Faz algum tempo que o cinema de Kelly Reichardt chama a atenção da crítica. Embora esteja longe de ser unanimidades filmes como O Atalho/2010, Movimentos Noturnos/2013 e Certas Mulheres/2016 deixavam claro que o cinema de Kelly tem força e algo a dizer em seus longos silêncios. É verdade que ela possui um estilo um tanto seco, sem firulas e pouca (ou nenhuma) concessão à plateia. Não fosse o estranho ano de 2020, talvez seu sétimo longa, First Cow houvesse caído nas graças do público, tanto quanto a crítica caiu de amores por ele. O filme começa com a descoberta de duas ossadas encontradas nos dias atuais para logo depois voltar no tempo, mais precisamente para Oregon o ano de 1820 quando o padeiro Otis Figowitz (John Magaro) viaja com um grupo de caçadores e encontra Ling-Lu (Orion Lee) no caminho. Sem roupas e desprotegido, Lu recebe a ajuda de Otis e nasce dali uma amizade genuína e verdadeira pautada pela confiança. Lu convida o amigo para morar em sua casa e juntos constroem uma rotina dentro da narrativa lenta sobre o cotidiano dos dois. O ritmo desta parte faz o filme demorar para engrenar (e a cineastas curte mesmo uma narrativa mais vagarosa), mas logo depois a situação muda quando um rico inglês (Toby Jones) chega para morar naquela localidade e traz com ele uma vaca, a primeira daquele lugar esquecido. O animal chama a atenção do padeiro, que passa a imaginar os biscoitos que poderia fazer com o leite produzido e não demora para que ele e seu amigo passem a ordenhar a vaca clandestinamente todas as noites e vender o tal biscoito para os moradores locais. O produto faz sucesso e chama atenção até do tal fazendeiro, deixando os dois cada vez mais preocupados com o risco que continuam assumindo todas as noites em nome do dinheiro que conseguem ganhar com as vendas. Da situação nasce então um contraste interessante, seja da tranquilidade local com a ameaça de que algo terrível poderá acontecer aos dois ou as diferenças entre quem tem dinheiro e quem não tem. First Cow é baseado no livro A Half Life de Jonathan Raymond que assina o roteiro ao lado da diretora, que alcança aqui o seu trabalho mais envolvente, principalmente por nos fazer importar com a dupla de amigos magistralmente interpretada por John Magaro (de quem sou fã desde que o vi na série Orange is the New Black) e Orion Lee (que eu não conhecia, mas agora ficarei atento aos seus trabalhos futuros). First Cow é uma história simples e linear, com enquadramentos elegantes e que se enriquece pelos detalhes gradativamente. Existe uma forte campanha para que o filme apareça no Oscar que vem por aí, mas talvez seja alternativo demais para os votantes da academia (mas dizem que tem chances de ser indicado pelo roteiro adaptado e seria merecido). First Cow concorreu ao prêmio de melhor filme no Festival de Berlim no ano passado, foi indicado à três categorias do Independent Spirit (direção, melhor filme e ator coadjuvante para Orion Lee), cinco prêmios Gotham (Melhor filme, direção, ator/John Magaro, roteiro e ator revelação/Lee) e aparece em várias listas de críticos de melhores lançamentos do ano passado. Se antes eu sentia certa frieza nos filmes da diretora, aqui sinto um tom caloroso na condução da trama, que fez muito bem à sua cinematografia. First Cow é um daqueles tesouros escondidos que merece ser encontrado.
First Cow (EUA-2020) de Kelly Reichardt com John Magaro, Orion Lee, Toby Jones, Ewen Bremner, Manuel Rodriguez, Ryan Findley, Jared Kasowski e Evie. ☻☻☻☻
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