Ava (de costas) e a militante Angela Davis: como alimentar o preconceito.
Ano passado o Oscar gerou uma polêmica danada ao não render indicações a nenhum ator negro. As reclamações ficaram ainda mais intensas ao lembrarem que no ano anterior acontecera exatamente a mesma coisa. Se ano passado era Idris Elba que estava no centro da discussão por sua espetacular performance em Beasts of No Nation (2015) que ficou de fora do Oscar, anteriormente era Ava Duvernay que frustrou todas as apostas de que seria indicada ao prêmio de direção pelo arrebatador Selma (2014), mas tanto ela quanto o elenco ficou de fora perante os votos da Academia. É verdade que além de negra, Ava é mulher e o peso desses dois fatores não podem ser desprezados (principalmente se lembrarmos que em toda história do Oscar somente duas diretoras americanas foram indicadas ao prêmio de direção até hoje, Ava seria a primeira negra da lista). Duvernay poderia ter alimentado polêmicas, debates e tudo mais, mas a diretora sabia que a melhor forma de ser reconhecida era trabalhando. Embora tenha sido cotada para dirigir a aventura do super-herói Pantera Negra para a Marvel, Ava acabou recusando o trabalho e investindo o seu tempo num documentário que deu o que falar, lhe rendendo uma indicação ao Oscar na categoria de melhor documentário. A 13ª Emenda pode ser visto no Netflix e faz um levantamento assustador sobre como as políticas governamentais colaboraram para aumentar o preconceito nos Estados Unidos. Para isso, ela parte da emenda que acabou com a escravidão na Terra do Tio Sam, mas que parece nunca ter sido bem digerida pelos governantes que se seguiram. A partir de estatísticas sobre a população carcerária dos EUA (assustadores 25% da população carcerária do mundo, ou seja, um em cada presidiário é americano!), o filme traça um perfil de como o imaginário popular foi conduzido para pensar que os afro-americanos são ameaças. Nesse processo nem mesmo o cinema sai ileso, afinal, em vários momentos o documentário cita como O Nascimento de Uma Nação (1915) de D.W. Griffith como exemplo dos estereótipos que até hoje permanecem vivos no imaginário estadounidense. Afinal, dá para você imaginar um filme onde atores brancos se pintam de negros para violentar mulheres brancas? Ou que a Ku Kux Klan é mostrada como verdadeira salvadora da pátria? Entre discursos históricos, entrevistas e medidas governamentais o que o filme apresenta é a continuidade de políticas legislativas para colocar o maior número de negros atrás das grades. É verdade que o filme esbarra num tema delicado, ao associar a "guerra contra as drogas" como uma medida voltada para excluir afro-americanos do convívio social, mas assusta ainda mais os mecanismos que começam a existir em volta da temática. Seja um grupo de consultores legislativos que opera em função do interesse de grandes corporações (que vendem armas entre outras coisas), o aumento do discurso de ódio e até as instituições que lucram com a iniciativa de penitenciárias privadas (e onde o número de presos gera mais lucro). Ava Duvernay contrói uma narrativa perturbadora e que faz pensar, sem perder de vista como a cultura pop se encaixa nesse universo (ótima ideia utilizar músicas conhecidas - e outras nem tanto - para ilustrar as transições entre as décadas e seus governantes) e como um país que se considera tão democrático pode ser tão truncado com questões de sua própria história social. Mesmo que você discorde dos argumentos do filme, A 13ª Emenda faz pensar e repensar em vários discursos que vemos aparecendo cada vez mais no Brasil e não me admiro se em breve tivermos um Trump para chamar de nosso. Como diria a ovelha de Zootopia/2016: O medo sempre funciona!
A 13ª Emenda (13th / EUA-2016) de Ava Duvernay com Cory Booker, Angela Davis e Craig DeRoche. ☻☻☻☻
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