domingo, 21 de outubro de 2018

PL►Y: O Formidável

Garrell e Stacy: minha vida com Godard. 


Ao longo da história o francês Jean-Luc Godard transcendeu a carreira de cineasta e passou a não apenas fazer filmes, mas a fundamentalmente pensar sobre o cinema e sua função no mundo. Seu engajamento o tornou um verdadeiro patrimônio cultural da França, embora tenha se tornado cada vez mais recluso e solitário nas últimas décadas. Nem sempre foi assim, enquanto um dos fundadores do movimento nouvelle vague, Godard foi um dos diretores mais populares do mundo, criando filmes de sucesso como Acossado (1960) e O Desprezo (1963), mas após o fiasco de A Chinesa (1967), ele passou a repensar sua carreira. Não por acaso, O Formidável aborda este período de transição do artista baseado no livro de sua segunda esposa, Anne Wiazemsky. Ao ser exibido no Festival de Cannes do ano passado o filme gerou polêmica por ser uma comédia que desconstrói uma das personalidades mais influentes do cinema mundial. Cultuado por adoradores do cinema, Godard aqui não aparece aqui um gênio, mas como um homem difícil de lidar. Tão inteligente quanto pretensioso, arrogante e temperamental, o diretor e roteirista Michel Hazanavicius mexeu num verdadeiro vespeiro quando abraçou a ótica de Anne sobre o ex-marido. Anne foi a protagonista de A Chinesa (e aqui é vivida por Stacy Martin) e viveu com ele de 1967 até 1979, período em que o diretor começou a questionar o seu papel no mundo. No filme, Godard (Louis Garrell, bem mais espontâneo que de costume) se vê bastante influenciado pelas manifestações de rua ocorridas em 1968 - mas nem sempre os manifestantes viam o trabalho dele com bons olhos. O resultado foi que o cineasta decidiu que seus filmes deveriam ser mais provocadores, vanguardistas e engajados. Para Anne, neste período foi bastante complicado conviver com Godard, que trocava cada vez mais as tiradas bem-humoradas por discursos politizados e manifestações (a cena em que o casal e seus amigos viajam por 800 quilômetros discutindo ilustra bem isso). Aos poucos ele se torna uma pessoa mais controversa e até renega seus filmes mais importantes - o que causa um verdadeiro alvoroço num evento na Itália por convite de Bernardo Bertolucci. Diante de tudo isso, o nome O Formidável soa como propaganda enganosa de fã, já que o original ("O Temível") seria bem mais coerente. Enquanto filme, o diretor do premiado O Artista (2011) decora seu filme com citações orais e visuais sobre o cineasta, funcionando sempre que a narrativa ressalta a ironia entre o que é visto e o que é dito (a melhor delas é quando o casal critica os diretores que adoram mostrar seus atores nus e os dois estão nus em cena). O que deixa o filme truncado é que o tom está sempre abaixo do necessário. Para uma comédia, ainda que francesa, o filme se leva a sério demais, o que tira um bastante da graça proposta pelo texto, assim, tudo fica brando demais. O Formidável é um filme que ajuda a entender a mente de Godard, mas poderia ser inesquecível se radicalizasse sua proposta com o mesmo destemor que seu biografado merece. 

O Formidável (La Redoutable/França-2017) de Michel Hazanavicius com Louis Garrell, Stacy Martin, Bérénice Bejo, Micha Lescot, Grégory Gadebois e Marc Fraize. ☻☻☻

CATÁLOGO: Atração Mortal

Heathers e Veronica: subvertendo as regras do filme teen. 

De vem em quando Hollywood lança um filme com garotas mal intencionadas numa escola americana e a referência que sempre é lembrada pela crítica é esta comédia de humor negro dirigida por Michael Lehmann. É verdade que o sucesso Meninas Malvadas (2004), o menos conhecido Jawbreaker (1999) e o recente Thoroughbreds (2018) devem muito a este sucesso estrelado por Winona Ryder, mas não consigo deixar de pensar que fizeram acertos em tudo que este aqui tem de exagerado. Num tempo em que comédias adolescentes seguiam a cartilha de John Hughes, Lehmann virou a cartilha do avesso com o roteiro de Daniel Waters. O filme conta a história de uma adolescente comum chamada Veronica (Winona), que é amiga de um trio de garotas populares, todas elas chamadas Heather. Ainda que sejam amigas, Veronica é um pouco diferente de suas colegas e, por vezes, tem a impressão que está ali somente para servir de chacota para as outras.  As coisas começam a mudar quando ela se interessa por um aluno novo na escola, JD (Christian Slater) que não tem amigos, mas tem pose de rebelde - que só aumenta quando é expulso ao levar para  escola uma arma de festim. Diante da superficialidade que a cerca, a rebeldia do rapaz passa a ser o seu refúgio e ela começa a ceder às sugestões dele... mas quando ela percebe que existe algo de errado na mente daquele garoto pode ser tarde demais. Heathers segue um caminho diferente dos outros filmes adolescentes dos anos 1980, apela para um lado mais sombrio e subversivo, em que a tensão entre os alunos de uma escola motiva atrocidades que o tempo demonstrou ser algo realmente existente nas escolas americanas. O interessante é como o filme explora o relacionamento entre uma menina comum bastante sugestionada pela mente doentia do namorado. O resultado acaba gerando mortes e a iminência de uma tragédia muito maior alimentada pela intensidade desmedida de quem ainda não soube controlar a intensidade hormonal.  Slater vive um psicopata adolescente com cara de inofensivo, mas quem recebe destaque mesmo é Winona Ryder no ano que a colocou no mapa de Hollywood (ela foi até indicada ao Independent Spirit pelo papel). Heathers é repleto de exageros e seu humor negro até hoje é um tanto bizarro demais (por incrível que pareça se tornou um musical de sucesso nos palcos americanos!), Os figurinos são estapafúrdios, os personagens coadjuvantes são clichês ambulantes e o desenvolvimento da história é bastante confusa em seus dilemas adolescentes - suicídio, homossexualidade, auto-estima, bullying... - mas ainda pode incomodar. Fosse realizado hoje, o longa geraria mais polêmica do que na época de seu lançamento. Uma curiosidade é que entre o trio Heather do filme, a ruiva é vivida por Shannen Doherty, que ficou mundialmente famosa como a Brenda do seriado Barrados no Baile lançado dois anos depois. 

