Fassbender, Lupita e Chiwetel: a coisificação do homem.
Para nós brasileiros é difícil captar a importância de 12 Anos de Escravidão para a cinematografia americana, afinal, produzimos até novelas das seis sobre o tema. Nos EUA a abordagem da escravidão é coisa rara, podíamos perceber isso quando os críticos tentavam lembrar de outros longas para servir de parâmetro e a grande maioria lembrava das polêmicas de Manderlay (2005) e do satírico Django Livre (2012), além da cultuada série Raízes (1977). 12 Anos de Escravidão é o filme que faltava para abordar o tema no cinema hollywoodiano recente, principalmente porque o diretor inglês Steve McQueen não tem pudores em criar cenas cruéis para evidenciar como um homem pode coisificar o outro. O mais incrível é que ainda que a violência exposta do filme possa ser insuportável demais para os olhos assistirem, ela é apenas uma amostra minúscula do que a escravidão causou na história da humanidade. A partir da história de Solomon Northup, escravo liberto que foi sequestrado e vendido como escravo, Steve McQueen conta uma dolorosa história sobre a coisificação do homem. Transformado em propriedade, Solomon irá comer o pão que o diabo amassou e presenciar atrocidades por todo o seu caminho. Solomon é bastante culto, sabe ler, escrever, tocar violino, mas aprendeu que diante da vida a que estava subjugado, sabia que seus conhecimentos colocariam sua vida em risco. Vivido pelo inglês (filho de nigerianos) Chiwetel Ejiofor (que sempre foi ótimo, mas nunca recebeu o devido reconhecimento), Solomon é quem guia nossa jornada por uma parte da história americana que preferem que seja esquecida. Enganado e surrado logo no início do filme, Solomon é levado para longe de sua família e vive os primeiros anos nas propriedades dos Sr. Ford (Benedict Cumberbatch), que parece ser um bom homem, mas limitado pela percepção de seu tempo - o que impede que ajude Northup a sair daquela situação. Libertá-lo seria gerar prejuízo financeiro... por esse motivo prefere mandá-lo para a posse de Edwin Epps (Michael Fassbender, ator assinatura do diretor), um agricultor de algodão que não se contenta em ser vilão enquanto tenta lidar com suas contradições. É na fazenda de Epps que o filme torna-se mais rico, por acrescentar dois personagens fortes na narrativa. Fassbender (caprichando no sotaque sulista) se banha na crueldade de um homem que vê-se na encruzilhada de ser apaixonado por uma escrava, Patsey (Lupita N'Yongo, que nem precisa de muitas falas para provar que é um verdadeiro achado) enquanto é casado com uma branca. É evidente o efeito nocivo que esse desejo provoca em seus discurso de superioridade assegurada por Deus (acho que não é por acaso que escolheram o ator alemão para o papel), levando a crises violentas de ciúme (motivadas por um fazendeiro local que casou com uma negra amiga de Patsey) e uma eterna desconfiança de quem chega perto dela. Não bastasse ter que se deitar com o seu malfeitor, Patsey ainda come o pão que o escravocrata pisou nas mãos da Srª Epps (Sarah Paulson), de forma que a a escrava vê a morte como sua única chance de liberdade. Esse triângulo amoroso explosivo se desenvolve enquanto Solomon tenta conseguir ajuda para voltar a ter sua liberdade (vale lembrar que esse detalhe só ressalta o quanto todo negro era livre antes de ser escravizado, sacaram?). Como já vimos várias história do gênero, a novidade fica por conta da ausência de pudores do diretor ao filmar as longas cenas de violência com uma veracidade absurda - com destaque para a trilha sonora modernosa que faz toda a diferença na criação da atmosfera agressiva do filme. 12 Anos de Escravidão ao resgatar um livro lançado em 1853 (e que nunca recebeu a devida atenção pelo seu valor histórico na Terra do Tio Sam) e mais importante do que os três Oscars que recebeu (Filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante para Lupita e outras seis indicações) é o fato do DVD e do livro receberem distribuição nas escolas e bibliotecas americanas no primeiro semestre desse ano.
12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave/EUA-Reino Unido/2013) de Steve McQueen com Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Benedict Cumberbatch, Sarah Paulson, Lupita N'Yongo, Michael Kenneth Williams, Brad Pitt e Scoot McNairy. ☻☻☻☻
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