domingo, 31 de dezembro de 2017

MELHORES DO CINEMA - 2017

Para me despedir de 2017 escolhi os meus favoritos do ano que termina. Foi um bom ano para o cinema, com vários filmes interessantes e que deram o que falar por vários motivos... Lembrando que utilizo como critério os filmes que entraram em cartaz entre o final de dezembro de 2016 e o final de 2017,  os meus melhores do ano foram: 

 ELENC✪ 
Num ano de interpretações marcantes, foi o elenco de Moonlight que mais ficou na minha memória. Misturando artistas conhecidos com novatos, o diretor Barry Jenkins conseguiu interpretações inesquecíveis de todos nos três tempos que compõem a narrativa. A sintonia entre os atores foi muito importante na história do menino que cresce à procura do amor num mundo agressivo, de cores fortes, mas com toques de inacreditável poesia. Boas interpretações fizeram a diferença também em Blade Runner2049, Manchester à Beira-Mar,  Estrelas Além do Tempo,  Okja, e Um Homem Chamado Ove

REVELAÇÃ✪ DO ANO
Quem o assiste Lewis MacDougall como o melancólico menino que faz amizade com um monstro em Sete Minutos Depois da Meia-Noite pensa que é um veterano em corpo de menino! Espero que o menino apareça em muitos filmes daqui para a frente. 2017 foi um ano cheio de novos talentos interessantes, da complexidade introspectiva de Harris Dickinson (Ratos de Praia), a estreia no cinema da (também cantora) Janelle Monáe (que fez sucesso com Estrelas Além do Tempo e Moonlight), a simpatia de Alex Sharp (ótimo em O Mínimo para Viver e está no novo filme de John Cameron Mitchell, Como Falar com Garotas em Festas) , a versatilidade da francesa Doria Tillier (que avança por décadas em Monsieur e Madame Adelman) e a presença imponente de Trevante Rhodes (fechando muito bem o último ato de Moonlight).

ATRIZ C✪ADJUVANTE
Faz tempo que acompanho a carreira de Naomie Harris, mas confesso que a atriz inglesa nunca chegou a me empolgar em cena. Ela sempre me parecia abaixo das expectativas, mas o que ela faz em Moonlight é coisa de outro mundo! Dando conta de ser a única atriz que aparece nas três fases distintas da história, ela constrói uma personagem com princípio, meio e fim (?)  e em cada momento ressalta uma emoção diferente num trabalho brilhante diante da câmera. Simplesmente sensacional! Outros trabalhos que curti no ano foram da maternal Felicity Jones (Sete Minutos Depois da Meia-Noite), Naomie Ackie (como o lado mais frágil nos jogos de poder de Lady Macbeth), Kirsten Dunst (roubando a cena em O Estranho que Amamos), a pouco conhecida Hayley Squires (Eu, Daniel Blake) e a diva Viola Davis (Um Limite Entre Nós).

AT✪R COADJUVANTE
Sei que ele não aparecerá nas grandes premiações, mas dificilmente quem assistiu Una esquece do trabalho magistral deste australiano que ainda é pouco conhecido. Ben Mandelsohn caiu no meu radar com Reino Animal/2010 e apareceu nesta mesma categoria tempos atrás. Desde então ele apareceu em várias produções do cinema americano. O fato é que Mendelsohn neste ano deu conta de um papel complicadíssimo, conseguindo ser sedutor, doentio, covarde e monstruoso. Vale a pena vê-lo devorar um personagem perigoso com um apetite fascinante. Lhe fazem companhia entre os melhores atores coajuvantes do ano dois atores do tenso Animais Noturnos (Michael Shannon e Jake Gyllenhaal), dois talentos de Moonlight (André Holland e Mahershala Ali), além de Alex Brendemühl que rouba a cena do galã de Um Instante de Amor

ROTEIR
Um roteiro é a alma de um filme. Um bom diretor pode até fazer um bom filme com um roteiro que não é lá grandes coisas, mas para estragar um filme com roteiro bem escrito exige um esforço descomunal! Moonlight é o meu texto favorito do ano. Adaptado de uma peça para a telona (com grande sensibilidade por Barry Jenkins) o roteiro é um verdadeiro primor! Outros trabalhos interessantes foram vistos na lapidação literária de Manchester à Beira-Mar, no tom de fantasia real de Okja, o estilo inconfundível de Mulheres do Século XX, na trajetória de Um Homem Chamado Ove e o corajoso  resgate do universo devidamente ampliado de Blade Runner 2049

MELHOR AT✪R
M. Night Shyamalan ressurgiu com o sucesso de Fragmentado, um suspense calcado principalmente num personagem com 23 personalidades. Não são muitos que dariam conta de um desafio deste tamanho como o escocês James McAvoy. Elogiado por seu trabalho com as nove identidades que aparecem no filme (as outras devem aparecer na continuação), o ator deve ser esquecido nas premiações novamente. Entre os favoritos do ano, Casey Affleck totalmente contido em  Manchester à Beira-Mar, Joel Edgerton que fez bonito em Loving, Ryan Gosling por Blade Runner 2049 e Peter Sarsgaard (outro constantemente esquecido) como o psicólogo social de O Experimento de Milgram. Quem está cotado para as premiações que se aproximam é (quem diria!) Robert Pattinson, que cresceu e apareceu em Bom Comportamento, numa atuação exemplar!

MELH✪R ATRIZ
Felizes são aqueles que já viram a atriz Ruth Negga em outros papéis. Acostumada a crescer em papéis que não lhe ofereciam muito para fazer, Ruth apresentou uma das atuações mais elogiadas do ano em Loving. Vivendo Mildred Loving no filme de Jeff Nichols, ela brilha em cada cena - e, por vezes, nem precisa fazer muito para comover como parte do casal perseguido por desobedecerem a lei que proibia casamentos inter-raciais na Virgínia na década de 1960. Outras atuações memoráveis do ano ficaram por conta de Jennifer Lawrence no controverso Mãe!, Marion Cotillard nos devaneios românticos de Um Instante de Amor, a ótima Taraji P. Henson na NASA de Estrelas Além do Tempo, Rebecca Hall como a repórter suicida Christine Chubbuck e... dá para acreditar que Florence Pugh de Lady Macbeth tem apenas 21 anos? Com dois filmes no currículo e tamanha intensidade, esta garota vai longe...