Atração Mortal (Heathers/EUA-1988) de Michael Lehmann com Winona Ryder, Christian Slater, Shannen Doherty, Lisanne Falk, Kim Walker, Patrick Labyorteaux e Jeremy Applegate. 

§8^) Fac Simile: Winona Ryder

Winona Laura Horowitz
Winona Laura Horowitz foi a grande estrela juvenil de Hollywood ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Foi indicada ao Oscar duas vezes, três vezes ao Globo de Ouro e três vezes na categoria de melhor beijo no MTV Movie Awards (o que só comprova que ela estava no imaginário da maioria dos adolescentes). Depois de alguns anos de vida pessoal conturbada, a atriz parece finalmente ter consolidado seu retorno com um papel fixo na cultuada série Stranger Things e participações em filmes independentes. Nosso repórter imaginário encontrou a atriz em Nova York e ela aceitou responder cincos perguntas nesta entrevista que nunca aconteceu:

§8^) Recentemente li em uma revista que você e Keanu Reeves se casaram acidentalmente durante as gravações de Drácula (1992), sendo assim, vocês são casados há vinte e seis anos! Qual o segredo para manter um casamento por tanto tempo em Hollywood?

Winona Bem... nós fomos casados por um sacerdote de verdade naquelas filmagens... acho que o segredo do nosso casamento é ignorarmos completamente o fato de que somos casados. A gente se encontra de vez em quando, às vezes trabalhamos juntos e a vida segue naturalmente. Também nunca tivemos filhos e isto também ajuda a evitar discussões sobre hora de dormir, que programas eles devem assistir ou qual a alimentação certa para eles. São coisas assim que faz com que tenhamos um ótimo relacionamento até hoje! Ah, também é importante o fato de termos um relacionamento aberto, nada monogâmico!

§8^) Gostei muito do trabalho de vocês em Destination Wedding, acho que dá para perceber a sintonia e a intimidade entre vocês dois em várias cenas, existem novos projetos enquanto casal?

Winona Já filmamos Drácula (1992), O Homem Duplo (2006), A Vida Íntima de Pippa Lee (2009) e agora Destination Wedding... são filmes bem diferentes e interessantes que aconteceram espontaneamente. A gente não fica procurando um filme só para dizer: "Ei, olha, eles são casados na vida real", tem que haver um interesse maior entende? Claro que de vez em quando vem um diretor pervertido com um roteiro cheio de cenas de sexo para nos oferecer, mas somos um casal muito discreto e recusamos sempre. É verdade que em nosso último filme tem uma cena de sexo, mas a gente nem tira a roupa... 

§8^) Vocês dois já tiveram vários altos e baixos na carreira desde que se casaram, vocês se apoiam durante estas atribulações?

Winona De forma alguma, a gente nem se encontra nestes momentos.

§8^) Por algum tempo Hollywood ignorou você por conta de tudo o que aconteceu em sua vida pessoal, hoje você sente que esta situação já mudou?

Winona Não muito. Os grandes estúdios e diretores renomados não dão tanta atenção quanto antes, afinal de contas, em Hollywood eu era a certinha. A menina boazinha que nunca errava, a que o namorado fez uma tatuagem com seu nome, a que nunca aparece sem roupa, a de fala mansa, de repente descobriram que eu também tinha um lado complicado. Para Hollywood isto é imperdoável, a mídia adorou todo aquele carnaval em torno de mim. Eu estava emocionalmente em frangalhos e fui tratada como uma lunática. Riram, debocharam e venderam muitos jornais e revistas às minhas custas. Não digo que toda a aquela confusão me deixa orgulhosa, mas o mundo das celebridades é bastante cruel quando você trai a imagem que criam sobre você. Hoje recebo poucos convites para filmes e me dedico bastante para o papel em Stranger Things. Além disso, não tenho mais aquele rosto de menina, estou com quarenta e sete anos e uma mulher envelhecer é outro pecado mortal em Hollywood.  

§8^) Falando em Stranger Things, as suas expressões quando a série foi premiada no Screen Actors Guild em 2017 deu o que falar na internet, você se deu conta de que a câmera estava filmando todos vocês naquela hora?

Winona Não, não... eu não fiz de propósito! Eu estava tão animada por termos o nosso trabalho reconhecido que foi tudo muito natural quando o David (Harbour) começou o discurso de agradecimento. Eu fiquei realmente envolvida com as palavras dele! O melhor foi que com a repercussão da série e do discurso, eu vi como ainda tenho fãs por aí. Alguns chegam a me classificar como um ícone! Dá para acreditar? Fiquei muito feliz e tenho muita sorte que meu marido Keanu Reeves não é ciumento. Falando nisso, ele envelheceu muito bem, não acha?

Winona no SAG: totalmente expressiva.

sábado, 20 de outubro de 2018

Breve: Com quem Será?

Winona e Keanu: casados há vinte e seis anos!

