domingo, 31 de janeiro de 2021

HIGH FI✌E: Janeiro

 Cinco filmes assistidos durante o mês que merecem destaque:

"I'm your Woman" de Julia Hart
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§8^) Fac Simile: Nicolas Cage

Nicolas Kim Coppola

 Nicolas Cage faz parte de uma das famílias mais importantes da história do cinema, também tem um Oscar de melhor ator por Despedida em Las Vegas (1995) além de outra indicação por Adaptação (2002), faz um filme atrás do outro e ainda que não seja atualmente o ator mais respeitado do mundo, é o tipo que sempre chama atenção para um filme. Neste encontro online com nosso repórter imaginário, Nicolas fala um pouco sobre sua carreira, os cuidados com a aparência e sua participação num programa recém-lançado pela Netflix: 

§8^) Público e crítica costumam dizer que você tem feito muita coisa ruim nos últimos anos, isso não te incomoda?

Nicolas De forma alguma. Sei que muita gente faz filmes para ganhar prêmios, eu já passei desta fase. Faço filmes para pagar as minhas contas, que são muitas... se no meio tem alguma coisa legal que pode me trazer algum reconhecimento eu fico feliz. Às vezes é um desafio mesmo, pegar um roteiro mais ou menos e ter a chance de fazer parecer legal. Eu curto este tipo de coisa. 

§8^) Você é um dos rostos mais conhecidos de Hollywood e faz parte da família Coppola, como é conviver com isso?

Nicolas Ser sobrinho do Francis (Ford Coppola), primo da Sofia, do Roman é tranquilo. Cuidar de um dos rostos mais conhecidos é bem mais complicado. Conforme o tempo passa você se olha no espelho e imagina "Meu Deus, onde isso vai parar?". Você tenta fazer algumas coisas para driblar o tempo, mas chega uma hora que é inútil e acaba  ficando muito estranho...

§8^) E manter o peso é complicado?

Nicolas Nem me fale. Eu vejo minhas fotos antigas e imagino como ele era lindo. Físico de atleta... as pessoas olham pra mim hoje e dizem quem foi que me iludiu que eu era um símbolo sexual. Só olhar meus filmes da década de 1990... o público me amava! Hoje olho para minha aparência quando fiz Adaptação e fico realmente assustado... era quase premonitório, mas sei que algumas pessoas ainda tem uma espécie de fetiche por mim. Não ria, é verdade...

§8^) Desde 2017 você tem mantido uma rotina de lançar seis filmes por ano. Com a pandemia, você teve que mudar esta rotina impressionante, mas já está envolvido em seis projetos para este ano, não pensa em gastar sua imagem com tudo isso?

Nicolas Nada. O trabalho não gasta a minha imagem, o que gasta é o tempo. Acabei de completar 57 anos no último dia 7. Tenho que aproveitar e conseguir juntar o máximo dinheiro que puder enquanto tenho energia. Depois vou voltar a fazer filmes sérios, sem correria, perseguições, acidentes, lutas, tiros... serão filmes de arte e com pouca bilheteria. Serei indicado a prêmios e devo até ganhar alguns. Vão dizer que dei a volta por cima e blablabla... Por enquanto vou continuar trabalhando feito um doido e fazer meu pé de meia. Sei que no fim das contas ainda tenho fãs fiéis perdidos que me levam a sério por aí em algum lugar. 

§8^) Você está no novo programa da Netflix sobre A História do Palavrão. Como a proposta chegou até você?

Nicolas É engraçado você falar isso, mas acho o programa a minha cara. Não que eu fale muito palavrão ou tenha cada de #@&%$, mas eles queriam algum rosto conhecido que pudesse exalar algo sério e cômico ao mesmo tempo. Quem mais seria capaz de uma §@!#*ª destas? Aí deixei a barba crescer, passei uma camada de tinta e ficou perfeito. Não é o tipo de programa recomendado para a família, mas eu nem ligo... e a grana foi boa também. Só acho que as pessoas que não entendem inglês vão perder muito da graça do programa, legendado ou dublado não é a mesma coisa. Os palavrões são expressões muito particulares de cada cultura é quase uma identidade local. Imagino que vocês brasileiros tem xingado muito ultimamente...  

PL►Y: Cães Selvagens

 

Dafoe, Cage e Cook: filme decepcionante. 

Paul Schrader tem uma longa carreira como diretor, afinal desde 1978 que ele também é reconhecido como cineasta. O diretor do clássico Taxi Driver (1976). Ele tem no currículo filmes controversos como Gigolô Americano (1980) e (sua única indicação ao Oscar por) Fé Corrompida (2017), geralmente com personagens fortes e que estão longe de ser uma unanimidade. Nem sempre público ou crítica costumam cair de amores por ele, especialmente quando ele derrapa feio como neste Cães Selvagens, filme que passou em branco em 2016 e que não faz muita diferença em sua carreira. Curiosamente ele não assina o roteiro, que fica por conta do desconhecido Matthew Wilder (que antes tinha somente um filme no currículo e depois escreveu mais dois que ninguém lembra) baseado no livro de Edward Bunker. Não sei bem ao certo onde a história quer chegar ao contar o encontro de três bandidos para realizar um último crime, no caso o sequestro de um bebê que acontece lá pela metade da sessão. Até lá, conhecemos como cada um deles acabou preso e percebemos que estão longe de ser amigos ou estáveis. Entre drogas, bebidas e assassinatos, a dupla Nicolas Cage (Troy) e Willem Dafoe (Mad Dog) tem talento de sobra para chamar atenção para o filme, mas eles são acompanhados por Christopher Matthew Cook (Diesel) que está longe de ser carismático e o roteiro está longe de apresenta-los de forma que você consiga torcer por qualquer um deles. A narrativa é apresentada num amontoado de cenas rápidas, desconexas e que brincam com os filtros da fotografia e a trilha sonora. De vez em quando o filme para e respira, mas está longe de apresentar algo envolvente. A impressão é que Schrader quis bancar o diretor moderninho e acabou se confundindo na condução da história simplória cheia de firulas para fingir que tem muito a dizer. O humor é sofrível, a violência é explícita e os atores fazem o que podem com seus personagens unidimensionais. Para piorar ouvi gente dizendo que o filme parece com os primeiros longas do Tarantino, o que não quer dizer nada, já que qualquer filme que tenha piadinhas e tiros as pessoas costumam dizer isso - o que é um sacrilégio... para quem enxergar semelhanças eu recomendo que reveja os três primeiros filmes do moço e perceba como este aqui é completamente diferente. Cães Selvagens termina com sabor de uma grande perda de tempo. 

Cães Selvagens (Dog Eat Dog / EUA -2016) de Paul Schrader com Nicolas Cage, Willem Dafoe, Christopher Matthew Cook, Omar J. Dorsey, Louisa Krause e Melissa Bolona.   

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

4EVER: Cicely Tyson

19 de dezembro de 1924 ✰ 28 de janeiro de 2021

A artista nasceu na cidade de Nova York e primeiro se tornou conhecida como modelo antes de se tornar atriz na década de 1950. Ao começar a atuar, fez uma promessa a si mesma de somente encarnar personagens fortes, o que se tornou sua marca registrada em uma carreira que por diversas vezes retratou questões raciais e de gênero diante das câmeras. Tyson foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz por seu comovente trabalho no filme Lágrimas de Esperança (1972), mas recebeu sua estatueta somente em 2019 com o prêmio honorário da academia pelo conjunto de sua carreira. Ela também foi indicada 14 vezes ao Emmy, recebendo três vezes o prêmio, duas delas por A História de Jane Pittman (1974), sendo sua última indicação foi ano passado pelo trabalho na série How to Get Away with Murder. Ela também recebeu um Tony por seu trabalho na peça Viagem para Bointiful (2013). Desafiando estigmas e preconceitos, Cicely se tornou uma inspiração para muitas atrizes ao redor do mundo. A atriz faleceu por causas não reveladas aos 96 anos. 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

INDICADOS INDEPENDENT SPIRIT AWARDS 2021

Never Rarely Sometimes Always: lembrado em seis categorias. 