DIRET✪R
O canadense Denis Villeneuve provou ser um diretor de coragem ao realizar a sequência de Blade Runner 2049. A ideia tinha tudo para dar errado, mas o diretor sabia exatamente o que queria fazer para ampliar e enriquecer ainda mais o universo apresentado anteriormente no filme de 1982. Com imagens belíssimas, novos conflitos, efeitos especiais, trilha sonora perfeita e ritmo contemplativo o filme não fez o sucesso esperado, mas se tornou um marco na ficção científica. Não fosse por ele, Barry Jenkins seria o meu escolhido do ano pelo belíssimo trabalho em Moonlight. Outros que se destacaram por seus trabalhos foram Darren Aronofsky pelas alegorias tão amadas quanto odiadas de Mãe!, David Lockery pela atmosfera única de A Ghost Story, Joon-Ho Bong que fez de Okja um filme tão fofo quanto assustador e o estreante William Oldroyd que surpreende com a direção de Lady Macbeth (e nos deixa curiosos sobre o que fará nos próximos anos). 

FILME DO AN
Lembro quando vi Blade Runner 2049 no cinema e me perguntaram o que eu achei...  não hesitei em dizer que era o melhor que eu tinha visto no ano! Vi o filme novamente uma semana depois e gostei mais ainda. Para quem é fã do clássico de Ridley Scott lançado em 1982 calcado na obra de Phillip K. Dick. A tardia continuação se torna ainda melhor ao honrar a obra original e ampliar tudo o que vimos no filme anterior. 2049 traz algumas das melhores cenas que vi no cinema nos últimos anos e nem importa que não fez a bilheteria que esperavam (nem o primeiro filme fez e se tornou um clássico cult com o tempo)! Os outros nove já foram citados anteriormente aqui no blog anteriormente. Como esquecer o ritmo de Baby Driver, a fantasia de Sete Minutos Depois da Meia-Noite, a poesia áspera de Moonlight, o humor negro de Um Homem Chamado Ove, o amor incompreendido de Loving, as emoções ambivalente de Okja, o estilo de Mulheres do Século XX, a economia precisa de Lady Macbeth ou as reflexões de O Experimento de Milgram. em tempos tão estranhos? Estes foram os dez filmes que fizeram a diferença no meu ano cinematográfico de 2017. E quais foram os seus?

Feliz Ano Novo!
Que 2018 traga bons filmes para todos nós! 

sábado, 30 de dezembro de 2017

PL►Y: Bright

Edgerton, Fry e Smith: policial no mundo da magia. 

Não sei se já havia uma relação, mas no Festival de Cannes deste ano, quando houve toda uma grande polêmica de filmes da Netflix concorrerem ao prêmio máximo do Festival, Will Smith defendeu a empresa de streaming na privilegiada posição no júri do Festival. Não deixa de ser interessante que o filme mais badalado deste fim de ano da Netflix seja protagonizada pelo próprio astro - que foi incansável na divulgação do longa, inclusive no Brasil. O filme também marca a nova parceria do ator com o diretor David Ayer, que o dirigiu no espinafrado Esquadrão Suicida (2016). Tão logo Bright ficou disponível choveram críticas ao filme que o consideravam um novo desastre - não era para tanto. Nesta semana foi divulgado que o filme foi visto por mais de onze milhões de pessoas nos três primeiros dias de exibição, o que o torna um verdadeiro blockbuster. O sucesso de público e o fracasso de crítica são compreensíveis, já que mais uma vez Ayer demonstra ser um diretor de grande criatividade visual (vale lembrar que Esquadrão levou para a casa o Oscar de maquiagem e penteados) e aqui não faz feio quando precisa construir um mundo onde seres humanos convivem com seres mágicos. Entre Orcs, elfos e fadas, Will Smith vive o policial Daryl Ward. Ele ainda não se acostumou com seu novo parceiro, o orc Nick Jackoby (Joel Edgerton dando conta de ser carismático debaixo de uma máscara complicada). Jackoby é o único orc do departamento e costuma ser vítima de preconceito, especialmente depois que, por deslize, deixou seu parceiro ser baleado por outro orc. No início o filme se ocupa de apresentar este mundo híbrido e suas tensões (e dá conta já nos créditos iniciais de fazer o serviço), tornando fácil simpatizar com Jackoby dentro da hierarquia que se percebe entre as espécies que compõem o filme (e não é por acaso que existe um policial negro num mundo onde os orcs são vítimas de preconceito), não por acaso, Nick é o personagem mais bem explorado na trama. A coisa começa a desandar quando um estranho incidente revela que uma elfo (Lucy Fry) roubou uma varinha mágica para evitar que uma gangue (conhecida como inferni) evoque o senhor das trevas para reinar sobre a Terra. Basta aparecer a varinha na história que o andamento do filme se torna pura perseguição até o desfecho - e toda a criação daquele universo fica parecido com tantos filmes policiais que já vimos anteriormente. Bright não chega é um desastre, mas seu universo criativo prometia tantas surpresas que existe um sabor de decepção nos rumos que o roteiro segue. Porém, vemos que Ayer consegue manter a coerência de sua trama de fantasia, sem ter as ideias picotadas por um grande estúdio. Ainda que esteja longe de ser genial como prometia, a obra funciona como filme de ação com maquiagem e efeitos especiais bem realizados. Os fãs do gênero que procuram apenas um passatempo não devem reclamar, mas acho que até eles gostariam que o filme prezasse sua originalidade do início ao fim. 

Bright (EUA-2017) de David Ayer com Will Smith, Joel Edgerton, Lucy Fry, Noomi Rapace, Édgar Ramírez. ☻☻

HIGH FI✌E: Dezembro

Cinco filmes assistidos no mês de dezembro que merecem destaque:

☻☻☻☻

☻☻☻☻

☻☻☻☻

☻☻☻☻

☻☻☻☻

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Na Tela: Corpo e Alma

Endre e Mária: fantasia romântica.

