Bardem e Jennifer: prepare-se para a maior viagem do ano.
Quando vi pela primeira vez o trailer de Mãe! de Darren Aronofsky tive a impressão de ver uma versão do clássico O Bebê de Rosemary/1968 para o século XXI. Acho que foi proposital fazer pensar que a história de um casal que começa a ter a casa invadida por um bando de adoradores em clima maligno tivesse relação com o clássico de Roman Polanski. Na verdade até tem, mas o que o diretor novaiorquino faz em sua nova provocação vai muito além disso. Na verdade, Darren subverte o que fazia o longa de Polanski assustador, já que aqui as referências vão de encontro ao divino, um divino estranho, mas, ainda assim, divino. Desde sua estreia em Pi (1998) até o sucesso absoluto com Cisne Negro (2010), Aronofsky demonstra interesse em personagens obsessivos, tão obsessivos que percebem a realidade de uma forma distorcida. Não importa se são matemáticos, bailarinas, lutadores, cientistas ou, até mesmo, uma mãe que deseja perder peso mais do que tudo na vida. Não foi por acaso que o diretor foi quase o responsável por repaginar os filmes de Batman antes que Christopher Nolan topasse a empreitada e criasse a trilogia do Cavaleiro das Trevas. No entanto, depois que Darren se aventurou pelas águas bíblicas em Noé (2014), algo novo foi agregado ao seu estilo particular, já que o cineasta mostra-se mais preocupado com a responsabilidade humana com o planeta em que vivemos. Prometo que a partir daqui não vou revelar muito mais sobre o controverso Mãe! até a segunda parte desta postagem. Depois de um início mais revelador do que parece, conhecemos um escritor, na verdade um poeta (Javier Bardem) que convenceu a nova esposa (Jennifer Lawrence) a morar na antiga casa onde vivenciou uma tragédia no passado. Ela é bem mais jovem que ele, mas abraça a casa com a intenção de fazer dali mais do que um lar, um verdadeiro paraíso. Ela se esforça para que a casa se torne o mais aconchegante possível e, com isso, agradar o esposo que não escreve nada há tempos, enfim, ele não consegue criar. Embora ele pareça insatisfeito com a rotina da vida a dois, as coisas mudam quando recebem a visita de um médico (Ed Harris). Ela não parece confortável com a visita do estranho, o que piora ainda mais quando chega a sua inconveniente esposa (Michelle Pfeiffer) e, mais tarde os dois filhos do estranho casal (os irmãos Brian Gleeson e Dohmnall Gleeson) acarretando uma mudança radical na trama. Se a presença daquelas visitas atrapalha a rotina da casa, você não faz ideia do que irá acontecer na meia hora final. Mãe! faz crescer a tensão pouco a pouco até se tornar cada vez mais incômodo, seja pela necessidade do poeta sentir-se adorado, de seu desprezo às preocupações com a esposa ou com as pessoas que aparecem na casa sem ter respeito algum por aquele espaço. Darren nos brinda com um filme que torna-se cada vez mais sombrio, delirante e metafórico, estando sujeito a muitas leituras (seria um pesadelo? um livro escrito pelo poeta? Um surto da esposa que anseia a perfeição daquele lar? O retrato de um casamento abusivo? Uma casa assombrada?), aspectos que podem fazer o filme transitar por muitos gêneros. Embora muita gente possa odiar o filme (o que já mostrou-se comum desde sua primeira exibição no Festival de Veneza) não há como negar que Aronofsky realiza aqui um dos seus trabalhos mais impressionantes com a ajuda de atores em performances excepcionais. Faz tempo que Michelle Pfeiffer não tem um papel tão interessante e Jennifer Lawrence alcança sua performance mais intensa em muito tempo - mesmo quando o filme exagera, a queridinha de Hollywood mantem a linha e não deixa tudo cair no ridículo, tornando impossível não compartilhar de sua dor ao ver o lar que construiu com tanto zelo e carinho desintegrar diante dos nossos olhos. Se você não quer saber mais do que isso é melhor parar de ler exatamente aqui. Alerta SPOILER!