Uma das premiações que mais simpatizo é o Film Independent Spirit Awards e costumo penar procurando a transmissão desta celebração do cinema independente americano... Se a grande maioria dos indicados deste ano complicado não foi surpreendente, a organização resolveu criar algumas novidades. A primeira delas é incluir categorias televisivas, que respeita os critérios de orçamento  mas que leva em consideração muito mais uma questão de estética e linguagem. Outra novidade é que a premiação costumava acontecer no sábado antes do Oscar e este ano preferiram escolher uma quinta-feira para realização. A seguir todos os indicados, lembrando que alguns devem aparecer bastante ao longo da temporada (e não é que Bacurau cravou uma vaga!):

CINEMA

Melhor Filme
First Cow 
Minari
Nomadland

Melhor Diretor
Lee Isaac Chung (Minari)
Emerald Fennell (Promising Young Woman)
Kelly Reichardt (First Cow)
Chloe Zhao (Nomadland)

Melhor Filme de Estreia
I Carry You With Me
Nine Days
Miss Juneteenth

Melhor Atriz
Nicole Beharie (Miss Juneteenth)
Frances McDormand (Nomadland)
Carey Mulligan (Promising Young Woman)

Melhor Ator
Rob Morgan (Bull)
Steven Yeun (Minari)

Melhor Atriz Coadjuvante
Alexis Chikaeze (Miss Juneteenth)
Yeri Han (Minari)
Valerie Mahaffey (French Exit)
Yuh-jung Youn (Minari)

Melhor Ator Coadjuvante
Orion Lee (First Cow)
Benedict Wong (Nine Days)

Melhor Roteiro
Minari
Você Nem Imagina
Promising Young Woman

Melhor Roteiro de Estreia
Noah Hutton (Lapsis)
Channing Godfrey Peoples (Miss Juneteenth)
Andy Siara (Palm Springs)
James Sweeney (Straight Up)

Melhor Fotografia
Jay Keitel (She Dies Tomorrow)
Shabier Kirchner (Bull)
Joshua James Richards (Nomadland)

Melhor Montagem
I Carry You With Me
Residue
Nomadland

Melhor Documentário
Collective
Crip Camp
Time

Melhor Filme Internacional
The Disciple
Night of the Kings
Preparations to be Together for an Unknown Period of Time
Quo Vadis, Aida?

Prêmio John Cassavetes
The Killing of Two Lovers
La Leyenda Negra
Língua Franca
Residue
Saint Frances

Prêmio Piaget Producers
Kara Durrett
Lucas Joaquin
Gerry Kim

Prêmio Someone to Watch
David Midell (The Killing of Kenneth Chamberlain)
Ekwa Msangi (Farewell Amor)
Annie Silverstein (Bull)

Prêmio Truer Than Fiction
Cecilia Aldarondo (Landfall)
Elegance Bratton (Pier Kids)
Elizabeth Lo (Stray)

Prêmio Robert Altman

TELEVISÃO

Melhor Série Não Roteirizada ou Documental
Atlanta’s Missing and Murdered: The Lost ChildrenCity So Real
Immigration Nation
Love Fraud
We’re Here

Melhor Série Roteirizada
I May Destroy You
Little America
Small Axe
A Teacher
Nada Ortodoxa

Melhor Atriz em Série Roteirizada
Elle Fanning (The Great)
Shira Haas (Nada Ortodoxa)
Abby McEnany (Work in Progress)
Maitreyi Ramakrishnan (Eu Nunca…)
Jordan Kristine Seamón (We Are Who We Are)

Melhor Ator em Série Roteirizada
Conphidance (Little America)
Adam Ali (Little America)
Nicco Annan (P-Valley)
Amit Rahav (Nada Ortodoxa)
Harold Torres (Zero, Zero, Zero)

Melhor Elenco em Nova Série Roteirizada
I May Destroy You

domingo, 24 de janeiro de 2021

PL►Y: O Tigre Branco

 
Adarsh e Raj: o peso de uma casta sobre a outra. 

Baseado no best-seller de Aravind Adiga, O Tigre Branco acabou de chegar na Netflix e merece atenção pela energia que exala do filme. O longa conta a história de Balram (Adarsh Gourav), que era um menino inteligente e poderia ter seguido nos estudos se a avó  não houvesse o retirado da escola para explorá-lo tal e qual fez com o pai dele (até que este morresse de tanto trabalhar com tuberculose). Embora sejamos apresentados à infância miserável  do protagonista, ele está em uma situação bastante diferente quando começa a narrar sua história. Aos poucos percebemos que Balram conta como conseguiu mudar de vida. Tudo indica que foi a partir do momento em que aprendeu a dirigir para se tornar motorista de uma família de casta superior, mas... é mais complicado do que parece. Embora tenha que enviar boa parte do seu salário para a família no interior, ele percebe que sua vida melhorou, embora uma sucessão de humilhações torne sua rotina cada vez mais insuportável. Embora ele fique cada vez mais próximo de Ashok (Rajkummar Rao), o herdeiro de seu patrão, que estudou nos Estados Unidos e voltou casado com Pinky Madam (Priyanka Chopra), a amizade entre os dois parece sempre se equilibrar numa corda bamba, que se desequilibrará de vez quando um acidente acontecer e a relação entre os três personagens se tornar cada vez mais insustentável. Dali em diante, os rumos de comédia dramática impressa pelo diretor Ramin Bahrami caminha cada vez mais para o suspense, já que Balram começa a considerar que dentro daquela rotina dificilmente ele mudará de vida, não importa o quanto seja educado, esperto e prestativo, diante das regras que já estão estabelecidas, ele sempre ficará estagnado no mesmo lugar. Neste momento que nos damos conta de que estamos diante de um anti-herói que é lapidado lentamente pelo carisma do ator Adarsh Gourav (que domina magistralmente as guinadas de seu personagem). Repleto de comentários sobre a cultura indiana e seu sistema de castas (misturado com política e corrupção), além de alfinetadas em Bollywood (que jamais investiria em um filme com as tonalidades ácidas apresentadas aqui) e até no oscarizado Quem quer Ser um Milionário (2008), O Tigre Branco começa como uma comédia modesta que se torna cada vez mais robusta conforme vigora o desgaste de seu personagem principal. Embora tenha se complicado na última meia-hora (quando o filme se torna mais sombrio), o cineasta Ramin Bahrami (que é nascido na Carolina do Norte/EUA, mas é filho de iranianos) faz aqui um filme bastante envolvente e se beneficia muito de ter vendido sua obra para a Netflix, já que embora seus filmes sejam elogiados sempre ficam desconhecidos pelo público (só lembrar de 99 Casas/2015), vale lembrar que ele foi o responsável pela nova versão de Fahrenheit 451 (2018) para a HBO. Aqui sua marca de comentários sociais contundentes aparece ainda mais cortante e  temperada com mais humor do que costuma empregar (até no final subversivo). 

