quarta-feira, 30 de novembro de 2022

HIGH FI✌E: Novembro

Cinco produções vistas no mês que merecem destaque:

 

 


 

 

4EVER: Christine McVie

 
12 de julho de 1943 ✰30 de novembro de 2022

Christine Anne Perfect nasceu na cidade de Cumbria na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial. Filha de pai violinista professor de música e uma médium, vidente e curandeira, Christinetinha dois irmãos e começou a estudar música aos onze anos de idade. Na adolescência Chris começou a se interessar pelo blues e mais tarde pelo rock. Após se formar como professora, decidiu ir para Londres, e  começou a trabalhar fazendo backing vocals e tocando teclado em shows de outros artistas. Foi na turnê com a banda Chiken Shack que conheceu o baixista do Fleetwood Mac, John McVie, com quem se casou e se juntou à banda pouco tempo depois. Em 1974 o Fleetwood Mac lançou o clássico álbum batizado com o nome da banda junto aos novos integrantes Stevie Nicks e Lindsay Buckinham. Com esta formação, a banda se tornou uma das maiores dos anos 1970, o que não impediu que Christine lançasse álbuns solo ao longo da carreira. Avessa às turnês, a cantora gostava de ficar junto à família e amigos em seu tempo livre. Dona de uma das vozes mais lindas do rock, ela faleceu de causas não informadas pelas família após uma internação hospitalar.  

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

PL►Y: Era uma Vez em Staten Island

A família Dedea: culto a Rocky Balboa. 

Imagine um feel good movie familiar feito por uma produtora famosa por seus filmes de terror (a Blumhouse). Agora imagina que este filme é dirigido pelo criador da franquia Uma noite de Crime (2013), para finalizar coloque tudo na história girando em torno do filme Rocky III (1982). Parece esquisito? É mais ou menos esta sensação estranha que perpassa toda a duração de Era Uma Vez em Staten Island, um filme cheio de boas intenções, mas perdido feito todos os seus personagens. Ambientado no final de semana de estreia do filme de Stallone (28 de maio de 1982) num bairro repleto de ítalo-americanos, o filme gira em torno da família Dedea, fãs incondicionais do personagem lutador de boxe. O filho caçula, Anthony (Lucius Howard) é apaixonado pela filha do maior inimigo do pai, o mafioso Frank Larocca (Bobby Cannavale). O pai (Frank Grillo), anda preocupado com o trabalho no restaurante que administra que está prestes a perder para as más intenções de Frank. Os dois tem uma rixa do passado que ainda instiga uma tensão constante entre os dois - e ao que tudo indica envolve a mãe da família (Naomi Watts) que está bastante preocupada com seu primogênito, Christian (Jonah Hauwe King). Se no início a maior preocupação dos personagens é assistir ao novo filme de Rocky juntos, depois cada um terá seu problema para administrar (e Anthony terá que fugir por boa parte da narrativa, já que um mal entendido faz com que seja perseguido pela maioria dos personagens). O roteirista e diretor James DeMonaco parece ter se baseado em suas memórias pessoais para criar a história do filme (algo que está em moda em Hollywood ultimamente), mas concentrar todos os dilemas de seus personagens após assistir uma sessão de cinema soa um bocado estranha (especialmente se levarmos em conta a forma como a identidade de gênero de um dos personagens é tratada). Era Uma Vez em State Island parece uma colagem de cenas curiosas que poderiam dar muito certo ou dar muito errado por conta do seu roteiro, aqui fica no meio do caminho. Desengonçado em sua concepção, o filme não transmite a sinceridade necessária para ser levado a sério, não conseguindo ser genuinamente divertido ou comovente, parece apenas superficial - especialmente quando toda a família se reúne na cena final. Não lembro de Rocky III ser um filme tão cultuado assim (apesar de sempre achar estranho que o primeiro filme ganhou o Oscar de Melhor Filme de 1976 (derrotando Rede de Intrigas, Todos os Homens do Presidente e Taxi Driver), mas na casa de DeMonaco parece ter sido realmente transformador para sua família. 

Era Uma Vez em Staten Island (This is The Night/ EUA -2021) de James DeMonaco com Lucius Howard, Frank Grillo, Naomi Watts, Bobby Cannavale, River Alexander e Chase Vacnin. ☻☻

PL►Y: Não se Preocupe, Querida

 
Harry e Florence: Só problemas. 

(Confesso que estava com preguiça de escrever sobre Não se Preocupe, Querida). O novo filme dirigido por Olivia Wilde está disponível na HBOMax depois de toda turbulência que sofreu. Seja na produção ou no lançamento, o longa foi rodeado de fofocas variadas sobre os bastidores (da relação entre Harry Stiles e Wilde, da separação da diretora do então parceiro de longa data - o Jason Sudekis -, a dispensa de Shya LaBeouf do papel principal, as desavenças de Florence Pugh com Olivia, aquele papo de cuspe na exibição em Veneza, Florence se recusando a participar de campanha de divulgação, enfim, tudo de ruim.) Porém, com toda esta confusão, ainda havia expectativas altas para o filme, especialmente por conta da estreia de Wilde atrás das câmeras, o divertido Fora de Série (2019) que conquistava justamente pela despretensão. Particularmente não vejo nada demais na diretora querer dar um passo mais ambicioso em sua carreira, cobiçar prêmios e tudo mais, o problema é quando não se percebe que o roteiro não lhe dá suporte para estas ambições (uma pena, já que cenários, figurinos e fotografia são feitos no capricho e podem até aparecer nas premiações que se aproximam). O filme é ambientado nos anos 1950, em que um jovem casal vai morar numa comunidade experimental em que tudo gira em torno de uma misteriosa empresa de tecnologia em que ninguém faz muita ideia do que faz. Alice (Florence Pugh) parece viver no país das maravilhas com seu esposo, Jack (Harry Stiles) até que uma vizinha começa a ter um comportamento estranho e faz com que Alice comece a questionar o que está acontecendo - e ela que passa a ser considera a estranha da vez. A ideia de uma comunidade utópica, com donas de casa assustadoramente perfeitas já foi vista no clássico do suspense As Esposas de Stepford (1975) que já rendeu uma regravação cômica em Mulheres Perfeitas (2004) com Nicole Kidman, mas aqui a ideia traz uma revelação diferente no seu último ato. Muita gente reclamou que o filme não tem pé nem cabeça, mas ainda penso que essa era a ideia (basta notar a Alice vestindo só uma camisa do marido no meio da rua nos anos 1950). Repare os ovos vazios, a parede que aperta Alice contra o vidro, a cena do sufocamente, as cenas de sexo manjadas, os homens vestidos de vermelho, tudo é feito de forma estranha e proposital em sua artificialidade, como se quisesse revelar que tudo é um mundo de fantasia (tal e qual a nostalgia que o Tio Sam sente daquele tempo antes dos movimentos de contracultura e revolução sexual). O problema é que Não Se Preocupe, Querida atira para muitos lados e o alvo do que poderia ser mais interessante. Talvez a produção conturbada tenha afetado o rumo das gravações e levado tudo ao final insatisfatório, apressado e que larga o que o filme tinha de melhor pelo meio do caminho. Em alguns momentos tive a impressão que a presença de Harry Styles forçava uma couraça pop ao filme, que na verdade tem a alma de um dos pesadelos de Darren Aronofsky (e existem várias referências, ainda que brandas, a algumas cenas de Réquiem Para um Sonho/2000 por aqui). Aos fãs do moço, tenho a dizer que não o considero o desastre que alardearam, o rapaz tem lá seu magnetismo, só precisa se aprimorar no desenvolvimento da personalidade dos personagens (mas também é covardia querer que ele esteja à altura da sempre ótima Florence Pugh). Não se Preocupe, Querida é um filme que tem algo a dizer, mas se torna cansativo em sua irregularidade. Ao final deixa aquela imagens caleidoscópicas idílicas em preto e branco, talvez o filme seja isso mesmo, um caleidoscópio de ideias que não se desenvolvem como deveriam. 

