segunda-feira, 28 de março de 2011

DVD: Minhas Mães e Meu Pai


Minhas mães e meu pai: um olhar simpático sobre uma família moderna.

Num ano de comédias fracotas era mais do que previsível que Minhas Mães e Meu Pai de Lisa Cholodenko se tornasse a mais falada do ano. Tanto que desde que apareceu no festival de Cannes já mostrava fôlego de figurar em várias categorias nas premiações. Acabou que levou o Globo de Ouro de Comédia/Musical e o de melhor atriz de comédia/musical para Annete Benning, que ainda foi lembrada na categoria de Melhor Atriz do Oscar. Obviamente que não se trata de uma comédia rasgada, mas de um filme de humor sutil e que utiliza o humor para nos desarmar de qualquer resquício de preconceito, afinal, se existe uma mensagem no filme é de que as famílias são todas iguais, não interessa se são homos ou heteros. A médica Nic (Benning) e a paisagista Jules (Julianne Moore) são lésbicas e felizes, casadas há décadas e com dois filhos frutos de inseminação artificial. Joni (a sonolenta Mia Wasikowska) está em suas últimas semanas em casa antes de ir para a faculdade e Laser (o bom Josh Hutcherson) nutre cada vez mais a curiosidade de descobrir quem é o doador responsável por sua concepção. Assim, o casal de irmãos acaba se deparando com um dono de restaurante e plantador de alimentos orgânicos (Mark Rufallo, indicado ao Oscar de coadjuvante) e que para além de doador, alimenta seu lado paternal ao conhecer seus filhos biológicos. O roteiro de Cholodenko explora o impacto dessa figura nova num lar já estruturado, aparentemente feliz e de papéis bem demarcados, sendo assim, o filme abrange o interesse dos filhos, o interesse do pai, o ciúme de Nic, a atração inevitável do pai por Jules... Cholodenko explora levemente as nuances das relações que se desenham, aborda a crise instaurada na relação de um casal maduro, os problemas com a adolescência dos filhos e a sensação de que estes se distanciam cada vez mais de suas matricarcas - coisas que podem acontecer em todas as famílias.  A direção evita clichês (apesar de associarmos claramente a postura dominadora de Nic como masculina e a liberal de Jules como feminina, embora essas características estejam presentes em ambos os sexos) e opta por uma condução naturalista das atuações - que funciona melhor quando as relações entre os personagens se tornam mais complexos. Deve brotar daí a sinceridade que todos os atores empregam nas atuações, memso diante das situações curiosas propostas pelo roteiro (o filme pornô masculino, a conversa sobre a sexualidade de Laser, a conversa sobre "tal mãe tal filho", o fato de Nic não apoiar a carreira da esposa...). Annete conseguiu sua quarta indicação ao Oscar por uma atuação sutil em que escancara a humanidade de sua personagem entre qualidades e defeitos, Julianne Moore segue pelo mesmo caminho, mas de forma mais expansiva. As duas já mostraram suas competências em vários filmes e aqui alcançam mais um punhado de bons momentos. O mesmo se pode dizer de Rufallo que tem a tarefa espinhosa de ser o macho que ameaça um lar já estruturado. Talvez, simbolicamente, ele represente o homem heterossexual deste século que não sabe muito bem como deve ser ou agir (o cara não cuida nem do próprio jardim!) quando aparenta ser tão desnecessário para o sexo oposto, assim como Laser. A diferença é que enquanto um está nas incertezas da adolescência, o outro já passou dos 40 e permanece com a mesma inconstância em suas relações. Esse nó nas relações também aparece nas adolescentes femininas do filme, que refletem a sexualização de tudo ou de nada. Quem disse que realcionamentos e sexo era uma coisa simples? Indicado ao Oscar de filme, roteiro original, atriz (Benning) e ator coadjuvante (Rufallo) o filme ilustra bem (em sua alma independente) como as ideias valem mais do que efeitos especiais. 

Minhas Mães e Meu Pai (The Kids are Allright/EUA-2010) de Olga Cholodenko com Annete Benning, Julainne Moore, Mark Rufallo, Mia Wasikowska e Josh Hutcherson.   ☻☻☻

domingo, 27 de março de 2011

DVD: O Segredo dos Seus Olhos

Soledad e Darín: sobrevivendo a 25 anos de nada. 

Apesar de todos os elogios e prêmios de A Fita Branca e O Profeta, o Oscar de filme estrangeiro em 2010 foi para o argentino O Segredo dos Seus Olhos. Lembro que na época imaginei que os brasileiros poderiam aprender com os hermanos a escolher melhor seus concorrentes - mas depois que indicaram o filme do Lula cheguei à conclusão que os brasileiros não desistem nunca. O grande diferencial do filme de Juan Jose Campanella (antes indicado ao prêmio por O Filho da Noiva/2001) é que não tem medo de ser menos solene. Ricardo Darín interpreta Benjamin Espósito, um aposentado que trabalhou a vida toda num tribunal penal e agora tenta escrever o seu primeiro romance baseado nas lembranças de um caso que ainda o instiga. No ano de 1974 uma jovem professora é violentada e morta, e Espósito chega ao suspeito por conta de fotografias onde um determinado homem observava a vítima com cobiça. Essa suspeita que beira o surreal é o que guia parte da narrativa. A outra parte fica por conta do personagem querer ajustar contas com o seu próprio passado depois de "25 anos de nada". Campanella conduz o suspense com grande competência numa trama policial que flerta com os clássicos noir, mas é esperto o suficiente para ampliar a trama de seu filme para uma história de um homem que quer passar sua história a limpo. Nesta história ainda existem três outros personagens importantes. Uma é sua superior Irene (interpretada com maestria por Soledad Villamil), o amigo beberrão Sandoval (o ótimo Guillermo Francella) e o jovem viúvo (Pablo Rago) que se tornam construtores não apenas da jornada policial em que o filme mergulha como também das culpas e frustrações de Espósito. É impressionante como Campanella filma bem (talvez tenha aprimorado ainda mais sua técnica ao dirigir episódios de seriados americanos como Law & Order, onde um arco narrativo deve sustentar o outro até o fim da temporada). A cena de perseguição no estádio é brilhante, assim como a despedida na estação no trem e a cena da declaração de Irene ao final onde a pausa dramática é interrompida por um comentário inusitado (e por isso mesmo muito sincero). Além desses momentos ainda tem o final surpreendente - que deve ter contado muitos pontos entre os votantes da Academia que o consideraram o melhor filme em língua estrangeira de 2009. Realmente foi merecido. A fotografia do filme é belíssima, a reconstituição de época é competente, o roteiro tem uma construção minuciosa e a edição é um primor de coerência e ritmo. Além de todos esses predicados, o diretor contou com um elenco de primeira para defender um roteiro que poderia descambar facilmente para o sensacionalismo (já que a trama até arranha o espinhoso passado político da Argentina). Além de Ricardo Darín (ator fetiche de Campanella) e do comediante Francella, fiquei realmente impressionado com o trabalho da atriz Soledad Villamil - seu trabalho gestual e vocal para transmitir a passagem do tempo em sua personagem é impressionante. Ela é a personificação perfeita de como a segurança que a passagem do tempo pode proporcionar é o melhor remédio para resolver algumas pendengas.   

O Segredo dos Seus Olhos (El secreto de sus ojos/Argentina - 2009) de Juan Carlos Campanella com Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago e Guillermo Francella.  ☻☻☻☻

FILMED+: O Profeta

Rahim em cena da missão mais inacreditável de Malik.

