Daniel e Paul: mais que a amizade entre dois náufragos.
Estamos no período do ano em que todo mundo só fala de Oscar, assim como existem os filmes reconhecidos pela Academia - que chegam por aqui nos primeiros meses do ano - existe outra premiação que também merece atenção por dar conta de um tipo de filme bastante específico. O Independent Spirit Awards acontece sempre na véspera do Oscar, mas divulga seus indicados com bastante antecedência - os da premiações deste ano foram divulgados no dia 22 de dezembro e podem ser vistos aqui. O prêmio existe desde 1984 e sempre destaca filmes de orçamento considerado baixo e de vez em quando os caminhos se cruzam com o da maior premiação do cinema americano (basta lembrar que ano passado Spotlight ganhou tanto o ISA quanto o Oscar, assim como Brie Larson levou para casa o prêmio de melhor atriz nas duas ocasiões também). Desde que foi fundado muita coisa mudou e uma delas é que o Netflix tem alguns concorrentes deste ano em seu acervo (vale procurar Other People, American Honey...), geralmente filmes que não conseguiram espaço em nossas salas de cinema geralmente por serem considerados estranhos demais para o nosso gosto. Esse deve ter sido o caso deste Um Cadáver para Sobreviver que foi lembrado no ISA nas categorias de Melhor Edição e Melhor Filme de Estreia. Estrelado por Paul Dano e Daniel Radcliffe o filme conta uma história de amizade improvável entre um homem perdido numa ilha, Hank (Dano), que ao quase se suicidar percebe que existe um cadáver, Manny (Radfcliffe), por perto e... acaba se tornando amigo daquele corpo sem vida. O roteiro assinado pelos diretores Dan Kwan e Daniel Scheinert tem muitos toques de surrealismo que vão para além das habilidades que o cadáver possui (apresentada no filme sem medo de parecer nojento ou idiota) - e não vou citar aqui para não estragar a experiência. Aos poucos o filme começa a aprofundar a relação entre os dois amigos, revelando cada vez mais sobre a personalidade de Hank. Um Cadáver para Sobreviver revela-se um filme bastante agridoce, por abordar amizade sob o prisma da solidão e até da loucura. Existem momentos extremamente ternos (como a cena em que Hank tenta fazer Manny lembrar-se da vida reconstruindo cenários e personagens com o que possuem por perto) e outros que poderiam ter funcionado melhor (as cenas da "bússola fálica" de Manny, por exemplo). Sem limites para contar sua história, o filme ousa e às vezes perde o tom. O mais curioso é que os mais sensíveis vão perceber conotações de necrofilia e até de pedofilia (por conta de uma piadinha desnecessária) durante a história, mas o que fica realmente evidente são as conotações homoeróticas da relação entre os dois personagens do filme. Das cenas em que aparece o traseiro ou ereções vestidas de Daniel Radcliffe (sempre disposto a fazer algo bizarro em sua vida pós-Harry Potter) às cenas em que Hank se veste de mulher, existe várias camadas ali que podem ser exploradas e tornar o filme mais instigante. Um Cadáver para Sobreviver não é um filme perfeito - e não pretende ser - mas pode ser bastante original ao contar a história de um náufrago que não conversa com uma bola chamada Wilson, mas com um homem morto que pode ser o grande amor de sua vida (justamente por projetar o que ele deseja).
Um Cadáver para Sobreviver (Swiss Army Man / EUA - 2016) de Dan Kwan e Daniel Scheinert com Paul Dano, Daniel Radcliffe e Mary Elizabeth Winstead. ☻☻☻
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