Não se Preocupe, Querida (Don't Worry Darling/EUA-2022) de Olivia Wilde com Florence Pugh, Harry Styles, Chris Pine, Olivia Wilde, Kiki Lane, Gemma Chan, Nick Kroll e Thimothy Simons. ☻☻

domingo, 27 de novembro de 2022

PL►Y: Passagem

Bryan e J.Law: amizade acidental. 

Linsey (Jennifer Lawrence) é uma militar que estava presente no Afeganistão e sofreu um acidente. Por conta disso, ela foi enviada novamente para os Estados Unidos e recebe acompanhamento para que reaprenda a fazer tudo que antes lhe era tão natural. Ela precisa reaprender a andar, se movimentar, se alimentar, dirigir e voltar a ter uma vida com autonomia. Quando retorna para casa, fica claro que sua mãe (Linda Emond) não faz a mínima ideia do período difícil que a filha atravessa e vive sugerindo que ela procure emprego como secretária na empresa de uma conhecida. Linsey prefere trabalhar limpando piscinas, assim, consegue voltar a sentir seu corpo e o domínio dos movimentos que retornam aos poucos após muito treino. Este distanciamento da mãe e de qualquer outro personagem torna a jornada de Linsey bastante solitária em suas angústias, pelo menos até que ela conheça o mecânico James (Bryan Tyree Henry), com quem começa a construir uma amizade que faz com que a situação de um se reflita nas situações da vida do outro. James também tem seu histórico e marcas de acidentes pessoais, talvez por isso, a dor de Linsey lhe pareça mais palpável. O roteiro do filme de estreia de Lila Neugebauer se  constrói devagar, contando um detalhe aqui, outro ali sobre sua dupla de protagonistas. Não há grandes sobressaltos ou firulas narrativas, tudo está concentrado no trabalho de seus atores que estão muito bem em cena. Se Jennifer Lawrence está confortável após dar um tempo em sua carreira (e casar e ter um bebê) vale lembrar que sua personagem é aquele tipo que fez os holofotes de voltarem para ela quando foi indicada ao Oscar por Inverno da Alma (2010). Introspectiva e com emoções internalizadas, a atriz demonstra que de vez em quando é bom colocar os roteiros em que mergulha sob uma nova perspectiva. Seu parceiro de cena, Bryan Tyree Henry é menos famoso. Foi visto como um dos personagens mais marcantes de Eternos (2021) e aqui demonstra mais uma vez sua capacidade de trazer grande empatia diante da câmera, não por acaso sua atuação foi indicada ao Independent Spirit Awards que se aproxima. Se existe um problema em Passagem é que ele parece um tanto engessado e frio pelo temor de mergulhar no melodrama perante a história que tem em mãos e isso pode incomodar algumas pessoas, no entanto, ainda é uma produção interessante. 

Passagem (Causeway /EUA -2022) de Lila Neugebauer com Jennifer Lawrence, Bryan Tyree Henry, Linda Emond, Frederick Weller, Neal Huff e Russell Harvard.   

PL►Y: Encantada / Desencantada

 
Amy e Patrick: uma princesa em Nova York.  

Quando Encantada (2007) estreou nos cinemas era como ver mágica na tela grande. O roteiro esperto fazia graça com todos os clichês das animações baseadas em contos de fada e estabelecia uma transição divertida de uma princesa de um mundo encantado (ou animado) para a vida real (ou como diria minha amiga Geane: "Para o mundo real não, para Nova York"!). A princesa era Gisele, vivida então pela ainda desconhecida Amy Adams. Amy acabava de ter sua primeira indicação ao Oscar por um filme indie que pouca gente viu (Retratos de Família /2005) e estava disposta a mostrar que tinha talento de sobra quando tivesse a chance. No filme dirigido por Kevin Lima, ela canta, dança, esbanja carisma e trejeitos dignos de uma princesa encantada da Disney. Sua capacidade de transitar no choque entre fantasia e realidade selou de vez seu passaporte para Hollywood. Foi comparada à Julie Andrews, foi indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz de comédia ou musical e cantou duas músicas do filme no Oscar daquele ano. Nascia uma estrela (e de lá para cá já colecionou outras cinco indicações ao careca dourado). Na telona, ela estava muito bem acompanhada por Patrick Dempsey, que estava no auge com a popularidade de seu papel na série Grey's Anatomy e encarnava com perfeição um príncipe contemporâneo: um advogado bem-sucedido, bonitão, viúvo, com uma filha para criar e que ainda odiava as cantorias que atravessavam o filme. Como nem tudo são flores, tinha um príncipe encantado chamado Edward (Richard Marsden), que era meio bobão e queria casar com Gisele, além da madrasta Narissa (uma deliciosa atuação de Susan Sarandon) que era chegada numa bruxaria e estava doida para se livrar da princesa. Na mescla de animação e live action, o filme se tornou um sucesso com sua energia, ironias e efeitos especiais bastante dignos (além daquele final tenso digno dos grandes clássicos do gênero). O filme fez tanto sucesso que começaram a cogitar uma continuação logo em seguida que nunca saiu do papel. Desde 2010 foram realizados quatro roteiros para a continuação que sempre terminava engavetada. Eis que recentemente a produção ganhou sinal verde, com orçamento mais modesto e com lançamento diretor no Disney+. Só o fato do filme não ser lançado nos cinemas já causa o estranhamento capaz de diminuir as expectativas. Desencantada traz visivelmente a marca dos roteiros que foram mexidos e deram origem à uma história um tanto desconjuntada que demora para engrenar. O início é bastante sonolento ao explicar que  a vida de Gisele pós-casamento não é fácil em Nova York, especialmente agora que a filha do seu advogado encantado se tornou uma adolescente enjoada. O casal agora também possui um bebê que ninguém dá muita bola e que está ali só para ganhar um presente encantado que irá causar grandes consequências para os personagens. Mais uma vez o filme brinca com as animações da Disney, mas sem tanta graça. Personagens começam a personificar tipos clássicos das histórias infantis quando Gisele se dá conta de que ela é a madrasta da história (o que gera uma crise de identidade na personagem que só ressalta como Amy Adams é uma ótima atriz) e estabelece uma rivalidade com a bruxa malvada da história vivida com gosto por Maya Rudolph. Adams e Maya têm os melhores momentos da história (incluindo o único número musical descente do filme) numa narrativa que tem uma dificuldade gigantesca para criar situações para os outros personagens (especialmente para Dempsey que padece buscando sua veia heróica) dando a sensação que todos estão sobrando em cena. Soa até irônico que falta aquele encantamento do primeiro filme à Desencantada - e a longa duração também não ajuda. A sorte é que Amy Adams continua talentosa e convence usando magia, mas vale lembrar que magia não é milagre.    