O Tigre Branco (The White Tiger/ EUA-India / 2021) de Ramin Bahrami com  Priyanka Chopra, Rajkummar Rao, Adarsh Gourav, Vijay Maurya e Swaroop Sampat. ☻☻☻

sábado, 23 de janeiro de 2021

4EVER: Larry King

 
19 de novembro de 1933 ✰ 23 de janeiro de 2021

Nascido no estado de Nova York no Brooklyn com o nome de Lawrence Harvey Zeiger, ele começou sua carreira profissional como locutor esportivo em uma rádio local na Flórida em 1957. Ao se tornar entrevistador, ele se tornou um verdadeiro ícone da televisão com seus programas que se tornaram verdadeiras tradições nos Estados Unidos. Diante das inúmeras celebridades que já entrevistou, ele sempre deixava claro que elas eram as estrelas do programa, realizando perguntas simples, diretas e descomplicadas que marcaram a história do gênero em seu país. Ele foi responsável por mais de cinquenta mil entrevistas em sua carreira. Além de sua carreira como jornalista, King também fez inúmeras participações séries de TV e filmes, entre eles Bee Movie (2007), Contato (1997) e Os Caça-Fantasmas (1984), na maioria das vezes interpretando ele mesmo. King era diabético e havia se recuperado após o tratamento de um câncer em 2017, mas faleceu devido a complicações com a Covid-19 em um hospital em Los Angeles. 

Pódio: Jamie Bell

Bronze: o jovem ator
03 Estrelas de Cinema Nunca Morrem (2017) Bell interpreta um jovem ator britânico que conheceu uma diva do cinema sem fazer ideia de que ela era famosa. Ela era Gloria Grahamme (Annette Benning), também conhecida por fazer o discurso mais curto da história do Oscar. Os dois se conhecem, se apaixonam e enfrentam muitos preconceitos por conta deste romance - e logo uma doença irá aparecer para atrapalhar mais ainda o casal. O filme que trabalha o amor entre dois personagens bastante opostos mirou no Oscar mas foi lembrado no BAFTA nas categorias de melhor atriz, roteiro e ator. 

Prata: O supremacista arrependido
02 Skin (2018) Apesar do jeito de bom rapaz, Jamie Bell deu conta de encarnar um personagem real bastante assustador nesta cinebiografia de um neonazista que tenta mudar de vida. Com visual e postura agressiva ele está bastante convincente ao viver as transformações do personagem depois de um passado de grandes atrocidades. Embora tenha chamado atenção em festivais (como Berlim e Toronto) o filme foi lançado por aqui simultaneamente nas telonas e no streaming. Bell faz um trabalho de gente grande e lembra que o ator mirim cresceu e já é quase um quarentão (e bem que o Oscar finalmente poderia lembrar dele).  

Ouro: o menino bailarino
01 Billy Elliot (2000) Jamie Bell estreou no cinema com este filme em que interpreta um menino filho de carvoeiro que deseja ser bailarino. Pelo papel o menino prodígio se tornou uma espécie de paixão mundial com o enorme sucesso do filme de estreia do diretor Stephen Daldry. Bell tinha 14 anos na época e realizou um trabalho tão irresistível que levou para casa o BAFTA de melhor ator naquele ano. O menino convence não apenas nas cenas de dança como também nos momentos mais dramáticos, numa química irresistível com a professora vivida por Julie Walters. O filme fez tanto sucesso que foi adaptado para os palcos e ficou muitos anos em cartaz. 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

PL►Y: Skin

 
Bell: skinhead com 53 tatuagens pelo corpo.

Jamie Bell estreou no cinema como o irresistível Billy Elliot (2000), o menino filho de carvoeiros que queria ser bailarino, pelo papel, Jamie recebeu aos quatorze anos o BAFTA de melhor ator. Desde então ele não parou mais de trabalhar e construiu um currículo bastante diverso, que inclui blockbusters (King Kong/2005), polêmicas (Ninfomaníaca: Volume 2/2013), filme de super-herói (Quarteto Fantástico/2015), romances (Jane Eyre/2011), dramas (Estrelas de Cinema Nunca Morrem/2017) e musical (Rocketman/2019), no entanto, me arrisco a dizer que viver o neonazista deste Skin deve ter sido um enorme desafio. Primeiro por conta dos lugares obscuros que precisou explorar para dar vida ao personagem e segundo por conta de sua caracterização física que é por si só bastante agressiva. Skin conta a história real de Bryon Widner, jovem que faz parte de um grupo de supremacistas brancos que ganha força no interior dos Estados Unidos. Bryon tem o corpo coberto por tatuagens com significados racistas, tem grande proximidade dos líderes do grupo (vividos por Bill Camp e Vera Farmiga) que o consideram um filho, além de participar do aliciamento de novos integrantes (geralmente jovens brancos em situação de vulnerabilidade social). Por seu envolvimento com crimes de ódio, Bryon torna-se procurado pelo FBI e sua situação só tende a piorar, pelo menos até ele conhecer Julie Price (a sempre competente Danielle MacDonald), ex-integrante do grupo que já passou por maus bocados com suas quatro filhas. Bryon se aproxima dela depois de envolver-se em mais um ato execrável com seus parceiros e começa a ser perseguido por um homem (Mike Colter) que acredita que ele pode mudar de verdade. A vida de Bryon foi retratada em um documentário e aqui ganha tratamento de drama independente que não foge muito dos padrões, todo mundo já sabe que Widner enfrentará problemas quando seu contato com a polícia começar a ser recorrente e o grupo desconfiar que ele possa falar mais do que é permitido. Afastar-se do grupo também é visto com maus olhos, mas se ele planeja ter sossego e mudar de vida junto à família que escolheu terá que assumir este risco. O diretor Guy Nattiv consegue construir uma atmosfera tensa durante o filme, exalando uma certa tristeza com a fotografia esverdeada e as paisagens que aparecem na tela. A trama é intercalada com as cenas de seu protagonista retirando as 53 tatuagens (14 no rosto e 39 pelo resto do corpo) como um marco de sua transformação pessoal, mas se o filme não traz novidades sobre o tema, ao menos consegue construir uma narrativa contundente sobre este tipo de personagem com a mesma desenvoltura de A Outra História Americana (1999), que se tornou um marco no gênero. Com o bom trabalho de seus atores, Skin pode ser chocante para os estômagos mais sensíveis, mas é extremamente necessário para conhecer um pouco mais sobre estes grupos que crescem assustadoramente no século XXI. 

Skin (EUA-2020) de Guy Nattiv com Jamie Bell, Danielle MacDonald, Bill Camp, Vera Farmiga, Mary Stuart Masterson, Mike Coulter e Russell Posner. ☻☻☻

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

PL►Y: One Night in Miami

 
Cooke, Cassius, X e Jim: encontro histórico e fictício.

Nos últimos tempos Regina King se tornou um dos nomes mais influentes do entretenimento nos Estados Unidos, portanto fica ainda mais interessante a escolha do projeto para sua estreia como cineasta. One Night in Miami coleciona elogios desde que estreou no Festival de Veneza no ano passado. O filme é baseado na peça de Kemp Powers (que também assina esta adaptação) e parte de um encontro imaginário que faria história na época da luta pelos direitos civis nos EUA. O texto cria uma reunião entre o boxeador Cassius Clay (Eli Goree) antes de se tornar Muhammad Ali, o jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge), o pioneiro da soul music Sam Cooke (Leslie Odom Jr) e o líder militante Malcolm X (Kingsley Ben-Adir) na noite do dia 25 de fevereiro de 1964 num quarto de hotel. Cassius acabava de se consagrar campeão de boxe e estava prestes a assumir sua conversão ao islamismo. Após aquela vitória histórica, ele e Malcolm se dirigem para o encontro com os amigos Sam e Jim, os dois também estão prestes a tomar decisões importantes para suas carreiras e a conversa com Malcolm pode afetar os rumos de suas vidas para sempre. Malcolm quer leva-los a pensar como eles podem utilizar sua influência na busca por igualdade racial na Terra do Tio Sam. A conversa entre os quatro personagens icônicos se desenrola facilmente, toca em alguns pontos polêmicos sobre identidade, empoderamento e representatividade, mas também tem momentos de espirituosos e bem humorados. Os atores demonstram boa química em cena e parecem que realmente são amigos, ainda que tenham personalidades distintas e divergências. O que achei mais interessante é o fato do filme não os tratar como divindades, mas como pessoas comuns, com ambições e inseguranças, qualidades e defeitos. Para quem conhece a trajetória dos personagens o filme tem um gosto ainda mais especial, já que também apresenta momentos de virada em suas carreiras, mas também podem reclamar por conta do filme deixar de fora muito da história particular de cada um, além do pouco destaque que Jim Brown recebe na história (ainda que Aldis Hodge tenha ótimos momentos na pele do personagem), quem não conhece os personagens também ficará bastante curioso para saber mais sobre a importância de cada um deles. Em sua estreia na direção Regina King transborda elegância, deixando evidente a admiração que tem pelos mitos que compõem a sua trama. Seu maior desafio aqui é envolver o espectador enquanto foge do aspecto de teatro filmado e pode-se dizer que ela alcança os dois objetivos com competência, além de embalar o filme num estilo bastante charmoso. A atriz que já tem um Oscar de coadjuvante por Se a Rua Beale Falasse (2018) tem chances reais de ser indicada na categoria de melhor direção pelo tom impresso em sua narrativa. Disponível no Prime VideoOne Night in Miami termina com sabor de satisfação pelos temas que aborda no que parece uma conversa simples entre amigos, muito também por mérito do texto de Kemp Powers (que também assina o roteiro de Soul/2020) que sabe falar de temas complicados com uma leveza impressionante (e por estes trabalhos pode aparece duplamente indicado no próximo Oscar).

