de melhor ator de 2023, seu trabalho é sutil, preciso e consegue transparecer a sensação de quem está no fim da vida e não há muito mais o que se fazer além de aproveitar o tempo que resta. O filme só me parece curto demais para dar conta das nuances do personagem junto aos outros que o cerca, isso acontece tanto com Margaret quanto com o novato Peter (Alex Sharp), que parece ser o dono do olhar sobre o protagonista oferecido pela produção. Viver é na verdade uma adaptação da adaptação, já que é baseado em Ikiru (1952) de Akira Korosawa que é pautado pela obra A Morte de Ivan Ilich de Tolstói. O texto aqui ficou por conta do romancista Kazuo Ishiguro, que é craque em sutilezas e transporta o dilema do protagonista num encaixe perfeito para a realidade britânica. Mesmo que você não a considere uma produção empolgante, Viver deixará a sensação de uma reflexão sobre a forma que encaramos a vida ao indagar se entre nosso compromissos cotidianos estamos realmente a viver.

Viver (Living / Reino Unido - Japão - Suécia / 2022) de Oliver Hermanus com Bill Nighy, Alex Sharp, Aimee Lou Wood, Michael Cochrane, Zoe Boyle, Hubert Burton e Oliver Chris. 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

4EVER: Eleanor Coppola

04 de maio de 1936 12 de abril de 2024
 
Eleanor Jessie Neil nasceu em Los Angeles na Califórnia, filha de um cartunista que faleceu quando ela tinha apenas dez anos de idade. A mãe, Delphine, ficou então responsável por criar os três filhos sozinha. Eleanor se formou como design na UCLA e quando trabalhava em um set de filmagem no início dos anos 1960, conheceu o futuro esposo, Francis Ford Coppola, com quem se casou em 1963 e teve três filhos, Cian Carlo, Roman e Sophia. Eleanor dirigiu apenas seis filmes ao longo de sua carreira, mas era presença constante nas produções do clã mais cinematográfico de Hollywood. Foi seu olhar sobre as filmagens que renderam seu aclamado filme de estreia, "O Apocalipse de um Cineasta" (1991), o marcante documentário sobre o estafante processo de filmagem da obra-prima "Apocalipse Now" (1979), que quase levou Francis Ford Coppola à loucura. Em 2016, Eleanor dirigiu seu primeiro longa de ficção (Paris Não pode Esperar) e em 2020 lançou Todas as Formas de Amor, que se tornou sua última obra. A cineasta faleceu em sua residência e a causa da morte não foi divulgada. 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

FESTIVAL DE CANNES 2024

Motel Destino: filme brasileiro disputa a Palma de Ouro.
 
Depois de ver o ganhador da Palma de Ouro e do Grande Prêmio do Júri, respectivamente Anatomia de Uma Queda e Zona de Interesse, chegarem com força no Oscar2024, o Festival de Cannes confirma cada vez mais sua influência no que será pauta no universo cinematográfico nos próximos meses. Não faltam obras aguardadas de diretores renomados que atiçam a curiosidade do público. Vários queridos do Festival estão de volta, com direito até a um filme brasileiro de Karim Aïnouz entre os concorrentes à Palma de Ouro. Karim tem uma relação muito próxima com o Festival, já que foi lá que exibiu pela primeira vez seu longa de estreia, Madame Satã (2002) e desde então participou outras quatro vezes do Festival, em uma delas foi premiado na mostra Un Certain Regard com A Vida Invisível (2019). A seguir todos os filmes confirmados no Festival que acontecerá entre os dias 14 e 25 de maio:
 
    Filme de Abertura
    The Second Act (Quentin Dupieux)
 