Amy, o bebê, Gabriella e Patrick: pós felizes para sempre. 

Encantada (Enchanted/EUA-2007) de Kevin Lima com Amy Adams, Patrick Dempsey, Susan Sarandon, James MArsden, Idina Menzel, Julie Andrews, Rachel Covey, Timothy Spall e Kevin Lima.  

Desencantada (Desenchanted/EUA-2022) de Adam Shankman com Amy Adams, Patrick Dempsey, Maya Rudolph, Gabriella Baldacchino, James Marsden, Idina Menzel, Yvette Nicole Brown, Jayma Mays, Kolton Stewart e Alan Tudyk. 

sábado, 26 de novembro de 2022

PL►Y: O Milagre

Burke, Kila e Florence: em busca da verdade. 

Acho que já podemos dizer que Florence Pugh é uma das melhores atrizes de sua geração (se não for a melhor). Aos 26 anos, a atriz já demonstrou que é uma artista a ser levada a sério. Foi assim desde que encarou a complicada protagonista de Lady MacBeth (2016), depois esteve arrasadora em Midsommar (2019), foi indicada ao Oscar por viver uma personagem em fases distintas da vida em Adoráveis Mulheres (2019) e não fez feio quando se tornou a nova Viúva Negra (2021) da Marvel. Nem quando tem que desbravar toda a atribulação de Não se Preocupe, Querida (2022) ela se intimidou, nem deveria, afinal, tinha outro filme para estrear em 2022 que mostraria que ela ainda tem muito a oferecer quando o assunto é talento. Em O Milagre, em cartaz na Netflix, ela interpreta Lib, uma enfermeira encarregada de uma tarefa espinhosa. Em 1862 ela foi designada para investigar uma menina que não se alimenta há quatro meses. A situação inexplicável já é tomada como um milagre pelo vilarejo em que a garota vive, mas é preciso que exista uma observação rígida para a legitimação de um autêntico milagre divino. Para que tudo seja lavrado e sacramentado, a enfermeira será responsável por observar a menina em uma parte do dia e uma freira será responsável por outra parte do dia. Obviamente que o novo filme de Sebastian Lélio (oscarizado por Uma Mulher Fantástica/2017) já pontua, na escalação destas duas observadoras, um embate entre ciência e religião. Enquanto a enfermeira de Pugh permanece cética com toda aquela situação, todos ao seu redor permanecem em estado de graça pelo que acontece com a milagrosa Anna (Kíla Lord Cassidy). Não por acaso, Lib aos poucos irá se aproximar de um jornalista (Tom Burke, sempre interessante) que também não acredita muito no absurdo da situação e se preocupa com as manipulações em torno do caso. Conforme a narrativa avança, Lib começa a desconfiar do que está havendo naquela casa e descobre situações mais complicadas do que imaginava. Baseado no livro de Emma Donaghue a mesma de O Quarto de Jack/2015), Lelio imprime aqui uma atmosfera de drama que avança feito um suspense ancorado pela interpretação sólida de Florence como um olhar de razão em um ambiente de pura emoção e adoração que, infelizmente ainda diz muito sobre os tempos atuais. No decorrer do filme uma série de pensamentos sobre a relação do jejum com penitência, sacrifício e santidade, o que deixou o decorrer da trama ainda mais interessante. No entanto, o mais legal é ver um filme difícil (ritmo lento, tom pesaroso e sem humor) se destacar várias vezes entre os filmes mais vistos do serviço de streaming. Prova de que ainda há interesse por filmes sérios entre a plateia. 

O Milagre (The Wonder / Irlanda - Reino Unido - EUA /2022) de Sebastián Lelio com Florence Pugh, Kila Lord Cassidy, Niam Alghar, David Wilmot, Toby Jones, Ciarán Hinds, Elaine Cassidy, Josie Walker e Brían F.O'Byrne. ☻☻☻

PL►Y: Um Lugar Bem Longe Daqui

Taylor e Daisy: o romance que salva o filme. 

Quando a atriz Reese Witherspoon comprou os direitos do best seller Um Lugar Bem Longe Daqui, muita gente começou a especular sobre premiações. Quando o filme estreou não foram poucos os que se decepcionaram e confesso que por conta disso demorei um pouco para assistir ao longa. Em cartaz no HBOMax, pude entender perfeitamente o motivo de frustração de parte da plateia, no entanto, existem outros pontos que compensaram a empreitada. A começar pela atriz escolhida para o papel principal, acho que já posso dizer que sou fã de Daisy Edgar Jones desde que a vi na minissérie Norma People (2020), seu jeito de moça comum de olhos tristes conseguem transmitir a exata medida do estranhamento de Kya diante do mundo. Quando a narrativa começa, ela é presa como suspeita de um assassinato perto do pântano em que mora desde que nasceu. Apelidada de Menina do Brejo desde sempre, ela viu sua família ir embora até que ficasse sozinha por ali, dependendo da bondade de poucos moradores da cidade que tinha nas proximidades. A grande maioria dos moradores preferiam ofender a menina que sempre foi vista com estranhamento por adultos e crianças mesmo sendo deixada à própria sorte ao longo da vida. A única criança que gostava dela era Tate (que cresce e fica bonitão com a cara de Taylor John Smith) e os dois vivem uma bonita história de amor que prende a atenção do filme até o final. A história do casal já valeria o filme com todos os seus percalços, mas o filme tem um crime a ser solucionado e neste ponto o filme derrapa. A forma como tudo é exposto no tribunal é muito simplista e pouco convincente, de forma que até a dúvida sobre a culpa de Kya termina diluída com a narrativa fragmentada realizada pela diretora Olivia Newman e a roteirista Lucy Alibar. Com isso, os temas importantes presentes no livro (violência sexual, masculinidade tóxica, alienação parental, alcoolismo, racismo) terminam pouco desenvolvidos no decorrer da história para curvar à trama ao tal julgamento que nunca empolga. O bom é que sempre que Tate e Kya se encontram, o filme se torna mais interessante e envolvente. Embora muita gente considere o filme insosso, não posso dizer o mesmo já que me prendeu a atenção e me deixou com a respiração suspensa depois da cena final seguida da arrepiante canção Carolina de Taylor Swift (que pode sim ser indicada ao Oscar). Um Lugar Bem Longe Daqui pode não ser tudo que se esperava dele, mas é melhor do que muita superprodução por aí. 