One Night in Miami (EUA-2021) de Regina King com Kingsley Ben-Adir, Eli Goree, Aldis Hodge, Leslie Odom Jr., Christain Magby, Lance Reddick, Joaquina Kalukango e Michael Imperiolli. ☻☻☻

PL►Y: I'm Your Woman

 
Brosnahan e Harry: boas atuações em drama criminal. 

Antes de estrear no Amazon Prime Video, o filme I'm Your Woman era aguardado como a chance de ver Rachel Brosnahan entre as indicadas ao Oscar deste ano. No entanto, quando o filme estreou a temporada já tinha seus pesos pesados e suas chances diminuíram consideravelmente, o que não quer dizer que o filme não mereça atenção. Rachel ficou famosa (e premiada) por seu trabalho na série de comédia A Maravilhosa Srª Maisel e aqui prova que também merece um lugar na tela grande com uma atuação precisa em um personagem complicado. Complicado especialmente porque sabemos muito pouco sobre sua personagem, a Jean. Quando a conhecemos ela está pegando sol em seu quintal, com roupão, bebida, óculos de sol e jeito entediado. A história se passa nos anos 1970 e ela é apresentada dentro de um verdadeiro arquétipo dos filmes criminais desta década: a esposa do gangster. Estas personagens costumam ficar em segundo plano na história principal, mas aqui o destaque é todo dela. Quando seu esposo Eddie (Bill Heck) aparece pela primeira vez com um bebê nos braços e entrega à esposa como se fosse um presente, também sabemos muito pouco sobre ele, mas ficamos instigados sobre aquela realidade. Pouco se fala sobre o casamento dos dois até que Eddie não aparece mais e Jean é abordada por um desconhecido, Cal (Arinze Kené) que pede para que junte o que for essencial e fuja dali. Jean e o espectador não entendem muito bem o que está acontecendo, mas começa ali uma rotina de fugas que revela cada vez mais a realidade em que Eddie estava metido. Eddie é um criminoso e tudo o que sabemos é que algo saiu muito errado, colocando a vida de Jean e do bebê em risco, além de quem mais cruzar o caminho dos dois. É deste ponto de partida (que parece acontecer à margem da trama principal) que o filme se sustenta de forma bastante curiosa, acrescentando detalhes à sua história conforme a situação se complica e algumas surpresas surgem pelo caminho. Dirigido e escrito por Julia Hart (com colaboração no roteiro de seu esposo Jordan Horowitz), I'm Your Woman tem o mérito de nunca se contentar em ser apenas um filme marginal, lança um olhar curioso sobre a "o que aconteceu com a esposa do bandido?", além de tocar em algumas questões que tornam o recorte sobre uma personagem em uma trama interessante: a forma como ela lida com a maternidade, a questão de sobrevivência que a faz ter contato com o submundo habitado pelo esposo (e que sempre ignorou) e até as decisões corajosas que precisa tomar para  sair desta situação. Entre momentos dramáticos e tensos, Rachel Brosnahan se sai tão bem como a diretora (o visual do filme é feito no capricho e a cena da boate é de uma precisão espetacular, aquele tipo de cena que dá vontade de voltar e assistir novamente várias vezes) e juntas alcançam o resultado de uma trama paralela que tem elementos suficientes  para se tornar a trama principal. Para além de tudo isso, achei bem interessante a ambição de Julia Hart à frente do projeto, ela foi destaque no Ciclo Diretoras de 2018 aqui no blog com Miss Stevens (2016) e demonstra estar disposta a ser bastante eclética em seus trabalhos. 

I'm Your Woman (EUA - 2020) de Julia Hart com Rachel Brosnahan, Marsha Stephanie Blake, Arinzé Kene, Frankie Faison, Jameson Charles, Justin Charles e Bill Heck. ☻☻☻

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

PL►Y: Você não Estava Aqui

Kris e Katie: família em tempos de crise.

Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes (o que não é novidade na carreira do seu diretor Ken Loach) e lembrado na categoria de Melhor Filme Britânico no BAFTA do ano passado, Você não Estava Aqui é um drama que mais parece um filme de terror. Calma, eu explico. Loach é bastante famoso por escolher temas de forte carga social para seus filmes, mas aqui ele capricha na construção de um labirinto sem saída em que um pai de família se envolve para colocar comida na mesa e pagar as contas no fim dos mês. Ele conta a história de Ricky (Kris Hitchen) um homem desempregado e desesperado para conseguir outro emprego. Para tanto acaba aderindo à uma "franquia" de entregas que aos poucos se mostra uma verdadeira exploração. Quando mais ele trabalha, mais ele precisa trabalhar e se houver qualquer contratempo as despesas só aumentam com as multas e prejuízos que se acumulam. Chegando a trabalhar quatorze horas por dia ele quase não vê mais a família, o relacionamento com o filho adolescente só piora e a convivência com a caçula também fica um tanto comprometida. Com relação à esposa (Debbie Honeywood), ele precisa lidar com o fato de ter vendido o carro dela para comprar a tal van para fazer entregas e agora ela demora muito mais para atender seus pacientes devido aos problemas com horários dos ônibus e tudo mais. Os contratempos começam a se empilhar e os fatos se transformam numa verdadeira bola de neve que desmontam o discurso que seduziu Ricky no início do filme (de que não teria patrão e que ganharia muito dinheiro). Aos poucos o desespero dos personagens só cresce e algumas ações impensadas são realizadas pelo meio do caminho (e só complicam ainda mais as finanças da família). A narrativa realista faz com que Loach pareça filmar uma família de verdade com uma câmera escondida, impressão que só aumenta com todos os atores convincentes em cena. Você não Estava Aqui é um drama daqueles, sem firulas, doído e que fala muito sobre quem paga caro por um mundo em crise. Se é verdade que a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, durante o filme a impressão é que olhamos para a corda arrebentando gradativamente.  

Você não Estava Aqui (Sorry, We missed You/ Reino Unido - França - Bélgica / 2020) de Ken Loach com Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone, Katie Proctor e Ross Brewster. ☻☻☻

PL►Y: O Caminho de Volta

 
Ben: dilemas pessoais emprestados para um personagem. 

