terça-feira, 28 de junho de 2011

CATÁLOGO: Os Outros

Kidman e seus herdeiros: metáforas sobre a luz do conhecimento?

Diante do olhar carinhoso de Alejandro Amenábar da relação entre religião e conhecimento não custa nada revisitar o seu maior sucesso nos cinemas, o suspense Os Outros. O filme é um pleno acerto na cinematografia do cineasta chileno e marcou seu primeiro trabalho hollywoodiano. Quem conhecia o cineasta de obras anteriores como Tesis (1996) e Abra os Olhos (1996) sabia de sua habilidade em manipular a percepção da platéia, capturando a atenção e virando-a do avesso nas desventuras de seus personagens. Sua mão para as narrativas de mistério funciona tanto que por conta dela foi parar numa produção do astro Tom Cruise para sua então esposa Nicole Kidman. Cruise estava fascinado com Abra os Olhos (e dizem que por sua estrela, Penélope Cruz, também) e achou que poderia dar conta de uma versão americana. Sabiamente Amenábar rejeitou a proposta de dirigir a versão e pediu em troca a produção de seu novo filme. Abra os Olhos virou o desastre Vanilla Sky (2001), já o filme de Amenábar foi um sucesso mundial e rendeu à Nicole indicações à prêmios de prestígio como o Globo de Ouro de melhor atriz dramática (e junto com Moulin Rouge, no mesmo ano, mostrou que a australiana estava prestes a atingir o topo da pirâmide cinematográfica). Em Os Outros, Kidman está excelente como Grace, a mulher que vive num casarão com os filhos em meio ao fim da Segunda Guerra Mundial. Ali espera pelo retorno de seu esposo que está no front (Christopher Eccleston) e zela por seus herdeiros, o medroso Nicholas (James Bentley) e a questionadora Anne (Alakina Mann), ambos possuem uma doença rara que não permite que sejam expostos à luz. Este é o fio condutor do filme, mas ele é muito mais do que isso. Logo a família terá companhia na casa, um trio de empregados soturnos (que inclui a excelente Fionnula Flanagan) que diz conhecer há muito tempo a história do casarão. Não vai demorar muito para que estes personagens percebam que não estão sozinhos ali. Portas abrindo sozinhas, passos pela casa e a insistência de Anne em dizer que existem outros seres ali só irão servir para aumentar o estresse de Grace. Entre sustos e revelações acompanhamos a jornada da protagonista em manter sua fé e as coisas em ordem. Esse clima de casa mal assombrada poderia ser apenas mais um filme de terror da safra pós-Sexto Sentido (1999), mas além da elegância com que Amenábar conduz sua trama ele adiciona dois detalhes que proporcionam uma leitura mais rebuscada do que se imagina. Um detalhe é a fé de Grace no catolicismo o outro é o fato da luz ser uma ameaça para as gerações futuras. Não entendeu? Amenábar disse em entrevistas que seu filme é uma metáfora sobre o Iluminismo, a ideia de que o saber é uma luz que ilumina a existência da humanidade e sua percepção do mundo. Grace é tão católica que não percebe que sua vida seguiu por caminhos que sua religião não explica, portanto ainda acredita em milagres e recomeços. Não é por acaso que Anne questiona a religião imposta por sua mãe ao mesmo tempo  que consegue enxergar o que os outros são incapazes de ver. Nesse universo do avesso, a mãe zelosa é mais ameaçadora do que se imagina, os empregados sabem mais do que dizem e o pai (sempre aguardado como salvador da estrutura familiar) está mais perdido do que os demais. Elenco mais do que eficiente emoldurado pela inacreditável fotografia de Javier Aguirresarobe completam a receita. Menos do que propagar o kardecismo ou aproveitar o sucesso do estilo de M. Night Shyamalan, Amenábar está preocupado com as ideias e não com o sangue (que não aparece na tela). Tanto que após a surpresa final (que segue logo após a belíssima cena da oração declamada por Kidman) Grace ainda é capaz de se esforçar para manter tudo como está, seja com luz ou a treva que oculta da plateia até o inevitável encontro com a verdade. Pelo menos com a nossa verdade, a dos outros. 

Os Outros (The Others / EUA-Espanha-França-Itália / 2001) de Alejandro Amenábar com Nicole Kidman, Fionnula Flanagan, Alakina Mann, Christopher Eccleston e James Bentley. ☻☻☻

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