Um Lugar Bem Longe Daqui (Where the Crawdad's sing/EUA -2022) de Olivia Owen com Deisy Edgar Jones, Taylor John Smith, Harris Dickinson, David Dtrathairn, Michael Hyatt, Sterling Macer Jr. e Logan MaCrae. ☻☻

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

4EVER: Irene Cara

18 de março de 1959 ✰ 25 de novembro de 2022

Nascida no Bronx em Nova York, filha de mãe cubana e pai saxofonista porto-riquenho, Irene Cara Escalera começou sua carreira em musicais na Broadway nos anos 1970 quando ainda era adolescente. Seu primeiro filme foi o romance interracial Aaron Loves Angela (1975) e depois fez o musical Sparkle (1976) sobre três irmãs em conflito na busca pela fama. Com talento para cantar e atuar, ela estrelou a minissérie Raízes II (1979) e o telefime Jim Jones (1980) no ano seguinte. Mas o estrelato veio mesmo com o sucesso de Fama (1980) musical dirigido por Alan Parker em que vivia uma estudante da escola de arte cênicas que lutava para se aperfeiçoar e viver de arte. O filme se tornou um sucesso, assim como a trilha sonora que foi indicado ao Oscar por duas canções, sendo premiada pela faixa título e o sucesso musical lhe rendeu indicações ao Grammy. Três anos depois o sucesso continuou com "What a Feeling" da trilha do filme Flashdance (1983), que lhe rendeu um Oscar e um Grammy. No entanto, a carreira de atriz não decolou com sua participação em filmes que não foram sucesso (embora estrelados ao lado de Tatum O'Neal e Clint Eastwood) e a carreira como cantora enfrentou uma disputa judiciais com sua gravadora. Nos últimos anos de carreira a artista trabalhou como dubladora em animações e games. 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

4EVER: Erasmo Carlos

05 de junho de 1941  22 de novembro de 2022

Erasmo Esteves nasceu no Rio de Janeiro e morou na Tijuca por muitos anos. Na década de 1950 iniciou sua carreira musical com a banda The Snakes que acompanhava artistas como Tim Maia e Roberto Carlos. Foi nesta época que se tornou amigo de Roberto, de quem adotou o segundo nome. Nos anos seguintes participou da Jovem Guarda ao lado do amigo e artistas do porte de Wanderléa e Jerry Adriani. As músicas traziam uma ingenuidade do rock americano daquela época para o público brasileiro, por este período recebeu o apelido de Tremendão. Em mais de cinquenta anos de carreira, gravou diversas canções de sucesso, suas composições foram gravadas por vários artistas (Léo Jaime, Gal Costa, Adriana Calcanhotto, Caetano Veloso, Marisa Monte...), fez seis filmes (o último deles Modo Avião/2020 pela Netflix) e teve sua vida transformada em longa metragem com Minha Fama de Mau (2015) estrelado por Chay Suede. Nos últimos anos a saúde do cantor esteve fragilizada e internações se tornaram constantes por conta da síndrome endemigênica, que afeta o funcionamento de diversos órgãos. 

sábado, 19 de novembro de 2022

Ciclo Verde e Amarelo: Medida Provisória

Taís e Enoch: futuro distópico. 

Fechando o Ciclo Verde e Amarelo deste ano, escolhi Medida Provisória que foi um dos filmes mais comentados do ano e isso aconteceu por vários motivos. O principal deles é que o cinema brasileiro atravessou quatro anos de vacas magras sem muito apoio para sua produção e ver um filme de forte viés político como a estreia de Lázaro Ramos na direção é um grande feito. Outro motivo que despertou muita curiosidade é o fato do filme abordar uma distopia (isso mesmo, aquela palavra que virou moda para filmes de ficção científica nos Estados Unidos em que um futuro não muito distante nos guarda um destino pouco agradável). No futuro em questão não se fala mais sobre negros, mas pessoas com "melanina acentuada" ou então "melaninados". Em busca de  reparações históricas, o governo acaba de aprovar uma indenização para descendentes de escravos no Brasil  e quando a primeira senhora vai sacar o dinheiro, um problema impede o recebimento. Este é o primeiro fato que aponta para a ferida de que a ideia de reparação agrega um benefício político para as classes governantes que almejam o título de politicamente corretas ou inclusivas, mas falta vontade para realizar. A coisa então remete à outra solução, bancar o retorno de pessoas com ascendência africana para a terra de seus antepassados, a África. A ideia estapafúrdia surge envolta de um marketing altamente positivo, mas que é vista com desconfiança por alguns. Se a proposta começa como opcional, logo a coisa se torna autoritária ao determinar que todas as pessoas que lembrem "levemente" características africanas devem ser deportadas. Começa então uma verdadeira caçada aos cidadãos que não desejam de forma alguma sair do seu país de origem. Nestes dois pontos existem os elementos mais interessantes do filme, o primeiro é como um discurso é apropriado pela classe dominante de forma tão dissimulada ao ponto de ser totalmente distorcida em sua ideia matriz. O outro é a fragilidade de um convivência inter-racial pacífica fajuta que não precisa de muito para revelar os preconceitos que se escondem abaixo da superfície. Em outros tempos eu diria que esta minha afirmação é um exagero, mas tendo em vista a realidade escancarada dos discursos de ódio nas redes sociais, vemos que uma estapafúrdia Medida Provisória 1888 vista no filme (não por acaso, ano da Lei Áurea) traria os mesmos desdobramentos que vemos no filme. Merecem destaque no filme várias frases que remetem diretamente ao simulacro que presenciamos diariamente, além de alusões históricas de ontem (como a ideia de branqueamento nacional) ou de hoje ("como não vimos o que estava acontecendo, como foi que rimos disso?"). Como diretor Lázaro Ramos traz um belo gosto pela provocação e sabe conduzi-la com drama e até algum humor, mas ao estabelecer o centro da narrativa no casal Capitu (Taís Araújo) e Antônio (o internacional Alfred Enoch) o filme mantem um belo fio condutor para o que tem em mãos, mas que encontra no desfecho um problema. Diante da abrasiva alegoria que constrói ao longo da sessão, o final, ainda que poético, não consegue fechar a história que tinha em mãos de forma satisfatória. Podem dizer que simboliza que a luta  (ou a resistência, termo utilizado várias vezes no filme) continua, mas me pareceu que a genial ideia do filme ficou no meio do caminho (assim como aquela cena sobreposta da morte de dois personagens quase ao mesmo tempo, que pretende emocionar num manifesto antiviolência, mas que não tem desdobramento algum na vida dos outros personagens, seja de quem viu, quem matou ou quem sofre), se faltou amarrar estes momentos, sobram aqueles diálogos que pretendem narrar o que já estamos vendo na tela e, por isso mesmo, são desnecessários. Medida Provisória é um filme interessante e necessário, mas parece não se dar conta dos valiosos desdobramentos que deixa pelo caminho, no entanto, Lázaro Ramos tem uma estreia bastante promissora como cineasta. 

