Clímax: da perfeição ao caos social.
Talvez seja estúpido considerar que Gaspar Noé mais um provocador do que um cineasta. Longe de mim querer diminuir o talento do moço, mas faz algum tempo que seus filmes parecem mais preocupados em gerar polêmica do que fazer qualquer outra coisa. Sua obra-prima talvez seja mesmo Irreversível (2002) - que acaba de voltar aos cinemas europeus em versão convencional (e não mais de frente para trás como o original). De lá para cá, o cinema de Noé apresentou cada vez mais forma do que substância (basta ver Love/2015 com cenas de sexo explícito em 3D estragados por um roteiro preguiçoso). Sorte que Noé sabe filmar de forma elaborada, adora planos sequência, ângulos estranhos, uso de cores berrantes e motivar improvisos de seus atores, o problema é quando nada disso funciona para disfarçar uma história capenga. Depois de tantos tropeços, quando Clímax foi exibido em Cannes no ano passado ninguém esperava muita coisa. A sinopse era bastante vaga e nem o diretor falava muito sobre qual era sua ideia para o filme. Quando o filme terminou de ser exibido, não foram poucos que o classificaram como uma das produções mais interessantes o Festival (levou para casa o prêmio da Quinzena dos Realizadores) e se firmou como um dos filmes mais coerentes do cineasta. A ideia é: um grupo de alunos de dança se abrigam dentro da escola durante uma forte nevasca e aos poucos começa a se desentender. Parece simples, mas não é. Noé (sem trocadilho por favor) utiliza este ponto de partida para criar mais um pesadelo visual. Uma bad trip caótica regada a um ponche misturado com drogas que ninguém sabe quem colocou por lá. Embora o filme traga pontos recorrentes na obra do cineasta (a juventude hedonista, a violência, o fracasso das relações sociais... sim, ele é pessimista mesmo), ele capricha na narrativa. Começa com o que parecem fitas de entrevistas dos bailarinos (deixando que eles se definam numa apresentação bastante espontânea), as cenas são emolduradas por livros e filmes que parecem ter servido de inspiração para o diretor (destaque para o clássico Suspiria, que mistura dança e terror como este aqui). Depois, uma enorme e brilhosa bandeira francesa aparece ao fundo da pista de dança enquanto o filme afirma ter orgulho de ser francês. Começa então os dez minutos de dança mais empolgantes que assisti nos últimos anos. O entrosamento, a sincronia, a desenvoltura, faz o número ser perfeito e dá a entender que aqueles alunos estão totalmente preparados para o espetáculo para o qual ensaiaram tanto. Depois, Noé destrói este entrosamento vagarosamente com as conversas paralelas que começam a existir. Apresenta outro número de dança, filmado de cima, como se aqueles personagens fossem observados por um microscópio, só que agora os passos são agressivos, as marcações parecem lutas e uma suspeita faz com que aquelas relações desabem com violência, preconceitos, incesto, mortes, mutilações como se aquele entrosamento fascinante na pista nunca houvesse existido. Noé acompanha esta desconstrução com o distanciamento de sempre, brinca com a câmera que gira em torno de seus dançarinos enjaulados com frases que parecem saídas do Facebook. Tenso. Desagradável. Irritante. Insuportável em alguns momentos, Clímax é uma alegoria social que o fez ser foi considerado o filme mais político do diretor (não foi por acaso).
Clímax (França / Bélgica - 2018) de Gaspar Noé com Sofia Boutella, Romain Guillermic, Souheila Yacoub, Kiddy Smile, Alaia Alsafir, Giselle Palmer e Lea Vlamos. ☻☻☻
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