O Profeta dividiu as atenções com A Fita Branca de Michael Haneke em sua primeira exibição em Cannes2009 e desde então se sabia que os dois iriam medir forças entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro. Se o filme de Haneke aposta numa violência mais sutil, o  filme do francês Jacques Audiard é bem mais explícito com cenas que beiram o inacreditável - tanto que o filme recebeu por aqui a censura de 18 anos. No entanto, trata-se de um filme que merece ser visto apesar de alguns excessos. Em sua mais de duas horas e meia de projeção, o filme acompanha o jovem Malik (o ótimo Tahar Rahim, eleito o melhor ator europeu de 2009 pelo filme) de dezenove anos e sem passado. Não possui familiares ou amigos, aos poucos sabemos que não sabe ler nem escrever, cresceu num reformatório. Além disso é preso por um motivo que desconhecemos e tem como pertences somente um zíper, um cigarro e uma cédula de cinco euros (além de várias cicatrizes). Por seus traços é identificado como muçulmano, mas isso não quer dizer muita coisa para alguém que estava acostumado a viver como se não existisse. Malik não cria laços sociais ou afetivos na prisão, até que um novo presidiário o assedia. O fato poderia passar em branco se os membros da máfia dos corsos que dominam os detentos não precisasse que este assediador fosse morto. Essa missão cai nas mãos de Malik, que se não executar o serviço será morto. Este é o primeiro passo para que o jovem se torne uma espécie de capacho dos corsos em troca de proteção. Em seus três anos de pena, o rapaz bem comportado e apático irá se revelar uma verdadeira esponja perante o ambiente que o cerca. Malik é observador e paciente o suficiente para aprender a hora certa para mover as peças necessárias  para sair da prisão numa posição completamente diferente da que entrou, assim, acaba utilizando as informações que recebe na prisão para se tornar um traficante. Isso não irá agradar seu protetor (Niels Arestrup), já que este conta com o dia de liberdade por ano (ao qual Malik tem direito) para fazer serviços sujos. Audiard utiliza tantos recursos em sua narrativa que o que poderia ser mais um filme de prisão se transforma numa espécie de hipnose. Apesar de um pouco mais longo do que deveria, o diretor sabe exatamente onde colocar os momentos de tirar o fôlego (como as missões impossíveis dos dias de "liberdade" de Malik) e nos faz até capazes de simpatizar com o nascimento de um poderoso traficante entre os muros de uma penitenciária.

O Profeta (Un Prophéte/EUA-2009) de Jacques Audiard com Tahar Rahim, Niels Arestrup e Adel Bencherif. ☻☻☻☻☻

quarta-feira, 23 de março de 2011

PODERES ESPECIAIS - 1ª Edição

Agora sempre que eu comentar sobre um filme de super-heróis irei lembrar alguns personagens aparentemente comuns que na verdade escondem seus poderes por trás de uma vida convencional. Será que só eu percebi que essas pessoas tèm super-poderes?

Dr. Creo (Fonte da Vida)
Poder: Imortalidade
O Doutor Thomas Creo estava pesquisando a seiva de uma árvore sagrada localizada na América Latina, com isso esperava curar sua amada esposa vítima do câncer. Como não conseguiu acabou utilizando a seiva em si mesmo e se tornando imortal. Desde então, Creo partiu em uma jornada pelo universo para desvendar os mistérios da existência. Como transporte utiliza uma bolha de material sintético, como companhia possui uma árvore que foi plantada no túmulo de sua amada (e que Creo acredita abrigar a alma dela). Mais do que médico, Creo utiliza seus poderes para aprimorar seus estudos no conhecimento de uma metafísica empírica.

Zelig (Zelig)
Poder: Morfosidade
Não se engane com sua cara de bonzinho, Leonard Zelig pode adquirir as características de qualquer pessoa que se aproxime para conseguir o que quer. Existe uma explicação científica para isso, Zelig sofre de uma doença rara que lhe permite incorporar características físicas e psicológicas de qualquer ser humano. Sofrendo da rara Síndrome do Camaleão o cara foi até alvo de uma cinebiografia documental feita por Woody Allen. Suspeita-se que tenha se tornado um agente secreto do governo americano infiltrado atualmente na Líbia.

Ms. Litzke (Queime Depois de Ler)
Poder: Hipnotismo
Linda Litzke sabe que não está no auge de sua forma, por isso mesmo, seu maior sonho é fazer plásticas para recuperar a juventude que não lhe pertence mais. Se longe dos bons tempos ela ainda possui um poder de hipsnose gigantesco (motivo pelo qual é capaz de fazer todos os homens ao seu redor obedecerem suas ordens - mesmo que isso lhes custe a própria vida), imagine o que conseguirá quando fizer sua sonhada recauchutada? Seja como for, Ms. Litzke perdeu seu comparsa e teve problemas com a CIA antes de sumir no mundo da espionagem

Mickey O'Neil (Snatch)
Poder: Super Força
O cigano de fala indecifrável já deve ter contado o segredo se sua força, mas acho que ninguém entendeu. Mickey tem o soco mais possante do mundo e quanto mais apanha, seu organismo incomum absorve o impacto e converte em um soco ainda mais possante!! Não existe oponente para ele! No entanto, Mickey tem traumas que devem ser superados com a vingança sobre os vilões que queimaram o trailer em que vivia com sua mãe. Ele tentou contar como aconteceu isso, mas ninguém entendeu.

Letham (A Passagem)
Poder: Manipular a realidade
Henry Letham até que tentou lidar com suas habilidades, mas quase levou seu analista à beira da loucura com a falta de habilidade em notar que vivia em meio a diversas simulações da realidade. Letham consegue manipular a realidade independente de sua vontade, o que afeta a todos ao seu redor. Seu poder em mãos inimigas pode ser extremamente perigoso, por isso mesmo vive obcecado em  acabar com a própria vida antes que algo de pior aconteça - ou simplesmente altere a realidade até um ponto onde não saiba mais o que é real ou invenção de seus poderes fora de controle. 

FILMED+: WATCHMEN

Watchmen: Heróis lidando com seus próprios vilões internos.

Acho que nenhum filme que eu citar no FILMED+ é tão odiado quanto Watchmen. Porém, sei que o filme tem uma cota considerável de fãs (a maioria deles na Europa onde o filme virou sucesso de bilheteria, enquanto o resto do mundo o rejeitou). Tanto amor e ódio é mais do que compreensível quando pensamos que o filmé é baseado na mais cultuada HQ de todos os tempos, a obra-prima de Alan Moore e David Gibbons, sendo a única história em quadrinhos presente na lista da revista Time sobre as maiores obras da língua inglesa. Obviamente que tanto culto à obra impressa se reverteria em mesma medida em marketing e decepção para os fãs quando o filme ficasse pronto. Talvez por isso a adaptação da saga de Comediante & Cia tenha demorado tanto para ganhar as telas. Na época em que o Batman (1989) de Tim Burton fez sucesso, os estúdios ficaram coçando as mãos para adaptar Watchmen - mas graças aos deuses do cinema a versão estapafúrdia proposta à Terry Gillian não saiu do papel. No século XXI sobravam rumores envolvendo nomes como Darren Aronofsky e Paul Greengrass, mas ambos não tiveram fôlego para tocar um projeto com tamanho nível de complexidade, expectativas e cobranças do estúdio. Acostumados ao cinema independente isso é totalmente compreensível. Foi um fã da série em quadrinhos que topou a empreitada com medo dos estragos que poderiam fazer à uma obra tão cultuada. Zach Snyder havia saído do sucesso de 300 (2006) de Frank Miller e mergulhou de cabeça no universo paralelo criado por Miller e Gibbons, fazendo um filme visualmente irrepreensível e que está longe de ser um filme de herói comum. A maior ousadia do diretor talvez seja condensar a trama de doze gibis revistas em quase três horas de projeção (dizem que havia uma cópia com quatro horas que era a versão integral, mas que acabou virando uma espécie de lenda). O filme procura ser bem fiel à trama original e muitos até a criticam por isso. Num mundo onde os heróis existem de verdade, Richard Nixon foi reeleito várias vezes, tendo até envolvimento com a lei Keane que proibe que os heróis usem máscaras se não possuírem sua identidade revelada. Com isso poucos se registram (como Comediante), outros se aposentam (como o Coruja) e alguns continuam atuando às escondidas (como Rorschach). É com o assassinato de Comediante (Jeffrey Dean Morgan, numa atuação competente que merecia atenção nas premiações) que a trama começa sob a suspeita de que alguém quer acabar os heróis. O problema é que atribuem essa suspeita à personalidade paranóica de Rorschach (Jackie Earle Haley digno de uma segunda indicação ao Oscar de coadjuvante). O filme acompanha a trajetória desses personagens em clima de filme noir e descasca seus heróis sem pudores. Afinal, o que se passa na cabeça de um herói? Uma pessoa que coloca uma máscara e sai por aí espancando bandidos? Será um psicopata como Comediante? Um semi-deus como Dr. Manhanttan (Billy Crudup)? Ou uma herdeira (Malin Ackerman) de uma heroína com pretensões de tornar-se atriz como Spectral (Carla Gugino)?  Um covarde impotente que nem sabe muito bem o que se tornou com o passar dos anos como o Coruja (Patrick Wilson)?  Será que a solução é capitalizar o prestígio e se tornar um capitalista que ganha dinheiro apregoando a paz mundial enquanto alardeia ser o homem mais inteligente do mundo como Ozymandias (Matthew Goode)? A trama conta em flashback a história dos heróis americanos entrelançando com fatos da história dos EUA (a abertura do filme é antológica ao som de Bob Dylan) e nos revela os danos que anos de combate ao crime pode causar - sem perder de vista a noção pura de heroísmo que brota na mente de todo garoto (afinal, é isso que Spectral e Coruja representam). Sem abrir mão dos momentos mais escabrosos do gibi e outras polêmicas (como a nudez radioativa de Manhattan) o filme é muito bem sucedido ao romper com o maniqueísmo entre mocinhos e bandidos, mostrando que o nosso maior inimigo pode estar em nós mesmos. Fora isso, tem aquele verniz político que toda trama de herói que chega aos cinemas quer. Mesmo tendo alterado o final (mas não em sua essência), Watchmen é um filme que será redescoberto com o tempo, pode escrever!

