sábado, 8 de junho de 2024

CICLO DIVERSIDADESXL: Querelle

Brad Davis e seus colegas de elenco: coleção de fetiches. 

Ver filmes apontados como referências de determinado gênero é sempre uma experiência complicada. Afinal, você precisa lidar com as expectativas de tudo que ouviu falar sobre ele através de vários anos, talvez décadas. Disponibilizado recentemente na MUBI, Querelle é um daqueles filmes sempre apontados como um marco referencial de uma estética cinematográfica queer. Obviamente que existe aqui um diferencial de peso, afinal, não se trata de uma obra feita por um diretor novato que ainda buscava encontrar seu público, mas um diretor consagrado. O alemão Rainer Werner Fassbinder se tornou um dos grandes nomes do cinema alemão e acabava de concluir sua trilogia sobre o período mais sombrio da história da Alemanha quando se aventurou pelo universo de Jean Genet (1910-1986). O livro Querelle de Brest foi publicado em 1947 e trazia a marca da homossexualidade das obras do escritor. Fassbinder já era famoso por se envolver com seus atores e atrizes, tendo começado a construir uma estética queer com  As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant /1972 (que recentemente recebeu uma versão chamada Peter Von Kant/2022 de François Ozon, outro diretor de marca queer bastante evidente). Dez anos após voltar sua lente pessimista sobre a atração entre duas mulheres, o diretor volta-se agora para homens atraídos por outros homens. Querelle (Brad Davis) é um marinheiro francês que é cercado de homens que o desejam. Ele chega no porto de Brest e reencontra o irmão (Hanno Pöschl), que agora vive em um bordel com sua amante cafetina, Lysiane (Jeane Moreau). Não espere uma trama de romances, o filme utiliza o que tem em mãos para contar uma série de relações de poder, violência e abuso entre os personagens que gravitam em torno do protagonista. Existe uma sensação de desejos e amores sufocados prestes a explodir em sua relação com as ações dos personagens e os diálogos crus e agressivos. Basta ver a cena do reencontro entre os dois irmãos, em que o abraço se intercala com socos abaixo da costela. Não espere sutilezas. As frases estão lá para serem cortantes e, vistas hoje, podem provocar risos, mas na época geraram bastante polêmica pela naturalidade como abordava sua temática sexual. A estética de Querelle é por sua vez bastante onírica, marcada por um tempo indefinido, anacrônico, com o por do sol permanente em oposição aos momentos noturnos. Existe uma atmosfera de sonho e fantasia com muita inspiração nos cenários e movimentações teatrais sobre um palco. Ali se misturam vários elementos que podemos identificar hoje como fetiches, os corpos suados, couro, policiais, marinheiros, homens brutos que mais parecem disfarces para os desejos que devem sempre ser contidos ou vivenciados em tom de indiferença. Esse processo de construção da narrativa me soa bem mais interessante do que a trama em si, que em determinado momento cede espaço para uma investigação policial. Acho que a intenção de Fassbinder era essa mesmo. Querelle se tornou o último filme do diretor - e também foi o mais controverso de sua carreira, muito por conta do conteúdo sexual sem disfarces. Há quem aponte que seria um marco da nova fase da carreira do cineasta, sua carreira pontuada por filmes tão alegóricos quanto secos chegou ao fim por conta de uma overdose em junho de 1982, três meses antes do lançamento de Querelle.

Querelle (Alemanha Ocidental / França - 1982) de Rainer Werner Fassbinder com Brad Davis, Franco Nero, Janne Moureau, Laurent Male, Günther Kauffman, Roger Fritz, Burkhard Driest e Dieter Schidor. 

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