    Competição
    All We Imagine as Light (Payal Kapadia)
    Anora (Sean Baker)
    Bird (Andrea Arnold)
   Feng Liu Yi Dai (Jia Zhang-Ke)
    Emilia Perez (Jacques Audiard)
    Grand Tour (Miguel Gomes)
    Kinds of Kindness (Yorgos Lanthimos)
    L’Amour Ouf (Gilles Lellouche)
    Limonov: The Ballad (Kirill Serebrennikov)
    Marcello Mio (Christophe Honore)
    Megalopolis (Francis Ford Coppola)
    Motel Destino (Karim Ainouz)
    Oh Canada (Paul Schrader)
    Parthenope (Paolo Sorrentino)
    The Apprentice (Ali Abbasi)
    The Girl With the Needle (Magnus von Horn)
    The Shrouds (David Cronenberg)
    The Substance (Coralie Fargeat)
Diamant Brut (Agathe Riedinger)
 
   Um Certain Regard
    Armand (Halfdan Ullman Tondel)
Gou Zhen (Guan Hu)
Les Damnes (Roberto Minervini)
    L’Histoire de Souleymane (Boris Lojkine)
    Le Royaume (Julien Colonna)
Boku No Ohisama (Hiroshi Okuyama)
    Norah (Tawfik Alzaidi)
    On Becoming a Guinea Fowl (Rungano Nyoni)
    Santosh (Sandhya Suri)
    September Says (Ariane Labed)
    The Shameless (Konstantin Bojanov)
    Viet and Nam (Truong Minh Quy)
    The Village Next to Paradise (Mo Harawe)
    Vingt Dieux! (Louise Courvoisier)
    Who Let the Dog Bite? (Laetitia Dosch)
 
Fora de Competição
    Furiosa: Uma Saga Mad Max (George Miller)
    Horizon: An American Saga (Kevin Costner)
    Rumours (Evan Johnson, Galen Johnson, Guy Maddin)
    She’s Got No Name (Chan Peter Ho-Sun)
 
Cannes Premiere
    C’est Pas Moi (Leos Carax)
    En Fanfare / The Matching Bang (Emmanuel Courcol)
    Everybody Loves Touda (Nabil Ayouch)
    Le Roman de Jim (Arnaud Larrieu, Jean-Marie Larrieu)
    Miséricorde (Alain Guiraudie)
    Rendez-Vous Avec Pol Pot (Rithy Panh)
 
Sessões da Meia-Noite
    I, the Executioner (Seung Wan Ryoo)
    Les Femmes au Balcon (Noemie Merlant)
    The Surfer (Lorcan Finnegan)   
 Twilight of the Warrior Walled In (Soi Cheang)

Exibições Especiais
    Apprendere (Claire Simon)
    Le Fil (Daniel Auteuil)
    Ernest Cole, Lost and Found (Raoul Peck)
    The Invasion (Sergei Loznitsa)
    La Belle de Gaza (Yolande Zauberman)

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Pódio: Andrew Scott

Bronze: o vilão doido.    

3º Sherlock (2010-2017) Nascido em Dublin na Irlanda em 1976, Andrew Scott começou a atuar no teatro até começar sua carreira no cinema em 1995. Apesar de ter participado de muitas produções para televisão e para a tela grande, o grande público parece ter reparado nele somente quando viveu o vilão Moriarty na cultuada série protagonizada por Benedict Cumberbatch que trazia os personagens de Arthur Conan Doyle para os dias atuais. Na pele do grande inimigo do detetive, o ator carrega nos exageros para criar um personagem estranho mas de inteligência inquestionável em suas armações contra o genial protagonista. Pelo papel ganhou o BAFTA de coadjuvante em 2012.

Prata: o grande enganador.   

Ripley (2024) Tive que resistir muito para não colocar o trabalho do ator na série da Netflix no lugar mais alto do pódio. Acho magnífica a forma como o ator desenvolve o personagem antológico de Patricia Highsmith nos detalhes de sua atuação. Um leve movimento de sobrancelha, um pequeno esboço de sorriso ou até mesmo aquele olhar fixo de quem está estudando seu interlocutor para saber exatamente o que deve ser feito e dito. É um trabalho tão bom que merece aparecer em outras temporadas que explorem as desventuras seguintes de Tom Ripley e sua escalada amoral de golpes, falsificações e enganações variadas. O moço merece todos os prêmios da temporada. Imperdível. 