Corpo e Alma saiu do Festival de Berlim deste ano com quatro prêmios, entre eles o mais cobiçado de todos, o Urso de Ouro dedicado ao melhor filme. O prêmio credenciou o longa a ser escolhido para disputar uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar do ano que vem. A história gira em torno de dois personagens que trabalham num abatedouro de gado. Endre (Morcsányi Géza) é o diretor financeiro e não parece ter muito amigos. Reservado e com um braço paralisado, ele tenta manter a rotina do local sem grandes mudanças até a chegada de Mária (Alexandra Bórbely), jovem que acaba de ocupar o cargo de inspetora de qualidade - função que executa com um rigor que provoca estranhamento nos outros funcionários. Endre até tenta se aproximar de Mária, mas ela demonstra ser ainda mais arredia que ele, sem demonstrar expressões e emoções. Enquanto o cotidiano do abatedouro é mostrado (com direito a cenas bastante explícitas sobre o corte do gado - que deixa os mais sensíveis incomodados) existem cenas de dois cervos na floresta que aparecem toda hora. Somente quando acontece um roubo no local de trabalho, o roteiro demonstra que aqueles simpáticos animais na floresta não estavam ali somente para ressaltar a crueldade de uma sociedade carnívora. Endre e Mária irão descobrir uma ligação curiosa entre eles, o que irá motivar um vínculo entre o casal e o surgimento de um romance que precisa sobreviver às dificuldades que ambos encontram para se envolver. Quem não está acostumado a filmes do Leste Europeu vão estranhar o ritmo lento, o roteiro que parece disperso e até o humor que soa involuntário em alguns momentos, mas são estas características que tornam o filme da diretora Ildikó Enyedi uma fantasia romântica interessante, que funciona se você superar toda estranheza que fazem parte de sua proposta. No entanto, existem alguns momentos que poderiam ter sido evitados (a cena da banheira parece um tanto gratuita), alguns personagens coadjuvantes também poderiam ser mais explorados dentro das possibilidades que o filme aponta, mas não se empolga a seguir. Ainda assim, Corpo e Alma é um filme diferente que demonstra como a criatividade pode dar um toque especial a uma história de amor. 

Corpo e Alma (Teströl és lélekröl/Hungria - 2017) de Ildikó Enyedi com Morcsányi Géza, Alexandra Bórbely, Zoltán Schneider, Júlia Nyakó e Tamás Jordán. ☻☻☻

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

N@ Capa: Oito favoritos

2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016...

Todo fim de ano eu costumo escolher os filmes que mais gostei, para depois eleger o meu favorito - assim como as interpretações que foram meus destaques no ano. Em 2017 resolvi lembrar dos filmes que já escolhi como os favoritos anteriormente, tomei a liberdade de ressaltar o meu destaque em 2009, ano em que tive o meu blog anterior (o Verborrage). Naquele ano eu fiquei fascinado na forma como Entre os Muros da Escola se afastava de um filme motivacional sobre professores e alunos  para investir numa linguagem quase documental com atores não profissionais. O resultado impressionava pelo realismo e em nada parecia amador. A minha interpretação masculina favorita daquele ano foi em outro filme francês, Vincent Cassell por Inimigo Púbico nº 1. Naquele ano minha atriz favorita foi Kate Winslet por sua dolorosa atuação em Foi Apenas um Sonho, filme em que também escolhi Michael Shannon foi o meu ator coadjuvante favorito por seu trabalho como o vizinho do casal protagonista. A atriz coadjuvante que ficou no meu coração foi Taraji P. Henson, que estava sensacional como a mãe de O Curioso Caso de Benajamin ButtonNo ano seguinte comecei a escrever no Diáriw Cinéfilo e minhas escolhas seguintes foram...







quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

PL►Y:Ela Perdeu o Controle

Brooke e Marc: a solidão é um abismo. 

Criada pelo casal de sexólogos americanos William Master e Virgínia Johnson na transição dos anos 1960 para os anos 1970, a "terapia sexual substituta" preconizava um tratamento exclusivamente sexual, onde o terapeuta profissional "treina" o paciente a ter momentos de intimidade na prática. Ainda que seja pouco utilizada nos dias de hoje, este tipo de terapia ainda existe e desperta curiosidade e estanhamento quando é abordada. Helen Hunt interpretou este tipo de profissional quando atuou em As Sessões (2012), onde sua personagem atendia um homem virgem de 38 anos que tinha o corpo paralisado do pescoço para baixo. O cuidado e a sensibilidade na abordagem valeu à atriz uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante em 2013. No ano seguinte, um filme independente resolveu retomar a questão de forma mais densa. She's Lost Control conta a história de Ronah (Brooke Bloom), que prepara sua dissertação de mestrado em psicologia comportamentalista enquanto trabalha como "terapeuta sexual substituta". Ronah trabalha em parceria com um terapeuta que lhe indica pacientes que encontram problemas para lidar com momentos de intimidade. O excelente roteiro (da também diretora Anja Marquardt) é um primor de economia ao lidar com o cotidiano da personagem, que tem seus próprios dilemas apresentados aos poucos. Atualmente acompanhando três pacientes em estágios diferentes é a situação de Johnny (Marc Menchaca) que mais lhe instiga, afinal, sempre que ela tenta maior proximidade com o rapaz, ele se afasta. Johnny demonstra ser o mais problemático desde a fuga de contato visual até a evitar o contato físico. Johnny parece ter construído uma fortaleza para que ninguém seja capaz de entrar em sua armadura emocional. Ou será que o personagem faz tudo isso para que não saia algo assustador de dentro dele? Assim, o filme explora vários lados do relacionamento deste paciente com a terapeuta, além da própria terapeuta com seu ofício. As ótimas atuações de Brooke e Marc revelam que a complexidade dos personagens está para além dos diálogos, já que Ronah demonstra ser tão solitária quanto seus pacientes e, mesmo com toda a objetividade e distanciamento do trabalho que realiza, nos perguntamos até que ponto aquele trabalho também não satisfaz suas necessidades afetivas. Pelo título (que parece saída de uma música do Joy Division) já dá para perceber que em alguns momentos, Ronah irá confundir um pouco o que há de sua vida pessoal com sua vida profissional. Por outro lado, Johnny em seu olhar "assustado e assustador" diz logo no primeiro encontro uma frase que pode passar desapercebida, mas que diz muito sobre o seu comportamento arredio - que sempre vive na tensão de não saber os limites entre o que é real ou parte da terapia que concordou em fazer. A tensão entre os dois torna o filme tão envolvente quanto assustador, principalmente por revelar o quanto a solidão é um abismo para os dois. Indicado aos prêmios de Melhor Roteiro e Filme de Estreia no Independent Spirit Awards, o filme foi exibido no Festival do Rio em 2014 e merece ser descoberto por tratar com maturidade um tema bastante delicado. 