Medida Provisória (Brasil/2022 - Brasil) de Lázaro Ramos com Alfred Enoch, Taís Araújo, Seu Jorge, Adriana Esteves, Renata Sorrah, Luis Miranda, Flávio Bauraqui, Mariana Xavier e Paulo Chun. 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Ciclo Verde e Amarelo: Meio Irmão

 
Sandra e Jorge: tentando se manter de pé. 

Quando conhecemos Sandra (Natália Molina) ela já parece um tanto acostumada com o desaparecimento da mãe. Existe aquela sensação estranha que a mãe já fez isso outras vezes e, na expectativa dela retornar algum dia, as horas foram passando, se acumulando e ela foi se dando conta de que ela nunca ficou tanto tempo longe. Sem receber notícias, a ausência começa a pesar por conta de situações que dependiam de sua responsável para resolver. Sandra começa a sofrer ameaças de despejo pelo aluguel atrasado, tem luz e água cortadas, o que a deixa cada vez mais arredia e até agressiva na escola. O pai não se preocupa com o que está acontecendo, já que separado há algum tempo das duas, já está um tanto saturado do comportamento da ex-mulher, mas nada que justifique a total negligência com relação à sua filha. Sem ter para quem recorrer, Sandra começa a realizar pequenos furtos na vizinhança (inclusive de baldes de água para tomar banho), até que cruza o caminho de seu meio-irmão, Jorge (Diego Avelino) com quem parece ter convivido durante algum período da infância, antes que ele optasse por viver com o pai (Francisco Andrade). Jorge e o pai são bem próximos, mas o rapaz ainda tem dificuldades para assumir a atração que sente por um amigo tatuador (Dico Oliveira) - e um incidente problemático deixará a situação ainda mais delicada entre os dois. Quando se reencontram a relação entre  Sandra e Jorge não é das melhores, os dois cresceram e se afastaram, existem traços de ressentimentos, ciúme e até rancores por conta de uma relação que ao invés de se sustentar ao longo do tempo, só intensificou a distância. O filme de Eliane Coster parte da ideia do abandono parental para entrelaçar uma interessante rede de relações entre seus personagens, contrastando a ausência da mãe com a presença atenciosa do pai de Jorge, o afeto aparece aqui e ali em relações um tanto cruas (e por vezes violentas), mas surge de forma bastante impactante em cenas como os meio irmãos no necrotério ou na cena de sexo sem firulas em que a câmera não desvia da nudez masculina. O cenário da periferia paulistana funciona bem como abrigo aos personagens, mas o roteiro cria para si um problema ao ampliar sua rede de personagens e situações sem desenvolver todas plenamente (e por vezes eu pensei se acabou o dinheiro e o filme ficou pronto com o que deu para fazer), porém o filme se beneficia muito das atuações de seu elenco desconhecido que imprime muita sinceridade nas cena, além de utilizar um humor discreto que se encaixa com perfeição na narrativa. Ainda que não alcance todos os pontos que propõe, Meio Irmão pode ser visto como um filme surpreendente perante o que apresenta. 

Meio Irmão (Brasil - 2020) de Eliane Coster com Natália Molina, Diego Avelino, Francisco Gomes, Dico Oliveira e André Andrade. ☻☻

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

CICLO VERDE E AMARELO: Marighella

Seu Jorge: escolha criticada em atuação premiada. 

Lançado no final do ano passado após diversos adiamentos, Marighella, o filme de estreia de Wagner Moura na direção já chegava aos cinemas com uma campanha de divulgação que aconteceu quase que por conta própria. Seja pela audácia de contar a história de um personagem histórico que lutou contra o regime militar (levando em conta o cenário político nacional recente), seja por ter escolhido Seu Jorge para viver o protagonista ou pelas diversas vezes em que foi apontada censura sob a não chegada dos filmes na telona. No fim das contas, quando o filme estreou havia tanto burburinho em torno dele que seria até difícil separar o que ele representava de suas qualidades cinematográficas. Entre discursos de direita e esquerda tentarei falar sobre o filme. Não resta dúvidas que diante de toda sua experiência em produções cinematográficas nacionais ou internacionais, Wagner Moura aprendeu direitinho como fazer cinema com C maiúsculo, afinal, sua qualidade técnica é invejável. Seu Jorge dá conta com grande vigor do personagem, apresentando suas convicções, sem perder de vista os traços que lhe tornou um líder carismático da Ação Libertadora Nacional, que reunia pessoas em prol da causa de "libertar o povo brasileiro da opressão". Como o filme repete várias vezes, "a mídia estava amordaçada" e o ponto de vista do grupo nunca era divulgado, deixando que fossem vistos no limiar entre a militância e o crime. Para dar um suporte dramático ao lado histórico do filme, o texto tenta contar a história de personagens que estavam em torno do protagonista, abordando seus dilemas pessoais de forma bastante concisa, sejam jovens, jornalistas ou líderes que veem na figura do policial Lucio (vivido por Bruno Gagliasso) a encarnação da opressão. Obviamente que o filme toma algumas liberdades para tornar sua trama mais envolvente, se enrola em algumas situações que parecem não ter muita serventia (como o assalto ao trem ou a entrada no banco com o filho por perto), despeja cenas de violência bastante gráfica (de fazer fechar os olhos nas cenas de tortura) e romantiza alguns personagens. Enfim, faz o filme com todos os ingredientes necessários para embalar um thriller político interessante. No entanto, alguns pontos me incomodaram, como o uso de frases feitas um tanto batidas e a dificuldade de fazer um corte final no filme, perto do final ele já me parecia interminável... e aquelas cenas finais sucessivas só aumentaram esta impressão. No entanto, nada que prejudique a estreia audaciosa de Wagner Moura na direção, ainda que ele carregue muito do estilo de José Padilha (Tropa de Elite/2007)  na direção, o moço tem tudo para fazer bonito em seus projetos atrás das câmeras. O filme concorreu a 17 categorias no Grande Prêmio Cinema Brasil e levou oito para casa, incluindo Melhor Filme, Direção e Melhor Ator (Seu Jorge). 

Marighella (Brasil-2019) de Wagner Moura com Seu Jorge, Bruno Gagliasso, Adriana Esteves, Humberto Carrão, Luiz Carlos Vasconcelos, Herson Capri, Bella Camero e Jorge Paz. ☻☻

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Ciclo Verde e Amarelo: Mar de Dentro

 
Monica e Rafael: aprendizados com as armadilhas da vida. 

