segunda-feira, 30 de novembro de 2020

HIGH FI✌E: Novembro

 Cinco filmes assistidos em novembro que merecem destaque:




NªTV: The Undoing

 
Nicole e Hugh: o peso da perfeição inexistente. 

Em 2017 Nicole Kidman vendeu a ideia de produzir uma minissérie para a HBO após gostar muito da trama de um livro. Ela contou com a ajuda do renomado David E. Kelley para dar forma ao projeto e o resultado foi o sucesso Big Little Lies que figurou entre os programas mais premiados daquele ano. A ideia deu tão certo que a minissérie acabou ganhando mais uma temporada em 2019 (mas provou que era melhor ter ficado como uma produção fechada mesmo). Nicole repete a dose com este The Undoing, também baseado no livro de uma escritora (Jean Hanff Korelitz) e formatada por Kelley para a TV, mas desta vez conta com a premiada cineasta dinamarquesa Suzanne Bier na condução dos episódios. Desde que estreou a minissérie é coberta de elogios, seja pela dinâmica de seus episódios, na composição dos mistérios que alimentam a trama, pelas atuações ou pelo roteiro que tenta ser imprevisível na guinada de cada episódio. Ontem foi ao ar o último episódio e confesso que o programa, que até então  primou pela elegância, deu um escorregada feia nas últimas cenas. É preciso explicar que desde o início a trama foi repleta de ambiguidades, no primeiro episódio já se instaurava algo instigante em torno de Elena Alves (Matilda de Angelis), a mãe do aluno novo em uma escola de endinheirados em Nova York. As outras mães sempre olharam para ela com estranhamento, até mesmo Grace (Nicole Kidman). Grace é uma terapeuta que vive uma vida de sonho, sem problemas financeiros, casada com um oncologista pediátrico chamado Johnatan Fraser (Hugh Grant), mãe do encantador Henry (o sempre bom Noah Jupe) e tudo parece perfeito neste universo, até que Elena é encontrada morta e tudo aponta para Johnatan. Grace começa a se deparar com mais e mais segredos e nunca chega a ter a plena convicção de que seu esposo é inocente. Aos poucos o filme se torna uma trama de tribunal bem armada, que aponta algumas possibilidades, mas que não chegam a tornar o desfecho surpreendente. No último episódio, a ambiguidade sempre presente constrói um final interessante para que o verdadeiro assassino seja desmascarado, como se todas as peças apresentadas até ali não fossem suficientes. A série poderia terminar ali, na saída de sua protagonista do tribunal, mas criou-se um desfecho tão forçado (com sequestro, perseguição de helicóptero, ameaça de suicídio, correria e choros desesperados) que o programa perdeu o tom no seu ponto final. Vai entender o que se passou na cabeça desta gente. Não era para tanto já que o programa estava mais do que amparado por sua atmosfera sugestiva e as boas interpretações até virar um novelão. Se Nicole, Donald Sutherland e Noah Jupe estão ótimos em cena, vale ainda destacar Moma Dumezweni como a obstinada advogada de defesa e mais ainda Hugh Grant num papel completamente diferente em sua carreira. É verdade que Grant com a aceitação de seu rosto envelhecido tem feitos papéis cada vez mais interessantes e bastante distintos do rótulo de galã que recebeu nos anos 1990. Diante de um papel complexo, aqui o moço está um arraso e até mais confortável do que na pele dos bons moços que encarnou em outros tempos. Composto de seis episódios, The Undoing acerta em cinco horas e meia de sua duração, o que ainda a faz ser digna de elogios. 

The Undoing (EUA-2020) de Suzanne Bier com Nicole Kidman, Hugh Grant, Donald Sutherland, Noah Jupe, Moma Dumezweni, Lily Rabe, Matilda de Angelis, Edgar Ramírez, Ismael Cruz Cordova e Sofie Gråbøl. ☻☻☻

domingo, 29 de novembro de 2020

PL►Y: Magnatas do Crime

 
Michelle e Matthew: o casal vinte de Guy Ritchie. 

Deve ser muito estranho ser Guy Ritchie, o cara fez dois filmes muito bons (Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes/1998 e o clássico Snatch/2000), depois ficou famoso como o marido de Madonna e depois virou ex da rainha pop. Nesta confusão amorosa, seus filmes começaram a ficar menos interessantes. Em crise, Guy aceitou fazer filmes por encomenda para Hollywood e alguma coisa se perdeu nisso tudo. É verdade que quando volta a fazer filmes do jeito que gosta sua marca está lá: apelidos esquisitos, edição cheia de truques, humor cortante e personagens que transitam no mundo do crime sem muita cerimonia. Vendo por este lado, Magnatas do Crime é mais do mesmo ao trazer todos os elementos que já são marcas do diretor, resta ver como o elenco se vira neste universo particular. A trama conta a história de Michael (Matthew McConaughey), um traficante que expande seu império de maconha por Londres. Tentando lidar com as regras locais, ele começa a ter problemas com a concorrência, enquanto seu homem de confiança, Ray (Charlie Hunnam), começa a meter os pés pelas mãos em algumas ações. Para dar um ar diferenciado, o filme é narrado por Fletcher (Hugh Grant), um roteirista pedante que observa as ações de Michael há tempos. Esta ideia de uma narrativa paralela  poderia tornar a trama mais divertida, mas acaba a tornando um tanto engasgada, já que conforme ações são contadas, elas são interrompidas pelos diálogos entre o roteirista num misto do que é real ou ficção, com direito a alguns flertes meio desajeitados entre o roteirista e Ray. O filme avança nestes tropeços, mantendo momento engraçados, tensos, absurdos e outros que não funcionam, mas que você acompanha querendo saber onde aquilo vai parar. É Guy Ritchie sendo Guy Ritchie, mas sem o frescor e a energia de antes, amparado por um elenco que se não surpreende, pelo menos garante que a coisa aconteça. Embora seja ambientado na Inglaterra, o nome no alto dos créditos é do texano Matthew McConaghey, que faz tempo que deixa a sensação de estar interpretando o mesmo personagem, assim, deixa o lado mais interessante da história para Charlie Hunnam. Quem surpreende mesmo é a Michelle Dockery que ficou famosa como a aristocrata da série Downton Abbey e aqui interpreta a esposa do traficante com bastante vigor. Ela está mais do que convincente como a dona de uma oficina mecânica que só emprega mulheres e não tem medo da cara feia dos bandidos que estão em torno do maridão - e que acabam mudando sua regrada rotina. Não é por acaso que Michael possui verdadeira devoção por ela, afinal não é todo dia que vemos uma mulher dessas nos filmes do cineasta, tornando a relação deste casal a grande novidade na obra do cineasta. Magnatas do Crime se embola e enrola na própria história, complica coisas que poderiam ser bem mais simples, mas pode divertir aqueles que sentem falta do início da carreira do diretor. 

Magnatas do Crime (The Gentlemen - Reino Unido / EUA - 2020) de Guy Ritchie com Matthew McConaughey, Charlie Hunnam, Hugh Grant, Michelle Dockery, Colin Farrell, Henry Golding e Eddie Marsan. ☻☻

PL►Y: Os Mortos não Morrem

Bill, Chloë e Adam: brincadeira sem graça. 