Ela Perdeu o Controle (She's Lost Control/EUA-2014) de Anja Marquardt com Brooke Bloom, Marc Menchaca, Dennis Boutsikaris, Laila Robins, Topias Segal, Robert Longstreet e Roxanne Day. ☻☻☻☻

PL►Y: O Livro de Henry

Jaeden e Jacob: grandes talentos em um filme irregular. 

O diretor Colin Trevorrow ganhou fama no cinema independente com o elogiado Sem Segurança Nenhuma (2012), um filme sobre viagem no tempo que misturava ficção científica, comédia e drama. O filme de pequeno orçamento chamou tanta atenção que ele foi convidado para repaginar a franquia Jurassic Park com Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015). Com dois sucessos seguidos era de se esperar grande expectativa em torno de seu filme seguinte, O Livro de Henry. Logo que o filme estreou foi massacrado pela crítica pela narrativa em que o diretor volta a misturar diversos gêneros sem a mesma desenvoltura de antes. O Livro de Henry começa como uma comédia infanto-juvenil sobre dois irmãos, o gênio Henry (Jaeden Lieberher) e o caçula Peter (Jacob Tremblay) que são criados pela mãe solteira viciada em games, Susan (Naomi Watts). O início do filme se dedica a contar um pouco do cotidiano animado dos três personagens, tendo a amiga Sheila (Sarah Silverman) por perto e a vizinha Christina (Maddie Ziegler) como interesse amoroso de Henry. Entre o cotidiano na escola e aventuras inventadas pelos dois irmãos, Henry começa a desconfiar que Christina sofre abusos do padastro (Dean Norris), mas não consegue que providência alguma seja tomada. Quando você pensa que o filme será um manifesto contra a apatia regada pela frase "não é da nossa conta" que Henry escuta várias vezes, o pequeno apresenta um problema de saúde que muda o tom do filme drasticamente. O problema de O Livro de Henry é que falta sutileza na mudança dos atos preparados pelo roteiro, o que lhe confere uma atmosfera descaradamente manipuladora sobre o "legado" do menino. No segundo ato tudo é feito para comover e o filme se arrasta por longos minutos nesta intenção de apelo melodramático. Subitamente o filme muda novamente e se transforma num suspense onde existe um plano mirabolante a ser posto pela mãe dos meninos, que pode se tornar uma justiceira do dia para a noite - e o filme envereda uma discussão polêmica sobre o "cidadão de bem fazer justiça com as próprias mãos" sem muito aprofundamento. A impressão é que Trevorrow tinha tantas ideias na cabeça que perdeu o foco na hora de desenvolver todas elas em menos de duas horas de projeção. Neste pique, desperdiça o talento de Sarah Silverman (que some da história sem mais nem menos) e não sabe muito bem o que fazer com Lee Pace, que interpreta o médico que parece que vai e fica no meio do caminho com a personagem de Naomi Watts. Nesta mistureba, Colin Trevorrow conseguiu escalar bons atores para defender um roteiro pouco lapidado, mas ainda assim, conquistou alguns fãs que não se incomodaram com a narrativa irregular de uma trama cheia de boas intenções. 

O Livro de Henry (The Book of Henry/EUA-2017) de Colin Trevorrow com Jaden Lieberher, Naomi Watts, Jacob Tremblay, Sarah Silverman, Lee Pace e Dean Norris. ☻☻

domingo, 24 de dezembro de 2017

MELHORES DA TV - 2017

Em 2017 a produção de séries bateu um recorde, com aproximadamente, 500 programas do gênero sendo lançadas! Nesta leva me despedi de Girls (2012-2017), Halt and Catch Fire (2014-2017) e Orphan Black (2013-2017), não curti tanto como esperava a segunda temporada de Stranger Things (a campeã do ano passado), presenciei o nascimento de Deuses Americanos, surtei com Legião, vi Mr. Robot voltar aos trilhos em uma bela temporada e vi House of Cards cair em desgraça. Já me preparo psicologicamente para o fim de The Americans, Veep e o retorno de Westworld. Enfim, vamos aos meus favoritos do ano que chega ao seu final de temporada: 

 ✵ 
SÉRIE DE COMÉDIA
Pelo segundo ano consecutivo, Veep foi a série que mais me fez rir - o que foi uma surpresa já que eu não imaginava os caminhos que a série seguiria quando a vice-presidente Selina Meyer (Julia Louis-Dreyfus) saia da Casa Branca pela porta dos fundos (e com uma mão na frente e outra atrás), mas... os produtores provaram que para a vice mais que querida dos EUA não existem limites para passar vergonha! Duas novas séries chegaram no páreo: Glow e Dear White People, ambas com estilos bem diferentes do trivial e fazendo barulho com o humor mordaz. Duas veteranas Silicon Valley e Orange is The New Black também entregaram temporadas que deram repaginadas em seu andamento e ganharam destaque por aqui. 

 ✵ 
ATOR DE COMÉDIA
Eu não conhecia o trabalho de Marc Maron e fiquei impressionado com a sua desenvoltura como o criador da luta de mulheres em Glow, seu charme cafajeste desleixado incompreendido é um dos pontos altos da série composta por fortes presenças femininas - e ele não parece intimidado. Curiosamente, todos os seus companheiros de pódio vieram de programas da Netflix, sendo que Ansari já concorreu ano passado, Paul Rust aparece aqui pela primeira vez e Neil Patrick Harris também por sua personificação do estranho Conde Olaf. Vale lembrar que Titus Burgess ganhou tanto destaque que deixou de ser coadjuvante e ganhou mais destaque como protagonista ao lado de Unbreakable Kimmy Schmidt

 ✵ 
ATRIZ DE COMÉDIA
Acompanho o trabalho de Alison Brie desde que ela era uma das esposas exemplares de Mad Men. Depois ele provou que ficava mais a vontade fazendo palhaçadas em Community e depois de aparecer em alguns filmes ela finalmente ganhou o destaque que merecido como a atriz desempregada que se torna lutadora em Glow. Brie cria uma personagem cheia de nuances e que se torna uma delícia de acompanhar (especialmente quando entra no ringue). Acho que até Julia Louis-Dreyfus deu boas risadas com Alison durante o ano! Recém chegadas também são Betty Gilpin e Logan Browning vivendo personagens fortes em verdadeiras encruzilhadas emocionais. Se despedindo do pódio está Lena Dunhan que encerrou Girls num episódio final controverso, mas que era do jeito que ela queria. 