Uma das anedotas mais inusitadas do ano aconteceu durante a divulgação de Destination Wedding, comédia romântica estrelada por Keanu Reeves e Winona Ryder. Os dois já tiveram seus altos e baixos na carreira, mas na década de 1990 os dois estavam entre os astros mais queridos de Hollywood, fazendo um filme atrás do outro para fãs fieis. Em décadas de carreira, os dois já fizeram alguns trabalhos juntos e um deles foi Drácula (1992) dirigido por Francis Ford Coppola, onde os dois viviam o par romântico perseguido pelo vampiresco personagem de Gary Oldman. O casal lembrou diante de jornalistas que na cena de matrimônio que protagonizaram, os produtores conseguiram um sacerdote de verdade para fazer a cena e, diante dele, o casal de atores realizou seus votos matrimoniais. Ou seja, meio que por acidente, Winona e Keanu estão casados desde 1992! A brincadeira parece até fazer parte de um dos diálogos inspirados que a dupla troca neste segundo filme de Victor Levin - e o resultado é bem mais divertido do que Encontro Marcado/2014. Frank (Keanu) e Lindsay (Winona) se encontram no aeroporto e já começam se estranhando, mal sabem eles que vão para o mesmo casamento - e os dois são pessoas que já ouviram falar um do outro, mas que nunca se conheceram. Ela é a ex-namorada do noivo e ele é o irmão afastado da família que nunca fez questão de ser simpático com os parentes. Ele é um misantropo, desiludido e  cético, ela trabalha no que ele considera ser "a polícia do politicamente correto" - mas ela logo o tranquiliza dizendo que não está trabalhando naquela ocasião. O roteiro assinado pelo próprio Levin funciona como uma espécie de brincadeira com os personagens que sempre ficam para escanteio em uma comédia romântica - ele é o amigo mal humorado, ela é a namorada descartada antes do mocinho encontrar sua alma gêmea - e quem diria que os dois teriam muito para conversar. Misturando doses de rabugice e muito sarcasmo, os dois vivem à margem da festa de casamento (tanto que os outros personagens sequer falam com eles) e, como manda a cartilha do gênero, irão se interessar um pelo outro - primeiro para espantar o tédio, depois por outras motivações que renderão conversas infinitas - e o mais engraçado é que o filme funciona em seu estilo cool auxiliado por dois atores que tem uma química irresistível. Prova de que a ideia é boa é ver Keanu Reeves, que nunca funcionou dentro de comédias românticas, estar no tom certo neste filme. Com Quem Será? dificilmente agradará aqueles que gostam da fórmula mais convencional deste desgastado gênero cinematográfico, mas, com certeza, cairá nas graças de todos aqueles que torcem o nariz para comédias românticas - assim como Frank (mas até estes irão torcer para o inevitável final que todo mundo quer ver). A quem interessar possa, acredito que o texto também funcionaria muito bem no teatro. 

Com quem Será? (Destination Wedding/EUA-2018) de Victor Levin com Keanu Reeves e Winona Ryder. ☻☻☻

PL►Y: Não Ultrapasse

Michael e Brendan: assalto em família. 

A presença do astro Michael Fassbender garantiu o lugar de Tresspass Against Us entre os filmes mais esperados de 2016, mas o filme teve a estreia adiada várias vezes e a distribuição nos Estados Unidos foi modesta - e aqui no Brasil ele permaneceu inédito nos cinemas. Depois de passar os últimos anos se dedicando a grandes produções de Hollywood, Fassbender resolveu voltar às origens e fazer um filme menor, independente e sem grande novidades em sua execução. O filme conta a história de Chad Cutler (Fassbender), que cansado da vida fora da lei tentou viver mais tranquilamente ao lado da família. Quando ele se reaproxima do pai, Colby (Brendan Gleeson) a coisa começa a desandar - já que o patriarca sempre pede para que o filho volte para o mundo do crime. Diante da falta de perspectivas e problemas financeiros (a família vive num aglomerado de trailers junto com outras famílias), Chad repensa suas decisões e pagará um preço alto por isso. O filme de estreia do diretor Adam Smith demora para engrenar, talvez por sua inexperiência ou pelo roteiro do também estreante Alastair Siddons (que depois assinou a repaginada de Lara Croft em Tomb Raider: A Origem/2018 com Alicia Vikander, a esposa de Fassbender). O texto faz uma apresentação confusa dos personagens e demora meia-hora para ganhar ritmo, exigindo paciência para ver um bando de homens sujos e desbocados fazendo bobagens com diálogos ásperos, ritmo arrastado e fotografia desbotada. Depois de alguns tropeços (como a inconcebível cena em que os bandidos são cercados pela polícia em um posto de gasolina - e estes sequer saem das viaturas!), o filme começa a ganhar pontos ao investir no conflito entre pai e filho diante da vida marginal que levam. O pai é chegado a analogias religiosas e sempre demonstra ser uma péssima influência para o neto (Georgie Smith), enquanto isso, Chad está sempre relutante sobre o caminho que deve seguir. Fassbender consegue demonstrar como a marginalidade está para Chad como uma espécie de vácuo sempre à espreita, pronto para sugar-lhe sem piedade. Não Ultrapasse é sustentado pelos dramas familiares que propõe, mas o roteiro não ajuda muito (os coadjuvantes nunca recebem o devido destaque, os policiais são mostrados sem qualquer esperteza, tem ainda uma cena polêmica envolvendo um rapaz com problemas mentais...), no fim das contas o filme apareceu em algumas premiações indies do Reino Unido e ninguém lembra muito dele. O que vale mesmo é ver mais uma boa atuação de Fassbender que pode agradar os fãs que tiveram o viram desperdiçado em bobagens recentes como Assassin's Creed (2016) e Boneco de Neve (2017), aqui pelo menos ele tem um bom personagem para trabalhar. 

Não Ultrapasse (Tresspass Against Us / Reino Unido - 2016) de Adam Smith com Michael Fassbender, Brendan Gleeson, Georgie Smith, Lindsey Marshall, Rory Kinnear e Sean Harris. ☻☻

NªTV: Punho de Ferro - 2ª Temporada

Danny (Finn Jones) e Mary Walker (Alice Eve): R.I.P. 