WATCHMEN - O Filme (Watchmen/EUA-2009) de Zack Snyder com Jackie Earle Halley, Patrick Wilson, Jeffrey Dean Morgan, Malin Akerman, Matthew Goode e Carla Gugino. ☻☻☻☻☻

DVD: A Lenda dos Guardiões


A Lenda dos Guardiões: Snyder estreia na animação.

Desde a sua estreia com Madrugada dos Mortos (2004) o diretor Zack Snyder mostra que sabe conduzir cenas de ação com competência. Além disso é um dos poucos diretores que sabem lidar com o visual de um filme cheio de efeitos visuais sem deixar aquele jeitão artificial que tantos outros conseguem. Depois do sucesso de 300 (2007) o cara foi até chamado de visionário pela concepção que tem de cinema. Talvez por ter demonstrado uma coragem exorbitante ao adaptar a Bíblia das HQs Watchmen para o cinema em 2009, o cara tenha pego leve ao resolver fazer este A Lenda dos Guardiões baseado nos três primeiros exemplares da coleção de treze escrita pela americana Kathryn Lasky. Pois é, depois de toda a violência de seus filmes anteriores o cara resolveu fazer uma obra voltada para um público mais jovem e inocente. O resultado apresenta as características típicas do diretor (visual arrebatador, cenas de ação caprichadas e até atuação convincente de um bando de corujas criadas por computador), mas o filme peca justamente na história que Snyder resolveu contar. A trama conta a história de dois irmãos corujas que são sequestrados enquanto aprendem a voar, ambos acabam sendo levados para um lugar afastado de seus lares onde um grupo de corujas fascistas escravizam as outras espécies os fazendo trabalhar sob uma espécie de transe. Um dos irmãos será escravizado (o bonzinho Soren), o outro se tornará um soldado (Kludd) que oferecerá até sua irmãzinha caçula para os seus novos líderes. Soren acredita que pode fugir dali e encontrar os lendários guardiões que zelam pela segurança e justiça entre as corujas. Para uma animação não existe nada que ultrapasse o ridiculômetro até aqui. No entanto, por mais que o filme possua personagens carismáticos e cenas bem elaboradas (muitas em câmera lenta para nos impressionar com o movimento preciso das penas dos personagens) existem grandes tropeços na narrativa. Por ser voltado para as crianças mais grandinhas o roteiro resolveu não expor algumas coisas que acabam sem sentido para o público - como a forma como funciona a "lunatização" das corujinhas escravizadas ou que resíduo brilhante é aquele que são obrigados a descobrir entre restos de ratos regurgitados por eles mesmos. Além disso, algumas soluções aparecem de forma tão acelerada que parece que ninguém teve paciência para chegar ao final onde os dois irmãos irão se enfrenta em lados opostos. No fim das contas é uma animação competente visualmente, mas que esqueceu de dar um trato mais cuidadoso em seu roteiro - mas não se surpreenda se o filme ganhar uma sequência.

A Lenda dos Guardiões (Legend of the Guardians: The Owls of GaHoole/EUA-Austrália - 2010) de Zach Znyder com vozes de Jim Sturgess, Helen Mirren e Ryan Kwaten. ☻☻

4EVER: Elizabeth Taylor

Elizabeth Taylor (1932-2011)

Nascida em Londres, Liz foi imortalizada como uma das mulheres mais belas do cinema - com a peculiaridade de possuir exóticos olhos violeta. Para além da beleza, Taylor ficou famosa por clássicos como Um Lugar ao Sol (1951), Assim Caminha a Humanidade (1956), Gata em Teto de Zinco Quente (1958) e pelo retumbante fracasso de Cleópatra (1963). Ela ainda virou notícia por seus casamentos, pela coleção de diamantes, pela filantropia e plásticas que tentavam evitar o efeito do tempo sob um dos mais belos rostos que o mundo já viu. Liz ganhou dois Oscars de atriz principal, um por Disque Butterfield 8 (1960) e outro por Quem Tem Medo de Virgínia Woolf (1966) tornando-se a atriz mais bem paga daquela década. Nos últimos tempos a diva era mais conhecida como a senhora amiga de Michael Jackson. Sua última aparição nos cinemas foi como a sogra de Fred Flinstone no filme da família da idade da pedra lançado em 1994. Faleceu de insuficiência cardíaca após uma cirurgia em 23 de março.

terça-feira, 22 de março de 2011

CATÁLOGO: Medo da Verdade

Ryan, Casey e Michelle: dando força à estreia de Affleck

Quando Ben Affleck dirigiu seu primeiro longa metragem sua carreira estava mais claudicante do que nunca. Fazia dez anos que recebera o Oscar pelo roteiro original de Gênio Indomável (1997) e sua carreira alternava alguns filmes que buscavam lhe dar crédito como ator (especialmente Fora de Controle/2002 e Hollywoodland/2006 que o premiou em Veneza) com Blockbusters que só serviram para ridicularizá-lo (como Armageddon/1998 e o gorila Gigli/2003 com J.Lo). O cara precisava se reinventar. Seus excessos com drogas e álcool já estavam cansando quando ele resolveu colocar a vida nos eixos ao se casar com Jennifer Garner (que conheceu nos sets de Demolidor/2003 - outro fiasco). Affleck encontrou refúgio na obra de Dennis Lehane, mais precisamente em Gone Baby, Gone e este fato revela mais do que pode parecer. Na época outra obra de Lehane havia chegado às telas e ficado na memória dos cinéfilos, tratava-se de Sobre Meninos e Lobos (2003), dirigido por outro ator que ganhou cada vez mais prestígio atrás das câmeras: Clint Eastwood. Clint parece ser a principal referência do filme, que mais uma vez conta com o foco favorito da obra do escritor: o cuidado que a criança não tem em nossa sociedade. Vendo as atrocidades nos noticiários notamos cada vez mais como as crianças são negligenciadas no mundo inteiro. Affleck escolheu uma trama ambientada em sua cidade natal (Boston) para contar a história de uma garotinha que desaparece sem deixar pistas após a mãe (Amy Ryan) deixá-la sozinha em casa. Você já deve ter visto outros filmes assim, mas acredite o filme melhora no ponto onde a maioria deles termina. Desde o início da trama, Affleck mostra que está diposto a ser o mais seco possível em sua narrativa, nos apresentando os personagens sem frescura - especialmente o casal de detetives que protagoniza o filme. Patrick Kenzie (Casey Affleck, irmão de Ben) e Angela Gennaro(Michelle Monaghan) são os encarregados de descobrir o paradeiro da pequena Amanda. Mas as coisas não são tão simples quanto parecem. Aos poucos uma série de segredos vão se revelando e o envolvimento da mãe da menininha com drogas e o mundo marginal apontam para um caso cheio de nuances obscuras. Até a metade do filme, Affleck parece conduzir um filme que mais parece um ensaio para o que está por vir, já que é da metade em diante que a coisa ganha novas cores e se torna cada vez mais atraente até o dilema ético arrebatador de seu desfecho. Affleck conduz com competência o filme que possui ainda muitos ranços do cinema independente (o roteiro às vezes tropeça, os cenários são feios e todos os personagens são problemáticos) de forma que o forte mesmo são as atuações. O mano Casey (que no mesmo ano foi indicado a vários prêmios por roubar a cena de Brad Pitt no quilométrico O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford) e Monaghan se saem bem entre as diferenças de seus personagens, mas quem vale o filme mesmo é Amy Ryan no papel da mãe problemática da menininha. A loura indicada ao Oscar não deixa espaço nem para Morgan Freeman em nossa memória quando a sessão termina numa cena memorável. O interessante é que apesar de todos os predicados, a estreia de Ben na direção foi direto para o DVD por aqui, enquanto seus piores filmes como ator tiveram espaço em nossos cinemas.

Medo da Verdade (Gone Baby, Gone/EUA-2007) de Ben Affleck com Casey Affleck, Michelle Monaghan, Amy Ryan, Morgan Freeman e Ed Harris. ☻☻☻

DVD: ATRAÇÃO PERIGOSA

Ben e Jeremy: precisão oposta.