 ✵ 
ATOR COADJUVANTE
Se todos eram favoritos era hora de desempatar com algum critério: qual foi mais impressionante? Quem não teve arrepios com Cameron Britton como um dos prisioneiros mais assustadores dos Estados Unidos. Em Mindhunter o ator se transforma na pele do assassino Edmund Kemper - e sua presença é tão forte que ele aparece somente em três episódios e, mesmo assim, paira como um fantasma nos outros sete. Foi um trabalho exemplar que deve reaparecer na segunda temporada da série de David Fincher. Seu parceiro de elenco Holt McCallany, também merece ser lembrado, assim como Paul Bettany num papel que até poderia aparecer na mesma série, mas foi no pouco visto Manhunt: Unabomber. Eu também não poderia esquecer do crescimento de Andrew Ranells (especialmente do momento solo de Elijah) em Girls ou de Alfred Molina atiçando as divas em Feud

 ✵ 
ATRIZ COADJUVANTE
Sei que alguns vão dizer que Susan Sarandon é atriz principal de Feud, mas resolvi considerar que ela é coadjuvante. Afinal, existem episódios em que ela mal aparece e todo o foco é no olhar de Joan Crawford sobre sua rival Bette Davis. Além disso, o trabalho de Susan é tão magnífico que ela nem precisa ser a principal para chamar atenção, ela é mais do que antagonista da diva que tentava dar a volta por cima e tornou os bastidores de "O Que Teria Acontecido a Baby Jane?" num inferno que ecoaria por anos! Feud colocou Susan de volta em nossos corações, de onde nunca deveria ter saído. No mesmo programa a Jackie Hoffman também estava impecável como a impagável Mamacita! As outras favoritas foram Anna Torv (que não fez feio em Mindhunter), assim como Gillian Anderson - que  foi a atriz mais falada de Deuses Americanos vivendo a Deusa Mídia, além de Laura Dern  que completava as grandes atuações do ano em Big Little Lies na HBO. 

 ✵ 
ATOR DE DRAMA
Fiquei realmente impressionado com o trabalho de Jonathan Groff em Mindhunter como o jovem agente do FBI que busca a criação de perfis psicológicos de serial-killers - antes mesmo deste conceito ser construído. Eu lembrava daquele ator de algum lugar... nada mal para quem foi do elenco de Glee e Looking e embarcou num projeto totalmente diferente, menos festivo e mais assustador. Groff faz seu personagem crescer aos poucos e entre tropeços no ego e na vaidade, seu agente se torna ainda mais interessante. Matthew Rhys e Rami Malek são velhos conhecidos da categoria e deram as boas vindas aos gêmeos vividos por James Franco em The Deuce e ao sempre interessante Sherlock do britânico Benedict Cumberbatch. 

 ✵ 
ATRIZ DE DRAMA
Acho que nunca antes apareceram tantas atrizes oscarizadas nesta categoria. Ironicamente ganhou a mais experiente (seis indicações e duas estatuetas em casa). Jessica Lange pode estar meio esquecida da tela grande, mas encontrou na TV papéis fortes que a colocaram novamente sobre os holofotes. Em Feud: Bette and Joan ela personifica Joan Crawford como uma diva que entra em pânico sempre que percebe que pode ser esquecida. Em busca de reconhecimento ela resolve produzir um clássico do suspense e começa uma guerra de egos com Bette Davis. Lange está excelente no papel! Big Little Lies também fez bonito na TV tendo performances memoráveis de suas produtoras (Nicole e Reese) e recentemente uma segunda temporada foi anunciada. Keri Russell segue sua jornada como a espiã russa de The Americans que vai chegando ao final em 2018 e a novata Sarah Gadon também merece ser lembrada por sua exemplar performance em Alias Grace

 ✵ 
MELHOR SÉRIE DRAMÁTICA
Foi difícil escolher o meu programa favorito deste ano e por pouco Mindhunter não levou, mas sempre que penso que a treta entre Joan Crawford e Bette Davis chegou ao fim na produção de Rian Murphy eu sinto uma tristeza. Ancorado por atuações memoráveis de todo o seu elenco (especialmente de Jessica Lange e Susan Sarandon), Feud: Bette and Joan era mais do que a história de duas estrelas lutando para serem reconhecidas, tratava também da forma como o cinema percebe suas estrelas e como os estúdios a mídia pode alimentar intrigas (isso sem falar dos segredos de bastidores que contaminam até o Oscar). Para quem curte cinema, Feud foi um deleite ainda maior! Mas não poderia esquecer de Mr. Robot entregando uma ótima terceira temporada (e que continue assim), do aclamado Big Little Lies que fez tanto sucesso que a minissérie virou uma série de TV, além de DARK, a sensacional série alemã da Netflix que deu o que falar (além de um nó na cabeça de quem assistiu).

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Na Tela: Star Wars - Os Últimos Jedi

Rey e Luke: relação complicada. 

