Khalil e Ménochet: clássico repaginado.
As Lágrimas Amargas de Petra von Kant é um texto clássico de Rainer Werner Fassbinder que o próprio adaptou para o cinema em 1972, contando a história da personagem do título (vivida nas telas por Margit Carstensen), uma estilista de prestígio que vive acompanhada pela assistente, a amplamente explorada Marlene (Irm Hermann). Petra tem como amiga mais próxima a prima Sidonie (Katrin Schaake), que a apresenta à jovem Karim (Hanna Schygulla), jovem com a qual a experiente Petra irá viver uma intensa paixão. O filme é um dos mais celebrados do diretor ao contar uma narrativa habitada somente por mulheres que utilizam a casa de Petra como único cenário nos cinco atos que compõem a história. Se o filme se tornou um clássico, a peça recebeu várias montagens ao redor do mundo, inclusive no Brasil (tendo o papel principal representado por nomes como Fernanda Montenegro e Renata Sorrah). Reza a lenda que a peça é baseada no relacionamento do próprio Fassbinder com seu amante (Günther Kaufmann) e o dedicado assistente pessoal (Peer Raben), sendo assim, nada mais justo que com o passar do tempo, um diretor resolvesse devolver os personagens ao sexo original. Aqui Peter von Kant (Denis Ménochet) é um cineasta famoso que acaba de ficar sem o amor de sua vida, mas conhece o jovem Amir Ben Salem (Khalil Ben Gharbia) graças à amiga Sidonie (Isabele Adjani). A atração pelo jovem é imediata e não demora muito para que Peter lhe ofereça abrigo, dinheiro e a oportunidade que o rapaz tanto deseja de ser famoso. Se a ralação entre os dois é tórrida no início, logo ela demonstra as outras faces dos envolvidos. O mocinho demonstra ser cada vez mais oportunista e Peter deixa seu ego transbordar em diálogos cada vez mais árduos perante quem está por perto, o que revela estar à beira do surto. As alterações de Ozon oferecem um fôlego mais moderno à história e também tornam o texto menos pesaroso em sua transposição para a tela. A dramaticidade por aqui é puro exagero melodramático, o que por vezes remete até ao tom cômico dos filmes iniciais de Almodóvar. Tudo poderia sair dos trilhos não fosse o talentoso Denis Ménochet incorporando um sugar daddy cheio de desejo e inseguranças. Ménochet comprova aqui que é um ator interessantíssimo, como pudemos ver em sua pequena participação como o pai de Shoshana em Bastardos Inglórios (2009) ou como o ex-marido de Custódia (2017). As nuances que o ator emprega ao seu von Kant são tão humanas quanto mundanas e convence o espectador no malabarismo de suas emoções até o final. Ozon também acerta ao trazer uma cintilante Isabelle Adjani um papel que brinca com a carreira da própria atriz enquanto evoca Elizabeth Taylor, assim como homenageia o elenco original do filme clássico de Fassbinder ao colocar Hanna Schygulla numa participação especial. Pena que o novato Khalil Ben Gharbia não tenha a desenvoltura suficiente para não ser soterrado por Menóchet em cada cena em que aparece. O moço se esforça, mas não consegue ser mais do que um corpo em cena, basta ver o que o silencioso Stefan Crepon faz no papel do assistente sem dizer uma palavra em cena (não por acaso, foi indicado ao César de ator coadjuvante pelo trabalho assim como Ménochet concorreu a melhor ator). François Ozon permanece sendo um dos nomes mais badalados do cinema francês mantendo o ritmo de lançar um filme por ano, basta lembrar que ele corta quase meia hora do material original nesta sua versão, o que talvez deixe as lágrimas um tanto menos amargas para o espectador. Embora meu filme favorito do diretor permaneça sendo Sob a Areia (2000), mas Peter von Kant chega muito perto do meu segundo favorito, Gotas D'água em Pedras Escaldantes (2000), que traz alguns elementos novamente trabalhados aqui.
Peter von Kant (França - Bélgica / 2022) de François Ozon com Denis Ménochet, Khalil Ben Gharbia, Izabelle Adjani, Stefan Crepon, Hanna Schygulla e Auminthe Audiard. ☻☻☻☻
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