Fiquei tão desconfiado com todos os elogios do novo filme de Ben Affleck na direção que preferi nem vê-lo. Vi todas aquelas expectativas para prêmios ganharem forma, ouvi todas as reclamações quando todas as expectativas se converteram somente na indicação de Jeremy Renner na categoria de coadjuvante no Oscar. Enfim, o filme passou em branco nas premiações mas tem um grupo de seguidores fiéis. Chegando em DVD devo admitir que o filme é realmente competente. De fato é impressionante como Ben Affleck se defende muito melhor atrás da câmera do que diante dela (basta lembrar que o cara tem um Oscar na estante pelo roteiro do supervalorizado Gênio Indomável/1997 - que não é nenhuma Brastemp, mas que colocou ele e o parceiro Matt Damon no mapa hollywoodiano), depois de sua estreia promissora com Medo da Verdade (2007), ele se aprimorou na condução de uma trama densa e que não perde de vista o desenvolvimento dos personagens. Prova de que é um bom diretor é que seus atores costumam ser lembrados nas premiações da temporada de ouro. Se em Medo da Verdade foi Amy Ryan que roubou a cena, desta vez, Renner também não fez feio e as premiações deixaram espaço até espaço para o finado Pete Posthlewaite (que em menos de dez minutos em cena foi lembrado no BAFTA). Como ninguém é perfeito, o Affleck protagonista continua demonstrando suas limitações. No entanto, essa característica até que cai bem ao interpretar o papel de ex-viciado em drogas decepcionado com os rumos da vida e relações. Affleck é o cérebro de um grupo de ladrões de banco - o grupo ainda conta com seu amigo (Renner) que tem grande tendência para perder o controle -, mas o personagem acaba se apaixonando, meio que involuntariamente, pela gerente de uma agência assaltada (a charmosa Rebecca Hall). Affleck desenvolve o relacionamento entre o casal sem pressa, deixando que um revele ao outro que possuem mais coisas em comum do que poderiam imaginar - mas, enquanto isso, prepara a trama para as decisões que terão que tomar rumo ao último ato. Obviamente que sabemos como tudo vai terminar, mas o roteiro (assinado por Affleck, Peter Craig e Aaron Stockhard baseado no livro de Chuck Hogan) se empenha em lidar com as soluções de forma coerente e sem cair no ridículo, sem perder o tom seco impressa pelo diretor. Se o protagonista por vezes parece um cubo de gelo a coisa funciona de forma equilibrada quando tememos cada vez que o personagem de Renner aparece na tela, o cara parece um vulcão prestes a explodir em sua fúria que vem não se sabe de onde. Affleck, o diretor, foi esperto o suficiente para saber que para dar conta de um filme desses precisava de um elenco de primeira e se cercou de atores competentes, capazes de gerar tensão com um olhar, um gesto e conseguir segurar uma narrativa sem frescuras até o fim. Ele demonstra até segurança ao escalar Rebecca (que não é exatamente bela, mas sabe exatamente o que deve ser feito no papel de mocinha) para ser o seu par romântica. Outro destaque é a forma com que Affleck lida mais uma vez com sua cidade natal, a cinzenta Boston é apresentada novamente como um personagem do filme, especialmente o bairro de CharlesTown, que parece ter forte influência sobre seus personagens. Sem ser ofensivo, o amigo de Matt Damon faz mais uma vez uma ode à sua terra e se continuar assim, fará por ela o que Scorsese fez por Nova York. Curiosamente é que depois de bancar o galã de blockbusters meia-boca, Ben se sinta tão a vontade ao lidar conduzir um filme desses que bebe diretamente na fonte de filmes policiais da década de 1970 como os que fizeram a glória de Scorsese e Sidney Lumet. Não estranharei se futuramente o cara se dedicar somente à direção e por esta função ganhar outro careca dourado.

Atração Perigosa (The Town/EUA-2010) de Ben Affleck, com Ben Affleck, Jeremy Renner, Rebecca Hall, Pete Postlewaite, Chris Cooper e Blake Lively. ☻☻☻☻

domingo, 20 de março de 2011

LADIES & GENTLEMEN: John C. Reilly

Nascido em Chicago no ano de 1965, com descendência Lituana e Irlandesa, John Christopher Reilly é um ator com dezenas de trabalhos no cinema, no teatro e na TV americana. Sua carreira de ator na sétima arte começou em 1989 com Pecados de Guerra um dos filmes menos celebrados de Brian de Palma. Pelo menos o filme serviu para que ao lado de Michael J. Fox e Sean Penn, o cara chamasse atenção de outros diretores. Ele se encontrou novamente com Penn nos sets de Não Somos Anjos (1989) e no ano seguinte seguiu como coadjuvante em Dias de Trovão (1990) - mas com Tom Cruise caindo de amores por Nicole Kidman (e sua então vasta cabeleira) poucos notaram o trabalho do cara. A coisa começou a melhorar quando Reilly foi escalado por Woody Allen para acompanhar o elenco plural de Neblinas e Sombras (1992) - que contava com atores que iam de Jodie Foster à Madonna). A vida de coadjuvante continuou em produções sérias como Hoffa (1992) e Gilbert Grape (1993) de Lasse Hallstrom, onde interpreta um dos amigos do melancólico personagem de Johny Depp. Nem como vilão ele perdeu o jeito de bom moço em Rio Selvagem onde atazanava a família de Meryl Streep sob a batuta de Curtis Hanson. Depois de seu papel pequeno ao lado de Kathy Bates no ótimo Eclipse Total (1995) o cara resolveu investir no cinema independente e ganhou o seu primeiro protagonista (além de um grande amigo). Reilly foi o protagonista do primeiro filme de Paul Thomas Anderson, o pouco visto Hard Eight (1996) o qual fez sucesso em festivais indies e mostrava que tanto John, quanto Paul tinham talento chamar atenção. Na trama, Reilly interpreta um cara que ganha a vida em cassinos - e o ator confere uma integridade ímpar ao personagem e só num filme independente o ator poderia fazer par com Gwyneth Paltrow (antes do Oscar, claro). A parceria com Paul deu tão certo que o diretor o escalou para viver um personagem improvável: um astro pornô da década de 1970. Para falar a verdade não era um pornstar qualquer de Boogie Nights (1997), mas o melhor amigo de Dirk Diggler (Mark Wahlberg) o astro maior desta alegoria sobre a ascenção e queda da cinematografia erótica americana. Em 1998 Reilly reencontrou Sean Penn mais uma vez nos sets do poético Além da Linha Vermelha que Terrence Mallick dirigiu após mais de uma década longe dos sets. No ano seguinte ele lançou a comédia Nunca foi Beijada estrelada por Drew Barrymore, e lógico que ele não era o galã do filme. A parceria com Paul Thomas Anderson gerou mais um fruto quando fizeram o caleidosópico Magnólia (1999),  no papel de um policial cheio de boas intenções que se depara com o dia mais estranho de sua vida. Se existe um protagonista entre a mais de uma dezena de astros do filme (Tom Cruise, Phillip Seymour Hoffman, Julianne Moore, Jason Robards, William Macy...) ele seria o papel de Reilly. Premiado em Berlim, o filme foi o último trabalho do ator com Paul. Depois ele acabou sofrendo ao lado de Wahlberg e George Cllooney em Mar em Fúria (2000), estreve sob a batuta de Scorsese em Gangues de Nova York (2001) e foi traído pela melhor atuação de Jennifer Aniston em Por um Sentido na Vida (2002). Ainda em  2002 Reilly atuou nos dois filmes que mais disputaram  prêmios naquele ano: As Horas e Chicago. No primeiro era o marido feliz de Julianne Moore, no segundo era o marido ingênuo de Renee Zellwegger. Ambas atuações são memoráveis, mas foi pelo musical que carrega o nome de sua cidade natal que foi indicado ao Oscar de coadjuvante. Em 2004 ele reencontrou Scorsese nos sets de O Aviador e seguiu trabalhando com grandes diretores como Walter Salles (Água Negra/2005) e Robert Altman (A Última Noite/2006). Depois de fazer filmes tão densos fez a sátira A Vida é Dura (2007) que lhe valeu uma indicação ao Globo de Ouro de ator de comédia/musical e o besteirol Quase Irmãos (2008). Recentemente Reilly emprestou sua voz para a estranha animação 9 (2009) e sua figura de não-galã para Cirque Du Freak (2009). Em 2010, onde muitos questionaram as indicações nas categorias do Globo de Ouro, vários críticos reivindicavam uma indicação para a atuação de Reilly na dramédia Cyrus, onde faz o namorado de Marisa Tomei e tem que lidar com o problemático filho dela (Jonah Hill), o filme despretensioso acabou se tornando um dos maiores cults de 2010. Para este ano o cara irá aparecer em mais três longas: Cedar Rapids (do mesmo diretor de Por um Sentido na Vida, Miguel Arteta), a dramédia Terri e We Need do Talk About Kevin que deve estrear na época dourada das premiações. Será que pelo menos um Globo de Ouro sai dessa vez? Bem, se as comédias não ajudarem ele está em Carnage, novo filme de Roman Polanski com Jodie Foster, Kate Winslet e Christophe Waltz - mas este só estréia em 2012!

