sexta-feira, 30 de setembro de 2016

N@ CAPA: Festival de Veneza


Setembro é o mês em que os estúdios começam a dar as cartas para a temporada de ouro que se aproxima. Entre quem mostra as garras, sobe ou desce existem dois festivais que fizeram a glória cinéfila durante o mês. O mais recente foi o cada vez mais influente Festival de Toronto que coroou La La Land de Damien Chazelle como o grande favorito da temporada (pelo menos por enquanto). O curioso é que o bem mais tradicional Festival de Veneza também rendeu atenções para o musical de Chazelle, especialmente para a sua estrela, Emma Stone que saiu de lá premiada como a melhor atriz do Festival! Se em 2016 Toronto chegou a sua 40ª edição, o da cidade italiana de Veneza é bem mais antigo, sendo realizado desde 1932! Desde o início, o festival concede o Leão de Ouro ao filme que é considerado o melhor de sua mostra competitiva. O cobiçado prêmio já foi para diretores de prestígio como Jean Renoir (Adeus à Terra/1946), Laurence Olivier (Hamlet/1948), Akira Kurosawa (Rashomon/1951), Michelangelo Antonioni (Deserto Vermelho/1964), Luchino Visconti (Vagas Estrelas da Ursa/1965), Luis Buñuel (A Bela da Tarde/1967), John  Cassavetes (Gloria/1980), Louis Malle (Atlantic City/1980 e Adeus Meninos/1987), Win Wenders (O Estado das Coisas/1982), Robert Altman (Short Cuts/1993), Neil Jordan (Michael Collins/1996), Mike Leigh (Vera Drake/2004), Ang Lee (Brokeback Mountain/2005 e Desejo e Perigo/2007), Darren Aronofsky (O Lutador/2008), Sofia Coppola (Um Lugar Qualquer/2010) e muitos outros. Com esse histórico não é de se estranhar que nos últimos anos o Festival homenageou em seus cartazes alguns filmes que ajudaram a construir a história do cinema. São essas homenagens prestadas nos últimos cinco anos de festival que formaram a capa do blog em setembro:

"E La Nave Va" de Federico Fellini 
69ª edição - 2012

"A Eternidade e um Dia" de Théo Angelopoulos
70ª edição - 2013

"Os Incompreendidos" de François Truffaut
71ª edição - 2014

"Paris, Texas" de Win Wenders 
72ª edição - 2015

"Momento de Expectativa" por Simone Massi
73ª edição - 2016

Os pôsteres foram criados pelo animador Simone de Massi que ganhou o prêmio de curta-metragem do Festival em 2012 e desde então foi convidado para criar os cartazes de Veneza. Para o trabalho da última edição, o artista se inspirou no "abrir das cortinas", aquele momento de expectativa que precede a abertura do evento. Além disso, criou uma sequência de abertura com 300 ilustrações em homenagem a grande cineastas, bebendo na mesma fonte dos cartazes criados nos últimos anos.  

HIGH FI✌E: Setembro

Cinco filmes assistidos em setembro que merecem destaque:

A Marvada Carne (1985) de André Klotzel
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Chocolate (2015) de Roschdy Zem
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De Onde Eu Te Vejo (2016) de Luiz Villaça
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Muitos Homens Num Só (2014) de Mini Kerti
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99 Casas (2015) de Ramin Bahrani
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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Na Tela: Demônio de Neon

Elle: beleza na estética bizarra de Neon Demon

Para a maioria do público Demônio de Neon será forte candidato ao posto de filme mais bizarro do ano, já para os fãs do cineasta Nicolas Winding Refn o filme será o mais puro deleite! Eu já comentei aqui no blog que para o cineasta dinamarquês a violência é um elemento narrativo poderoso. Quem  o acompanha desde a trilogia Pusher (iniciada em 1996) sabe disso. Quem conheceu Guerreiro Silencioso (2009) também -  mas quem curtiu somente o seu maior sucesso, Drive (2011) irá estranhar, porém menos que o mediano Só Deus Perdoa (2013). No entanto, Em Neon Demon, ele mantem a violência sempre presa, espreitando os personagens (até que explodir no final). A história não traz nenhuma novidade: conta a história de uma jovem Jesse (Elle Fanning) que se muda para Los Angeles para tornar-se modelo. Lá ela conhece um mundo cheio de jogos de aparência, falsidades, futilidades e traições, onde ela sempre fica preocupada sobre em quem pode confiar, seja no namorado (Karl Glusman), no gerente do hotel onde mora (Keanu Reeves), na maquiadora que torna-se sua amiga (Jena Malone) ou nas modelos esnobes e plastificadas que sempre cruzam o seu caminho (vividas por Bella Heathcote e Abbey Lee). Seria muito fácil simplificar o filme e dizer que trata de como esse ambiente horrivelmente hostil corrói a beleza inocente de Jesse, na verdade, mais uma vez, Refn está preocupado na criação de um mundo próprio, por isso, ele demonstra tanto capricho com a estética do seu filme. Seja pelo uso das cores, da trilha sonora com sintetizadores (que misturam música de filme de terror com trilha de contos de fadas), dos cenários e figurinos, tudo colabora para que a história seja contada num ambiente tão atraente como artificial. Essa artificialidade proposital funciona como uma crítica ao sempre cultuado mundo da moda, mas está longe de ser original - e por isso mesmo a proposta de inserir a crítica mais na estética do que no roteiro funciona melhor do que se imagina. Por outro lado, não espere muitos diálogos (quase tudo é implícito e traduzido por imagens) ou profundidade nos personagens (todos estão ali para apenas transitar em torno de Jesse e expressar sua admiração ou inveja pela personagem - que é muito bem defendida por Elle Fanning em todos os seus aspectos, do luminoso ao obscuro). Além da protagonista, outra atuação que se destaca é Jena Malone, que defende uma personagem complicada com absoluta coerência até a sinistro último ato. Vale dizer que o último ato deu o que falar em Cannes, já que deixou a plateia perplexa e cheia de risos (nervosos?). Seja como for, o final combina com o olhar (sem trocadilho, por favor) de Refn para o universo devorador que construiu com tanto esmero para um dos filmes mais curiosos do ano. 

Demônio de Neon (Neon Demon/França-Dinamarca-EUA) de Nicholas Winding Refn com Elle Fanning, Jena Malone, Karl Glusman, Keanu Reeves, Bella Heathcote, Abbey Lee, Alessando Nivolam e Christina Hendricks. ☻☻☻

Pódio: Ewan McGregor

Bronze: o bom moço gay!
O Golpista do Ano (2009)
O filme estrelado por Jim Carrey não é ruim, mas pode ser considerado um desastre já que sua acidez não agradou o público e a crítica - e caiu numa espécie de limbo. A trama sobre um vigarista homossexual (Carrey), Ewan McGregor interpreta a grande paixão do protagonista - e o faz de um jeito tão encantador que torna bastante compreensível os sentimentos que o tal golpista sente por ele. Diante dos exageros de Carrey é Ewan que rouba a cena como seu grande objeto de afeição (e ele nem precisa de muitas cenas para isso). 

Prata: o escritor cantante!
Moulin Rouge (2001)
Ewan McGregor já era saudado como um dos melhores atores a da segunda metade dos anos 1990, mas ele começou o século XXI provando que sabia cantar e posar de galã indestrutível ao lado de Nicole Kidman no musical frenético de Baz Luhrman. Na pele do escritor Christian ele vive um romance proibido com a cortesã Satine enquanto prepara um musical deslumbrante no famoso estabelecimento francês. Com canções do século XX (e estilizado até o osso) o musical seria bem menos interessante sem a química entre o casal protagonista. 