Pouco depois de lançar a segunda temporada de Punho de Ferro a Netflix anunciou o fim do programa, o mais interessante é que depois de um primeiro ano bastante criticado, os novos episódios deram uma repaginada no herói e o resultado agradou os fãs que continuaram fiéis! A se tornou mais complexa e coerente, sendo dividida até em duas partes, no entanto, a série ainda perde muito tempo com os sócios milionários do herói - uma pendenga familiar que já era bastante aborrecida no primeiro ano e agora aparece travestida em uma trama maior com o vilão da história. Se Finn Jones era esforçado ao estrear no papel, agora ele está mais a vontade e com uma personalidade forte e bem delineada, não precisando repetir toda hora o famoso bordão "Sou o Imortal Punho de Ferro, protetor de K'un- Lun" - o que já é um grande avanço! Outro acerto foi não perder tempo com as conversas corporativas em torno do personagem, já que o alter-ego de Punho de Ferro, Danny Rand, é um jovem milionário que desapareceu no Oriente e voltou após ganhar poderes especiais (o que acabou rendendo a destruição da cidade mística de K'un-Lun em que cresceu). No lugar do xaroposo papo empresarial, o roteiro preferiu aprofundar a relação do herói com a namorada Colleen (Jessica Henwick) e com o ex-amigo, agora inimigo, Davos (Sacha Dhawan). É verdade que a história ainda destaca a confusão que se tornou o relacionamento entre os sócios e irmãos Meachum, Ward (Tom Telphrey) e Joy (Jessica Stroup), mas por mais que os dois estejam em lados diferentes nesta história, nenhum dos dois me parece digno de torcida. Se antes Danny descobria um plano sórdido do Tentáculo, agora a cidade está numa verdadeira guerra de gangues e a situação só piora quando os poderes de Punho de Ferro estão em risco. Enquanto o texto investe em uma trama principal que só é revelada aos poucos, existem subtramas que nem sempre empolgam, mas aprofundam algumas questões exploradas no ano anterior. Em termos de novidade, o que conta mais pontos é a presença de Alice Eve como a vilã mercenária Mary Walker (mais conhecida como Mary Tyfoid na HQ) que dotada de dupla personalidade se torna um dos grandes trunfos da série. Alice consegue ser doce e assustadora como pede as duas faces da personagem e está digna de prêmios (além de novas participações neste universo). Outra participação interessante na história é a da detetive Misty Knight (Simone Missick), que revelada na série de Nick Cage serve como costura deste universo na Netflix. Tantos elementos deixam o resultado mais envolvente, mas a série ainda carece de personalidade e de uma narrativa de tensão crescente - é verdade que tem mais cenas de luta e muito melhor coreografadas - mas em contrapartida existe muito blábláblá ao longo dos episódios, mas que não chega a estragar a diversão. Pena que as melhorias não conseguiram compensar a péssima recepção da temporada anterior de forma que o serviço de streaming resolveu esquecê-lo. Trata-se de uma providência que nesta semana também sepultou Luke Cage, que após duas temporadas também chegou ao fim. Se as duas séries estão longe de serem as mais populares da parceria Marvel/Netflix, os fãs tem receio do que possa acontecer com Jessica Jones (que rendeu uma elogiada temporada de estreia e uma segunda bem menos empolgante) e Demolidor - que acaba de estrear sua terceira temporada no serviço. Dentre todas elas, Demolidor é sem dúvida a melhor executada (afinal, foi ela que abriu as portas para todos os seus parceiros de Os Defensores/2017, uma série que reuniu os quatro heróis e que ainda tem chances de ter continuação que os reuna mais uma vez), mas garantido mesmo só a segunda temporada de O Justiceiro (personagem que estreou no segundo ano de Demolidor e ganhou voo solo no ano passado e que ainda nem terminei de assistir...). Sabemos que com a compra da Marvel pela Disney e a promessa de um serviço de streaming próprio do estúdio, o futuro dos personagens na concorrência se torna ainda mais complicado. Resta torcer para que os personagens órfãos comecem a participar nos programas que restaram desta parceria que parece estar com os dias contados.

Punho de Ferro - 2ª Temporada (EUA-2018) de Scott Buck com Finn Jones, Jessica Henwick, Alice Eve, Jessica Stroup, Tom Telphrey, Simone Messick e Sacha Dawan. ☻☻☻ 

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Pódio: Paul Giamatti

Bronze: o amante de vinho. 
Giamatti apareceu pela primeira vez no cinema em 1991 e desde então fez de tudo. Curiosamente muita gente só conheceu o ator neste sucesso do diretor Alexander Payne sobre dois amigos que cruzam os Estados Unidos para beber bons vinhos e... ser a última viagem de solteiro de um deles. Giamatti interpreta Miles, o simpático amigo do noivo, que tem lá os seus problemas para resolver entre um gole e outro de vinho. Muitos consideram que o ator merecia uma indicação ao Oscar pelo seu trabalho, mas foram os coadjuvantes Virginia Madsen e Thomas Haiden Church que foram lembrados pela Academia. Até hoje vejo um pouco de Miles em cada personagem que o ator faz. 

Prata: o senhor reflexivo
Este filme foi visto por meia dúzia de gatos pingados - e quando vi Giamatti entre os indicados ao Globo de Ouro por seu trabalho eu apostei que ele levaria o prêmio para casa. Levou mesmo! O ator interpreta Barney Panovsky, um homem bastante temperamental, que reflete aos 65 anos sobre sua vida, seus relacionamentos, casamentos, profissão... o olhar peculiar do livro de Mordecai Richler está presente o tempo todo e Paul interpreta um personagem difícil ao longo de várias décadas (além disso, a química com Rosamund Pike impressiona). Um belo trabalho que precisa ser redescoberto. O filme concorreu ao Oscar de melhor maquiagem. 

Ouro: o escritor rabugento. 
Giamatti foi indicado somente uma única vez ao Oscar - pelo fraquinho A Luta pela Esperança (2005), que o colocou no páreo de coadjuvante -, mas desde este aqui ele merecia este reconhecimento. Vai entender o motivo dos distribuidores brasileiros acharem que este título horroroso era mais interessante que o original American Splendor baseado na cultuada HQ de Harvey Pekar - onde o autor esmiúça a vida que levava no subúrbio americano. Giamatti está brilhante na pele de Pekar, com todo o seu mau humor habitual e impressiona dos momentos mais banais aos mais dramáticos deste filme que tem uma linguagem inovadora com animações ao longo da narrativa. O filme se tornou cult e ganhou uma indicação ao Oscar de roteiro adaptado. 

PL►Y: Mais uma Chance

Paul e Kathryn: esperando eternamente. 