Ben Affleck tem lá a sua torcida para cravar uma vaga na categoria de melhor ator no Oscar deste ano por sua atuação neste O Caminho de Volta. É verdade que diante dos pesos pesados da temporada ele tem poucas chances, mas a campanha serve para chamar atenção para um filme pequeno que traz um bom trabalho do subestimado ator. No filme ele interpreta Jack Cunninghan (Ben Affleck), um operário da construção civil que tem problemas sérios com o álcool (e  as primeiras cenas deixam isso bem claro, já que ele bebe em todas elas). Ele é convidado para treinar um time de basquete de um grupo religioso voltado para resgate de jovens em situação de vulnerabilidade social - o que pode ser um ponto de mudança em sua vida, mas ele ainda tem dúvidas se aceita a proposta. O convite surge por conta do passado de Jack, que foi um atleta promissor no colegial e por algum motivo sua carreira no esporte perdeu fôlego. Some isso ao fato de sua vida pessoal também não estar muito bem, principalmente por conta de uma tragédia familiar, e começaremos a entender os gatilhos encontrados no caminho que fazem da bebida seu verdadeiro refúgio. Dirigido por Gavin O'Connor o filme traz aquela marca de lidar de forma áspera com o drama, o que ajuda bastante para que Ben consiga compor um dos personagens mais marcantes de sua carreira, principalmente nas cenas em que precisa lidar com um time que deve melhorar muito sua auto-estima se quiser realmente ganhar algumas partidas. Embora os meninos do time não recebem muito destaque, existe uma boa energia nas cenas de treino e nas partidas. A coisa funciona tanto que é fácil se pegar torcendo pelo treinador e seus pupilos e estranhar um bocado quando a cena final acontece quando ainda falta meia hora de filme para acontecer. É nesta parte final que o filme quase se desconstrói da pior maneira possível. As situações se tornam mais melodramáticas e Jack caminha para o fundo do poço novamente. Ainda que se arrisque muito neste último ato, o diretor parece saber do que está fazendo, já que vício é coisa séria e qualquer recaída pode custar caro. Ben Affleck deve saber disso muito bem, já que há muito tempo a mídia acompanha seus problemas com o alcoolismo, aqui mesmo ele apresenta aquele imagem inchada e um certo cansaço, mas que ajudam a compor o personagem que ele quase perdeu por uma recaída (e que só não perdeu devido ao apoio da ex-esposa Jennifer Garner). Esta forma como Jack precisa lidar com seus fantasmas reflete muito de como Ben também tem os seus para exorcizar e devemos reconhecer que enfrentar um papel destes foi bastante corajoso por parte do ator que nunca se expôs tanto por um papel. Embora tenha duas estatuetas do Oscar em casa (roteirista por Gênio Indomável/1998 e produtor por Argo/2012), Affleck nunca foi reconhecido por seu trabalho como ator pela academia, o que se torna ainda mais curioso depois que seu irmão, Casey Affleck levou para casa o Oscar de Melhor Ator por Manchester à Beira Mar (2016). Curiosamente o personagem de Ben tem algumas semelhanças com o trabalho do mano, mas suas chances de ser indicado são pequenas. Pelo menos ele soma mais um bom trabalho no seu currículo. 

O Caminho de Volta (The Way Back/ EUA - 2020) de Gavin O'Connor com Ben Affleck, Al Madrigal, Janina Gavankar,  Michaela Watkins, Brandon Wilson, Ben Irving, Will Ropp e Brandon Wilson. ☻☻☻

domingo, 17 de janeiro de 2021

#FDS: A Trincheira Infinita

 
Antonio e Belén: vidas em segredo. 

Terminando o #FimDeSemana com filmes latinos que disputam uma vaga na categoria de Filme Internacional no Oscar deste ano está o concorrente espanhol A Trincheira Infinita. A Espanha já concorreu ao prêmio de filme estrangeiro vinte vezes, levando a estatueta quatro vezes para o país e escolheu um filme de forte teor histórico para representa-lo no Oscar - quando muita gente achava que ousariam indicar o hit O Poço.  A Trincheira Infinita conta a história de Higinio Blanco (Antonio de la Torre), um militante contra o regime autoritário de Francisco Franco que vive décadas escondido em um buraco na parede de sua própria residência. A trama começa em 1936, no início da Guerra Civil Espanhola e termina somente em 1969 com a anistia política do país. Durante todo este período acompanhamos a rotina do protagonista ao lado de sua esposa, Rosa (Belén Cuesta eleita melhor atriz no Prêmio Goya), ambos sofrendo maus bocados para mantê-lo escondido. A casa é revistada várias vezes, um vizinho está sempre de olho para denunciar o esconderijo, Rosa sofre diversas agressões das autoridades e precisa obedecer uma série de regras para não levantar suspeitas. Durante as mais de três décadas em que a trama acompanha o casal, existem vários desafios que são enfrentados (incluindo uma gravidez) e retratados com uma narrativa cheia de tensão. Misturando drama e suspense, existem cenas impressionantes na primeira parte do filme (e ousadas cenas de sexo também), mas o mais interessante é como o filme consegue ser bastante envolvente em suas mais de duas horas de duração e consegue explorar os conflitos dos personagens ao longo do tempo, tanto do homem condenado ao exílio secreto dentro de casa quanto à esposa que renuncia novas possibilidades para ajudá-lo a se esconder por tanto tempo. As atuações de Antonio e Belén são ótimas e bastante complementares, já que que por vezes revelam nuances bastante diversas sobre aquela realidade, sem falar no esforço nas caracterizações que demonstram a passagem do tempo (um exemplo é o físico de Antonio que muda bastante com o passar da narrativa). A fotografia também é caprichada e deixa o tom claustrofóbico bastante realista para a plateia em seus pontos de luz e sombras. Outro ponto interessante é a direção dividida por três cineastas, Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga, que conseguem trabalhar com uma coesão que muitas vezes um cineasta solitário não consegue apresentar. No entanto, se existe um problema com o filme é a falta de contextualização histórica para a trama. Os espanhóis não devem precisar de certos detalhes aparecendo na tela, mas quem não conhece a história da Espanha pode sentir falta de certas informações descritas acima. A passagem do tempo também pode render certo estranhamento, já que fica restrita à aparência dos atores e o crescimento do filho do casal, mas talvez a ideia seja embaçar a percepção do espectador. Outro detalhe interessante do filme é o uso de verbetes para separar a história em capítulos, que trazem um pouco de ironia para a densa narrativa. A Trincheira Infinita é um bom filme para quem curte História e conta uma realidade bastante comum durante a ditadura franquista, os chamados "toupeiras" viviam escondidos em buracos e o próprio retorno ao mundo exterior poderia render outro filme com a curiosidade que os minutos finais deste aqui desperta no espectador.  O filme está em cartaz na Netflix desde fevereiro do ano passado e vale lembrar que o serviço de streaming disponibilizou outros filmes que também disputam vagas na categoria de Melhor Filme Internacional como o taiwanês A Sun, o turco Milagre na Cela 7, o austríaco Quando a Vida Acontece e o mexicano Ya No Estoy Aquí que abriu este #FimDeSemana por aqui. 

A Trincheira Infinita (La Trincheira Infinita / Espanha - 2019) de Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga com Antonio de la Torre, Belén Cuesta, Vicente Vergara, José Manuel Poga, Emilio Palacios e Antonio Romero. ☻☻☻

sábado, 16 de janeiro de 2021

#FDS Latinos para o Oscar: O Agente Duplo

 
Sergio Chamy: espião novato em casa de repouso. 