Ouro: o padre gato.   
Fleabag (2016-2019) O famoso "padre gato" da série de Phoebe Waller-Bridge quase perdeu a medalha de ouro, mas acho que por um bom tempo, sempre que eu pensar em Andrew Scott, irei lembrar de vários de seus momentos espirituosos na pele do padre que se torna alvo dos desejos mais impróprios da protagonista. Mais do que um ótimo trabalho do ator, a série consegue aproveitar ao máximo a química entre Andrew e Phoebe e constrói uma dinâmica irresistível entre os dois personagens. O resultado: a segunda temporada recebeu muito mais atenção que a primeira e fez com que muita gente implorasse por uma terceira temporada que nunca foi prometida. O personagem lhe rendeu duas indicações ao SAG Awards.

NªTV: Ripley

Andrew: Tom Ripley de respeito.

Em 2024, o ator irlandês Andrew Scott esteve cotado para receber sua primeira indicação ao Oscar pelo filme indie Todos Nós Estranhos, mas apesar de ter colhido indicações ao Gotham Awards e ao Globo de Ouro, não foi dessa fez que o ator caiu nas graças da Academia. Na verdade, apesar de Andrew ter dezenas de papéis no cinema, a impressão é que Hollywood ainda não sabe o que fazer com ele. Será que é por conta do rapaz ter assumido sua homossexualidade em 2013? Se for por conta disso, Hollywood é que sai perdendo. Não apenas pelo preconceito, mas principalmente por perder a chance de ter um baita ator no alto dos créditos. A sorte é que enquanto o cinema não lhe dá a devida atenção, ele coleciona bons papeis na televisão. A última  grande conquista do ator foi ser escolhido para viver o antológico Tom Ripley na minissérie Ripley da Netflix (que se tudo der certo, deverá render novas temporadas. Oremos!). Tom é o personagem mais famoso da escritora Patricia Highsmith (1921-1995), que rendeu cinco obras cultuadas e que já foram levadas ao cinema algumas vezes, mas sem a configuração de uma franquia cinematográfica. O público deve lembrar da versão de O Talentoso Ripley (1999) de Anthony Minghella em que Matt Damon viveu o personagem, um filme que aprecio muito, mas sei que trai as origens de seu personagem amoral.  Nesta versão da Netflix. Ripley surge em sua essência, um americano que vive de pequenos golpes, mas que tem a grande chance de mudar de vida quando um milionário pede a ele que vá até a Itália convencer que o filho volte para casa. O filho em questão é Richard Greenleef (Johnny Flynn), o herdeiro que foi curtir a vida na Itália enquanto tenta se tornar um artista. No entanto, o que sobra de dinheiro para manter a vida de Richard, ou melhor, Dickie, falta em talento. Ele passa os dias ao lado da namorada Marge (Dakota Fanning) e não faz a mínima ideia de quem é aquele homem que diz conhecê-lo dos tempos de escola. Talvez não conheça mesmo, já que ambos habitam esferas totalmente diferentes. O fato é que enquanto Ripley convive com Richard, começa a desejar aquela vida, ou talvez mais, começa a desejar ser o próprio Dickie. Começa então uma sucessão de situações nem tão planejadas que mudarão a vida dos personagens para sempre, especialmente de Tom que se supera a cada passo para conseguir o que quer. Andrew Scott está estupendo na pele de um personagem desprovido de qualquer senso moral ou culpa, mas dotado de uma engenhosidade impressionante para mentir e enganar quem cruze o seu caminho. Mesmo quando tudo se complica, a impressão é que ele sempre saberá o que fazer para se safar. A adaptação da obra por Steven Zaillian se afasta o máximo possível da adaptação feita por Minghella e acerta ao utilizar o formato de minissérie para ser ainda mais meticulosa ao desbravar as entranhas do personagem. Colabora muito na construção da identidade da produção a magnífica fotografia em preto e branco, que pinta cada cena como um quadro de homenagem ao cinema noir. O jogo de luzes e sombras é impressionante, seja nas cenas internas ou externas, construindo de um espetáculo que merece se repetir em novas temporadas (por favor, Netflix!). Adoraria ver o personagem ser aproveitado com tamanho esmero à obra de Highsmith em novos episódios, além disso, ver Andrew arrasador em um personagem tão complexo é um deleite para os sentidos. Forte candidata à minha série favorita do ano. 