Você consegue imaginar um diretor que consegue reunir atores como Tilda Swinton, Bill Murray, Chloë Sevigny, Danny Glover, Steve Buscemi e Adam Driver num filme de zumbi? Você vai dizer que Bill Murray já tem Zumbilândia (2009) no histórico. Ok. Mas você consegue imaginar um diretor que reúne esta turma e ainda colocar o filme para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cannes? Como pode perceber não é uma tarefa para qualquer um, mas o americano Jim Jarmusch fez isso no ano passado. Jim já dirigiu verdadeiros clássicos do cinema independente americano e possui fãs fervorosos, mas até a maioria deles torceu o nariz para este Os Mortos Não Morrem. Dono de um estilo próprio de cadência bastante particular (como pode ser visto no seu anterior, Paterson/2016 também estrelado por Adam Driver), Jim já se aventurou pelo universo do terror com o vampiresco Amantes Eternos/2013 , mas aqui ele não conta com um roteiro tão estimulante  e tão pouco consegue extrair humor da história. A trama é bastante simples ao apresentar uma cidade tranquila que começa a ser assombrada por zumbis. Além dos cidadãos comuns terem que fugir não serem devorados, a cidade conta com três policiais para protegê-los, mas que não sabem muito bem o que fazer. O roteiro cria uma justificativa insana para o que está acontecendo, apresenta personagens que poderiam ser interessantes se fossem melhor trabalhados, brinca um pouco com metalinguagem e bebe na fonte dos mortos-vivos clássicos que não primam pela agilidade. Fica evidente que Jarmusch quis fazer uma paródia dos filmes de zumbi à moda antiga, mas tropeçou quando no tom cômico. Com  atuações desanimadas, cenas que parecem encenadas em câmera lenta e um roteiro que não consegue avançar prejudicam bastante a narrativa. Pode parecer que é Jarmsuch inserindo seu estilo num gênero diferente do que costuma trabalhar, mas parece a troça de um filme que não lhe interessa nem um pouco. Talvez Os Mortos não Morrem seja uma brincadeira sobre como o diretor considerar filmes de zumbis previsíveis e sem graça, ele só esqueceu de que o desafio para os cineastas é justamente pegar algo que já feito e fazê-lo envolvente mais uma vez. Em Os Mortos não Morrem os zumbis buscam fazer o que gostavam de fazer em vida, mas quem está em vida por aqui também parece meio morto.Talvez esta seja a grande piada do filme. 

Os Mortos não Morrem (The Dead don't Die / EUA -2019) de Jim Jarmusch com Bill Murray, Adam Driver, Chloë Sevigny, Danny Glover, Steve Buscemi, Tilda Swinton, Selena Gomez e Caleb Landry Jones. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

PL►Y: Wendy

Devin France: releitura de Peter Pan.  

Perdi a conta de quantos filmes levaram para as telas a clássica história de Peter Pan, uma querendo ser mais moderna que a outra (as minhas favoritas ainda são o desenho da Disney e a versão de PJ Hogan lançada em 2003). Pelo menos esta versão do americano Benh Zeitlin procura um caminho diferente para contar a história ao conta-la a partir do olhar de uma Wendy contemporânea. Não bastasse isso, ainda constrói uma versão realista para a história sobre o menino que não envelhece e os seus seguidores perdidos. A Wendy (Devin France) aqui é uma menina de luminosos olhos azuis, que ajuda a família num restaurante perto da linha de trem de uma cidadezinha esquecida no mapa. Ela e os irmãos acabam embarcando em uma aventura meio que por acaso ao seguirem um menino (Yashua Mack) que vive em uma ilha junto a um grupo de garotos que rejeitam envelhecer. O que poderia ser uma aventura curiosa para o público infanto-juvenil, logo se torna um problema nas mãos de um diretor que não sabe dosar o que a história pode ter de assustadora. Se os dilemas da história de Peter Pan estão ali, como estar longe de casa, viver sem os pais e o medo dos adultos que estão por perto (antes eram piratas, aqui são idosos), além do destemor exagerado do personagem criado por JM Barrie, a coisa complica quando você precisa lidar com cenas de morte e mutilação de crianças, mesmo que estes momentos traumáticos sirvam para construir o vilão clássico da história. Não resta dúvida de que Zeitlin é bastante criativo em seu olhar sobre a história, ao não saber manter o foco no público infantil ou adulto, o filme alcança um resultado bastante irregular, que surpreende ao ofuscar a poesia da história com tom pesado que a trama recebe, também existem cenas soltas e visivelmente improvisadas que poderiam ter ficado de fora da montagem final. A obra faz lembrar muito a estética do filme anterior de Zeitlin, Indomável Sonhadora/2012 com cenários que parecem feitos de sucata, roupas gastas, um monstro feito no capricho e cenas que parecem de teatro mambembe. Se no seu trabalho anterior (que foi indicado a quatro Oscars, incluindo melhor filme e direção) o resultado trazia um frescor ao voltar a lente para uma comunidade de desassistidos, agora parece apenas um reaproveitamento do que já vimos antes em uma história conhecida e repaginada. Ele até insere alguns elementos de fantasia que dão o maior jeito de brincadeira de criança a algumas cenas, mas diante das possibilidades que o filme tinha, ele resulta menor do que as ambições. Zeitlin parece trabalhar em uma espécie de zona de conforto e foi ainda mais prejudicado pelo lançamento pouco antes da pandemia. Ao menos o cineasta comprova ser realmente bom em conduzir a atuação das crianças, se pelo filme anterior fez a pequena Quvenzhané Wallis se tornar a mais jovem indicada na história do Oscar, a menina Devin France que interpreta Wendy não deve aparecer nas premiações, mas promete ter uma carreira promissora.

Wendy (EUA-2020) de Benh Zeitlin com Devin France, Yashua Mack, Gage Naquin, Gavin Naquin, Ahmad Cage, Pamela Harper e Kevin Pugh. 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

PL►Y: Dia de Trabalho Mortal

 
Gallagher: brincando de resta um. 

James Gunn ficou muito famoso com o sucesso de Guardiões da Galáxia (2014) na Marvel. Da noite para o dia se tornou um diretor que ninguém dava muita bola para um dos nomes mais cobiçados de Hollywood (basta lembrar que ele está na Marvel e fará o novo Esquadrão Suicida para a DC/Warner). Acontece que antes de levar para a tela os heróis pouco conhecidos dos quadrinhos, Gunn tinha uma carreira de filmes que não tinham pudores de ir mais longe do que o bom senso aconselha. Foi assim com seu filme de estreia (com o pezinho no trash) com Seres Rastejantes (2006) e o filme de super-herói tosquinho Super (2010). O roteiro deste Dia de Trabalho Mortal tem muito do que era Gunn antes da fama e, sabendo que agora tem um nome a zelar (e basta lembrar seus comentários antigos no Twitter para lembrar como ele aprendeu esta dura lição) ele acabou cedendo o roteiro para que outro diretor dirigisse. Sábia decisão. Gunn cria aqui uma espécie de releitura daqueles experimentos comportamentais que eram muito comuns nos anos 1960 e 1970, só que de forma mais radical e explícita (basta ver o nome original: The Belko Experiment). Aqui ele coloca um grupo de pessoas trabalhando num prédio no meio do nada diante de um dia de trabalho incomum. Com o prédio lacrado e sem possibilidade de fuga, os funcionários descobrem que terão que matar uns aos outros se quiserem continuar vivos. Sem linhas telefônicas ou internet, eles pensam que se trata de uma espécie de trote e hesitam começar a carnificina, mas a coisa piora quando alguns colegas de trabalho começam a morrer sem motivo aparente. Logo tomam ciência que se trinta pessoas presentes ali não morrerem dentro de algumas horas, sessenta serão assassinadas aleatoriamente. Enquanto alguns tentam arranjar um meio de fugir, outros de escondem e alguns buscam estratégias para evitar a barbárie, logo aparecem os líderes pontuando que empilhar alguns corpos seria algo a ser pensado e até razoável. Eles nem imaginam que o pior ainda está por vir. Se existe algum comentário social na premissa ela logo vai para o espaço quando algumas cabeças começam a estourar (literalmente), mas a graça está no clima de tensão que o diretor Greg McLean instaura pouco depois do início da sessão. McLean também conta com um bom elenco que ajuda muito a termos empatia por alguns personagens e comprarmos o exagero com que lidam com a tensão naquele ambiente de trabalho. Talvez a maior dificuldade do filme seja preparar as reviravoltas para a trama que parece mais um reality show macabro do que um experimento social, mas os fãs de terror e suspense não devem reclamar. Destaque para John Gallagher Jr. no papel do funcionário bom moço em contraponto com Tony Goldwyn (na pele do como o chefe fascista), além de Sean Gunn (irmão de James) e Michael Rooker, atores de Guardiões da Galáxia que aparecem aqui sem aquelas maquiagens pesadas. 