Quando Star Wars - O Despertar da Força/2015 terminava com Ray (Daisy Ridley) encontrando Luke Skywalker (Mark Hamill) todo mundo imaginava que o filme seguinte contaria o treinamento da personagem para aprimorar deus dons de Jedi, além de proporcionar o confronto de Luke com seu pupilo que debandou para o lado obscuro da força, Kylo Ren (Adam Driver). A expectativa do episódio XVIII foi construída sobre estes dois momentos na mente de milhares de fãs espalhados pelo mundo. No meio do processo, houve a saída de JJ Abrams da direção (o que me deixou preocupado) e a entrada de Rian Johnson em seu lugar. Johnson tem apenas uma ficção-científica no currículo (Looper/2012) e não me pareceu a melhor escolha para a empreitada. Em meio à produção o filme ainda sofreu com a morte de uma de suas peças mais preciosas, Carrie Fisher, sempre consagrada e confiante como a Princesa Leia Organa, que faleceu em dezembro do ano passado. Ou seja, é impossível para um fã ver Os Últimos Jedi sem levar para a sala de cinema todos estes fatores, ainda mais que um longa da saga não é apenas um filme, mas um verdadeiro acontecimento. Muita gente reclamou que o filme anterior apenas dava uma repaginada na trama da trilogia clássica, mesmo assim, o resultado devolveu a confiança de muita gente à série, que perdeu fôlego naquela trilogia horrorosa que George Lucas na virada do século. No entanto, Star Wars - Os Últimos Jedi demora muito para decolar. O problema todo parece estar no roteiro (do próprio Johnson), que enrola a maior parte do tempo, seja com a relação entre Rey e Luke (que está totalmente desiludido em ser um Jedi e segue por um caminho totalmente oposto do esperado), seja com o bombardeio aos rebeldes que passam a ser liderados por Almirante Holdo (Laura Dern) ou na nova aventura de Finn (John Boyega, ainda fora do tom) com sua nova amiga, Rose (Kelly Marie Tran). É verdade que o filme explora mais o piloto Poe (Oscar Isaac) e insere mais complexidade na personalidade de Kylo Ren, mas a maior parte do tempo, o filme parece caminhar em círculos. Os melhores momentos ficam por conta dos encontros entre Rey e Kylo, que mesmo assim, são poucos, no entanto, quando estão juntos demonstram que manter o foco nos dois teria rendido um filme muito mais interessante, já que representam o bem e o mal num flerte constante. Infelizmente Johnson não é Abrams. Ainda que crie muitas cenas de ação e empregue mais humor na história, o ritmo é arrastado em sua metade, tropeçando por mais de uma hora - num filme com duas horas e meia, a coisa fica complicada... a sorte é que os últimos quarenta e cinco minutos são de tirar o fôlego e compensam a enrolação.  Ao final, a sensação é que até Star Wars sucumbiu ao mal do filme do meio, já que o próximo episódio deve encerrar esta nova trilogia (e espero que em grande estilo). 

Star Wars - Os Últimos Jedi (Star Wars - The Last Jedi / EUA-2017) de Rian Johnson, com Daisy Ridley, Adam Driver, Carrie Fisher, Mark Hamill, Oscar Isaac, John Boyega, Andy Serkis, Dohmnall Gleeson e Gwendoline Christie. ☻☻☻

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Na Tela: Apenas um Garoto em Nova York

Kate e Callum: romance proibido. 

Lembro quando eu era adolescente e ganhei uma coletânea do Everything But The Girl e uma das músicas se chamava The Only Living Boy in New York e ao escutar pensei que parecia música de filme (pelo encarte descobri que se tratava de uma música de Simon & Garfunkel lançada em 1970). Quando vi que estava em cartaz um filme chamado Apenas um Garoto em Nova York, logo lembrei da música - que dá o título original do filme. Some isso aos atores interessantes que estão no elenco e a direção de Marc Webb e a vontade de assistir cresce... no entanto, eu deveria ter reparado quem assinava o roteiro - Allan Loeb (um sujeito que tem mais de vinte filmes no currículo e o melhorzinho é Quebrando a Banca/2008), mas vai que ele acertava a mão desta vez. Bem, fica para a próxima. O filme começa bem com a voz pitoresca de Jeff Bridges narrando suas amarguras sobre nossas expectativas sobre Nova York e histórias de amor, mas o protagonista da história é Thomas (Callum Turner), um rapaz filho de um casal (Pierce Brosnan e Cynthia Nixon) envolvido com o mundo das artes que ainda não sabe quer tomar na vida. Ele está apaixonado pela namorada de um amigo que vive fazendo turnê com sua banda de nome esquisito. Enquanto vive este impasse amoroso, Thom acha que seguir a carreira literária poderia ser interessante, principalmente depois que conhece seu vizinho escritor alcoólico W.F. Gerald (Jeff Bridges), que se torna seu confidente. A vida do rapaz segue sem muitas emoções até o dia em que descobre que seu pai está tendo um caso com uma mulher mais jovem (e lindíssima), a editora Johanna (Kate Beckinsale). Ele passa a seguir a moça até o inevitável enfrentamento, só que ele não imagina que Johanna está bem longe do perfil da amante interesseira que ele imagina. Desde o início sabemos no que vai dar o encontro dos dois e o novato Callum Turner até consegue inserir algum charme num personagem apático que tem lá seus dilemas para enfrentar, mas são os atores mais experientes que acabam roubando a cena, especialmente quando você percebe que a história principal do filme era outra - e estava escondida nos pequenos detalhes que são revelados aos poucos. No elenco, Brosnan e Bridges fazem personagens que já estão habituados. Beckinsale prova novamente que continua buscando papéis diferentes  dos que a tornaram conhecida, demonstrando que além de beldade ela é uma atriz de verdade (embora o botox atrapalhe na hora de chorar), mas é Cynthia Nixon que alcança aqui mais uma marca positiva para sua carreira pós-Sex & the City. Esqueça Sarah Jessica Parker, foi Cynthia que se tornou atriz de cinema respeitada após o cultuado seriado. No entanto, existe um grande problema no filme: após feita a grande revelação da história, o roteiro não sabe muito bem o que fazer com as consequências e tudo se resolve meio de qualquer jeito numa manjada passagem de tempo, assim, o texto acaba comprometendo o próprio trabalho do diretor Marc Webb, que preso ao tom amargo de uma história desengonçada, não consegue encontrar o tom e o ritmo certo da história, deixando tudo um pouco arrastado e irregular. Neste contexto, até a música que inspira o título soa um tanto mal aproveitada, tocando só um pedacinho numa cena nada memorável. 

Apenas um Garoto em Nova York (The Only Living Boy in New York) de Marc Webb com Callum Turner, Jeff Bridges, Kate Beckinsale e Kiersey Clemons. ☻☻

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Na Tela: Thelma

Eilie: A Carrie do Século XXI.