Ouro: o junkie delirante
Trainspotting (1996)
Mesmo depois de tantos filmes, eu ainda considero o papel do viciado em heroína Mark Renton o melhor na carreira do escocês. A saga junkie dirigida por Danny Boyle revelou Ewan para o mundo (antes eles fizeram Cova Rasa/1994, o primeiro longa de Boyle). Em seu quarto filme, McGregor precisou perder peso para dar conta do personagem, no entanto, conseguiu mais do que isso: criou um personagem icônico na história do cinema! McGregor abraça Renton de tal forma que nossa empatia por ele é inevitável! Recentemente o ator disse que o roteiro da continuação é ótimo... mas sem previsão de chegar às telas! Nada é perfeito...

Na Tela: Os Últimos Dias no Deserto

Ewan: um homem e seus conflitos. 

Filho de Gabriel García Marques, o cineasta Rodrigo García tem uma sensibilidade notória desde a sua estreia no cinema (com o ótimo Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela/2000), essa sensibilidade que faz suas tramas se movimentem em torno das relações entre os personagens. O interessante é que mesmo diante da abordagem de um tema religioso, o cinema de García funciona da mesma forma. Em Os Últimos Dias no Deserto ele especula sobre o que teria acontecido nos 40 dias em que Jesus se afastou do mundo, segundo o roteiro (do próprio cineasta) este foi um período crucial para que Cristo lidasse com seus próprios conflitos e indagações diante da missão que o Deus lhe confiou. No início, Jesus (Ewan McGregor) caminha solitário pelo deserto, lidando com suas angústias que não são apresentadas através de palavras, apenas pelo semblante do personagem. De vez em quando ele precisa lidar com o assédio do Diabo (vivido pelo próprio McGregor) que questiona as ordens de Deus, desejando colocar em dúvida a fé do protagonista em seu pai celestial. Logo Jesus conhecerá um jovem (Tye Sheridan), que o levará para o convívio de sua família, formada pelo pai (Ciarán Hinds) e a mãe doente (a aclamadíssima atriz israelense Ayelet Zurer). São nos dias de convívio com aquelas pessoas, em suas fraquezas, orgulhos e medos que o filme torna-se original por evitar o "sermão religioso" e apresentar o personagem como um homem conciliador capaz de apaziguar a tempestuosa relação entre pai e filho, afinal, o rapaz quer ir para Jerusalém, mas o pai tem outras ambições para ele (o que reflete, em termos, os conflitos do próprio Cristo). O roteiro funciona como uma espécie de conto religioso que é valorizado pelas atuações precisas do elenco, sobretudo de Ewan McGregor que consegue viver um Jesus bastante crível (bondoso, compreensivo, ainda que inseguro entre o mundo e o divino) ao mesmo tempo em que vive outro personagem que representa o mal encarnado numa expressividade completamente diferente (debochado, irônico, corrosivo...). A cena em que Jesus abençoa o personagem de Tye Sheridan consegue ser realmente emocionante dentro da abordagem sutil que o filme se propõe, da mesma forma, ele consegue sobrepor com maestria o início e o final solitário de Cristo - contrapondo a busca de si mesmo com o doloroso propósito de sua existência. Bem realizado em sua simplicidade, o filme evita polêmicas ao apresentar Jesus como um homem de carne e osso e, por isso mesmo, acerta ao construir uma fantasia religiosa muito bem vinda em tempos tão cínicos. 

Os Últimos dias no Deserto (Last Days on the Desert/EUA-2015) de Rodrigo García com Ewan McGregor, Tye Sheridan, Ayelet Zurer e Susan Gray. ☻☻☻

domingo, 25 de setembro de 2016

PL►Y: Resultados

Corrigan e Pearce: sem dor, sem ganho (no amor, nos negócios, na vida...).

Kevin Corrigan foi indicado ao prêmio de melhor ator coadjuvante do último Independent Spirit Awards pelo papel do homem gordinho que quer começar a malhar e ter o corpo de um atleta - mas ele está longe de conseguir verbalizar isso. Quando se começa a assistir a despretensiosa comédia de Andrew Bujalski é fácil entender a identificação provocada pelo personagem, acima do peso e visivelmente intimidado por um ambiente que não lhe pertence, Danny (Corrigan) é rapidamente rotulado como um cara estranho pelo proprietário da Academia, o geralmente bem intencionado Trevor (Guy Pearce, que há tempos não tinha um papel tão leve para dar conta). Danny está tão desconfortável com ter que fazer uma rotina de exercícios em público que prefere contratar uma personal trainner para lhe ajudar com a árdua tarefa - e sua casa está cheia de aparelhos e apetrechos, falta apenas ânimo para usar (afinal, pizza é muito mais interessante). Ao contrário da vontade de seu chefe, a obstinada Kat (Cobie Smulders a bela agente da S.H.I.E.L.D. de Vingadores/2012) aceita a tarefa e Danny se apaixona por ela. Só que Danny é um multimilionário recém divorciado que não faz a mínima ideia de como colocar sua vida nos eixos e a coisa se complica. O diretor e roteirista Andrew Bujalski utiliza os três personagens acima para abordar, quase sem querer, alguns estereótipos que temos sobre bem estar, segurança e auto-estima. Se Danny está em frangalhos, ele toma antidepressivos assim (como a atlética Cat) e tem inseguranças no amor assim como o sarado Trevor. Não vai demorar muito para que Danny perceba que aquele mundo não é para ele, mas seu destino já está misturado à dupla de professores. O filme é cheio de referências ao mundo das academias, do discurso zen de Trevor, passando pelos vídeos que fazem sucesso na internet, dietas, vitaminas saudáveis  e ícones da musculação (destaque para a participação de Anthony Michael Hall como o cultuado Grigory), mas consegue ser original ao mostrar que os seres humanos sedentários ou atléticos (ou multimilionários) podem ter emoções muito parecidas quando se trata de enfrentar como os outros os enxergam. Entre encontros e desencontros, intrigas e conflitos, crises e planos, Resultados consegue ser bastante simpático em suas intenções - e termina de forma otimista com uma festa inusitada. 

Resultados (Results/EUA-2015) de Andrew Bujalski com Guy Pearce, Cobie Smulders e Kevin Corrigan. ☻☻☻

Na Tela: Chocolate

Chocolate e Footit: uma relação delicada. 

O cubano Rafael Padilla ficou famoso por seu trabalho no circo na França no início do século XIX. Padilla era negro num lugar onde poucas pessoas haviam visto um negro de perto, tanto que no início de sua carreira seu número se limitava a comportar-se como um selvagem vindo de alguma tribo distante... Padilla era filho de escravos e trabalhou como tal antes de tornar-se uma estrela do circo, principalmente ao lado do palhaço Footit que percebeu que o rapaz tinha carisma e talento suficiente para ir além do número que lhe exigia apenas assustar a plateia com urros e roupas feitas com peles de animais. A dupla revolucionou o humor nos circos e conseguiu fazer muito dinheiro quando estava no auge, tanto que Chocolate foi consagrado como o primeiro artista negro famoso na França e o diretor Roschdy Zem constrói um filme onde revela-se muito do racismo e preconceito que cercava a carreira de Padilla. Ao trabalhar com Footit, o número dos dois muitas vezes consistia na humilhação de Padilla, que na pele de Chocolate ouvia insultos e era agredido fisicamente para a diversão da plateia, no entanto, a atuação irrepreensível de Omar Sy demonstra que o carisma do personagem era maior do que isso - tanto que ao subverter esse estereótipo grosseiro, a plateia mostra que nos palcos era ele o centro das atenções. Em entrevistas Zem afirmou que escreveu o papel especialmente para Omar Sy, que está muito a vontade na pele do personagem, seja nas cenas cômicas ou trágicas. Através de sua atuação podemos perceber o delicado momento em que Padilla percebe que havia algo de errado nos números que realizava - e pagou um preço alto por isso quando resolveu tornar-se ator de teatro na França - tendo que superar não apenas o preconceito pela cor de sua pele, mas também por ter começado a carreira como palhaço. O filme ainda consegue explorar a complexa relação do protagonista com  Footit (em ótima atuação de James Thierrée) que alterna as emoções de amigo, em parceiro enciumado, proprietário de Chocolate, colega fiel e ator presunçoso, as atuação de Sy e Thierrée faz a química entre os dois transcender os palcos. Com boa reconstituição de época, roteiro bem amarrado e atores inspirados, Chocolate conta uma história triste com uma fluência que faz até parecer fácil rever a história de um personagem importante para a cultura francesa que andava esquecido. 