A americana Tamara Jenkins foi indicada ao Oscar de melhor roteiro original pelo seu segundo longa-metragem, a comédia dramática A Família Savage (2007) que partia de um tema raro no cinema: o dilema de dois irmãos ao colocarem o pai em um asilo. A ideia funcionou tão bem que Laura Linney foi até indicada ao Oscar de melhor atriz naquele ano (e Phillip Seymour Hoffman foi lembrado no Globo de Ouro). Ali, Jenkins demonstrou sensibilidade na escrita e na direção ao abordar momentos complicados da vida familiar. Sem apelar para glamour ou exageros (dramáticos ou cômicos), a diretora soube construir uma história envolvente sobre pessoas comuns. Esta habilidade ela demonstra novamente neste Mais Uma Chance, em cartaz na Netflix e que já apareceu em várias listas de melhores filmes do ano (pois é, elas já estão surgindo), filme que aborda as desventuras de um casal que já passou dos quarenta anos e que ainda tentam ter um filho. Poderia ser um drama pesadão, mas o resultado é bem melhor do que isso. Desde a primeira cena é fácil simpatizar com Rachel (Kathryn Hann) e Richard (Paul Giamatti) em seus esforços para ter um  bebê, no entanto, o destino sempre reserva uma surpresa desagradável para o casal ao longo das tentativas. Ainda que se amem e sejam cúmplices, torna-se perceptível o desgaste provocado por tanto investimento financeiro, físico e emocional sobre um desejo que nunca se concretiza. Explorando todas as possibilidades (exames variados, adoção, inseminação artificial, doação de óvulos...) o roteiro também explora a forma desagradável como a vida íntima dos dois é exposta diante de todas as iniciativas tomadas ao longo da história. A coisa parece que vai melhorar com a chegada de Charlotte (Emily Robinson), a quase sobrinha de Richard (o irmão dele é padrasto dela), que promete ajudar o casal - e rende um verdadeiro mal entendido no dia de Ação de Graças. A chegada da adolescente não apenas rende novas esperanças ao desgastado casal como também lhes oferece o prazer de sentir o gosto de ter uma terceira pessoa que os admira em casa (Rachel é escritora e Richard mantem a companhia de teatro em que os dois se conheceram), a forma como esta "nova família" se forma deixa o filme ainda mais sensível e terno. Além do roteiro belamente escrito (que mistura emoções variadas como cumplicidade, frustração, crise, perda...) que mistura drama e humor na medida certa, outro grande acerto está no elenco. Kathryn Hann está ótima em cena, tendo a oportunidade de se destacar em um papel bem mais elaborado do que recebeu ao longo de sua carreira. Paul Giamatti está bem como sempre em mais um papel que parece escrito para ele - e a dupla está muito bem acompanhada pela novata Emily Robinson e Molly Shannon (mais uma vez despida de sua persona cômica). Enfim, Mais Uma Chance é mais um belo olhar da diretora sobre o drama de pessoas comuns realizado com olhar bastante astuto. 

Mais Uma Chance (Private Life/EUA-2018) de Tamara Jenkins com Paul Giamatti, Kathryn Hann, Emily Robinson, Molly Shannon e John Carroll Lynch. ☻☻☻

CATÁLOGO: Além do Arco-Íris Negro

Beyond: estética excepcional e final decepcionante. 

Além do Arco-Íris Negro é uma obra que se tornou cult pelo visual e o estranhamento que provoca por sua narrativa truncada que disfarça uma história simples. Este é o primeiro filme escrito e dirigido pelo diretor Panos Cosmatos, que nasceu na Itália e foi criado no Canadá e que assina um dos filmes mais falados de 2018, Mandy - terror estrelado por Nicolas Cage. Aqui ele ambienta sua história em um laboratório quase o filme inteiro, ousa ao localizar o filme na década de 1980, mas deixa a sensação de que tudo acontece numa espécie de mundo paralelo onde existe o Instituto Arbória - que  é apresentado num epílogo que impressiona pela forma esquisita como é executado - uma propaganda arrepiante que causa mais arrepios do que empatia. Este é o cenário ideal para o bizarro doutor Barry Nyle (Michael Rogers), que realiza pesquisas e experimentos secretos, um deles sobre uma adolescente que possui habilidades especiais - mas que é mantida sedada a maior parte do tempo. Com a intenção de entender o que está acontecendo, o público assiste ao filme com uma pulga atrás da orelha, entre cenários futurista, trabalhos interessantes com cores e texturas, uma trilha sonora de sintetizadores e uma aura de cinema experimental, nós descobrimos que o que era uma promessa idílica nos anos 1960 se tornou um verdadeiro pesadelo - e que destino de Barry e seu "objeto" de estudo foi traçado há tempos. Embora tenha um ritmo arrastado e lento, Além do Arco-Íris Negro envolve o espectador de uma forma quase hipnótica com seu fiapo de história em embalagem interessante, mas que infelizmente  erra a mão quando chega o desfecho - e o que era interessante se torna apenas um amontoado de clichês vulgares de filmes de terror baratos. O que era arrojado se torna um filme de assassino que não empolga (alguém me explica por que aqueles dois rapazes apareceram na história?) e termina da forma mais previsível possível. Cosmatos poderia ter seguido outros rumos no pesadelo que constrói, já que todos os elementos de como o ser humano pode perder as estribeiras estão ali - medo, raiva, impotência, poder.. - no entanto, durante a maior parte do tempo, ainda torna fácil perceber porque o filme se tornou cultuado ao longo de oito anos no circuito underground.

Além do Arco-Íris Negro (Beyond the Dark Rainbow/Canadá - 2010) de Panos Cosmatos com Michael Rogers, Eva Bourne, Scott Hylands e Marilyn Norry. ☻☻☻

sábado, 6 de outubro de 2018

PL►Y: The Child in Time

Cumberbatch: jornada de culpa e esperança. 