Dia de Trabalho Mortal (The Belko Experiment / EUA - 2016) de Greg McLean, com John Gallagher Jr., Adria Arjona, Tony Goldwyn, Michael Rooker, John C. McGinley, Brent Sexton, Rusty Schwimmer, David Dastmalchian, Brent Sexton e Sean Gunn.  

PL►Y: Quando a Vida Acontece

 
Lavinia e Elias: o desejo de aumentar a família. 

Não sei se já aconteceu com você, mas já houve algum filme que você assistiu por conta de uma música? Não é o caso de você ouvir a música da trilha sonora de um filme no rádio e ficar curioso de assistir, mas um filme que você começa a ver e não parece nada demais quando de repente toca aquela música que faz você investir a conhecer aquela história. Isso aconteceu comigo ela primeira vez com Quando a vida Acontece, filme austríaco em cartaz na Netflix que não tinha ouvido ou lido nada a respeito até que ele cruzasse meu caminho em uma destas noites em que você não sabe muito bem o que assistir. O filme começa com um casal que aparenta estar há algum tempo tentando ter um bebê com uso de inseminação artificial. Logo que o filme começa, Alice (Lavinia Wilson) recebe mais uma vez a notícia de que o embrião parou de se desenvolver. Ela comenta que imaginava que aquilo tinha acontecido já que não sentia mais nada ali. A médica logo reage dizendo que do tamanho milimétrico que possuía, dificilmente ela sentiria alguma coisa. O diálogo é simples, mas retrata uma grama enorme de sentimentos envolvidos à história daquele casal. Todo o histórico de expectativas frustradas começaram a pesar sobre ela e o seu casamento com Niklas (Elias M'Barek), além de persistir naqueles procedimentos irá gerar mais gastos com tratamentos. Ciente do desgaste emocional, a médica  sugere que os dois façam uma viagem juntos. Quando voltam para casa e Alice vai cuidar de suas plantas e surge Nothing Really Matters de Cat Power que transforma uma cena comum em algo de rasgar o coração. Foi neste momento que o filme de estreia da diretora Ulrike Kofler arrebatou meu interesse. Kofler também assina o roteiro e demonstra bastante segurança em lidar com uma história introspectiva e profundamente emocional, além disso, a longa experiência de Kofler como editora fez uma grande diferença na costura do filme. Tão logo Alice e Niklas vão para uma pousada no litoral eles conhecem o casal que se hospeda ao lado, Christi (Anna Unterberg) e Romed (Lucas Spisser), pais do adolescente David (Fedor Teymi) e da adorável Denise (Iva Höpperger). No início a voz infantil da menina paira sobre o casal sem filhos como uma espécie de fantasma, um espectro poltergeist mesmo, ao ponto de desejarem mudar de quarto. Os casais acabam se aproximando por conta da  menina e um laço bastante interessante se instaura entre Alice e Denise. As personagens tem poucas cenas juntas, mas que funcionam enquanto afagos para aquela mulher que precisa lidar com seus sentimentos dolorosos sobre a maternidade nunca concretizada. Some isso ao peso da impossibilidade de gerar um filho na vida dos dois, um certo ciúme pela amizade que se instaura entre os dois esposos e, o mais interessante, o contraponto criado sutilmente entre aqueles dois casais. Christi e Romed oferecem um olhar menos romântico sobre ter filhos, seja por comentários de uma gravidez indesejada, a filha que de vez em quando some ou o filho que fuma escondido. Assim, Quando a Vida Acontece evolui de forma bastante tranquila e emociona pela forma como entrelaça seus personagens de forma bastante envolvente. Além disso tem uma trilha sonora magnífica (que conta ainda Stay, também de Cat Power) que funciona com perfeição na construção da atmosfera desejada. O resultado é um filme que surpreende pela delicadeza com que conta sua história. 

Quando a Vida Acontece (Was Wir Wollten / Áustria - 2020) de Ulrike Kofler com Lavinia Wilson, Elias M'Barek, Lucas Spisser, Anna Unterberg, Iva Höpperger e Fedor Teymi. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

PL►Y: Era Uma Vez um Sonho

Glenn, Amy e Owen: desperdício.
Era Uma Vez um Sonho é baseado no livro escrito por J.D. Vance que por aqui recebeu o mesmo nome (em inglês parece uma dissertação de mestrado: Hillbilly Elegy - A Memoir of a Family and Culture in Crisis). O livro chamou atenção pelo seu olhar direcionado para uma parcela específica da população dos Estados Unidos, aquela que sofreu com as sucessivas crises econômicas das últimas décadas do século passado com fechamento de várias indústrias, aumento do desemprego e subemprego de parte da população proletariada do Tio Sam. O livro é um relato biográficao de seu autor que aproveita para dissertar um pouco sobre a realidade que o cercou na infância e adolescência. Esta mistura rende discussões acaloradas até hoje sobre a obra, especialmente por suas conotações políticas perante à ótica do país que se vê diante do imbróglio Trump x Biden. A obra foi cobiçada por vários estúdios e diretores, terminando nas mãos do diretor Ron Howard e da Netflix. Com uma obra destas nas mãos de um diretor oscarizado no comando de atrizes renomadas Glenn Close e Amy Adams o filme era considerado um dos favoritos ao Oscar do próximo ano. Pelo menos era até que foi lançado na plataforma da Netflix. Quem leu o livro percebeu que toda a contextualização da história foi descartada, cedendo espaço para uma trama melodramática e que abusa dos flashbacks para emperrar desenvolver sua história. Uma das perguntas que fica ao final da sessão é: que história? O roteiro condensa as relações de J.D e sua família de uma forma tão carregada que fica difícil se envolver com a história do menino que cresceu ao lado da mãe (Amy) e da avó (Glenn) que tentava dar conta da família que sempre atravessou dificuldades. Na sucessão de conflitos, brigas e discussões que o filme apresenta, não há respiro. As relações são ásperas e as atuações beiram o exagero. Tem muito choro, muito grito, compondo um desespero que nunca soa autêntico. A ideia de compor a narrativa com idas e vindas para contar duas fases da vida do autor só colabora para deixar o filme mais vazio e sem uma narrativa crescente. Ver duas grandes atrizes indicadas várias vezes ao Oscar (e nunca premiadas) em papéis unidimensionais é um verdadeiro desperdício com seus trabalhos picotados pela edição sofrível utilizada pelo filme. Não houvesse toda a pretensão de figurar no Oscar, o filme seria um destes melodramas que passam na televisão em um horário que ninguém se importa e serviria apenas para passar o tempo. No entanto, duando termina, você pensa qual é o sentido de tudo aquilo, se tudo era sobre J.D aluno de Yale (vivido por Gabriel Basso) ter que escolher entre ficar com a mãe ou ir para uma entrevista de estágio. Claro que existe uma história muito mais complexa por trás de tudo isso, mas que é apresentada de forma muito equivocada, sobretudo por utilizar os estereótipos carregados deste grupo de pessoas. Ron Howard peca ao tentar contar uma história emocionante sem se dar conta de fornecer ao expectador um contexto para o que se vê. O resultado é um distanciamento quase inevitável daquelas pessoas e uma história que não se desenvolve, apenas gira em torno de si mesmo. 

Haley e Gabriel: irmãos de uma realidade complicada. 