Chcolate (Chocolat/ França - 2015) de Roschdy Zem com Omar Sy, James Thierrée, Clotilde Hesme, Frédéric Pierrot, Alex Descas e Xavier Beauvois. ☻☻☻☻

PL►Y: Escondidos

A família: o mundo como ameaça. 

Celebrados com o sucesso da série Stranger Things, não deixa de ser curioso que a dupla formada por Matt Duffer e Ross Duffer (ou simplesmente The Duffer Brothers) tenha assinado anteriormente somente um longa metragem: Escondidos. O filme lançado em 2015 ajudou a consolidar o apelo da dupla junto aos fãs de suspenses elaborados ao contar a história de uma família que precisa viver dentro de um abrigo subterrâneo. O pai (Alexander Skarsgaard), a mãe (Andrea Riseborough) e a filha (Emily Alyn Lid) vivem em constante alerta por conta de uma ameaça que revela-se aos poucos para o espectador. Além de racionar os alimentos, ainda precisam manter a calma num ambiente pouco agradável após centenas de dias sem ver a luz do dia. Sem perspectiva de saída, o trio tenta viver como uma família comum, até que uma série de situações altera a rotina dentro do abrigo - e tudo torna-se mais perigoso. Não foram poucos os que apontaram o que Escondidos emprestou para Stranger Things, afinal, está presente o medo do desconhecido, o tom crescente de suspense diante dos segredos que são aos poucos revelados, as suspeitas por iniciativas governamentais, o gosto por dirigir crianças e ampliar a dramaticidade de cenas aparentemente simples (reparem a cena em que tentam silenciar a boneca Olive, dá vontade de chorar!). No entanto, aqui a dupla ainda apresenta uma capacidade absurda de causar claustrofobia, conseguindo com fotografia soturna e os ângulos escolhidos nos inserir no filme. Porém, o maior problema do filme está numa mancada do roteiro, ele começa promissor, amplia a tensão, acerta ao não explicar demais o que colocou a família naquele lugar, mas tropeça quando inventa uma reviravolta que não faz muito sentido diante do que vimos até ali (e nem adianta tentar explicar com um resumo de diálogos anteriores que poderiam revelar o tal segredo ao espectador "mais atento") - a medida parece saída dos piores momentos de M. Might Shyamalan (produtor de Wayward Pines, série para qual os manos escreveram alguns episódios) e pode provocar risadas e alguma indignação na plateia. Sorte que quando o filme termina, os méritos chamam mais atenção do que as falhas e vale uma conferida para quem não conhece o promissor trabalho da dupla no cinema.

Ross & Matt: The Duffer Brothers

Escondidos (Hidden/EUA-2015) de The Duffer Brothers com Alexander Skarsgaard, Andrea Riseborough e Emily Alyn Lid. ☻☻☻

sábado, 24 de setembro de 2016

PL►Y: A Garota do Livro

VanCamp: temas polêmicos e superficialidade. 

Alice (Emily VanCamp da série Revenge) trabalha em uma editora de livros e sua tarefa é descobrir jovens escritores talentosos entre a pilha de manuscritos que recebe. Na adolescência a própria Alice queria ser escritora - talvez pelo ambiente sempre cercado pelos escritores com que seu pai (Michael Cristofer), editor influente, trabalhava.  No entanto, quando adulta a moça não consegue escrever, não consegue manter uma relação estável e suas emoções ficam ainda mais fragilizadas quando ela precisa trabalhar na divulgação da nova edição de um best-seller que seu pai ajudou a produzir, "Olhos Despertos" do escritor Milan Daneker (o bom ator sueco Michael Nyqvist). Aos poucos o roteiro irá mesclar passado e futuro da personagem e você irá perceber que Milan foi seu mentor e algo mais. O longa de estreia de Marya Cohn toca em um assunto delicado, mas tem uma dificuldade enorme de aprofundá-lo. Como cinema peca por ser bastante previsível, dando voltas e mais voltas para chegar a um lugar que já sabemos qual é desde o início, quando vemos a primeira cena da jovem Alice (vivida por Ana Mulvoy Ten que parece ter bem menos dos 22 anos na época da filmagem) com Milan. Crescida, Alice vive em encontros sexuais com homens que acaba de conhecer, passando por um namoro com um rapaz que parece perfeito para ela, o idealista Emmett (David Call) - enquanto Milan mostra-se mais uma vez por perto. O filme se desenvolve sem grandes surpresas, com diálogos artificiais, ficando pior quando o roteiro resolve mostrar o texto (sofrível) dos "bons" escritores que protagonizam a história.Talvez os seus melhore momentos sejam os da polêmica atração do homem mais velho pela adolescente (graças ao charme que Nyqvist consegue exalar em um papel tão perigoso). No desfecho, depois de tropeçar na apática abordagem de temas tão sérios, tudo se resolve com um blog fofo criado pela protagonista. A Garota do Livro poderia ser um drama contundente, mas no meio do caminho resolve ser apenas um romance açucarado mal resolvido. Decepcionante, ele serve, ao menos, para Emily VanCamp mostrar que consegue ser expressiva fora da mesma cara de sempre no seriado que a consagrou. 

A Garota do Livro (The Girl in The Book/EUA-2015) de Marya Cohn com Emily VanCamp, Michael Nyqvist, David Call e Ali Ahn.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

NªTV: MR. Robot - 2ª Temporada

Darlene, Angela, Papai e Elliot: temporada decepcionante. 

Depois de tanto culto, prêmios e críticas positivas a Segunda Temporada de Mr. Robot estreou com as expectativas no topo! Do visual angustiante, da narrativa claustrofóbica, do tom vertiginoso da história e do roteiro caótico, tudo o que a segunda temporada trouxe da primeira foi... saudade! Afinal episódio após episódio esperava-se que acontecesse algo que surpreendesse o público - e não estou falando de Elliot revirando vômito, engolindo concreto, sendo espancado ou magnata queimando pilhas de dinheiro, Whiterose mijando em lápide ou paródia de sitcom, estou falando de história. Trama! Tudo o que a primeira temporada representou para os espectadores virou um pastiche! Depois que o último capítulo da season anterior deixou a plateia com a respiração suspensa, imaginava-se que a segunda começaria com a narrativa no auge. Não foi isso o que aconteceu. A série começou fria, truncada, criando novas tramas e apresentando novos personagens que inseriam Elliot numa trama paralela que não trouxe nada de interessante ou revelador - e desaguou naquele sétimo episódio que todos consideravam uma grande reviravolta, mas que soou mais como uma borracha no que não estava funcionando. Enquanto os delírios de Elliot guiavam a narrativa para uma ilusão ao público, seguia-se tramas que nunca decolavam sobre o paradeiro de Tyrell Wellick (Martin Wallström) e ações do FBI - e está só não foi pior por conta dos genes de Meryl Streep! Pois é, graças à filha de Streep, Grace Gummer, que a coisa não foi para o ralo! Grace deu vida e alma para a agente Dominique DiPierro e mostrou-se a melhor aquisição surgida na nova temporada, mesmo com sua trama mais se enrolando do que se desenvolvendo. 

