Harlem Festival: resgate histórico.
Faz um tempo que tento escrever sobre o documentário Summer of Soul aqui no blog, mas já fiz e refiz o texto tantas vezes que estabelecer um #FimDeSemana dedicado aos recentemente indicados ao Oscar foi uma espécie de motivação para finalmente fazer um registro sobre o filme. Em cartaz no TelecinePlay o filme se revela uma daquelas obras obrigatórias - e isso torna a tarefa de escrever sobre ele um tanto complicada. O que escrevo aqui é quase uma lista de motivos pelos quais o filme precisa ser visto, já que trata-se do resgate de um registro histórico que ficou por muito tempo perdido em arquivos da televisão americana. Em 1969 (mesmo ano do Festival de Woodstock), seis fins de semana seguidos na cidade de Nova York foram marcadas pela realização do Festival Cultural do Harlem, um evento voltado para a população negra e hispânica que tomou conta do parque localizado no bairro. O diretor de televisão Hal Tolchin ficou atento ao Festival e registrou cerca de quarenta horas de material sobre os shows que aconteceram diante de uma multidão, mas que não encontrou interessados para sua exibição (daí o aposto:... or when the Revolution Could not be Televised / Ou quando a Revolução não poderia ser televisionada). Eis que mais de meio século depois, o produtor e músico Questlove resgatou este material e estreia como documentarista (indicado ao Oscar por sua tarefa). Se houvesse somente o resgate dos shows de Nina Simone, Stevie Wonder, Sly and The Family Stone, BB King e uma mistura irresistível de soul, gospel, jazz, sonoridades latinas e blues, o filme já mereceria uma visita. No entanto, o grande achado de Summer of Soul é saber construir uma narrativa para contextualizar o período em que aqueles shows aconteceram e, com isso, ampliar a importância do que se assiste. Em 1969, além de Woodstock o homem havia chegado à Lua, Martin Luther King havia sido assassinado, Malcolm X era uma figura influente, os Panteras Negras estavam ativos e a música estava derrubando fronteiras em sua mistura com política e psicodelia. Existem momentos conhecidos como o discurso incendiário (e polêmico) de Nina Simone, além de outros emocionados quando o falecimento de King é abordado. O filme consegue apresentar aqueles artistas e personagens que gravitavam em torno do evento (de seu idealizador até o prefeito de Nova York naquele tempo), além de realizar entrevistas com pessoas que estiveram presentes naqueles dias (sejam artistas ou espectadores) num verdadeiro resgate da memória para além das filmagens restauradas. Misturando música, política, moda, cultura, engajamento e muito mais, o filme consegue contextualizar toda a importância do evento e ainda deixar claro o motivo de seu esquecimento por tanto tempo ao longo da história. Conforme o filme avança, ele constrói uma experiência imersiva que causa a sensação de uma viagem no tempo. O filme desponta como um dos favoritos ao Oscar de documentário deste ano (praticamente empatado com o elogiado Flee) e, mesmo que não leve a estatueta para casa, seu valor histórico é inestimável.
Summer of Soul (Summer of Soul: ...or when the Revolution Could not be Televised /EUA -2021) de Questlove com Mahalia Jackson, Stevie Wonder, Gladys Knight, Nina Simone, David Ruffin, Marilyn McCoo e Mavis Staples. ☻☻☻☻☻
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