Era Uma Vez um Sonho (Hillbilly Elegy / EUA -2020) de Ron Howard com Amy Adams, Glenn Close, Gabriel Basso, Haley Bennett, Owen Asztalos e Freida Pinto. 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Pódio: Michael B. Jordan

Bronze: o jovem lutador

3º Creed (2015) O californiano Michael Bakari Jordan fez sua estreia como ator na série Família Soprano no ano de 1999. Ele tinha onze anos na época das filmagens e tomou gosto pela atuação. Desde então seguiu a carreira com filmes e série de TV se tornando mundialmente famoso por este spin off dos filmes do lutador Rocky Balboa, aqui ele interpreta o filho do lendário Apollo Creed. Atuando ao lado de Sylvester Stallone, Jordan está mais do que convincente e treinou pesado para ganhar a musculatura que um jovem lutador de boxe precisa. Na pele de um rapaz em busca de sua identidade e lugar do mundo, ele garantiu o sucesso do filme que terá sua terceira parte em breve. 


Prata: o rapaz assassinado.

2º Fruitvale Station (2013) O verdadeiro divisor de águas na carreira de Michael foi seu trabalho neste primeiro filme do diretor Ryan Coogler, em que interpreta Oscar Grant, um jovem de vinte e dois anos vítima da postura abusiva de policiais no último dia de 2008. O filme acompanha o personagem durante o último dia de sua vida e o ator consegue construir uma pessoa de carne e osso em meio à narrativa quase documental do diretor. O ator que já havia chamado atenção em Poder sem Limites (2012), aqui demonstra ter dramaticidade de sobra para carregar um filme nas costas. Cooglet toca na ferida racista aqui que o movimento Black Lives Matter combate cada vez mais. 
Ouro: o primo aguerrido.
1º Pantera Negra (2018) Os antenados vão perceber que todos os filmes da lista são assinados pelo diretor Ryan Coogler, mas este aqui colocou a parceria entre o ator e o cineasta em outro patamar. Banhado em representatividade, a adaptação do herói da Marvel rendeu mais de um bilhão de dólares ao redor do mundo, entrou para a história como o primeiro filme de super-herói a concorrer ao Oscar de melhor filme e ainda rendeu para Michael elogios como um dos melhores vilões do cinema. Na pele do vingativo Killmonger, ele está perfeito em seu contraponto com o nobre T'Challa num contexto repleto de conotações políticas bastante atuais. Não são poucos que torcem pela volta dele numa futura sequência (e eu me incluo nesta lista). 

domingo, 22 de novembro de 2020

#FDS Consciência Negra: Fruitvale Station

 
Jordan na pele de Oscar Grant: bela estreia de Ryan Coogler. 

Nascido na Califórnia em 1986 o diretor Ryan Coogler já tem seu lugar na história por colocar seu terceiro filme, Pantera Negra (2018) como o primeiro longa de super-herói indicado ao Oscar de Melhor Filme do ano. Se o grande prêmio não saiu para ele, pelo menos conseguiu converter em estatuetas três (figurino, design de produção e trilha sonora) das sete categorias a que concorria. Em tempos em que a representatividade é um aspecto cada vez mais observado, a produção da Marvel chamou atenção por trazer o discurso certo na hora certa. Em seus filmes anteriores o diretor também manteve o olhar atento para a questão racial, se anteriormente fez sucesso ao mudar o verniz do antológico Rocky Balboa de Sylvester Stallone alterando o foco para o filho perdido de seu amigo Apollo no bem-sucedido Creed (2015), que rendeu até uma sequência (assim como Pantera Negra terá assim que a Marvel decidir o que fará com seu herói após o precoce falecimento de Chadwick Boseman), em sua estreia o tom é bem mais pessimista. É interessante perceber que, embora seja curta e com gêneros diferentes, a cinematografia de Coogler possui uma certa costura sobre o que é ser negro e o seu lugar no mundo. Iniciar sua carreira com um filme baseado em fatos reais como Fruitvale Station lhe confere um peso danado, afinal, muito antes do casos recentes que vemos nos telejornais, Coogler já chamava atenção para os atos de violência que ganham outro viés quando o observamos sob a lente do racismo. Aqui ele conta com uma atuação marcante de Michael B. Jordan (o ator assinatura de Coogler) para contar a história de Oscar Grant III, se o nome parece ter algo de shakesperiano, a história dele é bem mais realista. No último dia de 2008 o rapaz de 22 anos foi celebrar o início do ano novo com a namorada e alguns amigos e acabou assassinado pela ação de policiais numa estação de trem. Coogler conta esta história com uma introdução que não se sabe se é real ou encenada com atores, mas que cria o nó na garganta que perpassa toda sessão enquanto acompanhamos o último dia de Oscar. Dos tropeços no relacionamento com a mãe de sua filha, dos afagos com a menina, passando pelos desentendimentos com a mãe (e os momentos de carinho também),  a câmera de Coogler segue uma linha documental para construir um mundo de verdade, com pessoas de carne e osso, com qualidades, defeitos e dificuldades, mas que ganha contornos de suspense perante a tragédia que já sabemos que acontecerá. Enquanto o trem segue seu caminho pela noite, Coogler nos instiga pelo que está prestes a acontecer e a tensão crescente se constrói sem exageros numa tragédia do cotidiano que se repete. Além do bom trabalho de seu ator, ele está muito bem acompanhado em cena, especialmente por Octavia Spencer que interpreta sua mãe e Melonie Diaz, que interpreta sua namorada. Fruitvale Station é um daqueles filmes que cria indignação quando termina e faz pensar se houve mudanças deste a morte de Oscar quando ligamos a televisão todos os dias. 

Fruitvale Station - A Última Parada (Fruitvale Station / EUA - 2013) de Ryan Coogler com Michael B. Jordan, Octavia Spencer, Melonie Diaz, Kevin Durand, Ahna O'Reilly e Ariana Neal. ☻☻☻

sábado, 21 de novembro de 2020

#FDS Consciência Negra: Harriet

 Cynthia: indicada ao Oscar por salvar um filme. 

Harriet Trubman é uma destas personagens históricas que vale a pena conhecer. Nascida com o nome de Araminta Ross em 1823, ela já nasceu na condição de escrava no sul dos Estados Unidos. Embora já houvesse liberdade para muitos negros no país, na região em que ela vivia não havia interesse de mudar a sociedade escravocrata que estava instaurada. Cansada das condições cruéis de sua existência, Mindy (como era chamada na fazenda em que cresceu) conseguiu fugir daquele lugar e mudou de vida ao chegar na Filadélfia, onde conheceu outra realidade com  afro-americanos em condições bem diferentes, que lhe ajudaram a regressar àquela região e resgatar seus familiares e amigos. Rebatizada como Harriet, ela se tornou um verdadeiro símbolo da luta contra  escravidão e um verdadeiro ícone da luta por igualdade, tendo participação ativa na Guerra Civil na terra do Tio Sam. Falecida em 1913 e uma fama que atravessa gerações, de vez em quando havia interesse de transformar sua jornada em filme. Quando este longa dirigido por Kasi Lemmons (responsável por alguns capítulos da minissérie "A Vida e a História de Madame C. J. Walker” da Netflix) começou a ser exibido, ressuscitaram os tempos em que o projeto rondava as gavetas dos estúdios e que quase saiu do papel ao convidarem Julia Roberts (!!!) para o papel principal - ainda bem que a estrela tem bom senso e sabia que seria completamente estapafúrdio. Lançado no ano passado, Harriet tem como protagonista a ótima Cynthia Erivo, que já demonstrou talento em seus trabalhos anteriores para sustentar uma personagem tão importante. Cynthia se tornou o principal motivo para assistir ao filme, sendo indicada ao Oscar de Melhor Atriz e Melhor Música Original (e quem a assistiu em Maus Momentos no Hotel Royale/2018 sabe que ela canta divinamente). O problema é que diante de uma história tão emocionante, o diretor Kasi Lemmons faz um filme que parece mais uma novela condensada em duas horas de exibição. Sua mão é pesada e tende ao exagero ao se ver preso a um roteiro que se limita a apresentar feitos importantes na vida de sua personagem. O filme dedica pouco tempo a aprofundar sua heroína e os personagens que estão ao seu redor, acontece tudo tão rápido, com uma edição tão estranha e uma fotografia tão televisiva que a produção parece ter sido feita para algum canal pouco caprichoso. A sorte é que quando Cynthia está em cena, nós relevamos todos os tropeços. Algumas atuações também não ajudam, sobretudo quando se trata do herdeiro da fazenda que tem uma verdadeira obsessão por ela (mas que o ator Jow Alwyn não consegue trabalhar com as nuances que tem em mãos) ou da senhora escravocrata (Jennifer Nettles) que tem em suas cenas de desespero os momentos mais risíveis do filme. Harriet tinha uma boa História (assim mesmo, com H maíúsculo) para contar e uma atriz digna de reconhecimentos, mas infelizmente não alcança todas as notas que poderia por comodidade de vários envolvidos.   