Grace: A melhor aquisição da temporada. 

No fim das contas, tive a impressão que o criador Sam Esmail deixou o ego ofuscar sua cria, afinal ao assinar a direção de todos os episódios, chegamos à conclusão que ele deveria se concentrar-se na escrita. Esmail meteu os pés pelas mãos. Virou a mocinha Angela (Portia Doubleday) do avesso (desprezando todo o interesse amoroso de Elliot por ela) a metendo em várias subtramas que terminaram completamente soltas, colocou Darlene (Carly Chaikin) para chefiar a diluída FSociety (mesmo sem a personagem ter força para tanto), deu fim a Gideon (Michel Gill, que eu achei que seria mais uma voz na consciência de Elliot... mas... fica a dica!) e enrolou além do limite para trazer Tyrell de volta. Numa trama confusa sobre a Fase 2 que nunca ficava clara, coube a Rami Malek dar conta de manter Elliot ainda mais confuso com o que estava acontecendo (o que não era difícil, né?) e alguém mais notou que o personagem de Christian Slater perdeu a força depois que descobrimos o segredo dele? Se Malek confirmou ser bom ator, por outro lado ele não podia fazer milagre com todos os seus personagens de apoio cambaleando em suas funções, ou seja, ficou difícil dar fôlego para os dez episódios da temporada 2016. Se a primeira não perdia tempo enrolando o espectador, a segunda fez o oposto, cozinhando o que tinha para contar somente para o (bom) último episódio - ainda que tivesse sabor de penúltimo. A impressão é que o olho de Sam Esmail ficou maior que o de Rami Malek e ele vai esticar sua cria até uma quinta temporada. Então, será melhor mostrar um melhor serviço na próxima, rapaz!

"Alô": "Ei Tyrell, dá para você voltar logo?"

Mr. Robot -  2ª Temporada  (EUA-2016) de Sam Esmail com Rami Malek, Christian Slater, Martin Wallström, Michael Christopher, Carly Chaikin e Portia Doubleday. ☻☻

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Na Tela: O Sono da Morte

Kate e Jacob: terror e fofura. 

Filmes de terror protagonizados por crianças já se tornaram mais do que um clichê, tornou-se um verdadeiro subgênero. O que pode fazer a diferença é, além de um bom roteiro, o quilate da criança que está disposta a nos fazer tomar alguns sustos. Me recuso a acreditar que sou a única pessoa que foi conferir O Sono da Morte nos cinemas por conta de Jacob Tremblay. Tremblay é aquele ator mirim fofo que ficou famoso com o indicado ao Oscar O Quarto de Jack (2015) e brilhou nas premiações do início do ano com seu senso de humor e tiradas espirituosas (como mostrar a meia com estampa de Darth Vader ao chegar de terninho no Oscar). Com três filmes para estrear em 2016, quiseram os distribuidores que o primeiro a chegar por aqui fosse esse filme de terror que começa bastante promissor e acaba tropeçando quando tenta inventar demais. Tremblay vive o pequeno Cody, que após a morte da mãe tem um histórico de lares adotivos que não deram muito certo. Eis que ele é acolhido pelo casal Mark (Thomas Jane com uma aparência esquisita) e Jessie (Kate Bosworth), que ainda tentam se recuperar da morte do filho pequeno. Desde o início o casal sabe que Cody enfrenta problemas para dormir, mas, assim que o garoto começa a fazer as pazes com o sono, acontecem coisas estranhas na casa. O fato é que desde que começam a acontecer as estranhezas, o público já faz ideia de que o menino tem algum dom especial e que irá afetar a forma como Mark e Jessie lidam com a dor da perda. De início lento e com pendores dramáticos, o roteiro até tenta investir num dilema curioso na relação da mãe adotiva com o menino, mas depois o roteiro deixa tudo para trás e investe em sustos bastante comuns no gênero. Não satisfeito, ainda se torna bastante confuso quando se mete a explicar mais do que devia. O Sono da Morte poderia ser um filme de terror interessante se continuasse investindo mais nos seus personagens em seus dramas diante da morte de pessoas queridas (afinal, existe um tema assustador mais universal?), mas prefere ser apenas mais um terror descartável entre tantos outros. No futuro Jacob ira se lembrar com alguma vergonha de ter esse filme no currículo, no entanto, ainda que o roteiro não possibilite muita coisa para fazer, ele consegue ter mais uma atuação bastante digna  - ou seria fofa?

O Sono da Morte (Before I Wake/EUA-2016) de Mike Flanagan com Jacob Tremblay, Kate Bosworth, Thomas Jane e Annabeth Gish.

PL►Y: 99 Casas

Shannon, Garfield e Lomax: produzindo sem tetos. 

Existe um motivo para que sempre ressaltem história de oprimidos que se tornam opressores: na vida real, isso é mais comum do que se imagina - especialmente diante de um sistema onde para se ter mais e preciso que alguém tenha menos. 99 Casas de Ramin Bahrani conta uma história dessas sem se preocupar com sutilezas. Desde a primeira cena nos damos conta de que Rick Carver (Michael Shannon) tem um dos piores empregos do mundo, mas não está nem aí para isso. Seu trabalho é despejar pessoas que perderam a casa para os bancos por não conseguirem pagar prestações de financiamento ou hipotecas. Eis que um dia, Carver cruza o caminho da família de Dennis Nash (Andrew Garfield), jovem rapaz que trabalha em obras para sustentar a família formada pela mãe (Laura Dern) e o filho pequeno (Noah Lomax). No entanto, a crise na economia americana prejudicou várias áreas deixou Dennis sem trabalho e dinheiro para quitar as suas dívidas. Despejado da casa que não conseguiu pagar, o rapaz pensa em seguir em frente e retomar sua casa, mas não sabe como... até que começa a trabalhar para o próprio Rick Carver, fazendo com os outros o que fizeram com ele. Assim, ele ganha mais dinheiro (e muito mais rápido) para ter sua casa de volta e ter um estilo de vida que nunca sonhou. A grande diferença é que falta à ele a indiferença de Carver para fazer o trabalho desagradável - o que faz Dennis enfrentar seus próprios dilemas morais com a situação em que se meteu. Bahrani, que é nascido nos EUA e filho de imigrantes iranianos, cria uma história interessante a partir do que Michael Moore já apresentava (com sua histeria habitual) em Capitalismo: Uma História de Amor (2009), onde apresentava o número cada vez maior de famílias sem teto nos EUA por conta de dívidas com os bancos. Bahrani não se concentra em taxas de juros, motivos da crise econômica, especulação imobiliária ou banqueiros maquiavélicos, mantendo o foco somente nas medidas (inclusive trambiques) que Carver e Nash adotam para driblar um sistema que não prima pela justiça. Nessa trajetória, Andrew Garfield tem a chance de se recuperar do marasmo que se tornou sua carreira enquanto se tornou o pouco  Espetacular Homem-Aranha (2014), aqui é visível sua facilidade em criar um personagem tão humanamente falho, mas quem rouba a cena é Michael Shannon (indicado ao Globo de Ouro e prêmio do Sindicato de Atores como coajuvante) ao criar mais um personagem complicado.Rick Carver está longe de ser um dos tipos esquisitos que o ator cria com facilidade, Shannon faz questão de fazê-lo como apenas mais um homem que aprendeu a deixar de ver o outro e enxergar somente os próprios interesses. Em 99 Casas resta saber se seu pupilo terá o mesmo destino. 