Manu (Monica Iozzi em sua estreia no cinema) é uma publicitária que já sai a algum tempo com Beto (Rafael Losso), os dois estão cada vez mais próximos e quando consideram que tudo já está bom o suficiente, ela se descobre grávida. Diante da surpresa ela não sabe muito bem o que fazer, mas aos poucos percebe que o parceiro está disposto a manter um relacionamento sério e assumir as responsabilidades do que pode ser o início de uma família. Tudo vai bem até que um golpe do destino muda a vida deles. Dirigido por Dainara Toffoli, o filme Mar de Dentro parece ser um filme simples, mas torna-se surpreendente pela forma como desenvolve sua história em cima das mudanças que acontecem na vida de sua protagonista. O que em muitos filmes é visto de forma cômica ou romantizada, aqui é apresentado de forma muito honesta e sincera, os enjoos, a sensação de solidão, as dores, as mudanças no corpo, a hora do parto, a mudança de rotina, a volta ao trabalho, os palpites dos outros e até a armadilha de ter que achar-se auto-suficiente para lidar com o novo dia-a-dia surgem na tela. O texto de Dainara e Elaine Teixeira transborda a sensação de que a maternidade é algo tão transformador como assustador e, embora Manu tenha uma vida financeira confortável para conseguir pagar duas babás, isso não a exime de ter que encontrar diversas vezes o equilíbrio de sua vida enquanto profissional, mãe e mulher. Gosto muito da forma como o filme se desenvolve principalmente através de imagens, sem ficar entregando tudo mastigadinho para o espectador, deixando que a plateia preencha as lacunas deixadas ao longo da narrativa. Neste ponto, outro destaque é o trabalho de Monica Iozzi que está perfeita na pele de Manu. Lembro de Monica quando ela foi escolhida como apresentadora do finado CQC e de lá para cá ganhou prêmios como apresentadora e até se aventurou por novelas, mas nada que se compara com seu trabalho intimista de grandes olhos expressivos que sabem transmitir o que se passa na mente da personagem. Durante a sessão o filme aponta vários caminhos que deixa de seguir (aborto? Luta pela guarda do filho? Depressão pós-parto?) e opta por desenvolver sua história a partir da personagem que observa a realidade e modifica a forma como lida com ela. Não por acaso, a belíssima cena final é um bálsamo perante tantas tempestades enfrentadas ao longo do caminho, além do enquadramento que evoca diretamente a ideia da família reunida mais uma vez. Fugindo da comodidade, o roteiro sutil acerta em cheio. Filmão. 

Mar de Dentro (Brasil - 2020) de Dainara Toffoli com Monica Iozzi, Rafael Losso, Gilda Nomacce, Fabiana Guglielmetti, Zé Carlos Machado e Magali Biff. ☻☻

terça-feira, 15 de novembro de 2022

CICLO VERDE E AMARELO: A Viagem de Pedro

 
Cauã: imperador à beira da loucura. 

A cineasta Laís Bodansky já participou de tantos projetos interessantes que sempre que algum novo filme dela é lançado minha curiosidade começa a soar uma espécie de alarme. Foi assim também com A Viagem de Pedro - que desde o início me causou estranhamento a ideia de ter Cauã Reymond na pele de Dom Pedro I. Imaginar o galã na pele de um herdeiro real português deve ter sido a tarefa mais difícil no início do filme, talvez, por isso eu considere que a produção demora para engrenar. O filme conta a história real da viagem do Pedro I de volta à Portugal em 1831 para guerrear com seu irmão, D. Miguel (Isac Graça) e colocar sua filha no trono. Na viagem, Pedro deixou seu filho de cinco anos reinando no Brasil e saiu daqui sobre gritos de uma população que não o enxergavam como digno de ser um imperador brasileiro. Da mesma forma, os portugueses também tinham dificuldade em vê-lo como digno de reinar por lá, já que seus pais vieram para o Brasil fugindo de Napoleão Bonaparte quando ainda era pequeno. Durante a viagem do título, o filme pretende abordar estas e outras questões de forma romantizada, já que não existem registros sobre o que se passava na cabeça de Dom Pedro I durante a longa viagem. Assim, o filme torna-se cada vez mais interessante conforme investe nos delírios, pesadelos e lembranças deste personagem histórico, sem deixar de lado todas as especulações sobre o fato de ter contraído sífilis em suas inúmeras aventuras sexuais e as crises de epilepsia ao longo da viagem. O relacionamento com suas esposas e amantes aparecem em algumas cenas, assim como vários diálogos sobre sua impotência sexual e outros detalhes de alcova (e muita nudez, inclusive). Filmado de forma claustrofóbica, o filme consegue transformar toda sua ambientação cênica em uma espécie de labirinto mental do protagonista (e Cauã Reymond quanto mais doido fica, melhor funciona). No filme se fala várias línguas (identifiquei pelo menos cinco) e confere à viagem a ideia de uma verdadeira Torre de Babel, sem perder de vista os toques anacrônicos que aparecem aqui e ali (alguns diálogos parecem ouvidos na esquina e provocou algumas risadas enquanto eu assistia, a relação dele com os escravos também não parece verossímil), mas o que mais me incomodou foi a sensação que o barco estava parado o tempo inteiro até chegar em Portugal (!). No fim das contas A Viagem de Pedro é um grande devaneio sobre uma viagem histórica importante, pena que quando as viagens criativas não acontecem o filme seja bastante cansativo. 

A Viagem de Pedro (Brasil - Portugal / 2022) de Laís Bodanzky com Cauã Reymond, Luise Heyer, Francis Magee, Welket Bungué, Izabel Zuáa, Luísa Cruz, Isac Graça e João Lagarto. ☻☻

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

CICLO VERDE E AMARELO: Meteoros

 
Pavoski: amadurecimento pós-apocalipse. 

Filmes sobre a passagem da adolescência para a vida adulta são bastante comuns e já se tornaram até um gênero cinematográfico ("coming of age") e, na grande maioria das vezes, o desafio de seus realizadores é conjugar o interesse sexual de seus personagens com desventuras um tanto inusitadas. Quando mais imprevisíveis são as desventuras, mais original o filme parece. Se em diversas outras sociedade existiam ritos que marcavam a passagem para a vida adulta, a nossa sociedade carece deste momento, o que confere ainda mais importância para a finalização do Ensino Médio, a ida para a faculdade e o primeiro emprego. O final do Ensino Médio é o período vivenciado pelos amigos Fralda (Matheus Pavoski) e Tito (Vinícius Beu). Os dois se conhecem há muito tempo e estão ansiosos para iniciarem suas vidas sexuais  - o que rende alguns problemas junto às meninas da escola. Em sua parte inicial, o filme não difere muito do que vemos em filmes adolescentes já realizados centenas de vezes, a diferença fica por conta do momento em que os dois bolam um plano de levar algumas garotas para um sítio afastado da cidade no carro que Tito acaba de comprar e... tudo sai errado. Na companhia de algumas drogas, a dupla irá para uma cidade deserta e passará por alguns apuros que podem custar até a vida deles. Meteoros é o filme de estreia de Luis Carone, que possui experiência em séries como Pico da Neblina (HBO) e Cidade Invisível (Netflix), o rapaz sabe contar sua história e aqui o faz num filme adolescente dividido em três atos: no primeiro é a típica comédia adolescente sobre namoro, no segundo é sobre a ideia de insegurança e isolamento de quem se perdeu no mundo e acha não vai encontrar de novo o caminho de casa (uma simbologia interessante perante as angústias dos amigos que mudam de foco conforme colocam a vida em risco), já a terceira é aquela em que precisam assumir responsabilidade e agir por conta própria para sair da enrascada em que se meteram, nesta parte, ainda precisem notar que precisam da ajuda de adultos, colocar a amizade sob nova perspectiva e, principalmente, deixar algumas ilusões de lado. Entre os atos que possui, meteoros subverte tudo o que achamos dele, até que o inevitável acontece com Fralda (Pavoski não convence como um rapaz de dezoito anos, mas a forma como o interpreta em desajeitada presença física até que funciona) que passa a ser chamado pelo seu nome e não mais pelo apelido infantilizante. No entanto, o destaque do elenco vai para a participação de Cyria Coentro que rouba a cena dos dois aventureiros sem fazer muito esforço. Meteoros é um bom filme sobre assumir responsabilidades e crescer além do tamanho e pelos pubianos. 