Harriet (EUA-2019) de Kasi Lemmons com Cynthia Erivo, Janelle Monáe, Leslie Odom Jr, Joe Alwyn e Clark Peters. 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

#FDS Consciência Negra: O Destacamento Blood

 
Lindo e seus amigos: reparação histórica?

Parece que no próximo ano veremos finalmente Delroy Lindo entre os indicados ao Oscar. Sua performance neste Destacamento Blood de Spike Lee é uma das mais comentadas do ano e me arrisco a dizer que é o seu trabalho que dá liga ao fluxo criativo que o que o diretor emprega aqui. Lee nunca foi muito de seguir padrões na condução de sua narrativa, mas aqui ele capricha em suas invencionices. A narrativa vai e volta, usa clássicos da música negra americana misturada com tons melodramáticos na trilha sonora, coloca um personagem em vários monólogos diante da câmera, cria cenas vertiginosas de ação, insere dilemas morais, imagens de arquivos, recortes de vídeos antigos e o resultado seria bem diferente sem a liberdade criativa que a Netflix permite às suas produções. O filme conta a história de quatro amigos que resolvem voltar ao Vietnã para regatar uma fortuna em barras de ouro que deixaram enterrada por lá. No entanto, voltar ao que antes era um campo de batalha irá trazer de volta alguns fantasmas que ainda estão bastante presentes. O maior deles é Stormin' Norman (Chadwick Boseman), um amigo que morreu em combate e que ainda está muito presente na mente dos quatro amigos, especialmente na memória de Paul (Delroy Lindo) que seguiu a vida entre trancos e barrancos. Norman teve grande importância para seus amigos, já que ajudou a fazê-los pensar em questões que nunca haviam se arriscado a explorar sobre a condição dos negros na sociedade em que viviam na Terra do Tio Sam. De certa forma, Norman é a voz de Spike Lee lembrando a pouca lembrança que a cultura formada em torno da Guerra do Vietnã possui dos negros que foram para a batalha. Em determinado momento o próprio filme destaca que eles correspondiam a mais de 30% dos soldados americanos enviados para a batalha. Naquele tempo a luta pelos direitos civis fervia nos Estados Unidos e a cruzada de Martin Luther King estava prestes a sofrer o seu mais doloroso golpe. Este esquecimento racial aparece também na história de Otis (Clarke Peters), que reencontra um amor deixado no Vietnã e se depara com uma pessoa muito especial que também sofreu preconceitos em seu caminho por conta dos negros presentes no Vietnã. Spike Lee busca fazer um drama de pós-guerra temperado com cenas de ação, com muito tiro, sangue, helicópteros caindo, minas terrestres construindo um cenário que mesmo acontecendo fora do período de guerra parece um verdadeiro campo de batalha. A ideia funciona a maior parte do tempo, embora por vezes o roteiro soe um tanto bagunçado nas várias intenções envolvendo seus diversos personagens. É neste ponto que o trabalho de Delroy ganha ainda mais destaque ao construir na exata medida as perturbações de um homem frente aos seus dilemas. Na pele de Paul ele tem um número considerável de atitudes polêmicas e torna a narrativa tão imprevisível quanto o seu personagem quando mergulha numa espécie de surto. Ao final do filme, Lee se rende à uma despedida melodramática que poderia ter sido cortada em meio à tradicional ponte que Spike Lee faz entre passado e presente. Com sessenta e três anos de vida e vinte de carreira, Lee está cada vez mais em sintonia com os movimentos raciais nos Estados Unidos, basta ver o espaço que dedica ao movimento Black Lives Matter antes dele se tornar conhecido mundialmente enquanto o filme era produzido. 

O Destacamento Blood (Da 5 Bloods / EUA - 2020) de Spike Lee com Delroy Lindo, Chadwick Boseman, Clarke Peters, Norm Lewis, Mélanie Thierry, Paul Walter Hauser e Jean Reno. ☻☻☻

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

NªTV: The Crown - 4ª Temporada

Emma, Olivia e Gillian: atuações marcantes na quarta temporada.

Desde a sua estreia, The Crown se tornou uma espécie de menina dos olhos da Netflix. Quando estreou, cada cena e cada detalhe de figurino desta produção de Stephen Daldry concebida pelo oscarizado Peter Morgan (de A Rainha/2006) deixava claro que estava disposta a se tornar uma das séries mais sofisticadas já produzidas. As premiações logo caíram de amores por The Crown em sua estreia, mas o mais complicado ainda estava por vir. Diante dos desafio de contar o reinado da Rainha Elizabeth desde  sua posse (aos 25 anos) até os dias atuais, a série cria para si o grande desafio de condensar décadas de história em uma dezena de episódios por temporada. Se os primeiros anos de coroa deram corpo à série (com Claire Foy na pele da soberana e Vanessa Kirby como a irmã Margot), a segunda temporada ganhou ainda mais densidade. Lembro que na estreia os primeiros episódios não me prendiam muito a atenção, na segunda tudo estava mais ajustado e no segundo episódio a perfeição se instaurou. Diante do bom resultado fiquei preocupado com as mudanças que viriam a seguir, com uma Elizabeth mais velha vivida por Olivia Colman (e Margot vivida por Helena Bonhan Carter). Será que jogar a trama vários anos à frente teria o efeito desejado? Na terceira temporada, Peter Morgan já demonstrou que valeu a pena. Além dos novos atores darem conta com perfeição das personagens mais maduras, ainda deu destaque para um Príncipe Charles de partir o coração (cortesia de Josh O'Connor, o bom ator revelado no cult God's Own Country/2017) em sua paixão proibida por Camila Parker Bowles e a impressão que o desafio maior estava por vir com a quarta temporada. Lançada na Netflix no dia 15 de novembro a série precisou dar conta de inserir a Lady Di (Emma Corrin) e a primeira ministra Margaret Thatcher (Gillian Anderson) em sua lista de personagens famosos. O resultado é um deleite. Embora alguns personagens já consagrados recebam menos destaque nesta temporada (como Príncipe Phillip e a própria Margot), a série sabe direitinho como abordar Diana e Thatcher dentro do universo que construiu até aqui. Charles partia nosso coração na temporada anterior, agora ele subverte esta emoção com sua amargura diante de não poder ter a mulher que realmente ama e, neste conflito com a coroa, a doce Diana  também paga um alto preço. Um dos trunfos fenomenais desta temporada é o trabalho de Emma Corrin como Diana, já que a jovem atriz (que promete fazer bonito em sua carreira) capta a essência da ex-esposa de Charles de forma magistral. O olhar, o sorriso tímido, a inclinação da cabeça, ela está perfeita e junta-se às atuações brilhantes que a série já coleciona em quatro anos de existência - e se beneficia muito da melancolia do desfecho que todos nós sabemos qual será. Para além deste conto de fadas desconstruído, temos o trabalho de Gillian Anderson como Thatcher, a eterna agente Scully de Arquivo X também realiza um trabalho memorável (ainda mais com o peso de rivalizar com o trabalho oscarizado de Meryl Streep no filme A Dama de Ferro/2011. Embora siga por um caminho diferente, Gillian consegue construir sua personagem com maestria e sensibilidade, completando o time de grandes atrizes que contracenam nestas temporadas. Diante do espetáculo que a série entrega em sua melhor temporada muita gente discute o que é verdade ou não na privacidade da família real que aparece na série, mas esta polêmica é pequena diante da qualidade dramatúrgica da série. Se as anteriores tinham seus méritos inegáveis, esta acrescenta mais uma: é a mais viciante de todas! Fico imaginando o duelo que a série travará nas premiações do próximo ano e, espero, que seja coroada como uma das melhores do ano - embora a família real considere a pior de todas (e se você assistiu sabe exatamente o motivo). 

