quinta-feira, 9 de junho de 2011

CATÁLOGO: Sinedóque, Nova Iorque


Caden: contemplando suas centenas de personagens.

Em 2008 o roteirista Charlie Kaufman lançou seu primeiro filme na direção. Quem conhece sua carreira pautada por obras originais como Quero Ser John Malkovich (1999), Adaptação (2002) e Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças (2004) sabe que o cara está longe de facilitar a coisa para o espectador - no entanto, isso não impediu que ganhasse o Oscar de roteiro original por este último longa. Não estou bem ao certo, mas após ver uma obra complexa como Sinedóque Nova Iorque, penso que Kaufman imaginou que somente ele seria capaz de transmitir todos os pensamentos que passaram por sua mente elétrica enquanto escrevia o seu texto mais denso, sombrio e deprimente. Existe muitas semelhanças entre Sinedóque e os roteiros assinados por ele anteriormente, mas ao mesmo tempo pesa a sensação de que um diretor mais experiente teria realizado um filme melhor. Talvez o distanciamento do texto, aquele que é impossível para quem o escreveu, teria ajudado a perceber que algumas ideias sobram e servem apenas para deixar confusa uma trama de potencial universal para dialogar com o público. Ou seja, Charlie não é Michel Gondry, tão pouco Spike Jonze. Não vou perder meu tempo apontando semelhanças entre este filme e o clássico de Fellini, Oito e Meio (1963) que retrata um diretor de cinema que começa a filmar sua obra mais ambiciosa sem saber ao certo que história quer contar (e acaba revisitando sua própria vida). Obviamente que existem semelhanças entre ambos, mas independente das declarações do cineasta de que não conhecia a obra do cineasta italiano, seu filme tem alma própria - embora seja um bocado transtornada. O filme se ocupa a contar a história de Caden (Phillip Seymour Hoffman, competente como sempre), um dramaturgo que é criticado e elogiado na mesma medida por suas montagens de textos alheios. Caden é casado com Adele (Catherine Keener, amiga e musa de Kaufman), uma artista plástica insatisfeita com o casamento. Juntos fazem até terapia de casal (com uma psicanalista interpretada por Hope Davis) para tentar salvar uma relação desgastada e que pode afetar a graciosa filha do casal, a pequena Olive (a menina Sadie Goldstein que antes apareceu em Pecados Íntimos/2006). Mas tudo vai por água abaixo quando Adele parte para a Alemanha com Olive e deixa Caden ainda mais à deriva nas frustrações, neuroses e hipocondria. Caden beira o colapso nervoso e não ajuda ter uma amiga atriz talentosa como Claire (Michelle Williams) ou uma candidata à amante como Hazel (Samantha Morton) sempre por perto. Quando ele recebe um financiamente milionário como prêmio, Caden resolve bancar um projeto ambicioso em Nova York onde contará a história de sua própria vida e seus inúmeros coadjuvantes.  O projeto se arrastará por mais de vinte anos e irá escancarar os limites da arte que imita a vida (ou seria da vida que imita a arte?). O filme borra os limites entre o que é encenado e o que é real, ao ponto de haver um ator que interpreta Caden e  que está prestes a contratar um ator para interpretá-lo (deu para entender?). Neste ponto já percebemos que o diretor constrói uma crítica melancólica a quem prefere reproduzir a vida a mostrar o seu olhar sobre ela. Caden se perde em sua obra ao ponto de não perceber que foi totalmente tragado por ela, ao ponto de não mais viver, apenas existir para reproduzir o que já viu. Curioso é que perto dele todos parecem querer deixar sua marca, seu olhar sobre o mundo, menos ele. Vejamos, Adele quando consagrada diz que "vê o mundo, se o vê, sente. Se o sente, pinta! Simples assim"! Da mesma forma a pequena Olive narra (em uma das cenas mais lindas do filme) em seu diário suas viagens imaginárias ao lado de seu pai - para logo em seguida ter um contraste brusco com seu leito de morte cheio de ressentimentos por mentiras contadas por uma amiga de sua mãe (Jennifer Jason Leigh em outro papel esquisito). Caden parece contruir para si uma prisão (sua peça interminável) dentro de outra (sua própria existência real) e em ambas mantém a inércia de sempre esperar por um sentido que nunca é produzido, apenas aguardado. Nesta prisão duplamente auto-construída chega a se casar com Claire e ter uma filha, a qual chama recorrentemente de Olive, o que só expressa o seu anseio em reproduzir o que já se foi. Ironicamente, a única criação de Caden é Ellen, uma criação involuntária ao lado de Adele (por conta de uma confusão com o nome da faxineira). Não por acaso é a atriz contratada para viver Ellen na peça (Dianne Wiest, num papel pequeno, mas preciso) que conduz a mente de Caden rumo ao fim (por um ponto eletrônico). Mesmo que este seja mais confuso do que os outros filmes que levam a sua escrita, o longa retoma aspectos pertinentes da obra de Kaufman e resulta no seu roteiro mais melancólico. Mesmo que em alguns pontos o diretor ainda demonstre sua irreverência celebrada (a obsessão por fezes estranhas, o livro "interativo" da psicanalista ou a casa sempre em chamas de Hazel) a profundidade dos assuntos que procura abordar deixa seu protagonista cada vez mais próximo do abismo. Sorte que nessa jornada ele contou com o apoio de um excelente elenco.

Sinedóque, Nova Iorque (Synecdoche, New York/EUA-2008) de Charlie Kauffman com Phillip Seymour Hoffman, Samantha Morton, Catherine Keener, Michelle Williams, Jennifer Jason Leigh, Tom Noonan e Emily Watson. ☻☻☻

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