 Magnólia: boas intensões num mundo em decomposição.

domingo, 13 de março de 2011

Catálogo: A Vida é Dura


Darlene e Dewey: Johny & June com muita peroba.

Hollywood parece ter esquecido como se faz uma paródia e o efeito disso é que o público esquece o que é uma paródia legítima em meio a bobajadas como Todo Mundo em Pânico, Super Herói - O filme, Espartalhões. O que piora  tudo é que enquanto essas porcarias encontram lugar nos cinema, uma comédia esperta como A Vida é Dura é lançada diretamente no DVD e corre o risco de ficar empoeirando nas prateleiras brasileiras. O filme é um deboche muito bem armado sobre as cinebiografias de astros da música, especialmente as voltadas para a vida de Ray Charles (Ray/2004) e Johny Cash (Jonhy & June/2005). As ousadias ficam por conta dos roteiristas Judd Apatow (O virgem de 40 anos) e Jake Kasdan (filho de Lawrence Kasdan) que atiram para todos os lados com uma mira acidamente certeira. A Vida é Dura conta a vida do astro da música Dewey Cox (o ótimo John C. Reilly) desde os seus quatorze anos (e Reilly com seus mais de 40 anos interpreta o astro desde então), Dewey é traumatizado por ter partido seu irmão ao meio com um facão (com direito a uma longa despedida após o acidente). A partir de então, Cox se dedica a ser um músico competente, mas acaba sendo expulso de casa e vai viver com sua namorada de doze anos com a qual terá infinitos filhos. Cox acaba fazendo sucesso ao cantar num bar voltado para a música negra americana e daí para frente torna-se famoso com canções auto-biográficas como Walk Hard (indicada ao Globo de Ouro de canção original). A trajetória de Dewey é repleta de astros famosos, seja um Elvis de fala incompreensível (Jack White do White Stripes), um Buddy Holly adolescente (cortesia de Frank Muniz) ou Beatles brigões (numa hilariante participação de Jack Black, Paul Rudd, Jason London e Jason Schwartzman), Eddie Vedder e amantes (com filhos, muitos filhos). Mas o gramde amor de Dewey é sua backing  vocal Darlene (Jenna Fischer, do seriado The Office) com quem acaba cometendo o crime de bigamia. O filme é uma sucessão de piadas sem medo de ser politicamente incorretas (existem piadas sobre negros, judeus, músicos, viciados, programas de TV) e o que amarra tudo são as referências às biografias célebres do cinema. É deste ponto que surgem as piadas sobre a idade dos atores que interpretam jovens personagens, a maquiagem tosca de Darlene, as declarações sobre drogas, as quebradeiras de desespero (coitadas das pias), as despedidas intermináveis no leito de morte, as mensagens de vida que não interessam, a sensação de que o filme não vai acabar nunca, a homenagem no final e o desfecho em legendas. Claro que o filme ainda percorre décadas de alfinetadas na música pop (a megalomania de Dewey chegando ao auge com um álbum cheio de efeitos sonoros, o ritmo acelerado da versão hardcore de Walk Hard...) e possui várias ousadias (como o cara peladão que aparece umas três vezes) tornando-se uma das poucas paródias recentes que sabe realmente o que está fazendo: humor (e não cópia chula de outro filme). Para completar ainda tem os extras sobre a vida do verdadeiro Dewey Cox e a perigosa preparação de Reilly para o papel. Impagável.

A Vida é Dura (Walk Hard: The Dewey Cox Story/EUA-2007) de Jake Kasdan com John C. Reilly, Jenna Fischer, Tim Meadows, Margo Martindale, Harold Ramis, Jane Lynch e David Kumholtz.☻☻☻

CATÁLOGO: O Vigia


Joseph Gordon-Levitt: Atuação convincente rumo ao estrelato.

O Vigia é um desses filmes que a Miramax realizava com a intenção de arrecadar alguns milhões de dólares para bancar seus filmes mais "artísticos". O filme acabou fazendo algum sucesso nos cinemas americanos, recebeu boas críticas, mas nada que garantisse uma vaguinha no circuito tupiniquim, sendo assim, acabou sendo lançado direto em vídeo sem grande repercussão. O filme é a estréia na direção de Scott Frank, roteirista de Minority Report (2002) do Spielberg, como não sou grande admirador desse filme o que me chamou a atenção mesmo é o fato dele ser estrelado por Joseph Gordon-Levitt pouco antes dele topar ser o protagonista de 500 dias com ela (2009) e se tonrar uma das apostas de Hollywood atualmente. Ex-ator mirim, Gordon sabe realmente se comportar diante de uma câmera e conhecendo suas atuações posteriores (incluindo A Origem/2010), torna-se ainda mais notável como consegue expressar as problemáticas de seu personagem debaixo de um rosto que beira a apatia. Gordon é Chris Pratt, um rapaz de futuro brilhante que acaba mudando o rumo de sua vida após um acidente. Após graves seqüelas cerebrais o rapaz enfrenta problemas de memória, de comunicação e de coordenação motora que limitam  sua convivência social a um grupo restrito de pessoas - no caso o amigo cego (Jeff Daniels) com qual divide o apartamento, uma espécie de assistente social (Carla Gugino) e um policial (Sergio Dizio) - e ao trabalho de vigia no noturno num banco rural. Frank se esforça em mostrar como a repetição da rotina de seu personagem torna-se pior diante das dificuldades que vivencia. Mas Chris encontra um homem (Matthew Goode, antes de seus personagens GLS em Watchmen e Direito de Amar em 2009) que diz ser ex-namorado de sua irmã. Não precisa ser muito esperto para perceber que tudo faz parte de um golpe, mas é interessante como a inserção do protagonista num novo grupo de pessoas é suficiente para modificar seu olhar sobre a vida - colabora para isso o relacionamento que possui com Luvlee (Isla Fischer, eficiente como sempre). A partir dessas novas amizades tudo se amplia negativamente na percepção de Chris Pratt, o conflito com o pai, a colaboração do policial que lhe leva lanche durante a noite, as piadas do amigo cego, a situação no trabalho e ele acaba colaborando no plano de seu novo amigo: roubar o banco em que trabalha. Claro que o roteiro vai preparando o terreno para uma virada calcada no arrependimento do protagonista e Scott Frank tem a sabedoria de caprichar no suspense diante dos acontecimentos que seguem o rumo de um filme convencional. O diretor ainda tem o bom senso de não desviar a atenção do público para outros acontecimentos (tanto que ao final da sessão não retoma o romance mentiroso que se anunciava) e esta é uma das qualidades do filme: possuir uma narrativa simples, seca e tensa na medida certa. Por isso mesmo a atuação de Joseph Gordon-Levitt é tão importante. Sua expressão apática, os movimentos lentos e limitados são elementos fundamentais para que o filme funcione a partir da identificação do público com um personagem que poderia ser facilmente rabugento. Levitt transforma seu Chris Pratt fundamentalmente num jovem que está preso à culpa e às privações provocadas por uma tragédia pessoal.

O Vigia (The Lookout/EUA-2007) de Scott Frank com Joseph Gordon-Levitt, Jeff Daniels, Mathew Goode, Isla Fischer e Carla Gugino. ☻☻☻

sexta-feira, 11 de março de 2011

DVD: Maluca Paixão.

Bullock e Cooper: "Que cara é essa, mulher?!"