Embora muita gente tenha ficado surpresa quando o Brasil anunciou que o documentário Babenco - Alguém tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou de Bárbara Paz para disputar uma vaga na categoria de filme internacional no Oscar, vale lembrar que outros países também adotaram esta estratégia - que verdade cria uma visibilidade para o filme concorrer também na categoria de melhor documentário, especialmente depois o macedônio Honeyland (2019) conseguiu vaga nas duas categorias. Além do Brasil, outros quatro países adotaram esta estratégia: a Venezuela (Era Uma Vez na Venezuela), a Itália ( Notturno), a Romênia (com o elogiadíssimo Collective) e o Chile com este O Agente Duplo que está disponível na GloboPlay. O filme da diretora Maite Alberdi parte de uma ideia que parece sensacionalista e logo se revela um retrato comovente da forma como a sociedade trata os idosos. Seu ponto de partida é uma mulher não identificada que suspeita que sua mãe é negligenciada numa casa de repouso para idosos e contrata um detetive que seleciona alguém capaz de se infiltrar na casa e apurar as situações que acontecem por ali. Enquanto isso, a equipe de filmagem usa uma outra justificativa para entrar na instituição: acompanhar o processo de adaptação de um recém-chegado no local. O "detetive" selecionado é o simpático Sergio Chamy, um viúvo de 83 anos que precisa aprender a usar tecnologias, ser discreto e manter um certo distanciamento emocional para manter-se objetivo em sua investigação. Cercado por diferentes histórias de vida e realidades familiares bastante diferentes, o filme se torna cada vez mais interessante com popularidade que o "espião" começa a receber das solitárias senhoras que vivem por ali. Entre festas, denúncias e desconstruções existem momentos bem-humorados e outros melancólicos que revelam o quanto O Agente Duplo é um filme interessantíssimo por romper as barreiras da linguagem documental e do ficcional. Muitos o consideram um verdadeiro híbrido perante a espontaneidade apresentada em sua narrativa bem estruturada (em diversos momentos eu imaginei que era um filme com amadores seguindo um roteiro, o que o torna ainda mais instigante). O filme possui uma construção envolvente, espirituosa e guarda para o desfecho uma constatação que o espectador constrói gradativamente durante sua duração enxuta (80 minutos). O documentário foi filmado numa casa de repouso nos arredores de Santiago e pode até não aparecer no Oscar (mas eu adoraria que concorresse na categoria de melhor documentário), mas é uma grata surpresa que merece ser descoberta. Esta é a vigésima quinta vez que o Chile indica um filme para concorrer a uma vaga na categoria de filme estrangeiro, mas conseguiu ser indicado somente em 2013 com No (2012) de Sebastián Lelio. O país concorreu novamente cinco anos depois, com Lelio levando o Oscar para casa ao repetir a proeza com Uma Mulher Fantástica (2017). 

O Agente Duplo (El Agente Topo / Chile - 2020) de Maite Alberdi com Sergio Chamy e Rómulo Aitkin. ☻☻☻

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

#FDS Latinos para o Oscar: Ya No Estoy Aquí

 
Ulisses: uma odisseia muito particular.

Neste primeiro #FimDeSemana do ano irei postar comentários sobre três filmes latinos que concorrem a uma vaga na categoria de Filme Internacional no próximo Oscar. Lembrando, como sempre, que 2020 foi um ano bastante atípico para o cinema e a maioria dos países preferiram guardar suas produções para reabertura das salas, mas alguns optaram por vender para serviços de streaming e ganhar algum espaço perante o público. Vale lembrar que 93 países se inscreveram para a categoria da próxima edição (e obviamente que já existem favoritos). O de hoje foi selecionado para representar o México e está em cartaz na Netflix desde maio do ano passado. Ya no Estoy Aquí conta a história de Ulisses (Juan Daniel Garcia Treviño) tem dezessete ano e torna-se líder de um grupo de adolescentes periféricos da cidade de Monterrey, localizada no nordeste mexicano. O grupo de Ulisses se chama Los Terkos e a identidade do grupo é demarcada pelas roupas, pelo corte de cabelo e um estilo construído como um verdadeiro conceito baseado no ritmo musical da cumbia. No entanto, existe uma rivalidade agressiva entre os grupos e os amigos de Ulisses acabam vítimas de uma situação que faz com que o rapaz fuja ilegalmente para os Estados Unidos. Lá sua rotina é outra e percebemos aos poucos sua luta para manter a identidade em outro país e a dificuldade em lidar com este outro universo. Esta mudança insere novas camadas na história conduzida de forma quase documental pelo cineasta e roteirista  Fernando Frias que mergulha nos conflitos destes dois mundos. Embora tenha bons momentos e seja impregnado de uma valorização cultural e identitária da periferia mexicana, o filme precisava ser melhor lapidado. Tem algumas cenas que são difíceis de engolir (a cena das mortes é tão tosca que parece de mentira), além disso o protagonista é de uma apatia pouco envolvente a maior parte do tempo. Com câmera estática e atuações que parecem improvisadas, o filme deixa a impressão que o tema renderia um ótimo documentário. O que salva o filme é o uso da sonoridade, das cores e a sua parte final, que consegue fechar toda a trama com o tom certo de melancolia para que fique remoendo em nossa mente por algum tempo. O México tem uma história bastante curiosa com o Oscar, já que três de seus mais conhecidos diretores já foram premiados como diretores, Alejandro González Iñárritu tem duas estatuetas de melhor diretor (por Birdman/2014 e O Regresso/2015), Alfonso Cuarón também tem duas (por Gravidade/2013 e Roma/2018) e Guillermo Del Toro tem uma (por A Forma da Água/2017), mas das oito vezes em que o país foi indicado na categoria de Filme Estrangeiro só levou mesmo por Roma - que também foi produzido pela Netflix. Ya no Estoy Aquí não é apontado como favorito para ter uma vaga na disputa, mas pode até surpreender caso os votantes queiram fugir da mesmice. 

Ya No Estoy Aquí (México/EUA - 2019) de Fernando Frias com Juan Daniel Garcia Treviño, Yesica Silva, Xueming Angelina Chen e Sophia Metcalf. ☻☻

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

PL►Y: Seberg Contra Todos

 
Kristen: vivendo um ícone do cinema. 

Devo admitir que Kristen Stewart está cada vez mais dedicada em se tornar uma atriz respeitada. Mais criteriosa nos trabalhos que escolhe, a atriz que ficou famosa mundialmente como a insossa Bela da saga Crepúsculo (2008) já coleciona alguns filmes dignos de nota em sua trajetória. Seu trabalho neste Seberg Contra Todos lhe rendeu vários elogios e é fácil entender o motivo, ela apresenta um dos trabalhos mais sólidos de sua carreira e (graças aos toques do diretor Benedict Andrews) deixa de lado vários tiques histriônicos que deixam os críticos bastante irritados. Confesso que eu fiquei atento para ver a cena em que a moça iria escorregar na sua personificação da diva Jean Seberg, mas não existe momento em que ela comprometa o filme. O roteiro dos parceiros Joe Shrapnel e Anna Waterhouse apresenta um recorte do período mais conturbado da vida de Jean, ironicamente é o período logo após o auge de sua carreira virou musa da Nouvelle Vague do cinema francês nos anos 1960 (especialmente pela sua participação no clássico Acossado/1960 de Jan-Luc Godard. A americana foi elevada ao posto de estrela por seus trabalhos na França e ao aceitar um convite para voltar a filmar nos Estados Unidos, ela conhece militantes do grupo Panteras Negras e se envolve com a causa da luta pelos direitos civis na Terra do Tio Sam. Casada e com um filho, ela acaba se envolvendo com um dos líderes do movimento (Anthony Mackie) e chamando a atenção do FBI, que realizava um trabalho de vigilância para desmontar o grupo. Por ajudar financeiramente os Panteras, Jean começa a ser vigiada e perseguida, para logo depois ser difamada e tornar-se cada vez mais paranoica com o receio de ser grampeada, fotografada e filmada o tempo todo. Esta deterioração da psiquê de Seberg não é levada a sério pelos demais personagens, que consideram tudo um grande devaneio de uma estrela de cinema - mas ciente de que os efeitos da investigação são nocivos para a atriz, o agente Jack Solomon (Jack O'Connell) começa a questionar os limites éticos e as reais intenções do que é realizado em torno da atriz. É Jack que ainda consegue um  pouco de destaque num filme que deixa seus coadjuvantes de escanteio para girar quase que o tempo inteiro em torno da figura de Seberg. Benedict Andrews costuma ser dedicado na condução de seus atores (basta lembrar o excelente trabalho que fez em Una/2016), mas o roteiro poderia dar mais atenção a alguns personagens que ficam pelo meio do caminho. Se você acha que Mackie e Zazie Beets aparecem pouco, o esposo de Seberg também nunca tem suas camadas desenvolvidas no decorrer da história - e nem vou mencionar o trabalho canastrão de Vince Vaughn como o agente malandrão.  Este pouco caso com os coadjuvantes faz com que o filme perca a oportunidade de aprofundar vários temas  importantes que são apenas jogados na trama (a revolução sexual, os direitos civis, as manifestações sociais do período...) e perde a oportunidade de se tornar um filme mais rico sobre o período histórico que aborda e que acaba salvo pelo trabalho de Kristen (nunca pensei em dizer isso e atrevo-me a dizer que existe uma identificação entre a atriz e a personagem, ambas eram incompreendidas no cinema americano e encontraram reconhecimento através de filmes cults europeus). Seberg Contra Todos não alcança todas as notas que ambiciona, mas não deixa de ser o resgate de uma estrela que merece ser lembrada. 