Meteoros (Brasil-2022) de Luis Carone com Matheus Pavoski, Vinícius Beu, Cyria Coentro e Carol Medeiros. ☻☻

domingo, 13 de novembro de 2022

CICLO VERDE E AMARELO: Os Primeiros Soldados

 
Reanata e Johnny: ótimas atuações em meio à chegada do HIV. 

Começando o Ciclo Verde e Amarelo de 2022, escolhi um filme que assisti meio que por acaso numa noite dessas. Trata-se de "Os Primeiros Soldados", que aborda um tema ainda pouco explorado no cinema brasileiro. Aqui temos a história de Suzano (Johnny Massaro) que passou um tempo na Europa antes de voltar para sua cidade natal para visitar a irmã (Clara Choveaux) e o sobrinho no Espírito Santo. O ano é 1983, mas durante o período em que esteve fora nada parece ter mudado com relação à vida de homossexuais em suas cidade, afinal, eles continuam se encontrando de forma clandestina e sofrendo preconceitos de formas variadas. Se para ele a realidade já é complicada, imagine para Rose (Renata Carvalho), uma travesti discriminada no transporte público ou no hospital em que grita por atendimento. A coisa só complica com uma doença diferente que ninguém sabe como é transmitida ou como tratar. Estamos nos anos 1980. O HIV começava a surgir no Brasil e contaminar principalmente um grupo já discriminado, adepto do sexo livre (presente da contracultura das décadas anteriores) e que era visto de forma marginalizada pela sociedade, especialmente quando a chamada "peste gay" apresentava seus primeiros sintomas. Dirigido por Rodrigo de Oliveira, Os Primeiros Soldados faz alusão aos primeiros que foram para a frente de batalha do enfrentamento da AIDS em meio a todos os mecanismos sociais que os discriminavam e não faziam a mínima ideia de como lidar com um vírus que liquidava a imunidade do organismo humano. A ideia do título fica ainda mais forte quando Suzano e Rose se juntam a Humberto (Vitor Camilo) numa casa de campo utilizando recursos enviados pelo parceiro estrangeiro de Suzano, no que seria a busca de um tratamento que ainda era experimental. O diário de bordo realizado pelo trio torna o filme ainda mais angustiante, seja pelo isolamento, seja pela falta de perspectivas e a ideia de que a morte está cada vez mais perto. A atmosfera de festas e conquistas sexuais logo é substituída por uma mais fúnebre e desesperançada, construindo um retrato bastante eloquente do período em que a trama se passa. Johnny Massaro apresenta aqui mais um belo trabalho, no início com um tom afetado que aos poucos se diluí em olhos marejados. Ele está muito bem acompanhado de Renata Carvalho (que também aparece no forte Vento Seco/2020, excelente na pele de uma mulher trans artista que ainda é rotulada de transformista. Os Primeiros Soldados é tão contundente que parece até ser uma dolorosa história verídica. Talvez seja. 

Os Primeiros Soldados (Brasil-2021) de Rodrigo de Oliveira com Johhny Massaro, Renata Carvalho, Clara Choveaux, Vitor Camilo e Alex Bonini. ☻☻☻

sábado, 12 de novembro de 2022

10+ Cotados para o Oscar 2023

 As conversas sobre o Oscar já estão bem avançadas e alguns filmes cotados já até estrearam por aqui. Top Gun: Maverick tem chances crescentes após fazer o dever de casa direitinho e pode até trazer Tom Cruise de volta ao gosto da Academia após longo jejum. Outro que pode ser lembrado é Elvis de Baz Luhrman, que pode deixar para trás outras biopics para trás - incluindo Blonde (Ana de Armas bem que merecia uma indicação) e I Wanna Dance With Somebody que conta a carreira da diva Whitney Houston. Quem parece ter lugar garantido é Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que deve abocanhar várias indicações com sua história doida e cheia de sentimento. Alguns com assinaturas de prestígio já floparam pelo caminho, caso de The Son de Florian Zeller (podem chorar por Hugh Jackman, parece que a indicação não sai), White Noise de Noah Baumbach deve ficar pelo meio do caminho assim como Bardo de Alejandro Gonzalez Iñárritu (ambos da Netflix). Porém, a gigante do streaming tem um grande trunfo com todos os elogios de Nada de Novo no Front, o impressionante filme alemão que deve marcar presença em várias categorias enquanto desponta como favorito ao prêmio de filme internacional. A seguir outros filmes que possuem chances ampliadas nesta temporada de ouro: 

#01 "Aftersun" de Charlotte Wells 
Ao que tudo indica este filme banhando de doçura e melancolia sobre o encontro de pai e filha é o queridinho indie da temporada. Aclamado em suas exibições, o filme é contado a partir das memórias de uma mulher sobre suas férias no verão da Turquia ao lado do pai quando ainda era criança. Paul Mescal (que ficou conhecido por Normal People/2020) pode ser indicado pela primeira vez ao Oscar enquanto o filme tem chances em demais categorias, como roteiro original e até Melhor Filme pelo seu tom singelo. 

#02 "Babylon" de Demian Chazelle
Todos os filmes de Chazelle foram indicados ao Oscar, embora tenha chamado atenção com Whiplash (2014), ganho o prêmio de melhor direção por La La Land (2016), seu filme seguinte O Primeiro Homem (2018) foi lembrado somente em categorias técnicas, mas parece que com Babylon a coisa será diferente. O filme sobre a transição do cinema mudo para o falado promete fazer barulho na temporada de ouro. O filme é estrelado por Margot Robbie, Brad Pitt, Tobey Maguire, Jean Smart e Olivia Wilde e promete ser um daqueles de encher os olhos. 

#03 "Empire of Light" de Sam Mendes
Acham que Sam Mendes olha para sua estante e vê o Oscar recebido por sua brilhante estreia como diretor em Beleza Americana (1999) e imagina que já passou da hora de ganhar outro. Ele chegou perto com 1917 (2020), mas agora ele aposta em um filme que costuma cair no gosto da Academia: um filme sobre cinema. A trama mistura as lembranças de uma dona de sala de cinema e os problemas que possui para manter o empreendimento aberto, rendendo paralelos entre a vida e a arte. No elenco estão Colin Firth, Tobey Jones, Micheal Ward, mas quem tem chance mesmo de conquistar indicação é Olivia Colman (mais uma vez). 