Ainda em clima de ressaca de Oscar dia desses vi o filme que deu a Sandra Bullock o Framboesa de Ouro de Pior Atriz no mesmo ano em que ela levou para casa o (exagerado) Oscar de Melhor Atriz por Um Sonho Possível. Trata-se de Maluca Paixão, mais uma dessas comédias românticas que assolam o cinema americano que não sabe ser engraçada e nem romântica. O curioso mesmo é perceber que Bullock, apesar de ser uma estrela querida do público, às vezes esquece de ligar o desconfiômetro e notar que um filme não tem nada que lhe acrescente como atriz. Bem, Maluca Paixão dá a oportunidade de Bullock interpretar mais uma dessas chatas que ela coleciona em sua carreira: uma mulher abobalhada que sorri o tempo todo e se comporta como se tivesse menos de cinco anos de idade - e que mesmo assim ainda espera encontrar sua alma gêmea. Mary Horowitz (Bullock) é uma chata que cria palavras cruzadas,  incapaz de conversar feito gente ela despeja informações em seus interlocutores e espera que assim gostem dela. Ou seja, beira o surreal! Talvez se a personagem fosse vivida por uma atriz duas décadas mais jovem a coisa melhorasse, como não, é o tipo de filme em que se vê para falar mal. O que faço com gosto. Horowitz tem a chance de se tornar uma mulher madura normal quando tem um encontro arranjado por seus pais, com  muita sorte ela percebe que seu pretendente não precisa se esforçar para ser atraente, já que é interpretado por Bradley Cooper (no mesmo ano ele fez o sucesso Se beber, não case!, antes era apenas um  ator garanhão na série Nip/Tuck). Precisa dizer que o encontro é um desastre? Depois de Horowitz mostrar seu assustador apetite sexual o cara percebe que ela tem sérios problemas emocionais e foge. Como as comédias românticas não são adeptas do feminismo ela passa a perseguir o cara sem notar que ele não está afim de se relacionar com ela. E tome situações constrangedoras, diálogos picaretas e não bastasse as metáforas cretinas de que "a vida é como um jogo de palavras cruzadas" o roteiro dá uma guinada  onde Horowitz ajuda uma garotinha a ser resgatada de um poço. Coitada da menina que teve de aguentar aquela mulher dentro de um buraco! Acreditem, se Horowitz estivesse naquele buraco em que James Franco prende o braço em 127 Horas ele teria se automutilado nos primeiros cinco minutos! Bem, em Maluca Paixão essa parte serve só para todo mundo mostrar o quanto gosta desta personagem admirável [sic]! Francamente, era mais fácil Bullock ter construído uma personagem minimamente humana e o roteiro ter dado uma ajudinha. Espero que quando Sandra receber um roteiro ruim feito este, ela olhe em sua prateleira e lembre que ela pode ser convincente com uma história decente nas mãos.

Maluca Paixão (All about Steve/EUA-2009) de Phil Traill com Sandra Bullock, Bradley Cooper e Thomas Haden Church. #

Catálogo: Sombras de Goya


Portman e Bardem: Filme triste para tarde chuvosa.

Sombras de Goya é o filme mais recente de Milos Forman, que em seus últimos longas tem se dedicado a contar histórias de personagens controversos. Porém, ao contrário de O Povo Contra Larry Flynt (1996) e O Mundo de Andy (1999), Sombras passou quase em branco nos cinemas e talvez agora chame até um pouco mais de atenção nas locadoras por contar com dois atores consagrados nas últimas premiações, trata-se de Natalie Portman e Javier Bardem. Ela recentemente oscarizada por Cisne Negro e ele indicado por sua atuação em Biutiful foram importantes para que eu visse o filme numa dessas tardes chuvosas de carnaval. O filme ainda conta com outro ator que gosto muito, o dinamarquês Stellan Skarsgard (um dos favoritos de Lars Von Trier) que (por semelhança física) foi escolhido para interpretar o pintor espanhol do título. Forman utiliza a fama do pintor de forma quase maldosa no título, já que o personagem quase não aparece e nem possui uma ação de grande destaque no filme. Tudo gira em torno de Inés (Portman) uma das musas do pintor, que emprestou seu rosto para inúmeros quadros, inclusive para expressões angelicais pintadas por Goya. O problema é que a trama se passa nos primeiros anos do século XIX e a Inquisição promovida pela Igreja Católica estava a todo vapor. Por ser vista rejeitando comer carne de porco numa pensão, Inés é acusada de judaísmo (?!) e torturada até que admitisse que era realmente adepta da religião judaica. A história dessa jovem  irá se misturar com a de Padre Lourenço (Javier Bardem) que acredita nas práticas da igreja até conhecer a família de Inês e será forçado a cooperar para libertação da moça. Acho que se eu contar mais estraga, mas desde que Lorenço coloca os olhos no primeiro quadro com o rosto de Inés sabemos o que acontecerá. E depois que se passar quinze anos na narrativa continuamos sabendo o que vai acontecer quando Lourenço reaparecer como adepto da tropa de Napoleão. Pois é, o grande problema do filme é que torna-se cada vez mais previsível rumo ao seu final. Forman (que assina o roteiro ao lado do bamba Jean Claude Carrière) sabia que tinha uma boa história nas mãos, mas não parece se esforçar para contá-la com originalidade ou energia, deixando muitas vezes as cenas descambarem para o dramalhão. Apesar de ter firmeza na condução de cenas desagradáveis, Forman comete alguns tropeços imperdoáveis pelo caminho. Afinal, como aquele sujeito que pinta gravuras que incomodam a igreja pode ser tão passivo como o Goya que acompanha as brutalidades de seu tempo ficando em cima do muro? Num papel assim, Skarsgard aparece desperdiçado sorrindo para todo mundo na primeira metade da sessão. O que seria o momento de transformação do personagem se transforma num salto de quinze anos na narrativa. Quando o reencontramos ele está surdo e com ressentimentos que recebem pouco destaque na trama. Sendo o astro espanho do filme, Javier faz o que pode atuando pausadamente em inglês, mas seu personagem poderia explorar mais sua essência de estar sempre do lado que manda por pura sobrevivência. Salva-se Natalie numa atuação triste de uma bela jovem torturada e que após quinze anos em isolamento tenta adequar-se a um mundo que por si só não faz o mínimo sentido. Trata-se de um filme deprimente, com uma História interessante, mas que não souberam contar.

Sombras de Goya (Goya's Ghosts/Espanha - 2006) de Milos Forman com Javier Bardem, Natalie Portman e Stellan Skarsgard. ☻☻

Combo: Alegorias e Adereços

Como deu para perceber aproveitei o carnaval para hibernar e me recuperar da defesa de minha dissertação (02/03/2011 - veredicto: aprovado). Voltando ao mundo real resolvi celebrar o fim do carnaval com uma lista dos filmes que tem os figurinos mais carnavalescos dos últimos tempos:

5  Os Delírios de Consumo de Becky Bloom (2009) O filme de P.J. Hogan  não fez o sucesso esperado, o que é uma grande maldade já que todo mundo conhece uma Becky Bloom  (uma divertida Isla Fischer cheia de óleo de peroba na veia), - isso se não se é uma garota bacana mas que tem problemas sérios com o seu cartão de crédito. Consumista até o osso as coisas terão que entrar nos eixos quando ela vai trabalhar numa revista de economia (quando na verdade queria escrever sobre moda) e tem que mostrar que é menos futil do que imaginam. Nessa jornada debochada de superação Bloom sobrepõe cores, roupas e acessórios sem a menor cerimônia (com ajuda da mesma figurinista de Sex & The City). Mas o filme alcançou seu posto na lista graças a este inesquecível vestido de madrinha de casamento que nem figurinista de novela mexicana teria concebido! Quantas texturas, tecidos, estilos e dividas uma pessoa é capaz de misturar? Essa é a grande reflexão que o filme se propõe...

4  Brüno (2009) Falando no óleo de peroba de Isla Fischer, a coisa deve ser sexualmente transmissível se levarmos em consideração que a moça é casada com Sacha Baron Cohen, pois é o Borat em pessoa! Pois não satisfeito em ser o repórter mais famoso do glorioso Cazaquistão, Cohen resolveu repaginar seu  fashionista austríaco Brüno nas telas de cinema. Sem o cabelo punk e com o cabelo louro ele ressurgiu caindo em desgraça no mundo da moda. Seu programa é cancelado e ele tem que buscar novas formas de permanecer em evidência (seja num programa de TV sem noção mostrando um pênis falante,  adotando crianças africanas, entrevistando Harrison Ford em três segundos ou até se tornando lutador). O filme pode não ter o frescor, os elogios e prêmios de Borat, mas o figurino do personagem só não chama mais atenção do que as piadas grosseiras. A única peça que se sobrepõe às baixarias é este impagável macacão de velcro que marca o início de sua derrocada.

3  O Quinto Elemento (1997) Eu não poderia deixar de fora um filme com figurinos de Jean Paul Gaultier, poderia? O cara que marcou os anos 1990 com os figurinos de Madonna (lembra dos sutiãs cônicos?) assina as roupas deste filme do compatriota Luc Besson. Mistura de video game com filme infantil o longa conta a história futurista de um taxista (Bruce Willis) que tem que proteger uma alienígena (Milla Jovovich) que é capaz de salvar o mundo dos planos de uma malvado vilão (Gary Oldman). É só isso. Entre efeitos especiais e piadinhas que avacalham com os clássicos da ficção científica o toque original ficou mesmo com os figurinos. Da roupa de tiras brancas vestida por Jovovich, passando pelo uniforme de látex laranja de Willis a ousadia estilística chega ao auge na roupa de oncinha do presidente vivido pelo tagarela Chris Tucker. Enfim, um verdadeiro samba do estilista doido!

