domingo, 23 de fevereiro de 2014

KLÁSSIQO: Cenas de um Casamento

Liv e Erland: a vida de casado no microscópio de Bergman. 

Em uma famosa cena de Manhattan (1979), a personagem de Diane Keaton critica a obra de Ingmar Bergman dizendo que ele disfarça sua visão simplória do mundo com doses de psicologia. O personagem de Woody Allen sente-se insultado com a afirmação (até por conta de Woody ter confessado várias vezes a influência do cineasta sueco em sua obra). Mesmo achando uma provocação bastante cruel, eu até posso entender de onde a personagem de Diane tirou essa ideia - ainda que eu discorde dela. No entanto, apesar de todos os elogios, Cenas de Um Casamento é o filme de Bergman que, visto hoje, menos me impressiona em sua cinematografia. É verdade que o filme serviu de influência para inúmeros outros filmes. Mas o problema deve ser meu, especificamente pela expectativa que a cena inicial da entrevista do casal me causa. Trata-se de um cena extremamente simples, onde o casal Marianne (Liv Ullman, perfeita) e Johan (Erland Josephson) aparecem diante de uma aparente jornalista que busca descobrir mais sobre o casal que todos julgam ser exemplar - num relacionamento que já dura dez anos. Naquela cena curta, direta e sutil, podemos perceber o quanto Marianne é maior do que o casamento com Johan lhe permite ser. Os cortes são precisos, assim como a atuação do casal protagonista. A partir dali, o resto do filme serve para comprovar o que já constatamos em seus minutos iniciais: que Marianne parece presa ao relacionamento e que Johan se alimenta bastante disso. Bergman está longe de resumir o relacionamento dos dois como um jogo de mocinho e bandido, isso torna tudo mais interessante ao exibir os detalhes desse relacionamento. Seja com o fato de Marianne já ter sido casada anteriormente e de Johan sempre dizer que ela foi sua primeira mulher, ou então quando os dois precisam lidar com um casal de amigos que lavam a roupa suja diante de seus olhos após um trivial jantar (algo que lembra bastante a abertura de  Maridos e Esposas/ de Woody Allen - que deve ser o filhote mais gritante desse clássico). Concebido inicialmente como uma série de televisão (com seis horas de duração), o filme contempla quase metade. Ainda assim, a câmera do diretor tenta capturar a alma dos personagens encarnada pelos seus atores com bastante sucesso. Cada cena cria olhares, toques e palavras não ditas que dizem muito mais que os diálogos podem supor. Por outro lado, ver um casal se engalfinhando nos sentimentos que sentem um pelo outro pode ser bastante exaustivo. Entre os desentendimentos, a separação, a reaproximação, as traições e dilemas que acontecem em cena, o espectador pode se perguntar o motivo de se submeter a um exercício quase voyeurístico de dissecar a intimidade de um casal. Sozinhos a maior parte do tempo, em cena,  Ullman (maior musa de Bergman) e Josephson conseguem carregar o filme com bastante dignidade em toda a complexidade que o casal comum pode exalar, mérito que torna-se ainda maior quando vemos a mistura de fatos cômicos e às vezes cruéis da vida a dois. Diferente das simbologias psicólógicas elaboradas utilizadas pelo diretor em outros filmes, Cenas de um Casamento é bastante cru em sua narrativa. Separado em capítulos, lento e com diálogos densos, o filme dá a sensação de que estamos atravessando uma tempestade conjugal no mesmo barco que os personagens.

Cenas de um Casamento (Scener ur ett äktenskap/Suécia-1974) de Ingmar Bergman com Liv Ullman, Erland Josephson e Bibi Andersson. ☻☻☻☻

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