Cassel e Bellucci: presos no pesadelo de Gaspar Noé.
É possível alguém ter prazer ao assisitir um filme que beira o insuportável? Não que ele seja mal feito, tem ideias, estilo, cenas mais românticas do que a maioria dos filmes que aparecem nos cinemas... o problema está no desespero e na angústia sufocante que o filme em questão apresenta. Se existe algum prazer em assistir Irreversível ele deve brotar exatamente deste ponto, a habilidade de seu diretor, o argentino Gaspar Noé, tratar sua plateia como se estivesse numa montanha russa de sensações desagradáveis. Manipular a imagem de tal forma que beire a agressão. A violência sem glamour é desagradável como ela sempre deveria ser, mas precisa doer, doer nos olhos, no estômago e no cérebro como se fossem acertados por uma bigorna caída de uns dez metros de altura. A violência não é divertida, não é prazerosa, não é algo digno de culto ou de ser naturalizada. Irreversível nos lembra tudo isso e esta é a intenção de seu diretor quer provocar em nós: violar, destruir tudo que a há de bom e de expectativas sobre o futuro idílico anunciado aos seus personagens. Quando foi exibido em Cannes teve gente que desmaiou na exibição desta obra-prima da resistência. Devo admitir que quem se aventura por este longa precisa ter nervos de aço, ou pelo menos, algo bem próximo disso. Contado em sentido inverso (até os créditos finais são no início) o filme segue a trajetória de Marcus (um demolidor Vincent Cassel) e Alex (a sempre escultural Monica Bellucci) às voltas com um crime hediondo nos subterrâneos de Paris. Alex foi estuprada numa passagem subterrânea após uma festa e Marcus se vinga caçando o seu agressor. Não vale a pena contar os detalhes, mas os truques utilizados por Noé em sua narrativa são mais do que eficiente. Dos velhotes falando sobre sexo, passando pela prisão de Marcus, retrocedendo à caça pelo agressor numa boate sadomasoquista, à discussão entre o casal, o estupro, à ida para a festa, a intimidade na noite anterior, detalhes, surpresas... que só aumentam o nível da tragédia que vimos no início da sessão. Não importa o quão romântico, bem fotografado ou esperançoso seja os rumos dos acontecimentos que precederam, nada é capaz de diminuir o nó que fica em nossa garganta diante do que vimos. Nessa jornada ao inferno (até os tons da fotografia reforçam isso em vermelho e negro), Noé salpica especulações sobre sonhos, sexo e a passagem do tempo capaz de destruir tudo. Há quem diga que o filme segue a estrutura do inferno, passando pelo purgatório até chegar ao céu. Mas pensar assim é quase admitir que o paraíso não existe - já que é corroído pouco a pouco por ações de barbárie. Noé chegou a dizer que não acredita que o homem é civilizado, pelo contrário, considera que o homem é um selvagem que finge ser civilizado, mas quando provocado volta a ser o mesmo bárbaro de outros tempos. Mesmo pessimista, o filme cai como uma luva nesta teoria e sua montagem invertida, com câmera trêmula e planos sequênciais, é brilhantemente acompanhada pelas atuações de Cassel, Bellucci (casados na vida real) e Albert Dupontel. Ainda que devastadoramente insuportável o filme merece ser visto pela experiência única que proporciona a quem se aventura nesta montanha russa cinematográfica.
Irreversível (Irreversible/França - 2002) de Gaspar Noé, com Vincent Cassel, Monica Bellucci e Albert Dupontel. ☻☻☻☻
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