2  A Cela (2000) Jennifer Lopez tentou mostrar que era uma atriz competente ao embarcar nessa maluquice do diretor indiano Tarsen. O filme mistura referências de O Silêncio dos Inocentes com Quero Ser John Malkovich para contar a história de uma psiquiatra (Lopez) que pode entrar na mente de um criminoso (Vincent D'Onofrio) para desvendar seus crimes e sua personalidade sombria. Trata-se de um tipo de filme que para apreciar  você nem precisa entender, ou melhor, você pode até diminuir o volume da exibição até não ouvir nada. O diretor (famoso pelo clipe Losing My Religion do REM) cria cenas de visual tão elaborado que nem ligamos para o fato de nada fazer  sentido. Confuso, sombrio e de bela direção de arte o filme se tornou o sucesso por cenas como a que descobrimos que a capa do personagem reveste as paredes de seu inconsciente. Hoje o filme tem até outro atrativo: Vince Vaughn na época em que ainda se levava a sério.

1  Priscilla - A Rainha do Deserto (1994) Ganhador do Oscar de figurino (e que chamou atenção pela saia do figurinista e do vestido feito de cartões de crédito de sua parceira) este filme australiano mostrou que os figurinos exuberantes das drag queens cairiam muito bem numa telona. Priscilla é um ônibus pilotado por três drag queens (o ex-galã Terence Stamp, o então novato Guy Pearce e o futuro agente Smith de Matrix, Hugo Weaving) pelo deserto da Autrália. Entre incompreensões, situações inusitadas e algum romance, os três procuram colorir um pouco a paisagem árdua com seus figurinos inacreditáveis. Tem de tudo: roupas inspiradas em lagartos, tecidos prateados ao vento, pluma, paetês, perucas e tudo combinando com a trilha disco. Não consigo imaginar um filme mais carnavalesco em sua essência! E não se preocupem, como diria a filósofa Gloria Gaynor: I will survive... hey hey!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Na tela: 127 Horas


Franco: Sozinho em sua caverna interior.

Queria saber quem teve a ideia de colocar James Franco para apresentar o Oscar. A coisa me pareceu um grande tiro no pé. Franco é um ator que vem crescendo a cada filme, mas a partir daí considerar que ele daria uma animada na cerimonia deste ano é um exagero. Sem falar que o convite foi quase uma prévia de que o rapaz não levaria o Oscar para casa por sua atuação impressionante no novo filme de Danny Boyle. Em 127 Horas, Franco é Aaron Ralston, um cara que gosta de curtir aventuras e a carga de adrealina nas veias quando se mete a enfrentar perigos naturais. Aaron é tão seguro de si que nem carrega celular ou comenta com a família e colegas para onde vai. Este talvez seja o seu maior erro. Em 2003, Aaron foi desvendar as belezas de um Blue John Canyon, um cânion isolado no estado de Utah. Entre lagos subterrâneos, fissuras inexploradas e outras belezas naturais acabou tendo o braço preso debaixo de uma rocha. Aaron viverá um pesadelo onde terá que se contentar em  poupar a água de sua garrafa (até ter que beber a própria urina) e remoer suas lembranças. Bastou o filme começar a ser produzido para que todo mundo lembrasse a história do verdadeiro Ralston e seu desfecho brutal, portanto, desde a primeira cena sabemos exatamente como o cara vai sair dali. James Franco tem a tarefa hercúlea de nos conduzir nessa jornada claustrofóbica e angustiante de um  homem que se tornou vítima por suas próprias opções (incluindo a muralha construída ao seu redor. Aspecto que acabou rendendo o fim do seu namoro promissor). Aaron teve pouco mais de cinco dias para repensar os rumos de sua vida e se ela merecia continuar. Ralston tenta de tudo para sair daquele lugar, mas suas táticas foram frustradas - especialmente com o uso de um canivete vagabundo que demoraria milênios para ferir a superfície da rocha para libertá-lo - e se mostraria ainda menos eficiente para cortar-lhe o braço (o que ele acaba fazendo). Danny Boyle após os prêmios de Quem quer ser um Milionário (2008) mostra mais uma vez que sabe contar uma história cheia de malabarismos narrativos - o que serve para manter a atenção do público diante de um filme que possui a maior parte do tempo um único cenário e um único ator. Além de mostrar suas habilidades, especialmente nos delírios de Aaron (como a tempestade ou a hora em que simula  um programa de entrevistas), Boyle sabe trabalhar com contrastes. O início barulhento do filme caminha cada vez mais para o silêncio solitário daquela fissura em que o personagem fica aprisionado até alcançar a histeria da mutilação pela sobrevivência. Porém, apesar de todos os malabarismos visuais e sonoros do diretor, a alma do filme é atuação de James Franco (vencedor do Independent Spirit pelo papel). Sua interpretação traz tantas camadas para o personagem que é quase impossível lembrar que estamos diante de uma atuação. Se Boyle houvesse finalmente optado por contar uma história de forma convencional não teria feito a mínima diferença no resultado.

127 Horas (127 Hours/EUA-2009) de Danny Boyle com James Franco, Kate Mara e Amber Tamblyn ☻☻☻☻

Na tela: O Discurso do Rei


Carter e Colin: bela sintonia num filme redondinho.

Dia desses conversando com um amigo ele me perguntava sobre para que serve o Oscar, já que invariavelmente ele não concorda com os ganhadores. Um dos efeitos mais imediatos é chamar a atenção de muita gente sobre um filme que geralmente não seria visto. Este é o meu caso com O Discurso do Rei, o laureado em quatro categorias do prêmio e que - admito na maior cara de pau - eu teria esperado sair tranquilamente em DVD se o filme não tivesse passado a perna em A Rede Social (e nos meus favoritos A Origem e Cisne Negro - devidamente empatados no pódio). Como o filme foi eleito pela Academia como o melhor da produção de 2010, a curiosidade se tornou incontrolável. Vendo o filme entendo todos os comentários que disseram sobre ele, que tem aquele jeitão que a Academia adora premiar (leia-se: linguagem clássica e pouca, ou nenhuma, ousadia narrativa). Tudo bem, o filme de Hooper pode ter aquele jeitão careta (apesar de alguns palavrões) que pouca gente aprecia, mas também tem suas qualidades. Sem falar que fazia tempo que não se fazia um filme tão classicamente redondinho - fato esse que deve ter colaborado para que a Academia  premiasse filmes mais ousados nos últimos anos (Guerra ao Terror/2009, Quem quer ser um Milionário/2008, Onde os Fracos não tem Vez /2007, Os Infiltrados/2006...). O filme de Hooper se concentra nas agruras do príncipe Albert (Colin Firth) em lidar com a gagueira. Depois de buscar vários especialistas e se sujeitar a terapias questionáveis (falar com bolinhas de gude na boca, fumar para relaxar a garganta...) sua esposa, Elizabeth (Helena Bonhan Carter, bem diferente do que a maioria do público está acostumado a ver e ótima como sempre) encontra um ator australiano conhecido por métodos anticonvencionais no trabalho com a voz, Logue (Geoffrey Rush, que fazia tempo não tinha um papel tão interessante) e acredita que ele pode ajudar seu eposo a resolver esse problema. Nesse relacionamento de amizade crescente, Hooper se dedica a desvendar as entranhas de Albert. Descobrimos aspectos de sua educação repressora, as perseguições na infância e o fato de estar sempre a sombra do irmão (Guy Pearce) que foi educado para ser rei  e que mais tarde abdicará da coroa devido a um romance escandaloso com uma americana bi-divorciada. Mais do que a história de alguém que não consegue falar (e que por acaso se tornará rei) o filme amplia a voz em seu caráter mais psicológico. A voz como expressão do que se passa dentro do indivíduo, seus conflitos, pensamentos, angústias e sentimentos contraditórios diante do futuro que se anuncia. Albert não tinha escolha, se tornaria rei apesar de sua vontade - ou graças ao seu desejo nunca confessado. Em busca de sua voz (ou seu lugar na história) Albert tem que superar seus medos para conseguir inspirar uma nação nos momentos mais difíceis da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial. Hooper e seu elenco conduzem a trama estabelecendo diálogo constante entre drama e comédia,  o que funciona bem para que possamos nos identificar com um protagonista que facilmente nos distanciaria (um nobre)  e neste processo as atuações de Colin (precisamente vulnerável) e Helena tem grande importância ao encarnarem um casal real de grande empatia com o público - tal e qual dizem que os avôs do príncipe Charles realmente eram. Rush também tem um trabalho na medida certa e que deve servir para que tenha papéis mais bacanas do que os da série Piratas do Caribe. No fim das contas o filme pode não primar por sua originalidade ou mesmo formato, mas tem características técnicas (fotografia, edição, direção de arte, figurino, trilha sonora...) e dramatúrgicas (roteiro simples e bem escrito, direção sem malabarismos, atores competentes) que convergem para simpatia do público carente de histórias envolventes sobre a amizade de pessoas de universos tão diferentes.