Pfeiffer: Eva em carne, osso e costela?
Desta parte em diante me darei ao luxo de comentar SPOILERS sobre o filme, recomendando que você leia essa parte somente se já tiver visto o filme ou se quiser conhecer uma espécie de manual para entender o que se passa na tela durante a nova piração do diretor de Réquiem Para um Sonho (2000). Mãe! se tornou um sucesso de crítica, mas tão logo o filme começou a ser criticado pela maioria do público o diretor e sua estrela começaram a comentar um pouco mais por todas as ideias que estavam por trás da trama, talvez a pedido do estúdio que fez divulgação e distribuição maciça do filme ao redor do mundo (se fosse feito no esquema independente de antigamente, provavelmente Aronofsky nem ligaria para as reclamações). Se você tem um olhar atento é capaz de identificar várias delas, principalmente se pescar das cenas iniciais dica de desvencilhar o filme de uma estética realista. Claro que você pode explicar tudo de formas diferentes, mas o fato é que o roteiro foi inspirado na Bíblia, da gênese ao apocalipse - e até o que viria depois dele. Em vários lugares já mencionaram que Javier Bardem interpreta o poeta como o criador (ou Deus, se preferir), Jennifer Lawrence é a mãe natureza, o homem que os visita é Adão (Ed Harris), a esposa que aparece (depois dele surgir rapidamente machucado na altura da costela) é Eva (Michelle Pfeiffer). O quarto de criação do poeta seria a árvore do conhecimento ou da ciência que estava presente no paraíso, o cristal que eles quebram seria o fruto proibido, da ciência e a (assustadora) origem de tudo. Os filhos que vivem brigando são Caim e Abel e... você sabe o que acontece. Depois o filme tem o alento da gravidez da mãe natureza, a alegria e a inspiração surgem e tudo volta ao normal como uma boa nova para aquele lar... nas, antes que o filho do criado nasça, ele já é adorado por uma multidão cega que interpreta a obra do poeta de forma diferente, mas a multidão é incapaz de zelar pela casa onde estão. A casa é o nosso planeta, devastado, depredado, explorado quase ao ponto do apocalipse que é anunciado pela própria protagonista antes da pior noite de sua vida. A multidão cega tem a mesma devoção pelo criador quanto o Noé interpretado por Russell Crowe, ao ponto de não ter a mínima consideração por um bebê e criar a alusão à comunhão da forma mais horripilante que já se viu no cinema (provocação máxima do filme, já que em O Bebê de Rosemary os adoradores do coisa ruim queriam cuidar do anticristo). Em meio à histeria coletiva, guerra e toda a loucura que se instaura nos momentos final do filme, Aronofsky paga um preço alto pelas sua trama cheia de simbologias e alusões religiosas. Ele provoca, choca, exagera (confesso que me desconectei do filme por um tempo durante a parte da guerra) e faz do caos a matéria prima de uma obra realmente insana como não se via em muito tempo. A própria Jennifer Lawrence passou mal durante as filmagens, deixando claro que não é uma obra angustiante somente para quem assiste. Mãe! é um filme para amar ou odiar, numa relação tão extrema como a dos personagens apresentados na tela. Mas se você prefere considerar toda essas simbologias uma grande viagem, você pode optar por pensar que tudo é um delírio de uma dona de casa desesperada que parou de tomar seu misterioso remédio amarelo - e que deu o azar de casar com um megalomaníaco obcecado por ser adorado.
Jennifer e a casa: delírios apocalípticos.
Mãe! (Mother! - EUA/2017) de Darren Aronofsky com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Michelle Pfeiffer, Ed Harris, Domhnall Gleeson e Brian Gleeson. ☻☻☻☻
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