domingo, 28 de março de 2021

FILMED+: Jamais Nevará Novamente

 
Alec: poderes especiais.

Nas primeiras cenas do filme, Zhenia (Alec Utgoff) caminha próximo de luzes que piscam enquanto ele caminha. O que poderia ser apenas um detalhe revela bem mais sobre o personagem do que imaginamos, mas só percebemos isso depois, em uma entrevista em que ele revela ter nascido na Ucrânia, em uma cidade perto de Chernobyl. Ele tinha apenas sete anos quando o trágico acidente nuclear ocorreu. Logo aparece o comentário de que ele pode ser radioativo. E pode mesmo. Trabalhando como massagista, todos os seus clientes relatam a experiência maravilhosa que é deixar-se levar pelas sensações que Zhenia é capaz de proporcionar, não apenas pelas massagens, mas também pelas conversas, sessões de hipnose e outras habilidades que o misterioso rapaz revela ao chegar em um condomínio de luxo em Varsóvia. Se por um lado o filme se desenvolve através das interações do protagonista com aqueles moradores e seus problemas, por outro lado a diretora Malgorzata Szumowska alimenta gradativamente a curiosidade do espectador em torno de seu personagem. Flertando com os filmes de super-heróis, ela constrói um filme de origem com cadência tão vagarosa quanto envolvente, que tem a sorte de contar com Alec Utgoff no alto dos créditos. Nascido na Ucrânia e naturalizado britânico, Alec faz um trabalho bastante excepcional num papel complicado que oscila entre a comédia refinada e o drama introspectivo, mas sem perder as camadas sedutoras que seu personagem é capaz de emanar. Assim, o ator e a diretora constroem uma verdadeira aura magnética em torno do massagista - e a torna tão palpável para os personagens do filme quanto para a plateia. Pode se dizer que Utgoff já ensaiou isso antes quando interpretou o adorável russo Alexei na terceira temporada de Stranger Things) e bem que o ator merecia aparecer mais vezes no cinema. O roteiro investe muito na fantasia para instigar o espectador a respeito da origem de Zhenia e seus poderes, seja com diálogos melancólicos ou cenas de flashback, mas sem perder de vista um tom de mistério. Existem também aquelas cenas estilizadas muito bem trabalhadas na espécie de transe em que os personagens mergulham perante os poderes do rapaz. Sem perder de vista o ponto de partida de um forasteiro que muda a vida de todos somada à metáforas políticas e sociais (inclusive sobre imigração na Europa), Jamais Nevará Novamente termina mantendo o mistério acerca de Zhenia e rende um dos desfechos mais poéticos do cinema recente. Quem curte filmes do Leste Europeu perceberá que a diretora segue um caminho completamente oposto da abordagem do húngaro Kornél Mundruczó em Lua de Júpiter/2017 (que também apresentava um imigrante com poderes especiais e suas consequências) além de fazer uma citação ao cultuado Stalker/1979 de Tarkovski. No entanto, mesmo com tantos predicados, o filme perdeu o Leão de Ouro do Festival de Veneza (para Nomadland) e também ficou de fora ao Oscar de Filme Estrangeiro em que representava a Polônia, mas ainda assim é um dos filmes mais inventivos que assisti recentemente.  

Jamais Nevará Novamente (Sniegu juz nigde bie bedgie / Polônia - Alemanha / 2020) de Malgorzata Szumowska com Alec Utgoff, Maja Ostaszewska, Agata Kulesza, Katarzyna Figura, Lukasz Simlat e Andrzej Chyra e Weronika Rosati. ☻☻☻☻

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