Era só mais um dia comum em que o escritor de livros infantis Stephen Lewis (Benedict Cumberbatch) foi ao mercado com a filha de quatro anos, mas se tornou um pesadelo que se repetirá para sempre na mente dele -  afinal, bastou alguns segundos para que Stephen perdesse a filha de vista e não fizesse a mínima ideia do que aconteceu com ela. Utilizar um dos maiores medos da humanidade (perder uma criança sob sua responsabilidade) é o ponto de partida para o livro de Ian McEwan que se tornou este telefilme da BBC que acompanha o desespero deste pai e da esposa (Kelly MacDonald), além do reflexo deste desaparecimento na vida de ambos. Passando pelas buscas, depoimentos, culpas, ressentimentos e desesperança, a premissa é um prato cheio para Benedict Cumberbatch provar mais uma vez porque é um dos atores mais interessantes nos dias de hoje (fosse um filme feito para os cinemas, possivelmente o astro apareceria nas premiações de fim de ano). Ele é o grande trunfo em The Child of Mine que segue direitinho a cartilha dos dramas familiares filmados para a TV. Sustentado com doses de drama e suspense, o filme prende a atenção, mas tem lá os seus tropeços. A começar pela personagem de Kelly MacDonald (que perde a credibilidade em um dos gritos mais agudos que já ouvi num filme e depois demora para recuperar), sua personagem não parece bem desenvolvida na história - que privilegia a dor do pai e a apresenta sempre de forma exagerada. Outro ponto incômodo do filme é a trama envolvendo Charlie (Stephen Campbell Moore) um amigo de Stephen que abandona a a esfera política da Inglaterra para viver afastado da cidade e se comportando feito uma criança mimada - que no livro poderia acrescentar algumas camadas interessantes na história, mas no filme fica um tanto perdido e sem colaborar muito para a história geral (eu até tenho uma opinião sobre a função dele na trama, mas vou deixar que você tire suas próprias conclusões). Ainda que tropece aqui e ali, o filme funciona graças à essência criada por Ian McEwan, um dos escritores ingleses mais elogiados da atualidade - e Cumberbatch já até participou de uma das adaptações mais famosas da obra deste escritor renomado, lembra do belíssimo Desejo e Reparação (2007)? - mas poderia ser um pouco mais caprichado. 

The Child in Time (Reino Unido / 2017) de Julian Farino com Benedict Cumberbatch, Kelly MacDonald, Stephen Campbell Moore e Saskia Reeves. ☻☻☻

PL►Y: Hannah

Charlotte: retrato de uma mulher despedaçada. 

Quando começou a carreira como modelo aos 17 anos, a britânica Charlotte Rampling não demorou muito para chamar atenção dos produtores de cinema. Como atriz, sua carreira começou em A Bossa da Conquista (1964) que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Desde então ela filmou em vários países, tendo como marca registrada seus olhos gélidos que impressionou o mundo em filmes como Os Malditos (1969) e o clássico O Porteiro da Noite (1964). O tempo passou e Charlotte sempre fez questão de aceitar a passagem dele, não utilizando intervenções estéticas para manter a aparência jovial. Ela abraçou o envelhecimento, a maturidade e a experiência que a tornaram uma das melhores atrizes do cinema mundial. Ao todo são mais de cem filmes no currículo, vinte e sete prêmios e uma indicação ao Oscar pelo seu excepcional trabalho em 45 Anos (2015). Com estilo cada vez mais introspectivo, Charlotte se tornou uma estrela cult que sempre chama atenção para as produções que protagoniza, como é o caso deste Hannah - pelo qual recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza do ano passado. Este é o segundo filme do italiano Andrea Pallaoro e ele não tem pudores em deixa-la carregar o filme nas costas. Hannah (Rampling) é uma senhora que acaba de deixar o marido (André Wilms) na prisão após anos de convivência conjugal. Ela tenta preencher a solidão fazendo aulas de teatro e com serviços domésticos durante o dia. Ao chegar em casa sua única companhia é um cão que está sempre esperando o dono voltar - e até se recusa se alimentar. Diante do vazio que se instaura, Hannah tenta reencontrar o filho, se apega a um menino cego que está sempre por perto e investe nas aulas de atuação, mas sempre existe algo que a incomoda. Pallaoro investe em cenas lentas, muito silêncio e cenas que dependem muito da atuação precisa de Charlotte para demonstrar que existe algo sufocante sobre a história daquela mulher. A catarse da personagem nunca chega, sempre é camuflada e silenciada (mesmo quando ela chora em um banheiro público após um aniversário de rasgar o coração) ou deixada para um momento que nunca chega - e a atriz torna a tristeza da personagem palpável de tão comovente. Não fica claro o motivo do esposo ser preso ou o rancor que gira em torno do casal, mas existem momentos pontuais em que a plateia suspeita do que pode ter acontecido. Hannah é um filme difícil de assistir, visualmente ele não possui nenhuma novidade e narrativamente ele pode até ser cansativo para o grande público, mas vale a pena por conta de sua estrela, mais uma vez impecável da primeira até a última cena.  

Hannah (Itália/França/Bélgica - 2017) de Andrea Pallaoro com Charlotte Rampling, André Wilms, Simon Bisschop, Faltou Traoré e Gaspard Savini. ☻☻☻

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Na Tela: Um Pequeno Favor

Anna e Blake: brincadeira noir. 