The Crown - 4ª Temporada (Reino Unido/Estados Unidos - 2020) de Peter Morgan com Olivia Colman, Tobias Menzies, Helena Bonhan Carter, Josh O'Connor, Emma Corrin, Gillian Anderson, Emerald Fennell, Marion Bailey, Erin Doherty, Stephen Boxer, Tom Byrne e Angus Imrie. ☻☻☻☻

PL►Y: O Pai de Itália

Isabella e Luca: laços de família. 

Talvez o filme O Pai de Itália tenha sido concebido para ser uma comédia romântica simples sobre os encontros e desencontros de um casal. Este fato fica um tanto evidente quando olhamos a estrutura do roteiro com o acaso no início, os desentendimentos no meio do caminho, o nascimento de um romance, a desilusão e o desfecho que demonstra que o filme não era nada daquilo que você esperava. Para começar o protagonista é um rapaz que ainda não se recuperou do fim do seu relacionamento com namorado. As primeiras cenas é para demonstrar que o término do namoro ainda não foi digerido e Paolo (Luca Marinelli do excepcional A Solidão dos Números Primos/2012) ainda vaga por aí em busca de uma história de amor. Se as feridas ainda não cicatrizaram, elas ficam cada vez mais em segundo plano quando Mia (Isabella Ragonese) cruza o seu caminho precisando de ajuda. Mia está grávida e ainda não sabe muito bem o que fazer da vida dali em diante. Embora ela não se importe muito com isso, ela busca de um pouco de amparo e vê em Paolo o companheiro que precisa naquele momento em uma jornada que ela não sabe muito bem até onde leva. De início a ideia parece encontrar o pai da criança, depois para reencontrar a família dela e sentimentos começam a aparecer entre o casal, principalmente uma cumplicidade que não se encontra todo dia. Aos poucos um começa a servir de suporte para o outro e  a esperança de colocar a vida na "ordem" comum das coisas começa a crescer e motivar os dois a embarcar num relacionamento que parece funcionar. É neste momento que o filme de Fabio Mollo (que também assina o roteiro ao lado de Josella Porto) trai as expectativas do espectador e apresenta que a vida daqueles dois personagens está bem longe de ser uma comédia romântica, está mais baseada na vida mesmo, repleta de inseguranças, fugas e suas linhas tortas com escrita certa. São nas entrelinhas de uma história de amor camuflada de convencional que o filme tem os seus melhores momentos ao abordar a bissexualidade de Paolo de forma bastante natural, a gravidez de Mia sem moralismos e o companheirismo de suas pessoas que pode ser vista como a origem de uma família para além dos laços sanguíneos. Foi no golpe do penúltimo ato que me dei conta de como o filme me envolveu, de como a vida pode parecer seguir suas regrinhas, mas que ela não é tão simples assim. Talvez por isso, no último ato a emoção seja capaz de tomar o expectador de vez e perceber que embora despretensioso, O Pai de Itália fale de amor com tanta propriedade, para além de homem, mulher, sexualidade, gênero ou daquela bobagem que serve de matéria prima para filmes água com açúcar. O amor que aparece aqui é aquele em estado puro, daquele se importa e nasce de forma quase imprevisível diante dos caprichos do destino de qualquer mortal. 

O Pai de Itália (Il padre d'Italia / Itália - 2017) de Fabio Mollo com Luca Marinelli, Isabella Ragonese, Anna Ferruzzo, Mario Sgueglia, Federica de Cola e Esther Elisha. 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

PL►Y: Rosa e Momo

 
Ibrahima e Sophia: material demais em filme de menos. 

A italiana Sophia Loren é uma verdadeira lenda vida do cinema. Nascida em 1934, nos anos 1950 se tornou um dos maiores nomes do cinema de seu país, ao ponto de fazer mais de quarenta filmes só naquela década (só em 1954 ela participou de inacreditáveis onze produções). Seu talento gerou um reconhecimento mundial e a tornou a primeira atriz a levar para casa o Oscar de melhor atriz por uma produção em língua estrangeira (por Duas Mulheres/1960). Sophia voltaria a ser indicada ao Oscar por Matrimônio à Italiana/1964 e ganhou um Oscar honorário em 1991 (mas bem que merecia outra estatueta por Um dia Muito Especial/1977). O último trabalho que muita gente lembra de Sophia foi no fiasco Nine/2009, mas depois ela ainda realizou um filme para a TV em 2010 e um curta quatro anos depois. Foram seis anos longe das telas até que seu filho, Edoardo Monti convencê-la a participar desta nova adaptação do livro A Vida Pela Frente de Romain Gary. A obra já recebeu uma celebrada adaptação com Madame Rosa (1977) de Moshé Mizrahi estrelada por Simone Signoret, longa que recebeu o Oscar de filme estrangeiro daquele ano. Assim, a tarefa de Monti se torna um tantinho mais complicada, já que precisa fazer alterações consideráveis em sua protagonista para que comporte Sophia no alto dos créditos e se distancie da versão anterior. Uma grande mudança é a idade de Rosa, que é uma sobrevivente dos campos de concentração e sua idade nos dias atuais é bem mais avançada do que no filmes dos anos 1970 (Signoret tinha 56 anos ao viver a personagem, Sophia tem 86) isso muda muito a interação da personagem com o mundo ao seu redor. Além de sobreviver a Auschwitz, Rosa é uma ex-prostituta que cuida de filhos de garotas de programa e embora se considere cheia de energia, ela requer cada vez mais cuidados. É o seu médico, Dr. Coen (Renato Carpentieri) que acaba pedindo que ela cuide  do menino Momo (Ibrahima Gueye) após um encontro pouco simpático  com o guri nas ruas italianas. Primeiro ela rejeita a ideia, mas acaba cedendo ao apelo do amigo e desenvolvendo um laço afetivo com o menino (que sem pai ou mãe, ganha a vida vendendo drogas nas ruas). Existem muitos elementos a serem trabalhados nos filmes: preconceitos, negligência, marginalidade, transexualidade, holocausto, drogas, prostituição, mas o filme se desvia de se aprofundar qualquer um deles, privilegiando a amizade que nasce entre aquela mulher experiente e o menino que cruza o seu caminho. A experiência de Sophia faz toda a diferença no papel e o menino Ibrahima é bastante esforçado (tendo uma cena no hospital que é inevitável aquele nó na garganta), mas o filme poderia ser um tantinho mais atento aos temas que aparecem em sua história. Concebido para ser um melodrama (sem nenhum problema com isso), o filme entrega metade do que promete e funciona principalmente pelo empenho de seu elenco . Distribuído pela Netflix, toda a propaganda do filme é centrada no retorno da diva italiana e numa ideia de que poderia até ser indicada ao Oscar pelo seu desempenho. Considero que a produção não tem fôlego para tanto, mas veremos o que acontece. 

Rosa e Momo (La vita davanti a sé / Itália - 2020) de Edoardo Monti com Sophia Loren, Ibrahima Gueye, Renato Carpentieri, Babak Karimi, Abril Zamora e Massimiliano Rossi. 

domingo, 15 de novembro de 2020

PL►Y: Estado de União

Rosamund e Crhis: premiado casal em terapia. 