Ripley (EUA / 2024) de Steven Zailian com Andrew Scott, Johnny Flynn, Dakota Fanning, Kenneth Lonergan, Margherita Buy, Eliot Summer e Maurizio Lombardi.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Na Tela: O Homem dos Sonhos

Cage: o verdadeiro Freddy Krueger?
Paul Matthews (Nicolas Cage) é um professor de biologia em uma Universidade não muito famosa, mas Paul também não é. Embora planeje lançar um livro, ele é um daqueles sujeitos que ninguém nunca lembra direito e que não recebe muito crédito. Por isso mesmo, torna-se surpreendente que este homem comum comece a aparecer no sonho de um bando de gente. Pessoas que o conhecem e outras que não fazem a mínima ideia de quem ele seja. Casado com Janet (Julianne Nicholson) e pai de duas adolescentes, Sophie (Lily Bird) e Hannah (Jessica Clement), sua vida continuaria a ser muito tranquila se aos poucos o estranho acontecimento não chamasse a atenção da mídia. Vale dizer que mesmo nos sonhos, Paul não faz nada de especial, surge observando os acontecimentos ou apenas seguindo seu caminho. Mesmo que não tenha controle sobre isso, uma empresa chega a cogitar que ele pudesse fazer propaganda enquanto aparece no sonho dos outros, embora ninguém faça a mínima ideia de como executar uma coisa dessas. O maior problema é que após ganhar fama, Paul começa a mudar sua postura nos sonhos alheios, apresentando uma postura violenta e agressiva que faz com que as pessoas comecem a evitá-lo na vida real por conta dos pesadelos. Paul não entende o motivo de começar a ser repreendido pelo que as pessoas sonham e revoltado com o que acontece, as coisas só pioram. O Homem dos Sonhos é uma deliciosa sandice nascida da mente do norueguês Kristoffer Borgli que já havia chamado atenção com outra sandice, Doente de Mim Mesma (2022). Embora os filmes abordem uma sociedade fascinada por "famosos", Paul é o total oposto da desvairada personagem do filme anterior e a trama segue pelo caminho contrário,  construindo uma analogia muito interessante sobre a cultura do cancelamento, especialmente com base nas interpretações que o imaginário social constrói sobre alguém (troque sonhos por redes sociais, ou vice-versa, e fica ainda mais interessante). Borgli é um sujeito esperto e sabe equilibrar o humor bizarro de sua trama com a dose certa de dramaticidade da fantasia que constrói. Da mesma forma, sabe transitar entre sonhos e pesadelos com uma desenvoltura invejável, em determinados momentos até flerta com o terror (sem perder de vista a ideia de que Paul poderia ser o Freddy Krueger da vida real). Conforme todo mundo entra em crise, Paul segue pelo mesmo caminho e o papel cai como uma luva (com ou sem laminas cortantes) em Nicolas Cage (indicado ao Globo de Ouro de melhor ator de comédia pelo papel) que tem aqui mais um trabalho interessante em sua nova fase. Ainda que o filme tenha um final aquém do esperado, o longa bem que merecia uma indicação ao Oscar de roteiro original (difícil engolir que Maestro merecia mais), mas algo me diz que em breve a criatividade de Kristoffer Borgli chamará atenção dos votantes da Academia, ou estou sonhando demais?

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario / EUA -2023) de Kristoffer Borgli com Nicolas Cage, Julianne Nicholson, Dylan Baker, Marc Coppola, Sophie Matthews, Jessica Clement, Tim Meadows, Paula Boudreau, Kaleb Horn e Michael Cera.