Stephanie (Anna Kendrick) é uma jovem mãe que se dedica ao filho (Joshua Satine) e a um vlog de dicas para mães se tornarem cada vez melhores. Ela não tem muitos amigos e se aproxima da estilosa Emily (Blake Lively). Emily se veste com roupas quase masculinas, trabalha em uma revista de moda e bebe mais do que uma mãe convencional ousaria. Ela casou com um escritor promissor (Henry Golding) que não conseguiu lançar um segundo livro e não se considera uma mãe exemplar para o pequeno Nick (Ian Ho), ainda que sejam diferentes as duas mulheres se aproximam. Elas jogam conversa fora, bebem umas e outras e trocam segredos até que Emily pede para a amiga buscar Nick na escola e... a loura desaparece por dois dias. Preocupada, Stephanie passa a procurar pistas sobre o paradeiro da amiga e acaba descobrindo que Emily tinha mais segredos do que poderia imaginar. Em vários momentos, Um Pequeno Favor parece uma paródia do sucesso Garota Exemplar/2014 de David Fincher, mas o diretor Paul Feig tem habilidade para criar mais do que isto, o resultado é uma comédia de suspense que funciona bem a maior parte do tempo. Feig ganhou crédito com seu trabalho em Missão: Madrinha de Casamento (2011) e desde então os gastou em comédias protagonizadas por Melissa McCarthy - até zerar em As Caça-Fantasmas (2016). Aqui ele tenta se afastar do gênero de seus outros filmes e consegue um resultados interessante, perdendo pontos somente quando acelera nas descobertas perto do final. Trata-se de uma brincadeira com o film noir e seus mistérios, com uma esperta transposição para o subúrbio norte-americano (a ambientação lembra muito a de Big Little Lies/2016 e o que a casca de perfeição esconde de seus personagens). Neste ponto, não poderia faltar  a loura misteriosa que move a trama e Blake Lively a desempenha com maestria. Seus olhares, sorrisos e entonações são as melhores coisas do filme (por isso mesmo, muitos já reivindicam para ela uma vaga no Oscar de coadjuvante na próxima edição, será?). Em seus trabalhos recentes, a atriz se afasta cada vez mais da imagem de rostinho bonito revelado na série Gossip Girl e se torna uma das jovens atrizes mais interessantes de Hollywood. Um Pequeno Favor depende muito de sua química com Anna Kendrick para vermos até que ponto as duas darão credibilidade às reviravoltas da história. Enquanto Stephanie se torna um tanto cansativa na reta final, Emily se torna mais complexa e interessante. Baseado no livro de Darcey Bell, o roteiro de Jessica Sharzer escorrega na pressa quando as melhores revelações acontecem,  no entanto, trata-se de um defeito pequeno para um filme que consegue prender nossa atenção e até surpreender com seu bom humor. 

Um Pequeno Favor (A Simple Favor/ EUA-2018) de Paul Feig com Anna Kendrick, Blake Lively, Henry Golding, Ian Ho, Joshua Satine, Andrew Ranells e Kelly McCormack. ☻☻☻

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

PL►Y: Por Trás dos seus Olhos

Jason e Blake: romance conturbado nas entrelinhas. 

Gina (Blake Lively) não enxerga desde a infância por conta de um acidente. Casada com James (Jason Clarke), ela está prestes a fazer uma cirurgia que poderá mudar sua vida para sempre... esta é a ideia de Por Trás dos seus Olhos - e ela já foi levada para o cinema várias vezes, mas não lembro de tê-la visto ganhar uma forma tão envolvente quanto a impressa pelo cineasta Marc Forster. Fazia tempo que Forster havia se tornado um nome contratado da indústria de Hollywood, seus filmes mais autorais estavam cada vez mais distantes e este roteiro escrito ao lado de Sean Conway demonstra que ele ainda tem ideias bastante interessantes. Em sua superfície, trata-se de um filme sem nada demais sobre voltar a enxergar, mas aos poucos, o diretor constrói um filme bastante doloroso sobre a relação de um casal. Desde o início o diretor tenta nos mostrar o mundo a partir das percepções de Gina, as imagens turvas, nebulosas são embaladas por vários sons e cenas que buscam ilustrar o que se passa em sua mente. Estas passagens dão ao filme o maior jeito de cinema experimental e cumpre o seu papel de marcar a evolução da história conforme a protagonista passa a descobrir o mundo. Blake Lively está convincente entre os conflitos de sua personagem, especialmente quando percebe que o fato dela enxergar começa a dar novas cores ao seu casamento, afinal, antes ela era mais dependente de James - era ele que a ajudava para se vestir, ir aos lugares que ele desejava e, por isso mesmo, incomoda o fato dela caminhar para construir sua própria imagem, seus gostos e vontades ao enxergar. Ela não é mais uma extensão dele (e vice-versa). Gina aprende a olhar e ser olhada - e o filme abraça as conotações do desejo que emana desta relação. A vida de Gina recebe um novo prisma, uma nova atmosfera e isso incomoda. Forster acerta ao contar seu filme como um drama bastante convencional, deixando os detalhes quase imperceptíveis para ao final revelar uma história mais complicada e sutil. Nesta construção,  vale ressaltar o bom desempenho de Jason Clarke como o marido sempre prestativo, mas dotado de um sentimento de posse e insegurança que podem colocar tudo a perder. No entanto, seria correto dizer que Forster ousa mesmo é na cena final, onde cria um desfecho emocionante em que  Gina canta o seu olhar sobre o que a cerca (e, além de atuar bem, Lively tem realmente uma voz encantadora). Por trás dos seus Olhos não recebeu o destaque que merecia - e só chegou aos nossos cinemas em março deste ano - , mas, para além de sua trama, é um filme visualmente interessantíssimo.

Por Trás dos Seus Olhos (All I See is You/EUA-2016) de Marc Forster com Blake Lively, Jason Clarke, Danny Huston, Miquel Fernández, Ahna O'Reilly e Wes Chatham. ☻☻☻☻

PL►Y: Noite de Lobos

Jeffrey e Riley: mistério no Alasca. 