99 Casas (99 Homes / EUA-2015) de Ramin Bahrani com Andrew Garfield, Michael Shannon, Laura Dern, James Brown, Noah Lomax e Luke Sexton. ☻☻☻☻ 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

4EVER: Curtis Hanson

24 de março de 1945 20 de setembro de 2016 

Nascido na cidade de Reno no estado americano de Nevada, EUA, Curtis Lee Hanson começou sua carreira como roteirista em 1970 com o terror O Altar do Diabo. Depois, escreveu, produziu e dirigiu Sweet Kill (1972), mas ele começou a chamar atenção do público com Uma Janela Suspeita (1987), estrelado por Isabelle Huppert e Steve Guttenberg, mas o sucesso veio mesmo com A Mão que Balança o Berço (1992), clássico dos anos 1990 que tem o mérito de ter Julianne Moore em seu primeiro papel sério. Em 1997 Hanson ousou e fez sua obra mais elogiada, a adaptação de Los Angeles - Cidade Proibida (1997) baseado na obra de James Ellroy. O noir que misturava glamour e crimes truncados foi aclamado em Cannes e indicado a nove Oscars (incluindo melhor filme e direção - ganhou o de melhor roteiro adaptado e atriz coadjuvante para Kim Basinger). Depois o diretor realizou Garotos Incríveis (2000) e fez até Eminem convencer como ator em 8 Mile (2002). Seu último sucesso foi Grande Demais Para Quebrar (2011) elogiado filme feito para HBO sobre a crise na economia mundial, mas seu último trabalho foi em Tudo por um Sonho (2012), filme em que precisou se ausentar das filmagens por problemas de saúde. Conhecido como profissional generoso e professor de cursos para roteiristas promovidos pelo Instituto Sundance, Hanson foi encontrado morto, em casa, devido a causas naturais aos 71 anos. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Na Tela: Mãe só há Uma

Naomi: Pirre ou Felipe?

Acompanho o trabalho de Anna Muylaert desde o curta A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti (1995) e assisti sua estreia em longa, Durval Discos (2002) assim que ele foi lançado. No cinema de Anna sempre se fala de coisas sérias com grande naturalidade e leveza, essa talvez seja a grande marca de uma cinematografia e que chamou atenção de um público mais amplo quando Que Horas Ela Volta? se tornou o filme brasileiro mais querido do ano passado. O filme protagonizado por Regina Casé continua em nosso imaginário enquanto estreou nos cinemas o novo filme de Anna, Mãe Só há Uma. A trama foi inspirada na história real do menino Pedrinho, que chocou o Brasil no ano de 1986, quando descobriram que ele havia sido roubado na maternidade. Deste ponto de partida, conhecemos a história de Pierre (Naomi Nero, sobrinho de Alexandre Nero), um jovem que toca numa banda, usa maquiagem, pinta as unhas, tem namorada e tira fotos sugestivas com o celular diante do espelho. O roteiro não se preocupa em dizer se Pierre é gay ou heterossexual, não se prendendo a rótulos, ganha pontos por criar um personagem complexo que ainda está diante da construção da própria identidade. Eis que no meio dessa construção, o rapaz descobre que foi roubado quando bebê e a mulher que sempre pensou ser sua mãe é presa. Enquanto ela enfrenta problemas com a justiça, ele passa a conviver com seus pais biológicos e as questões de gênero sobre o personagem começam a incomodar os novos pais. No entanto, todo amor, carinho e conforto (afinal, a situação econômica da nova família é melhor do que a anterior), não são suficientes para fazer Pierre sentir-se menos deslocado, afinal, agora ele tem plena consciência de que foi roubado  - e não vai querer ser levado de si mesmo. Anna Muylaert estabelece uma tensão crescente durante todo o filme, especialmente entre Pierre (agora, Felipe) com o pai (Matheus Nachtergaele) que não entende sua preferência por usar vestidos. Uma ideia bem sacada foi colocar Dani Nefussi para viver as duas mães de Pierre, já que a atriz constrói duas personagens completamente diferentes em cena , saindo-se bem como a mãe em conflito que quer seu filho realmente de volta (e não apenas de corpo presente). No entanto, o filme termina de forma abrupta, pouco depois do protagonista explodir suas angústias. Esperava-se que aquele fosse um ponto de partida para o último ato do filme, mas ele simplesmente não existe, deixando uma sensação de que não fomos capazes de acompanhar as intenções da diretora ao sobrepor duas histórias tão interessantes - ou será que houve insegurança no aprofundamento dos temas que o filme toca? 

Mãe Só Há Uma (Brasil/2016) de Anna Muylaert, Naomi Nero, Dani Nefussi, Matheus Nachtergaele e Luciana Paes. ☻☻

domingo, 18 de setembro de 2016

Na Tela: Julieta

Crao e Adriana: belo romance num filme mediano. 

Enquanto o Brasil preferiu não indicar um filme aclamado em Cannes (Aquarius) para concorrer a uma vaga na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar2017, a Espanha escolheu um filme exibido em Cannes que recebeu críticas mornas para tentar a mesma vaga. Julieta de Pedro Almodóvar não impressionou o público do Festival, mas como o cineasta ainda possui grande prestígio internacional, seu país acredita em sua nomeação. Julieta (Emma Suaréz) é uma mulher madura e feliz que está prestes a mudar-se para Portugal com o namorado, Lorenzo (Darío Grandinetti), mas ao reencontrar uma antiga conhecida, desiste da mudança. Ela também desiste do relacionamento, muda-se para o mesmo prédio em que viveu por muitos anos e torna-se reclusa, introspectiva, alimentando-se de um segredo do passado que ainda a deixa angustiada. Quando Julieta começa a escrever uma espécie de diário sobre sua trajetória, o filme se rende a um longo flashback sobre a juventude da personagem (onde ela passa a ser interpretada por Adriana Ugarte). Ela registra como viveu um tórrido relacionamento com o grande amor de sua vida e teve uma filha, até que uma série de acontecimentos a tornaram mais triste e melancólica - e onde reside o tal "segredo" que a fez desistir de viver com Lorenzo. Faz algum tempo que Almodóvar investe numa atmosfera de suspense em seus filmes, e considero que ele alcançou o melhor resultado no controverso (que eu adoro) A Pele que Habito/2011, aqui ele tenta criar um drama feminino que se sustentaria pelo mistério do passado de sua protagonista, mas um dos grande problemas o filme é que o "segredo" da personagem não é algo tão complicado assim para que ela comprometa toda a oportunidade que Julieta tenha de ser feliz - e por mais que Emma e Adriana defendam a personagem com grande empenho, o gosto de decepção é inevitável quando o filme chega ao fim. Há quem credite o resultado mediano do filme a falta de sintonia de Almodóvar com a escrita da canadense Alice Munro, onde o cineasta se inspirou para criar o roteiro do filme. Famosa por seus personagens introspectivos, Almodóvar parece filmar sob uma camisa de força para conter o estilo que o consagrou. Embora seja melhor do que seu filme anterior (a comédia Os Amantes Passageiros/2013), Julieta ainda não alcança todas as notas que o cineasta pretende - mas os antigos fãs do diretor irão curtir o retorno de Rossy de Palma ao universo almodovariano, ela está excepcional num papel completamente diferente do que estamos acostumados a vê-la. 