Mediante a crise estabelecida após uma traição, um casal resolve consultar uma terapeuta para ver se coloca o casamento novamente nos eixos, ou, pelo menos, alinhar os sentimentos que sentem um pelo outro. A ideia simples fica mais interessante quando se descobre que a grande parte do filme é dedicada às conversas que o casal realiza fora do consultório, na mesa de um pub enquanto aguarda o horário marcado do atendimento. São naquelas conversas um tanto despretensiosas que conhecemos um pouco mais da vida conjunta de Tom (Chris O'Dowd) e Louise (Rosamund Pike), afinal foram quinze anos vivendo debaixo do mesmo teto, os últimos ao lado dos filhos frutos desta união. Concebido para ser uma série realizada pela BBC de Londres, escrita por Nick Hornby e dirigida por Stephen Frears, a série desfruta de diálogos ágeis, cortantes e bastante robustos nos arcos que propõe dentro de cada episódio. O roteiro é defendido com bastante desenvoltura pelo casal de atores, que sabem explorar o que existe de cômico e dramático naquela situação, o amor que ainda sentem um pelo outro, os ressentimentos acumulados por tanto tempo, alguns constrangimentos e de vez em quando soltam aquelas situações incômodas sobre a vida a dois do qual o outro nunca imaginava ser tão lamentáveis. A graça da narrativa é acompanhar a recorte semanal as pequenas mudanças que acontecem naquele casal, especialmente relacionada à percepção que possui de si mesmo (e desenvolver no espectador uma torcida contra ou a favor do resgate do casamento). Enquanto narrativa, cabe criar pequenas mudanças na estrutura do bate-papo (seja a presença de uma terceira pessoa, um acidente, uma briga sobre política, uma mudança no visual). Hornby e Frears já trabalharam juntos no cult Alta Fidelidade (2000)  e Rosamund e Chris já trabalharam com o texto do escritor no celebrado (ela em Educação/2010 e ele em Juliet Nua e Crua/2018), o que só colabora para a desenvoltura de uma produção que depende muito da eficiência dos diálogos. No entanto, ao ser concebido como uma série ágil de dez episódios de dez minutos, a produção funciona muito bem (e o piloto lhe garantiu três Emmys: melhor curta, melhor ator e melhor atriz em curta), com todos os capítulos agrupados em formato de um filme de pouco mais de uma hora e quarenta minutos, a ideia pode ficar um tanto cansativa para o espectador assistindo dois atores dialogando quase sempre no mesmo cenário (e deixa a impressão que é uma peça adaptada para o cinema). A sorte é que se o formato mudou, os diálogos permanecem interessantes sobre a vida agridoce de um casamento. 

Estado de União (State of the Union / Reino Unido - 2019) de Stephen Frears com Rosamund Pike, Chris O'Dowd, Janet Amsden, Jeff Rawle, Laura Cubitt e Elliot Levey. 

NªTV: High Fidelity

  
Joy, David e Zoë: amizade, romance e música boa. 

Esta semana foi disponibilizado o último episódio da série High Fidelity no Starzplay (disponível no Brasil pela Amazon Prime Video) que já estreou por aqui sabendo do cancelamento pela sua plataforma de origem, a Hulu. Imagino o desapontamento de Zoë Kravitz ao ter dado a notícia, já que a atriz também é uma das produtoras executivas e responsável por fazer uma das séries mais particulares dos últimos anos. Baseada no sucesso editorial de Nick Hornby, que já virou peça de teatro, um filme delicioso com John Cusack (Alta Fidelidade/2000 dirigido por Stephen Frears) e agora um seriado que fala sobre relacionamentos, mas que transpira paixão pela música. A série tem como maior diferencial de seus antecessores o fato de Rob Gordon agora ser uma mulher, Rob (Zoë Kravitz) que também possui uma loja de discos descolada, também começa a sua história listando os piores cinco foras que tomou na vida e apresentando os dois funcionários que  foram contratados meio de por acaso. Neste processo o Barry vivido por Jack Black no cinema também se transformou em mulher, no caso Cherize (Da'Vine Joy Randolph) e o  tímido Dick (papel que era de Todd Louiso no filme) agora é assumidamente gay, se chama Simon (David H. Holmes) e recebe um episódio somente para ele (um dos melhores da temporada). O melhor destas alterações é que deram novo fôlego para a história, funcionando de forma bastante orgânica no universo que as criadoras Sarah Kucserka e Veronica West  construíram para dar uma renovada na trama (lembrando que o livro é de 1995).  Vale a pena ressaltar que Da'Vine (indicada ao prêmio de revelação aqui no blog por Meu Nome é Dolemite/2019)e David estão ótimos em cena e funcionam como excelente alívio para quando Rob embarca em uma verdadeira crise existencial. A amizade entre o trio recebe maior importância na história e ajuda bastante a encaixar as clássicas listas de cinco melhores no decorrer dos episódios. Zoë Kravitz aqui tem sua atuação mais carismática, sabendo encorpar a sua Rob com qualidades e defeitos, mesmo quando enfrenta dilemas por conta de sua vida amorosa ela é compreensivelmente humana - seja quando não supera o ex-namorado (Kingsley Ben-Adir) ou por hesitar se envolver cada vez mais com o atencioso Clyde (Jake Lacy). Não deixa de ser interessante ver Zoë à frente do projeto, já que é filha do cantor Lenny Kravitz com Lisa Bonet (linda atriz que nunca recebeu o reconhecimento que merece) que aparecia no filme como uma cantora de destaque na trama. Regado à música, com clima bem-humorado e pitadas românticas, High Fidelity também se diferencia por dar mais destaque ao uso de drogas entre seus personagens, o que pode ter levantado polêmicas junto ao público mais conservador. Seja como for, adoraria que a série encontrasse uma nova casa para novas temporadas de dez episódios. Sentirei falta.  

High Fidelity (EUA-2020) de Sarah Kucserka e Veronica West com Zoë Kravitz, Da'Vine Joy Robinson, David H. Holmes, Jake Lacy, Kingsley Ben-Adir, Rainbow Sun Francks e Edmund Donovan. 

sábado, 14 de novembro de 2020

Momento Rob Gordon: Penélope + Javier

O casal 20 do cinema espanhol, Penélope Cruz e Javier Bardem começou a namorar em 2007 e se casou três anos depois. No entanto, os dois se conhecem bem antes disso, mas demorou para perceberem que eram verdadeiras almas gêmeas. Esse Momento Rob Gordon é para listar os cinco melhores momentos em que estiveram juntos na mesma tela de cinema, sejam solteiros, casados ou sempre em cenas diferentes:

#5 "Carne Trêmula" de Pedro Almodóvar (1997)

Para começo de conversa este é um dos melhores filmes de Almodóvar, foi o segundo longa de uma fase em que o diretor demonstrou que poderia ser mais contido e sério, para ajudar nesta tarefa o diretor escalou um quarteto de peso para interpretar seus personagens que desejam fugir do passado. Você deve estar se perguntando  o motivo do filme estar em quinto na nossa lista de cinco, bem o motivo é que o casal em questão não... bem nem vou contar para não dar SPOILER! Esta foi a primeira parceria de Penélope com o cineasta espanhol que a elegeu musa até os dias atuais. 


Se existe um filme em que não queremos ver o casal junto é este filme de Ridley Scott que dividiu opiniões. Aqui Bardem interpreta um chefão do crime e faz par com Cameron Diaz (que está ótima em cena) enquanto Penélope é a namorada de Michael Fassbender que interpreta um advogado que anda se metendo com pessoas muito perigosas. Você já deve imaginar porque não queremos ver Bardem e Cruz na mesma cena neste filme, pois é... por isso mesmo. 