Jeremy Saulnier é um dos diretores mais interessantes que apareceram no cinema indie recentemente. Embora muitos não tenham se importado muito com a estreia com o terror descarado de Murder Party (2007), era impossível ficar indiferente com o resultado de Blue Ruin (2013), um dos filmes mais impressionantes desta década. A mistura de melancolia, vingança e violência o colocaram no radar da crítica, ao ponto de verem condições de seu filme seguinte, Sala Verde (2015) ter condições para concorrer ao Oscar (não era para tanto com a violência chocante sobre uma banda punk que cai em uma grande armadilha). A capacidade do diretor produzir uma atmosfera tensa e não fazer concessões ao público (não existem romances, alívios cômicos ou desvios narrativos - é pancada atrás de pancada até o final). Depois de dar o tom da nova temporada de True Detective da HBO (um resgate, na verdade - já que o cineasta assina os dois primeiros episódios da temporada 2019), o diretor lançou Noite de Lobos, seu quarto longa-metragem. A história é baseada no livro de William Giraldi (e tem roteiro de Macon Blair, o ator assinatura do diretor, que aqui faz uma pequena participação), o resultado é uma trama bastante enigmática. Ambientado no gélido Alasca o filme acompanha um escritor especialista em lobos (Jeffrey Wright), que é convidado por uma jovem mãe a encontrar os lobos responsáveis por devorarem seu filho. Ela se chama Medora Slone (Riley Keough) e amarga a perda ao fato do esposo estar em combate no Afeganistão. Desde o início o escrito percebe que existe algo de estranho naquela casa localizada num vilarejo perto de um bosque... e a coisa só complica. Nesta primeira parte a atmosfera deixa claro que nada é o que parece - e o filme assume um grande risco quando muda o tom em seu segundo ato. Da metade em diante o protagonismo fica por conta do esposo de Medora, Vernon (Alexander Skarsgaard) e do policial encarregado do caso (James Badge Dale). Se antes havia a tensão e o estranhamento a partir de silêncios, melancolia e esquisitices, na segunda parte, os elementos narrativos favoritos de Saulnier tomam conta da história. Vingança e violência dão as mãos mais uma vez, mas ganham um verniz quase folclórico diante do que vemos em cena. Existe a sensação de que tudo se passa em um lugar de regras próprias e, mesmo ao chegar no desfecho, temos a impressão de que não conseguimos compreender todas as camadas do que aconteceu, incluindo as analogias sobre a natureza humana e a dos lobos, especialmente sobre o casal protagonista em seu aspecto mais amplo. Saulnier ousa ao deixar muitas lacunas para a imaginação do próprio espectador preencher, mas conduz seu filme com uma cadência envolvente. Em cartaz na Netflix, o resultado pode não agradar a todos, mas deixará muita gente pensando no que viu por vários dias.

Noite de Lobos (Hold The Dark /  EUA- 2018) de Jeremy Saulnier com Jeffrey Wright, Riley Keough, Alexander Skarsgaard, James Badge Dale e Julian Black Antelope. ☻☻☻☻

terça-feira, 2 de outubro de 2018

NªTV: Maniac

Emma e Jonah: reencontro em experiências estapafúrdias. 

Emma Stone estreou no cinema com a comédia Superbad (2007) em que interpretava a garota dos sonhos de Jonah Hill. Hill já tinha mais experiência na tela grande, atuando desde 2004 (ano em que estreou com direção de David O. Russell em Eu Amo Huckabees). Naquele filme, ambos interpretavam adolescentes e onze anos depois, ambos contabilizam duas indicações ao Oscar - e Emma já levou o seu para casa - além de se reencontrarem nesta versão de uma série norueguesa que rendeu duas temporadas recentemente. A direção ficou por conta de Cary Joji Fukunaga (o bamba por trás da primeira e excelente temporada da série True Detective) que aqui abraça um território completamente diferente do que realizou até então. Maniac mistura comédia, drama, ficção científica e bastante surrealismo ao conta a história de um homem esquizofrênico chamado Owen (Jonah Hill). Owen não está nem um pouco feliz com a vida e, para piorar, está prestes a mentir em um tribunal para livrar o irmão (Billy Manussen) de um processo de abuso sexual. Muita coisa se passa na cabeça de Owen, incluindo a obsessão por um padrão no rumo dos acontecimentos que o cerca e a sensação de que faz parte de uma grande conspiração. É exatamente assim que ele conhece Annie (Emma Stone) e acredita que ela tem respostas para o que nem ele sabe direito o que é. Os dois acabarão participando de um experimento maluco cujo objetivo é quase um mistério. Acontece que durante a experiência nada sai como o esperado e os dois se veem numa história deliciosamente estapafúrdia. Não dá para contar muito o que se passa nos dez episódios da série sem estragar parte da graça que é ver o rumo dos episódios (que podem ser sonhos, viagens dimensionais, delírios, ou apenas uma decorrência do uso de medicamentos/drogas em teste), entre as várias voltas que a história oferece, Fukunaga e seu elenco consegue deixar a plateia interessada no que se passa na tela - e tira qualquer dúvida de Emma e Jonah estejam entre os artistas mais interessantes do cinema americano. Ela está ótima, especialmente quando precisa ser cômica em cena (as partes em que ela interpreta uma dona de casa de cabelos "com cheiro de permanente" ou uma guerreira elfa rendem ótimos momentos) e Jonah me surpreendeu pelas camadas dramáticas que insere em Owen - mas ele também arrasa quando interpreta um islandês que cometeu um acidente imperdoável para a humanidade. Só o trabalho da dupla já valeria o programa! Sally Fields e Justin Theroux também estão ótimos, mas Sonoya Mizuno surpreende e acaba roubando a cena no laboratório (nem acredito que antes eu a vi como a silenciosa androide de Ex-Machina/2015). Com direção de arte caprichadamente anacrônica - que confere atemporalidade e estranhamento na sugestão de que a trama é ambientada em uma realidade diferente da nossa. Por tudo isso, Maniac é um dos programas mais interessantes que assisti neste ano.

Maniac (EUA/2018) de Cary Joji Fukunaga com Emma Stone, Jonah Hill, Sally Fields, Justin Theroux, Sonoya Mizuno, Billy Manussen e Danny Hoch. ☻☻☻☻

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

4EVER: Charles Aznavour

22 de maio de 1924  ✰ 1º de outubro de 2018

Shahnour Varinak Aznavourian ficou conhecido mundialmente como Charles Aznavour, o cantor francês de maior sucesso de todos os tempos. De origem armênia, Charles atuou em mais de sessenta filmes, gravou mais de mil músicas e vendeu mais de duzentos milhões de discos ao longo da carreira. Filho de imigrantes artistas, Charles começou a vida no teatro aos nove anos de idade e sua carreira decolou quando a cantora Edith Piaf o ouviu cantar - e o levou para abrir os shows da turnê pela França e Estados Unidos. Com mais de cem álbuns lançados, Aznavour coleciona clássicos em seu repertório, um deles é She que embalou o filme Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) Considerado um dos maiores artistas do mundo, o cantor se dedicava a causas humanitárias e iniciou sua turnê de despedida em 2006. Mesmo com a idade avançada, Charles ainda se apresentava com certa regularidade até falecer em decorrência de uma parada cardíaca aos 94 anos.