Julieta (Espanha/2016) de Pedro Almodóvar com Emma Suaréz, Adriana Ugarte,  Darío Grandinetti, Daniel Crao, Rossy de Palma e Inma Cuesta. ☻☻

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Combo: De Amor & de Neuras

Afina de contas, quem estabeleceu que devemos encontrar o nosso par ideal? O que acontece de tão ruim se isso não acontecer? Diante dessas indagações cheia de neuras e nóias de O Lagosta (2015) eu lembrei de alguns filmes que lançam um olhar peculiar sobre crushes, namoros, flertes, casamentos...

05 Em Carne Viva (2003) E se a pessoa que você acha perfeita para você for na verdade um assassino? O medo de se envolver com a pessoa errada é a alma deste filme de Jane Campion - e não é por acaso que ela escolheu Meg Ryan (que já foi rainha das comédias românticas) para dar conta da professora que mesmo preocupada com um serial killer a solta na cidade se envolve com o policial responsável pelas investigações (papel de Mark Ruffalo). A ideia está longe de ser nova, mas denso e com cenas tórridas, o filme cria uma atmosfera soturna na criação de uma analogia interessante sobre a insegurança diante do encontro da pessoa certa (que pode não ser tão certa assim...). 

04 Um Estranho no Lago (2013) Um lago é frequentado por homossexuais que curtem fazer sexo com desconhecidos. O que era para ser a realização de uma fantasia começa a se tornar perigosa quando corpos começam a ser encontrados nas redondezas. A ideia da fantasia que pode se tornar mortal encontra bastante ousadia nas mãos do diretor Alain Guiraudie. Com longos silêncios, melancolia e cenas bastante explícitas, o filme encontrou fãs para além do público gay, tanto que o filme recebeu o prêmio da mostra Un certain Regard em Cannes e o César (o Oscar francês) de ator revelação para Pierre Deladonchamps. 

03 Sr. Srª Smith (2005) Você conhece uma mulher que é a cara da Anjelina Jolie - e você é o clone do Brad Pitt. O que poderia dar errado? Talvez nada, somente a vontade que o desgaste no relacionamento dará de um matar o outro (principalmente quando descobre que um não conhecia o verdadeiro outro desde o início). Doug Liman cria uma comédia de ação divertida onde o casal perfeito já começa com uma mentira - e elas se acumulam em pilhas e pilhas... quem disse que o casamento era fácil? Jennifer Aniston que o diga!

02 Garota Exemplar (2014) E quando sua esposa desaparece e toda a sua vida passa a ser notícia? E se no meio das investigações você passa a ser o principal suspeito pelo desaparecimento dela? David Fincher cria um verdadeiro pesadelo para Nick Dunne (Ben Affleck), que torna-se vilão em rede nacional por um crime que jura não ter cometido. Aqui o espectador tem a vantagem de descobrir que nada é o que parece na narrativa baseada no livro de Gillian Flynn - auxiliada pela melhor atuação de Rosamund Pike (indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro de melhor atriz). Ainda assim a maior surpresa é o final onde o casamento revela-se uma cômoda prisão. 

01 Ciúme (1994) Ah, o amor é lindo! E a câmera de Claude Chabrol faz tudo ficar ainda mais bonito no romance entre Nelly (Emanuelle Béart) e Paul (François Cluzet). Pena que Paul desconfia de que a esposa o trai e o que era uma linda história de amor vira um filme de terror sobre o amor possessivo. A situação cresce em tensão de tal forma que Chabrol nem ousa nos contar o final da história, deixando para que nossa imaginação imagine as atrocidades de que um homem enlouquecido é capaz de fazer. Por abordar de forma tão tenebrosa um sentimento tão comum nos relacionamentos, Chabrol ficou no topo da lista. 

PL►Y: O Lagosta

Farrell e Jessica: a pressão sobre o par ideal.

Em Dente Canino o diretor Yorgos Lanthimos já demonstrava ter um senso de humor obscuro, bastante cruel com os seus personagens. Da mesma forma, já demonstrava interesse em criar mundos paralelos ao nosso. Com O Lagosta o diretor intensifica o humor, mas com isso, multiplica a estranheza de seu cinema. Elogiado em Cannes, de onde saiu com o prêmio de Melhor Roteiro, O Lagosta conta a história de David (Colin Farrell) um homem solitário que chega a um hotel disposto a encontrar a sua cara metade- e desde o questionário que ele responde, percebemos que não estamos diante de um filme comum. Pelas explicações descobrimos que se ao final da temporada no hotel, se ele não encontrar o grande amor de sua vida, ele será transformado num animal (no caso de David, ele escolhe ser uma lagosta por elas viveram mais de cem anos). Além de procurar uma parceira para toda a vida, ainda descobrimos que existe uma caça aos solitários (pessoas que se recusaram a se casar ou serem transformadas em animais) que foram marginalizados e vivem numa floresta perto do hotel. Para cada solitário caçado, você ganha um dia a mais para encontrar seu par no hotel. Esse é apenas o ponto de partida para uma história que flerta o tempo inteiro com o surreal, mas que consegue fazer sentido dentro de uma estrutura cheia de simbologias sobre a necessidade humana de ter companhia, ou mais do que isso, da pressão que existe para que isso aconteça. Dentro da realidade do hotel, as relações parecem sempre artificiais (ao ponto do personagem de Ben Whishaw fazer o próprio nariz sangrar para que a pretendente se identifique com ele e o escolha para ser seu futuro esposo) e rendem comentários hilariantes como "se vocês não conseguirem resolver suas discussões, lhe daremos uma criança! Elas sempre ajudam a superar isso" e "Não podemos dançar acompanhados, por isso só tocamos música eletrônica". Só que David tem problemas com sua escolhida (Rossana Hoult), uma mulher conhecida pela total ausência de emoções e acaba tomando outros rumos em sua vida - e ele vai descobrir que ao pertencer ao encontrar o amor, sempre algumas regras serão quebradas. Embora se repita em sua crítica ao apego às regras e costumes, Yorgos Lanthimos consegue criar um universo bastante rico em O Lagosta, mas ainda encontra problemas em domar seu gosto por esquisitices. Entre mortes, torturas físicas e psicológicas o diretor opta por alguns fatos que não acrescentam muito à trama (o reencontro com Ben Whishaw, a invasão ao hotel, o castigo de Rachel Weisz...). Da mesma forma, os atores continuam com a tarefa hercúlea de serem expressivos com a fala monocórdia e expressões faciais (quase sempre) mínimas. No entanto, o estilo peculiar tem lhe garantido admiradores fiéis pela ousadia ao contar suas histórias. 

O Lagosta (The Lobster / Irlanda-Grécia-Noruega-Reino Unido-França / 2015) de Yorgos Lanthimos com Colin Farrell, Rachel Weisz, Ben Wishaw, Jessica Barden,  John C. Reilly, Léa Seydoux e Olivia Colman. ☻☻☻

PL►Y: Dente Canino

A mãe e os filhos: mundo paralelo assustador. 