O norueguês Joaquim Trier tem 43 anos e quatro longas no currículo. Nos quatro ele privilegia acompanhar personagens jovens em seus dilemas realistas que nunca parecem repetitivos. Em Thelma, ele utiliza pela primeira vez elementos fantásticos em sua narrativa e, embora flerte com o sobrenatural, o uso deste recurso serve para enfatizar ainda mais os conflitos vividos por sua protagonista. Thelma é uma tímida jovem universitária que pela primeira vez se afasta dos olhares da família religiosa conservadora. Desde a cena inicial percebemos que há algo de diferente na relação da personagem com a família e aos poucos o belo roteiro do filme dá conta de explicar um pouco mais sobre esta relação. Entre pesadelos, pássaros que se chocam com vidraças e convulsões, a jovem revela ter poderes especiais que podem colocar em risco a si mesma e quem estiver ao seu redor -  especialmente uma colega que nutre um carinho especial por ela. Thelma tenta experimentar sensações que antes eram negadas, sempre em dúvida sobre o caminho que deve seguir e o que se passa com seu corpo. O filme avança em uma narrativa lenta, utilizando flashbacks para contar detalhes da infância da personagem e o resultado consegue ser sempre instigante. Se de início parece uma X-Men desgarrada dos filmes de super-herói, aos poucos a personagem se revela uma espécie de Carrie - A Estranha do Século XXI. As semelhanças da história de Trier com a contada por Brian dePalma (a partir da obra de Stephen King) não são poucas, mas troca o banho de sangue por um tom mais sutil e melancólico. Embora a atmosfera seja dramática, o diretor sabe exatamente como usar os enquadramentos, os sonhos elaborados e a trilha sonora para emular um suspense instantâneo num clima que, não raro, flerta com o terror. Existem construções visuais impressionantes no filme e a atriz Eilie Harboe dá conta de transmitir as angústias da personagem com um olhar ou gesto de forma bastante convincente, assim como os atores que interpretam seus pais. Para além do fantástico, o filme consegue ter um desenvolvimento mais do que satisfatório nos embates da personagem com o sagrado e o profano, o divino e o pecado, principalmente no que diz respeito à sua sexualidade. Embora narrativamente o filme seja envolvente, o problema de Thelma está praticamente em seu desfecho. Até chegar lá existe um trabalho meticuloso do diretor, mas resulta o final soa apressado, deixando de explorar plenamente as possibilidades de catarse que a personagem merece. 

Thelma (Noruega - Dinamarca - Suécia - França / 2017) de Joachim Trier com Eilie Harboe, Kaya Wilkins, Henrik Rafaelsen, Ellen Dorrit Petersen e Oskar Pask. ☻☻☻☻

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

10+ Favoritos do Ano

Passei o ano inteiro preparando a minha lista de filmes favoritos que chegaram no Brasil em 2017. A minha lista original tinha dezenove filmes, mas tive que sofrer um bocado para cortar alguns. O lado bom é que olho para os dez que aparecem aqui e vejo que são os que mais se comunicaram comigo. Vale lembrar que é uma lista subjetiva - e você também deve ter a sua. Não significa que filmes como A Criada, Dunkirk e Corra! ficaram de fora porque são ruins, mas, apenas porque curti um pouco mais esses dez. Sei que tem algumas surpresas (que provavelmente aparecerão somente na minha lista de favoritos), mas tem outros que não poderiam ficar de fora. Os filmes que levarei do ano que está chegando ao fim são os seguintes (em ordem alfabética): 

É preciso ter coragem para criar a continuação de um clássico mais de três décadas depois. Muita gente argumentou que o filme não foi tão bem nas bilheterias porque era lento demais, mas sinceramente, eu gosto dele do jeitinho que ele é (mas poderia durar umas cinco horas que eu não me incomodaria). Villeneuve cria um espetáculo visual que amplia completamente o clássico de Ridley Scott, enriquecendo sua mitologia e criando novos personagens que são autênticas continuações do filme original. Blade Runner 2017 traz algumas das cenas mais lindas que  já vi numa tela de cinema, criando momentos de pura magia - que fez até os fãs mais durões se emocionarem na sala escura.  Adoraria que o universo de Phillip K. Dick virasse uma trilogia, mas como o resultado não empolgou o estúdio, será difícil. No entanto, como nem o Blade Runner original fez sucesso de bilheteria no seu lançamento, só ganhando respeito ao longo do tempo... quem sabe quando eu tiver uns setenta anos a terceira parte chegue aos cinemas. 

Fui ver Bady Driver quase que por acaso, sem esperar muito dele. No início eu não via nada demais nesta nova empreitada de Edgar Wright, mas conforme a trama avançava, me envolvi cada vez mais com a história do motorista de assaltos que quer mudar de vida. Sem perceber você começa a repensar os coadjuvantes que se tornam cada vez mais interessantes (sem que você saiba muito sobre eles) e o melhor de tudo: você percebe que o filme tem o ritmo de sua trilha sonora. Ao longo da narrativa fica latente a genialidade do diretor em criar coreografias com perseguições de carros, tiros e diálogos. Além do apelo visual (e sonoro) irresistível existem ainda as piadinhas internas que crescem em sua mente após o término da sessão. Em Ritmo de Fuga se tornou a minha maior surpresa do ano e não poderia ficar de fora das minhas melhores experiências cinematográficas de 2017 - e já aguardo a sequência. 

Acho realmente fascinante como um filme econômico pode ser envolvente pelo trabalho do diretor conduzindo seus atores. Lady Macbeth é um filme aparentemente sem muitos recursos. Com locações quase todas dentro de uma casa, poucos atores em cena que fazem crescer uma tensão irresistível sobre a maldade humana - e do que ela se alimenta. Baseado na obra de Nicolai Leskov, o filme de William Oldroyd não tem efeitos especiais, monstros ou reviravoltas mirabolantes, mas conta com momentos de um vigor inacreditável. A atriz Florence Pugh merece desde já entrar nas listas de atuações favoritas do ano na pele da personagem que passa de mocinha infeliz ao posto de vilã diabólica. Regado por humilhações, rancores e desejos, Lady Macbeth torna-se uma obra arrepiante e um tanto desagradável de assistir, mas que você não consegue deixar de acompanhar, como se sofresse uma espécie de transe hipnótico - que permanece mesmo após o filme terminar. 