O Discurso do Rei (The King Speech/Inglaterra - 2010) de Tom Hooper com Collin Firth, Geofrey Rush, Helena Bonahn Carter, Guy Pearce e Michael Gambon. ☻☻☻☻

terça-feira, 1 de março de 2011

GANHADORES DO OSCAR 2011


Bale, Portman, Leo e Firth: A nata de 2010.

Vou começar admitindo que os meus palpites resultaram num fiasco na premiação do Oscar de ontem! Mas, ao mesmo tempo, fiquei feliz em ver um equilíbrio entre os ganhadores, sem ter aquele filme que leva tudo para a casa. Afinal de contas, foi um ano atípico de poucos filmes bons durante o ano, tendo muitos lançamentos relevantes nos últimos meses de 2010. Filmes que conquistaram público, crítica e indicações ao Oscar - e que devem estar fazendo os produtores repensarem alguns de seus paradigmas com relação às estratégias adotadas durante o ano. Quanto à festa a achei bem sem graça, sem números especiais (coral de criancinhas, Bob Hope, Celine Dion cantando para os mortos - definitivamente eles mereciam mais respeito!) onde o único acerto já entregava o ouro da categoria principal (afinal, a excelente montagem com cenas dos dez concorrentes ao prêmio de Melhor Filme ao som do Discurso do Rei já mostrava o que David Fincher não queria acreditar) . Enquanto Anne Hathaway se esforçava,  James Franco fazia aquela cara de sorriso amarelo e olhos apertados como se estivesse curtindo um barato. Devia estar disfarçando a insatisfação em saber que perderia o prêmio de  ator. Bem, vamos aos ganhadores do Oscar deste ano (o rostinho feliz ilustra meus módicos acertos) e meus modestos comentários:

MELHOR FILME: O Discurso do Rei
Comentário: Todo mundo ficou em dúvida de quem iria levar o prêmio e a Academia preferiu concordar com o BAFTA e outros prêmios que descobriram os méritos deste drama histórico de um diretor novato. Só para terminar, A Origem e Cisne Negro não precisam desta estatueta para serem clássicos e A Rede Social era frio demais para os padrões da Academia.
MELHOR DIRETOR: Tom Hooper (O Discurso do Rei)
Comentário: Acho que todos os cineastas agora irão ouvir mais os conselhos de suas mães. Para quem achava O Discurso do Rei conservador a coisa deve ganhou proporções astronômicas com o arremate do discurso do cara. Num ano de concorrentes famosos por radicalismos, Hooper roubou a cena.
MELHOR ATOR: Colin Firth (O Discurso do Rei)
Comentário: Firth deveria ter ganho no ano passado por Direito de Amar. Não que sua atuação como o gago George VI não seja inesquecível, mas o  I'm sorry factor da Academia ajudou.
MELHOR ATRIZ: Natalie Portman, (Cisne Negro)
Comentário: Surpresa para alguém? Claro que não, Portman está magnífica como a bailarina surtada de Darren Aronofsky. Até Anette Benning curtiu o prêmio, notaram? Muito nobre para quem perde pela quarta vez.
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Christian Bale (O Vencedor)
Comentário: O maior oponente do Batman era ele mesmo. Nem  a má fama de Bale era capaz de lhe tirar a estatueta. O cara já era um dos melhores de sua geração desde a década passada - e o curioso é que ele e Portman começaram bem novinhos diante das câmeras.
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Melissa Leo (O Vencedor)
Comentário: eu ia ficar muito chateado se Leo perdesse o Oscar por conta dos comentários realizados acerca de sua campanha desengonçada para ganhar o prêmio. No fim das contas, a Academia preferiu honrar uma das melhores atrizes em exercício. Esse é apenas mais um passo numa carreira que promete várias indicações futuras.
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: O Discurso do Rei
Comentário: Pode ser bem escrito mas... é mais original do que A Origem?
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: A Rede Social
Comentário: A palavra lapidada por Aaron Sorkin é a mola mestra do filme de Fincher.
MELHOR FOTOGRAFIA: A Origem
Comentário: Surpresaaaaa! O filme de Nolan deve ter chamado atenção pelas várias tonalidades impressas em cada camada narrativa de sua trama.
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Alice no País das Maravilhas
Comentário: Acho que a Academia captou bem o segundo melhor aspecto do filme (o melhor é Helena Bonhan Carter fazendo sua primeira rainha do ano)
MELHOR TRILHA SONORA: A Rede Social
Comentário: Sou fã de Trent Reznor desde que ele apareceu no cenário mausical, mas ele ainda não me convenceu de que a trilha de Social Network é melhor do que a de Hans Zimmer para A Origem.
MELHOR MIXAGEM DE SOM: A Origem
Comentário: Acho que todo prêmio que A Origem ganhar tem um gosto de consolação, por mais que todos sejam muito merecidos.
MELHOR EDIÇÃO DE SOM: A Origem
Comentário: Eu acho que o filme ainda merecia, no mínimo, o de roteiro original...
MELHOR ANIMAÇÃO: Toy Story 3
Comentário: Quando o filme apareceu entre os dez indicados a melhor filme (sendo o favorito de Tarantino) todo mundo sabia que ele ganharia esta barbada.
MELHOR CURTA DE ANIMAÇÃO: The Lost Thing
Comentário: Eu errei e um bando de gente também...
MELHOR FILME ESTRANGEIRO: “In a Better World” (Dinamarca)
Comentário: Apesar de ser sobre bullying (o tema da moda) o filme se Suzanne Bier (da versão original de Entre dois Irmãos) era o mais leve da competição. Eu achava que finalmente o Oscar daria alguma coisa para Alejandro Gonzalez Iñarritú. Mas, talvez, seu último filme não seja tão Biutiful assim.
MELHOR MAQUIAGEM: O Lobisomem
Comentário: A única coisa que presta no filme.
MELHOR FIGURINO: Alice no País das Maravilhas
Comentário: Uma das poucas coisas que prestam no filme...
MELHOR DOCUMENTÁRIO (CURTA): Strangers No More
Comentário: Vou lembrar para sempre da fala de Jake Gyllenhaal sobre como os curtas estragam nossas chances no bolão...
MELHOR CURTA DE FICÇÃO: God of Love
Comentário: Foi apenas eu ou percebeu que nasceu uma estrela quando aquele cara de cabelo esquisito subiu no palco? Vejo um longa metragem dele em breve entrando em cartaz...
MELHOR DOCUMENTÁRIO: Trabalho Interno
Comentário: Se Lixo Extraordinário perdeu o Brasil parece estar cada vez mais se acostumando a ver seu cinema desvalorizado no Oscar. Trabalho Interno é um longa interessante, mas me parece muito com os filmes que Michael Moore já está cansado de fazer.
MELHORES EFEITOS VISUAIS: A Origem
Comentário:  Se o filme perdesse este prêmio seria um crime inafiançável!!!!
MELHOR MONTAGEM: A Rede Social
Comentário: O filme de Fincher tem um corte realmente preciso. Mas a ausência de A Origem ainda não se justifica.
MELHOR CANÇÃO: “We Belong Together”, Toy Story 3
Comentário: Foi uma das categorias mais legais de se ver. Retornando à noite do Oscar a categoria rendeu números musicais curtos, mas que deu para divertir: Florence só não estava mais tensa do que Gwyneth Paltrow que parecia ter areia nos olhos de tanto que piscava. Se Randy Newman ganhou - mesmo parecendo cantar com a boca cheia - foi Zachary Levy e Mandy Moore que cantaram mais do que eu imaginava. Mas a revelação mesmo foram as toneladas perdidas por Jennifer Hudson que apresentou o prêmio.

Placar:
O DISCURSO DO REI: 04 - A ORIGEM: 04 - A REDE SOCIAL: 03 
O VENCEDOR: 02 - TOY STORY: 02 - ALICE: 02 - CISNE NEGRO: 01 -O LOBISOMEN: 01

ACERTOS: 14 (de 24 palpites... tenho que melhorar)