De vez em quando um filme bizarro consegue furar o cerco conservador do Oscar e cravar uma indicação ao maior prêmio do cinema americano. Em 2010 foi a vez do grego Yorgos Lanthimos surpreender ao ver seu terceiro longa metragem na categoria de melhor filme estrangeiro. A indicação foi  o ápice de uma trajetória que começou com o lançamento no Festival de Cannes, de onde o filme saiu com dois prêmios: um para Lanthimos como jovem diretor  e o segundo da mostra paralela Un Certain Regard. No entanto, não espere um filme fácil de assistir, já que o diretor gosta de testar os nervos da plateia. Dente Canino é a história de um casal que resolve criar os filhos afastados de qualquer contato com o mundo exterior. Pai, mãe, as duas filhas e o filho vivem numa casa isolada da cidade, onde os próprios pais são responsáveis pela educação dos rebentos. Só esse ponto de partida já seria suficiente para gerar polêmicas e discussões, mas o diretor quer mais, muito mais. Desde o início quando ouvimos uma fita dizendo significados estranhos para palavras conhecidas, percebemos que existe algo fora do lugar naquela casa. Embora já estejam saindo da adolescência, os três filhos se comportam de maneira infantilizada, criando jogos para passar o tempo e sem muita conversa, já que não há muito sobre o que falar mesmo. Em uma cena uma das filhas tortura uma boneca Barbie, em outra os três torcem para um avião cair - e brigam para saber quem será o dono dele quando chegar ao chão - e não demora muito para assassinarem um gato por considerar que o animal é capaz de matar a todos com suas garras e dentes afiados. O fato é que para afastar os filhos da crueldade do mundo, os pais constroem um mundo paralelo que mostra-se ainda mais assustador, onde peixes surgem na piscina, a mãe pode parir um cachorro e até o incesto é permitido para evitar a entrada de outras pessoas naquele mundo. Talvez todo o exagero do roteiro sirva para explorar o contraponto da velha teoria do filósofo Jean-Jacques Rousseau de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Pois é, a família também faz parte da sociedade... aqui, com toda a rigidez e controle dos pais (que afeta até a escolha das roupas dos filhos) os filhos se tornam verdadeiras bombas relógio para conseguir fugir às regras impostas. Como o próprio nome indica (afinal, o dente canino serve, principalmente para dilacerar a carne) a violência, mesmo sufocada está sempre à espreita e a câmera de Lanthimos não tem medo de fazê-la incomodar. A narrativa segue entre oscilações entre o cômico e o trágico, entre o patético e o polêmico e isso pode se tornar cansativo, principalmente por em momento algum os pais questionarem o rumo de suas ações e dos filhos que se tornam mais agressivos com o tempo. Lanthimos demonstra aqui grande inspiração no estilo de Michael Haneke, com os silêncios, o tom solene, a narrativa arrastada e as atuações quase sufocadas pela rigidez. O maior problema é que por mais que deixe algumas lacunas para o espectador preencher (que deixarei para você descobrir onde), sinto falta de uma camada a mais no filme, uma que não esteja tão disposta a chocar a plateia a cada dez minutos. Ainda assim, o filme faz pensar com uma história que seria cômica se não fosse trágica. 

Dente Canino (Kynodontas/Grécia-2009) de Yorgos Lanthimos com Christos Stergioglou, Michelle Valley, Angeliki Papoulia, Hristos Passalis e Mary Tsoni.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

4EVER: Domingos Montagner

26 de fevereiro de 1962 15 de setembro de 2016

Domingos Montagner Filho nasceu em São Paulo e iniciou sua carreira em espetáculos teatrais e circenses ao frequentar o curso de teatro interpretação de Myriam Muniz. Em 1997 ele formou o grupo La Mínima, cujas montagens lhe renderam prêmios por sua performance nos palcos. Seis anos depois montou o circo Zanni, do qual era diretor artístico. Somente depois começou a realizar trabalhos para a televisão, primeiro  veio a participação na série Mothern (2008) da GNT, depois nas globais Força Tarefa (2010), A Cura (2010) e Divã (2011). O sucesso chegou logo depois na novela Cordel Encantado (2011) onde vivia o Capitão Herculano. Desde então tornou-se um dos atores mais requisitados da emissora onde vivia atualmente o personagem Santo na novela Velho Chico. Além da projeção nacional com a televisão, o ator continuava ativo no teatro e começou a receber destaque no cinema nos últimos anos. Em 2016 está presente em quatro produções, a comédia De Onde eu Te Vejo, a refilmagem de Um Namorado para Minha Mulher e os dramas O Rei das Manhãs e Vidas Partidas. O ator faleceu em decorrência de asfixia por afogamento após ser arrastado por uma forte correnteza no Rio São Francisco. 

10+ Susan Sarandon

Nascida em 1946 na cidade de Nova York a americana Susan Sarandon tem uma trajetória cheia de curiosidades, seja a separação do ator Chris Sarandon (de quem herdou o sobrenome) ou o casamento com (o doze anos mais jovem) Tim Robbins, a atriz não tem medo de dizer o que pensa - seja politicamente ou artisticamente. Sentindo que está um pouco esquecida pelos produtores ela não teve medo de dizer o que fará se deixar de atuar no cinema: "Vou dirigir filmes eróticos voltados para o público feminino". Catherine Breillat que se cuide! 
A seguir, minhas atuações favoritas dessa grande atriz:  

#10 Lado a Lado (1998)
Num filme feito para Julia Roberts brilhar, foi Susan que roubou a cena. 

#09 Encantada (2007)
Num conto de fadas de carne e osso, Susan se diverte como a madrasta malvada!

#08 Rocy Horror Show (1975)
Aposto que você nem lembrava que a atriz era a mocinha desse musical delirante!

#07 Sorte no Amor (1988)
O grande encontro com o marido Tim Robbins!

#06 A Intrometida (2015)
Susan Sarandon ensina como fazer um filme trivial virar um deleite!


#05 O Cliente (1994)
Advogada no melhor filme de Joel Schumacher. Quarta indicação ao Oscar!

#04 As Bruxas de Eastwick (1987)
Com Cher e Michelle Pfeiffer, ela entra para o grupo de bruxas charmosas do cinema!

# 03 O Óleo de Lorenzo (1992)
O peso de uma lágrima lhe valeu a terceira indicação ao Oscar!

#02 Os Últimos Passos de um Homem (1995)
A freira (dirigida pelo marido) lhe valeu o Oscar de melhor atriz!

#01 Thelma & Louise (1991)
Papel icônico num filme inesquecível de Ridley Scott - e indicação ao Oscar de atriz ao lado de Geena Davis. 

Na Tela: A Intrometida

Simmons e Susan: romance maduro. 

É sempre interessante quando cinema redescobre uma grande atriz. Susan Sarandon completará setenta anos no próximo dia quatro e deve comemorar em grande estilo já que recentemente conseguiu o seu melhor papel em muito tempo. Depois de passar mais de uma década em papéis triviais, finalmente lembraram que a atriz tem brilho suficiente para fazer de um filme simples um verdadeiro deleite. Em A Intrometida (nem vou comentar o quanto considero esse título equivocado) ela vive a descolada Marnie, um mulher que enviuvou recentemente e que não gasta o tempo lamentando a solidão. Ela sabe que com o dinheiro que o falecido deixou ela poderá viver confortavelmente por muito tempo, mas a maior preocupação da personagem é com a filha, a roteirista Lori (Rose Byrne), que anda não apenas preocupada com o trabalho, mas com o término do relacionamento com seu amado Jacob (Jason Ritter). Por conta desse momento complicado, a filha vive estressada com a mãe e acaba partindo para Nova York para dar uma guinada em sua vida. Sorte de Marnie que irá ocupar seus dias ajudando um rapaz que faz curso noturno, uma amiga da filha que pretende fazer uma cerimonia de casamento e, no meio de suas pequenas aventuras cotidianas, Marnie conhece o policial aposentado Zipper (J.K. Simmons) com quem a mútua atração torna-se crescente. No entanto, é com essa promessa de relacionamento que a protagonista terá de enfrentar alguns sentimentos que nem ela percebia que ainda precisam ser trabalhados em sua vida sentimental, afinal, estava ocupada demais tentando ajudar os outros a lidar com seus problemas. A cineasta Lorene Scafaria demonstra mais uma vez que consegue lidar com misturas de drama e comédia em suas narrativas de forma agradável (antes ela assinou Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo/2012), mas ao lado de Susan ela transforma A Intrometida num filme surpreendente dada a leveza com que aborda temas complicados como solidão, luto, relação mãe/filha e recomeços. Com o talento de sempre, Susan Sarandon faz de Marnie uma mulher madura bastante crível e que torna emocionante até o momento em que prepara pão com ovo! Com roteiro despretensioso e narrativa envolvente, o filme revela-se um grande acerto. 