#04 "She Said" de Maria Schrader
A Academia costuma curtir filmes sobre matérias jornalísticas, agora imagina um longa sobre um dos escândalos mais recentes da indústria do cinema. O longa recria a investigação das duas repórteres do New York Times (Carey Mulligan e Zoe Kazan) que ajudou a deflagrar o movimento #MeToo após diversas denúncias de abuso sexual nos bastidores de Hollywood. O filme pode ser lembrado nas categorias de filme, roteiro adaptado, atriz (Zoe Kazan) e atriz coadjuvante (Carey Mulligan). 

#05 "TÁR" de Todd Field
Todd Field não dirige um filme desde o excelente Pecados Íntimos/2006 (que o indicou ao Oscar de roteiro adaptado). Em 20 anos de carreira, este é apenas o terceiro filme dirigido pelo cineasta (o que é uma pena) e, ao que parece, seu talento para conduzir atores permanece intacto. Cate Blanchett interpreta a aclamada maestra Lydia Tár (personagem que é tão bem escrito que parece existir de verdade), mas que está prestes a cair em desgraça. Cate já é a favorita ao prêmio de melhor atriz da temporada, mas o filme também deve ser lembrado em categorias como filme, direção, roteiro original, montagem, fotografia e som. 

#06 "Till" de Chinonye Chukwu 
Enquanto muitas favoritas ao Oscar vão ficando pelo caminho,  o nome de Danielle Deadwyller cresce entre as apostas para cravar uma indicação. A Academia adora reconhecer o talento de novas estrelas entre suas indicações e a atriz está perfeita como a mãe com sede de justiça após seu filho ser assassinado brutalmente. Outro nome importante no elenco é Whoopi Goldberg que retorna às telas após um bom tempo sem papéis de destaque. O filme ainda pode concorrer em categorias como figurino e fotografia. 

#07 "The Banshees of Inisherin" de Martin McDonagh
Se podemos apontar um favorito ao prêmio de coadjuvante da temporada ele é Brendan Gleeson. Gleeson nunca foi indicado ao Oscar, mas está colhendo grandes elogios por sua performance em sua nova parceria com o diretor. Ao seu lado está Colin Farrell (outro querido do cineasta). Eles vivem dois amigos que depois de muito tempo rompem a amizade sem maiores explicações. Enquanto o personagem de Farrell fica devastado em busca de uma explicação o roteiro se desenvolve de forma surpreendente. O filme está cotado para as categorias principais (incluindo as de atuação). 

#08 "The Fabelmans" de Steven Spielberg
Fosse organizada por ordem de favoritismo, a nova empreitada de Steven Spielberg apareceria no algo desta lista. Recentemente exibido nos cinemas dos Estados Unidos, o filme coleciona elogios e soube transformar toda a expectativa em torno dele em favoritismo. Aqui, Spielberg revisita sua vida familiar e o nascimento de seu gosto pelo cinema de forma bastante emocionada. No elenco estão Michelle Williams no papel da mãe (e cotada como favorita na categoria de atriz coadjuvante), Paul Dano como o pai que vai embora e o prodígio Gabriel Labelle como protagonista. 

#09 "The Whale" de Darren Aronofsky 
Depois da aclamada estreia no Festival de Veneza, o novo filme de Aronofsky volta a ser mais intimista e conta a história de um professor com mais de duzentos quilos que deseja se reconciliar com a filha. Poderia ser só mais um filme dramático, não fosse pela assinatura valiosa de seu diretor e o marco do ressurgimento de um ator que há muito merecia retomar seu destaque em Hollywood: Brendan Fraser. Ele deve ser indicado ao Oscar de melhor ator e, se tudo der certo, deve sair premiado da noite. Com destaque também para as atuações de Sadie Sink e Samantha Morton, ambas podem ser indicadas também.  

#10 "Women Talking" de Sarah Polley
Falando de temas bastante atuais com sensibilidade, Sarah Polley pode finalmente ser indicada ao Oscar de direção pela primeira vez. Faz tempo que a atriz canadense dedica mais seu tempo à carreira de cineasta e aqui conta a história de um grupo de mulheres que vivem em uma comunidade religiosa isolada no ano de 2010. Com texto marcante e atuações inspiradas de Claire Foy, Frances McDormand, Rooney Mara, Jessie Buckley e Ben Whishaw, o filme deve ser um dos mais lembrados pela Academia. 

PL►Y: Passei por Aqui

McKay: grafiteiro em apuros. 

Passei por Aqui estreou na Netflix mês passado e chamou atenção de público e crítica pela sua atmosfera com tonalidades políticas (o que sempre dá um sabor especial a este tipo de filme). A produção é o novo projeto do diretor que fez bonito em sua estreia com Sob a Sombra (2016) e depois realizou o estranho Contato Visceral (2019). Em todos os seus projetos, nota-se que Anvari tem uma preocupação com temas atuais e criatividade suficiente para abordá-los com pitadas de fantasia e terror. Aqui ele deixa de lado o que seus filmes podem ter de mais fabuloso e finca os dois pés no chão para contar uma história que passa o foco da narrativa a cada um dos seus personagens, algo como uma troca de bastão. O filme começa com o rebelde grafiteiro Toby (George MacKay) que costuma invadir casas de endinheirados com o amigo Jameel (Percelle Ascott), a dupla deixa a frase do título escrita nas paredes e começa a ganhar atenção dos jornais. A mãe de Toby, Lizzie (Kelly MacDonald) não faz a mínima ideia do que o filho anda fazendo nas ruas (já que em casa ele não lava sequer a louça). O discurso rebelde contra o sistema é o que motiva o rapaz a continuar em suas desventuras, mas a coisa complica quando ele vai parar na casa de um figurão público da advocacia, Hector Blake (Hugh Bonneville), e descobre um chocante segredo escondido no porão daquele homem. Blake é cultuado como uma figura importante na defesa de refugiados, mas Toby descobre que sua persona é bem mais sinistra do que aparece nos telejornais. Conforme Blake ganha contornos de vilão, o filme começa a sepultar seu elenco de forma um tanto cansativa e perde alguns pontos quando começa a buscar uma causa estapafúrdia para as atitudes do ricaço (mas não dá para esperar muita lógica na mente de gente doida). Embora perca o ritmo aqui e ali enquanto firma o personagem de Hugh Bonneville como personagem principal, Passei por Aqui é um bom suspense sobre o que se esconde por trás do discurso sedutor de alguns cidadãos de bem, pena que as vidas que ficam pelo caminho não retornam para um final feliz.

Passei por Aqui (I Came By/Reino Unido - 2022) de Babak Anvari com George MacKay, Hugh Bonneville, Percelle Ascott, Kelly BacDonald, Antonio Aakeel, Franc Ashman e Tarik Badwan.