Seberg Contra Todos (Seberg / EUA - Reino Unido / 2019) de Benedict Andrews com Kristen Stewart, Jack O'Connell, Anthony Mackie, Yvan Attal, Gabriel Sky, Vince Vaughn e Zazie Beetz.☻☻☻ 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

PL►Y: The Souvenir

 
Burke e Byrne: romance complicado. 

Aclamado em festivais, o longa The Souvenir (batizado por aqui como Lembrança) é o quarto filme da diretora Joanna Hogg para o cinema - e se tornou também o mais elogiado, especialmente pela forma com que a cineasta lança luz sobre um relacionamento complicado de seu passado. Seus longas costumam girar em torno de pessoas que não tem problema com dinheiro, mas que guardam em si um certo ar entediado enquanto lidam com conflitos com pessoas próximas. Aqui ela se dedica a contar um romance na vida de Julie (Honor Swinton Byrne em seu segundo filme) uma jovem estudante de cinema dos anos 1980 que tem as suas despesas bancadas pela mãe (Tilda Swinton, mãe de Honor na vida real). A moça vive num apartamento charmoso com um amigo que não ajuda no aluguel (e que a visita da namorada deste já se tornou rotina). Enfim, dinheiro para Julie não é problema e ela reconhece isso ao mencionar a si mesma como uma privilegiada, no entanto, a rotina da personagem é apresentada até como algo tão seguro e entediante que parece até motivo para se aproximar de Anthony (Tom Burke).  Tão logo ela o conhece numa festa, logo passamos a observá-lo com os olhos (e as expectativas) da protagonista. Ele é apresentado como um burocrata elegante (e um tanto pedante) do Ministério de Relações Exteriores, mas existe algo de sombrio e misterioso em sua postura, que logo é confundido com um certo charme arrogante disfarçado pelo carisma de seu humor peculiar (e Burke sintetiza todas estas características com um verniz de autoconfiança e indiferença). É visível como aos poucos ele se torna o lado dominante da relação com seus comentários depreciativos e pedindo dinheiro para Julie a todo instante (e que ela pede para a mãe sob a desculpa de comprar equipamentos para o curso de cinema). Demora para Julie ver o que há de sombrio em seu namorado e tenta lidar com sua descoberta, até que as atitudes dele fogem cada vez mais de controle e ela mesma não sabe mais o que fazer quando a vida passa a girar em torno das demandas dele. Honor Swinton Byrne compõe Julie com ar ingênuo e romântico, lida sempre com o conflito de querer conhecer o mundo para além de sua "bolha" enquanto os professores insistem que ela deveria trabalhar suas experiências nos filmes. Nesta busca por caminhos menos seguros, ela deixa claro que as marcas deixadas por Anthony estarão cravadas em sua história tal e qual o nome do amado está escrito naquela árvore da pintura rococó de Jean-Honoré Fragonard que dá o nome original do longa. Joanna Hogg constrói aqui um drama romântico filmado com luz natural e uma trilha sonora que vai do pop ao clássico na construção de uma atmosfera realista  despojada e fluente, embora episódica. É de partir o coração como os sentimentos de Julie a fazem mergulhar num relacionamento cada vez mais tóxico, capaz de drenar sua energia como se estivesse apaixonada por um verdadeiro vampiro. Neste roteiro em que o desejo de ficar junto é compatível com a vontade de se afastar, por vezes, a compreensão e a frustração tomam lugar do romantismo. Se você terminar o filme com gosto de quero mais, não se preocupe, a diretora já prepara uma continuação para a vida amorosa de Julie. 

Lembrança (The Souvenir / Reino Unido - Estados Unidos / 2019) de Joanna Rogg com Honor Swinton Byrne, Tom Burke, Tilda Swinton, Tosin Cole e Frankie Wilson. ☻☻

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

PL►Y: Ninguém Brinca com Jesus Quintana

 
Bobby, Audrey e John: desperdício total.

É engraçado como O Grande Lebowski (1998) dos irmãos Coen não foi um grande sucesso em sua época de lançamento, mas com o passar do tempo se tornou uma das obras mais populares dos manos (graças as reprises dos canais por assinatura e os comentários positivos que atravessaram décadas). Boa parte da graça do filme está no grupo de personagens interessantes (e hilários) que gravitam em torno do protagonista vivido por Jeff Bridges. Entre eles está Jesus Quintana (John Turturro), craque do boliche e dono de uma aura pervertida que o precede. Como se aquela roupa lilás, a arrogância e a sensualidade brega não bastassem, ele ainda tem aquele hábito bizarro de lamber a bola de boliche com a ponta da língua antes de lança-la. É uma destas criaturas tão estranhas que você já imagina querer conhecer mais sobre ela e, desde então, o ator John Turturro insistia em reviver o personagem em um spin-off. Como os irmãos Coen não estavam interessados em retomar este universo, depois de muito tempo eles resolveram autorizar o amigo a fazer o longa que tanto queria. Vai entender o motivo de Turturro usar o personagem para refilmar Corações Loucos (1974) uma comédia francesa de Bertrand Blier bastante antiquada para os dias atuais. A ideia reduz as referências ao cultuado filme em que conhecemos Jesus Quintana e temos que nos contentar com uma história que caminha não se sabe para onde em tom de comédia sexual sem graça inserindo personagens como uma prostituta experiente (Sonia Braga), uma cabeleireira que não consegue ter orgasmos (Audrey Tautou) e uma ex-presidiária que está louca para fazer sexo (Susan Sarandon). Houvesse um roteiro bem amarrado que reunisse estas personagens não haveria problema, mas ele inexiste. O filme começa com Jesus Quintana deixando a prisão após um ato indecoroso diante de uma criança, ele logo reencontra seu parceiro Petey (Bobby Cannavale) e nem o roteiro sabe explicar direito o tipo de relação que existe entre os dois. Eles começam a se meter em confusões, aplicar pequenos golpes e a relação de Jesus com  o boliche é reduzida à uma cena e um comentário. É só isso. O filme é desengonçado e não tem muita graça, padecendo por se render a um texto que envelheceu mal. Apesar de ser mais conhecido como ator, Turturro já dirigiu oito filmes (o meu favorito é Amante a Domicílio/2014, este sim um filme que sabia explorar tabus sobre sexualidade) e parecia que o Quintana estava em boas mãos. Um grande engano. Desperdiçando um bom elenco, Turturro trai o personagem e faz justamente o que o título em português tenta negar (mas o resultado é uma daquelas obras que você assiste e deseja apenas esquecer). 