Sabe aquela lista de diretores que você não pode perder filme algum. Jeff Nichols está na minha lista desde que assisti O Abrigo (2011), sobre um homem que não sabe se é louco ou profeta do apocalipse. Desde então Nichols já fez filmes bem diferentes, sendo o último esta bela biografia do casal que dá nome ao filme. Richard e Mildred Loving se casaram nos anos 1960 no estado da Virgínia e fica difícil perceber como o matrimônio entre duas pessoas que se amam poderia ser um crime, mas havia uma lei no estado que proibia casamentos interraciais e... foram presos, perseguidos e tiveram que se afastar da cidade onde cresceram por viverem um amor fora da lei. Loving incomoda principalmente por nos lembrar que nem sempre a lei está do lado certo e em tempos onde o racismo quer se passar por uma "questão de opinião", o filme ganha ainda mais importância. Lembrado no Oscar somente na categoria de melhor atriz (a magnífica e pouco conhecida Ruth Negga), Loving não encontrou espaço nos cinemas brasileiros, mas merece ser descoberto. 

Por algum tempo Moonlight foi lembado como aquele filme da confusão do Oscar deste ano. Pareceu brincadeira que no ano em que todo mundo já dava como certo o anúncio de La La Land como o melhor filme do ano, Warren Beatty tenha trocado os cartões do anúncio e anunciado equivocadamente La La como melhor filme. Sorte que logo depois o equívoco foi reparado e ninguém entendeu muito o que aconteceu, mas não restava dúvidas de que Moonlight recebia um prêmio merecido. Feito com orçamento minúsculo e atores totalmente imersos em seus papéis, a história do menino negro que cresce num mundo violento em busca de afeto é de partir o coração. O melhor é que Jenkins conta uma história de traços fortíssimos com uma poesia que poucas vezes se viu numa tela. Tudo é tão comedido e sincero que até a forma como o desejo é inserido na história segue por um caminho não convencional. Moonlight despedaça nossa alma - e ainda agradecemos.  

O cinema de Mills é um dos mais peculiares de Hollywood. A forma como constrói suas narrativas não parecem muito comprometidas com convenções, além disso, insere pontos de sua própria história nos roteiros. Pouca gente vai assistir seus filmes no cinema, o que é uma pena. Se Toda Forma de Amor/2011 revisitava partes de sua história com o pai, Mulheres do Século XX é dedicado ao relacionamento do diretor com a mãe. Que outro filme interrompe a história principal para falar de seus coadjuvantes pontuando o período histórico em que nasceram? Qual filme alterna a narrativa entre as vozes de mãe e filho sem perder o tom? Além disso tem aqueles recortes que só Mills sabe fazer, a trilha sonora com Talkin Heads e diálogos inéditos que só poderiam sair da mente criativa do diretor/roteirista. Mulheres do Século XX fala do passado, do presente e do futuro e você mal percebe. 

Lançado no final de 2015 nos Estados Unidos, ignorado nas premiações e chegando por aqui somente este ano pela Netflix, o filme de Amereyda é uma dessas pérolas que se perdem no tempo e que merecem ser descobertas. O roteiro é uma construção interessantíssima em torno dos estudos do psicólogo Stanley Milgram que gerou muita polêmica com suas experiências comportamentalistas na década de 1960. Seu experimento mais famoso é o que dá corpo ao filme, demonstrando o que ele tinha de mais polêmico e fascinante dentro da psicologia social - além de motivar discussões sobre a ética em experimentos que perduram até hoje. Almereyda faz um filme que é uma delícia de acompanhar e prega peças no espectador tornando a obra ainda mais interessante, além disso tem uma atuação memorável de Peter Sarsgaard na pele do cientista - e acredite, ninguém consegue falar com a câmera como ele. Se você não assistiu, não perca tempo! Será um dos melhores filmes que verá neste ano. 

Incrível é imaginar como um filme tão querido gerou tanta polêmica antes da estreia só por concorrer  à Palma de Ouro do Festival de Cannes. O problema estava longe de ser a comovente jornada de uma menina para salvar seu porco gigante da indústria alimentícia, mas o fato do filme ter sido bancado pela Netflix e destinado ao serviço de streaming. Curiosamente, achei muito estranho o filme sofrer duras críticas antes que o vissem e ver a Netflix se tornar a vilã da história, quando legitimou a independência de um roteiro rejeitado por vários estúdios quando o cineasta coreano batia o pé para não atenuar a parte mais sombria de sua história. Debaixo de toda esta confusão, eu entendi que se todos os diretores resolverem recorrer à Netflix quando tem suas visões rejeitadas, os produtores terão uma grande dor de cabeça (tão grande quanto a de muitos carnívoros que cogitaram se tornar vegetarianos após cair de amores por Okja). 

O espanhol Bayona está se tornando especialista em conseguir atuações marcantes de atores mirins. Desta vez quem impressiona é Lewis MacDougall, jovem ator que tinha treze anos durante as filmagens e que demonstra uma intensidade emocional de dar inveja à muito marmanjo. A história do menino perseguido na escola e que tenta superar a tristeza de ver a mãe em uma guerra contra o câncer poderia ser apenas mais um melodrama, mas Bayona torna o filme em algo muito maior quando seu protagonista passa a ser visitado por uma árvore monstro que irá lhe contar algumas histórias estranhas e mudar o olhar do menino sobre o mundo. Embora tenha sido ignorado no Oscar (sabemos que existe um grande preconceito com fantasia entre os votantes da Academia), o filme recebeu 12 indicações ao Goya, sendo premiado em nove (incluindo diretor, mas perdeu a de melhor filme). O filme merece maior atenção do público e traz uma história interessante conduzida de uma forma extremamente emocional (e com uma das últimas cenas mais belas dos últimos tempos). 

Mesmo indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro pouca gente se interessou por esta comédia dramática sueca - e acredito que poucos irão lembrar dele na lista de melhores do ano.  O diretor Hannes Homme leva para as telas o romance de Fredrick Backman sobre o homem mal humorado que deseja cometer suicídio e sempre algo atrapalha. Aos poucos conhecemos um pouco mais de sua história e entendemos os motivos que o fazem perceber como o mundo é cada vez mais sem graça... até que uma série de acontecimentos transformam sua rotina em algo mais interessante. Um Homem Chamado Ove traz uma história simples defendida por ótimos atores e um roteiro amarradinho que cria um painel interessante sobre a relação da velha Europa com os dias atuais e seus imigrantes, homossexuais e pessoas com deficiência. Quem diria que a história sobre um vizinho rabugento seria uma ótima alegoria sobre o respeito às diferenças (e sem ser chato).