A Intrometida (The Meddler/EUA-2015) de Lorene Scafaria com Susan Sarandon, Rose Byrne, JK Simmons, Cecily Strong, Lucy Punch e Jason Ritter. ☻☻☻

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

PL►Y: Lendas do Crime

Hardy e Hardy: dois atores distintos em um só. 

Tom Hardy é um dos atores mais cobiçados em Hollywood atualmente - e nos últimos anos está sempre cotado para as premiações. Em 2015 ele esteve presente em cinco produções, duas foram indicadas ao Oscar de Melhor Filme - Mad Max: Estrada da Fúria e O Regresso, este último lhe rendendo a merecida indicação à estatueta de ator coadjuvante. Se não tivesse fama de ser um ator encrenqueiro, provavelmente ele estivesse no páreo de melhor ator por Lendas do Crime, filme assinado por Brian Helgeland sobre os irmãos (gêmeos) Kray, temidos gangsteres na Londres dos anos 1950 e 1960. Baseado no livro de John Pearson, Helgeland cria um filme esperto sobre dois sujeitos problemáticos que ganharam cada vez mais espaço no mundo do crime organizado da Inglaterra em meados do século XX. Ainda que fossem cúmplices, desde o início o filme deixa claro as diferenças entre os dois. Narrado pela esposa de Reggie Kray, Frances (Emily Browning que finalmente espanta o marasmo de suas atuações), temos a ideia de que Reggie era um quase galã. Simpático, bem arrumado e articulado, a interpretação de Hardy torna fácil entender porque a mocinha de família cai de amores por ele. Por outro lado, Frances ressalta que o cunhado Ron Kray era totalmente desequilibrado. Homossexual e dotado de um senso de humor desagradável, Ron também era visivelmente insano, mas uma série de arranjos perante a justiça garantiram que ele ficasse fora de instituições de tratamento. O filme conta a ascensão dos Kray com o auxílio de vários coadjuvantes interessantes (destaque para o sócio vivido por David Thewlis e o namorado de Ron encarnado com desenvoltura pelo garotão Taron Egerton) e um senso de humor negro bastante particular (que vai para além da trilha animadinha em cenas violentas) ancorada nas personalidades dos manos. Helgeland demonstra mais uma vez seu talento para contar histórias sobre o mundo do crime, basta lembrar que ele tem um Oscar na estante pelo roteiro adaptado do espetacular Los Angeles-Cidade Proibida (1996) e outra indicação por Sobre Meninos e Lobos (2003) (além de ter assinado o famigerado O Troco/1999 estrelado por Mel Gibson). É perceptível o fascínio do cineasta pela psicologia que perpassa os tipos que habitam esse tipo de filme e aqui encontra um prato cheio no charme e temor que os Kray exalam - e encontra em Hardy um grande cúmplice em sua empreitada. Nas cenas em que os irmãos estão lado a lado existe a impressão que estamos diante de dois atores distintos dada não apenas a personalidade de cada um, mas, sobretudo, pelo trabalho de expressão vocal e corporal do ator. Por dar conta de dois personagens complexos no mesmo filme, você nem se importa que a narrativa perde o pique depois da primeira hora (e a boa reconstituição de época fica até em segundo plano perante a versatilidade de seu protagonista). Lendas do Crime pode não ter colocado Hardy na lista final do Oscar, mas o colocou entre as melhores atuações dos últimos tempos. 

Lendas do Crime (Legend / Reino Unido - França - EUA / 2015) de Brian Helgeland com tom Hardy, Emily Browning, Paul Bettany, Christopher Eccleston, Taron Egerton, David Thewlis e Tara Fitzgerald. ☻☻☻

Na Tela: A Comunidade

O grupo de Vinterberg: dez personagens e poucas cenas memoráveis. 

Expectativa é uma verdadeira praga para a apreciação de um filme, veja por exemplo o que senti ao ver A Comunidade, novo filme do dinamarquês Thomas Vinterberg. Vale lembrar que O cara foi o jovem cineasta mais falado de 1998 quando lançou Festa de Família junto ao movimento Dogma95. Depois de passar anos sem chamar muita atenção de público e crítica exibiu o arrepiante A Caça (2012) no Festival de Cannes e saiu de lá com o prêmio de melhor ator para Mads Mikkelsen além do prêmio ecumênico nas mãos. Uma indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro depois e lá estava ele adaptando o romântico Longe deste Insensato Mundo (2015) - que não recebeu a atenção merecida. Em 2015 Vinterberg voltou para sua terra natal e realizou A Comunidade, filme sobre um casal que resolve criar o que o título sugere num casarão da família em meio a década de 1970. De início imaginei que o roteiro iria explorar a relação de todas aquelas pessoas vivendo debaixo do mesmo teto, com suas ambições, ideais, conflitos e amores. Não é bem assim. Vinterberg concentra-se especificamente no casal que resolve acolher o grupo de pessoas em sua casa enquanto percebem o relacionamento desmoronar ao longo do tempo. Erik (Ulrich Thomsen) e Anna (Trine Dyrholm) são maduros e possuem um bom relacionamento dentro da vida confortável que levam ao lado da filha, a introspectiva Freja (Martha Sofie WallstrØm Hansen), portanto resolvem criar a tal comunidade sem segundas intenções ou malícia. A aceitação dos membros são feitas através de entrevistas seguidas de votações dos membros mais antigos e tudo corre dentro dos padrões de conduta mais amigáveis - com um levíssimo toque libertário dos anos 1970. O problema maior está no momento em que você percebe que os personagens que orbitam em torno do casal Erik e Anna estão ali apenas para constar, sendo meros espectadores da falência do casamento que existia na casa - e a história investe no caso de Erik com uma mulher mais nova e as implicações que surgem quando ele a convida a participar da comunidade. Neste ponto imagina-se que crescerá o conflito do homem que cedeu a casa para o grupo, mas... melhor eu parar por aqui. A Comunidade parte de uma ideia cheia de possibilidades, mas é extremamente tímido quando os conflitos precisam explodir. Um piti aqui, um grito ali e tudo é contornado sem muita profundidade contando com três ou quatro cenas interessantes... o que é pouco para um diretor competente que tinha em mãos dez personagens para desenvolver enquanto conviviam numa mesma casa. Ou será que sua ideia é que suas individualidades se perderam ali dentro? Se for essa a ideia, o desenvolvimento foi pior do que eu pensava (já que em determinado Erik força o grupo a tomar decisões que são difíceis para ele e...).  Embora Thomsen e Trine forneçam fôlego ao casal protagonista, o roteiro parece nunca extrair tudo o que podem oferecer dentro de um contexto humano tão rico.  

A Comunidade (Kollektivet/Dinamarca-Suécia-Noruega/2016) de Thomas Vinterberg com Ulrich Thomsen, Tryne Dyrholm, Helene Reingard Neumann, Fares Fares, Mads Reuther, Julie Agnete Vang e Adam Fischer. ☻☻