Ninguém Brinca com Jesus Quintana (The Jesus Rolls / EUA - 2019) de John Turturro com John Turturro, Bobby Cannavale, Audrey Tautou, Susan Sarandon, Jon Hamm, Pete Davidson, Christopher Walken e Tim Blake Nelson. 

PL►Y: A Assistente

 
Garner: um dia daqueles...

Jane (Julia Garner) é a assistente de um grande executivo há cinco semanas. Ela costuma fazer de tudo, tirar cópias, organizar a agenda do chefe, pedir sanduíches para os colegas de trabalho, atende telefone, agenda viagens, entregas de malotes, prepara café, organiza a mesa do chefe, responde e-mails, escuta desaforos ao telefone... para dar conta do trabalho, chega ao escritório antes de todo mundo (antes do sol aparecer) e sai por último. Ela também costuma trabalhar no escritório nos fins de semana e esperançosa das possibilidades que aquele emprego pode lhe trazer, pode se perceber que ela faz mais do que o necessário para ter seu trabalho reconhecido - embora receba mais indiferença e reclamações do que algum reconhecimento. Quando o reconhecimento parece surgir, ele é bem menos convincente do que um elogio protocolar. Esta rotina massacrante de um ambiente de trabalho é a matéria-prima do primeiro longa de ficção da diretora Kitty Green, que filma um dia de Jane com o mesmo estilo impresso em seus trabalhos em documentários (ela que dirigiu o chocante Quem é JonBenet/2017 no catálogo da Netflix), sendo assim, muito do envolvimento que o espectador possui com o filme é devido ao bom trabalho de Julia Garner no papel principal. A postura e a expressão da atriz deixam claro como aquele ambiente é torturante, embora pareça aceitar resignada tudo o que acontece ao seu redor. Existe um bocado de situações ofensivas e abusivas em torno da personagem, dos colegas que pedem sua atenção lhe jogando bolinhas de papel, a exclusão das conversas, as intromissões em seu trabalho, as reclamações, tudo ajuda a compor um cenário um tanto desolador, mas Jane se incomoda mesmo é com a chegada de um nova assistente - que a fará repensar se vale a pena continuar calada. O roteiro de Kitty Green é um primor de sutilezas, o que pode construir um retrato tenso e realista da situação abordada, mas também entediar um bocado o espectador que aguarda uma reação mais enérgica da protagonista diante daquele universo, no entanto, a intenção da diretora é outro ao terminar deixando claro que aquele ciclo pode permanecer por tempo indeterminado. Ainda que sua cadência possa gerar estranhamento, A Assistente é uma construção interessante e deve aparecer em algumas premiações indies, embora não tenha fôlego para chegar ao Oscar como muitos alardearam, mas vale conferir o filme no catálogo do Prime Video. Vale destacar que para além de seu trabalho na série Ozark  (que lhe rendeu dois Emmys de atriz coadjuvante nos últimos anos), Julia Garner deve receber cada vez mais destaque em produções no cinema. Atuando desde 2010, quando tinha quinze anos de idade, ela continua sendo uma das mais expressivas de sua geração. Ainda com aparência de adolescente ela prova aqui que consegue carregar um filme nas costas com força e desenvoltura sem precisar falar muito em cena. 

A Assistente (The Assistant/EUA-2020) de Kitty Green com Julia Garner, Owen Holland, Jon Orsini, Rory Kulz, Noah Robbins e Clara Wong. ☻☻

domingo, 10 de janeiro de 2021

NªTV: Bridgerton

O Duque e Daphne: amor e juramentos pelo caminho.

A consagrada Shonda Rhimes (de sucessos como Grey’s Anatomy, Scandal e How to get away with Murder) assinou um contrato milionário com a Netflix faz algum tempo e somente agora o primeiro fruto desta parceria estreou. Lançado no finalzinho de 2020, Bridgerton se tornou nas últimas semanas o programa mais visto da plataforma e tem tudo para render várias temporadas de sucesso, afinal, a base da série é a coleção de mais de uma dezena de livros criados por Julia Quinn. Para quem curte produções de época, sobretudo calcada na obra de Jane Austen, a série é um deleite, não apenas por ser ambientada na mesma época da cultuada escritora inglesa, mas também por ter ousadias em sua construção que evitam que caia na repetição pura e simples de uma fórmula do gênero. A começar pela carga de pimenta impressa pelo showrunner Chris Van Dusen, que explora de forma um tanto despudorada a vida sexual de seus personagens, mas sem perder o encantamento que atrai uma legião de fãs para este tipo de produção. Outro ponto são os figurinos exuberantes em cores e tecidos tão variados que dá ao programa uma identidade visual própria e de encher os olhos junto aos cenários caprichados. O terceiro ponto é a diversidade do seu elenco que insere atores negros interpretando personagens da corte inglesa da Rainha Charlotte (ela mesma vivida pela veterana Golda Rosheuvel) e o rei George III (James Fleet), o que parece um delírio chega a ser explicada em um diálogo da ótima Lady Danbury (Adjoa Andoh) com o duque Simon Basset (Regé-Jean Page), o galã da história que cai de amores por Daphne Bridgerton (Phoebe Dynevor), eleita pela rainha como a debutante mais interessante da estação de bailes e festas que compõem esta temporada. É o romance entre este casal que rende a trama principal inspirada no livro O Duque e Eu e obviamente que os fãs mais ferrenhos dos livros irão notar uma mudança aqui e outra ali, mas o andamento da história e o carisma dos personagens permanece ao longo dos oito episódios que compõem esta temporada que não enrola com o que tem nas mãos. Aqui somos apresentados à matriarca Violet Bridgerton (Ruth Gemmell) e seus quatro filhos e três filhas. Embora o maior destaque fique para Dafne, os seus cobiçados irmãos mais velhos Anthony (Jonathan Bailey), Benedict (Luke Thompson) e Colin (Luke Newton) também possuem histórias para contar. Entre romances proibidos, casamentos arranjados, enganações e traições existe ainda um jornalzinho escrito pela misteriosa Lady Whistledewn (na voz de Julie Andrews) que cria verdadeiro alvoroço com os segredos e alfinetadas que dispara entre os personagens (e mudando o rumo de vários acontecimentos). No entanto, não se engane,a série tem uma análise social bastante astuta sobre o período que retrata entre as suas fantasias: o desespero pelo casamento como sinal de status, a situação das mulheres que são capazes de perder toda a fortuna de seus pais por não ter um herdeiro homem na casa, o pavor da solteirice enquanto motivo de chacota, as fugas encontradas no casamento sem amor, a  abafada busca por independência de algumas jovens, criando um resultando um painel bastante interessante sobre a situação da mulher, fator que já era pontuado nas entrelinhas dos romances  de Jane Austen. Vale destacar que o elenco é um verdadeiro deleite, ainda com destaque para a Derry Girl Nicola Coughlan que está ótima como Penélope a filha caçula dos desesperados Featherinfton e apaixonada pelo espirituoso Colin, que está prestes a se meter em um verdadeiro escândalo. Com roteiro esperto, romances, suspiros, humor e um visual arrebatador, Bridgerton é uma grata surpresa que deve gerar fãs desesperados por novas temporadas ainda não confirmadas, mas calma galera... é só questão de tempo!

Os Bridgerton: material para umas treze temporadas.

Bridgerton (EUA-2020) de Chris Van Dusen com Phoebe Dynevor, Regé-Jean Page, Nicola Coughlan, Ruth Gemmell, Polly Walker, Julie Andrews, Adjoa Andoh, Jonathan Bailey, Luke Newton, Luke Thompson, Golda Rosheuvel e Claudia Jessie.