A quinta e mais recente parceria do casal nos cinemas colheu elogios no Festival de Cannes ao ser indicado à Palma de Ouro e investe bastante na química entre os dois para sustentar a situação dramática em que seus personagens se meteram. Na verdade eles são ex-namorados e se encontram depois de muito tempo, o problema é que um crime irá deixar todos ao redor especulando sobre o passado dos dois. Os dois tem bons momentos em cena, mas o amor entre os personagens aparece de forma bem mais emblemática se tornando fundamental para os caminhos da trama. 

#2 "Jamon Jamon" de Bigas Luna (1992)

Penelope Cruz tinha dezoito anos quando estreou nos cinemas ao lado de Javier Bardem pelas lentes calientes de Bigas Luna. Bardem é sobrinho do cineasta e já tinha alguns filmes no currículo quando foi escolhido para ser o rapaz que ganha fama como o modelo de cuecas mais requisitado da Espanha. O filme tem alguns momentos inacreditáveis e típicas do exagero do cineasta (e hoje deve levantar discussões acaloradas), porém a química entre os dois já estava lá e renderia um romance somente quinze anos depois. 

#1 "Vicky Cristina Barcelona" de Woody Allen (2008)

Penelope e Javier já estavam namorando quando o filme foi lançado e Woody Allen soube utilizar muito bem o apelo do casal na formação de um quadrilátero amoroso. Javier vive o galanteador que se envolve com as turistas americanas Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson). Não bastasse seduzir as duas, ele ainda precisa lidar com a ex-mulher, Maria Lucia (Penélope). Embora o casal brigue na maior parte do tempo, a atração entre os dois personagens é notável e torna o filme mais divertido (sobretudo pelo trabalho brilhante de Penélope como uma mulher em busca do próprio eixo). O filme deu o Oscar de atriz coadjuvante para Penélope Cruz para fazer um belo par com o de Bardem como coadjuvante por Onde Os Fracos não Tem Vez (2007). 

PL►Y: Todos já Sabem

Penélope, Javier e Eduard: crime e lavagem de roupa suja. 

 Todos já Sabem que o casal espanhol Penélope Cruz e Javier Bardem formam o casal 20 do cinema espanhol? Os oscarizados (respectivamente por Vicky Cristina Barcelona/2008 e Onde os Fracos não tem vez/2010) são casados desde 2010 e tiveram um lindo casal de crianças. Os dois se tornaram tão icônicos que coloca-los no alto dos créditos é quase um convite ao nosso imaginário de que seus personagens terão alguma relação em cena. Este é o quinto filme que os dois trabalham juntos e o diretor Asghar Farhadi, sabe muito bem como sugerir o vínculo entre os dois desde suas primeiras cenas. Por muitos anos, Laura (Penélope) vive na Argentina com o esposo (Ricardo Darín) e agora retorna ao seu vilarejo natal na Espanha para celebrar um casamento na família ao lado da filha adolescente Irene (Carla Campra). Além de reencontrar parentes e amigos, ela também reencontra seu ex-namorado do passado, Paco (Javier) que agora também é casado e dono de uma vinicultura. Embora o romance tenha ficado no passado, um crime irá trazer à tona ressentimentos da família sobre esta relação, além de destacar cada vez mais um segredo. Em seu primeiro filme de língua espanhola, o iraniano Farhadi trabalha mais uma vez vários temas que se mesclam e tornam a história cada vez mais truncada para seus personagens. Se nos seus trabalhos anteriores ele temperava com maestria seus dramas com doses de suspense, aqui ele torna o suspense mais evidente, afinal existe sempre a curiosidade para saber quem cometeu o crime no decorrer da história, mas quem esperar que isto se torne o centro da história irá se decepcionar bastante. Farhadi gosta mesmo é dos desdobramentos reveladores daquela situação e por isso mesmo investe bastante tempo para apresentar aquela família afetuosa e feliz para pouco depois desconstruir as primeiras impressões que tivemos dela. Preconceitos, ressentimentos, orgulho e traições se mesclam e geram consequências que vão para além dos créditos finais. O mais interessante do filme é que embora conte com três grandes astros do cinema de língua espanhola, Farhadi trata se elenco sem que existam atuações destacadas, prefere manter todos num certo equilíbrio num exercício bastante interessante enquanto diretor. Embora seja o filme mais acessível de Farhadi, o filme está longe de ser o melhor de sua premiada cinematografia, mas ainda assim, revela seu cuidado ao abordar temas mais universais em sua obra.  

Todos Já Sabem (Todos lo Saben / Espanha - França - Alemanha - Itália - Argentina / 2018) de Asghar Farhadi com Penélope Cruz, Javier Bardem, Ricardo Darín, Carla Campra, Bárbara Lennie, Elvira Mínguez e Eduard Fernández.  

PL►Y: Downhill

 
Julia e Will: casamento montanha abaixo. 

Um casal resolve passar alguns dias de férias entre montanhas, muito frio e práticas de esqui tudo vai bem até que uma avalanche os surpreende na varanda do hotel. Diante da promessa de uma tragédia, a mãe abraça seus filhos enquanto o esposo foge da mesa em que estava com a família. Passado o susto, sem mortos ou feridos, resta à família digerir aquele acontecimento traumatizante, especialmente a esposa que não se conforma com  o comportamento do esposo. Este é o ponto de partida do sueco Força Maior/2014 que capricha na tensão de seus personagens e coloca a plateia para pensar enquanto solta faíscas de humor tão discreto quanto incômodo. O filme recebeu o prêmio da mostra paralela Um Certo Olhar no Festival de Cannes, foi lembrado na categoria de Filme Estrangeiro no Globo de Ouro (por ser "europeu demais" acabou ficando fora do Oscar) e agora recebe uma versão americana que deve motivar muita gente a procurar o original. Dirigido pelo premiado Jim Rash e seu parceiro Nat Faxon (que antes dirigiram o simpático O Verão da Minha Vida/2013) o filme investe mais no tom cômico desta treta familiar... para isso conta com Will Ferrell e Julia Louis-Dreyfus para ganhar logo a simpatia da plateia (pelo menos esta era a ideia). O ponto de partida é o mesmo em ambos os filmes, mas a forma como os diretores (que assinam o texto ao lado de Jesse Armstrong da série Succession) conduzem a situação é bastante diferente. O que poderia dar novo fôlego para a história acaba diluindo o que o filme tinha de melhor: a tensão de um casal em crise (o que assistíamos como se segurássemos as engrenagens de um relógio no filme de 2014). É verdade que Julia tem ótimos momentos como a esposa em cena, de forma que sua raiva e ressentimento se tornam palpáveis desde o fatídico episódio, mas seria muito  mais interessante se o marido vivido por Ferrell não fosse mais imaturo que seus filhos pré-adolescentes (o que o torna bem diferente do protagonista do filme original). Diante de seu comportamento bobalhão fica difícil torcer para que seja perdoado. Fora isso, o filme investe em coadjuvantes que não ajudam no desenvolvimento do todo (temos até a sumida Miranda Otto como a europeia desinibida), ao menos o casal amigo vivido por Zach Woods e Zoe Chao parecem pessoas de verdade e colaboram no dilema dos personagens. Atenuando a densidade da narrativa e mudando uma situação aqui e outra ali, o filme procurar ter sua própria voz, mas acaba se perdendo ao parecer como uma comédia mediana sobre um casal em suas férias frustradas. No entanto, serve como exemplo emblemático de como o cinema americano e o cinema europeu podem contar a mesma história com resultado muito diferente. Sendo assim, vale destacar que Julia Louis-Dreyfus foi o motivo de eu considerar o filme mais recomendável do que assistível.     

Downhill (Downhill/EUA) de Jim Rash e Nat Faxon com Julia Louis-Dreyfus, Will Ferrell, Zach Woods, Zoe Chao, Miranda Otto, Giulio Berruti.