Jeffrey: recusando arquétipos. |
Tenho uma impressão estranha de que American Fiction sairá de mãos abanando do Oscar desse ano, mas de vez em quando ela vai embora quando imagino que seu roteiro adaptado pode surpreender. O filme acaba de estrear discretamente no Prime Video mesmo no páreo de cinco categorias da maior premiação do cinema americano: melhor filme, direção, ator (Jeffrey Wright), ator coadjuvante (Sterling K. Brown), roteiro adaptado e trilha sonora original. A carreira do filme começou super bem quando foi eleito o melhor filme do Festival de Toronto (que ultimamente costuma cravar seu premiado na categoria principal do Oscar) com uma trama amparada em sua provocação bem humorada. O filme conta a história de Thelonious Ellison (Jeffrey Wright), acadêmico e autor de vários livros que nunca receberam o devido reconhecimento. Sem fazer muito sucesso, ele encontra cada vez mais dificuldades para publicar seus escritos, seu próprio agente (John Ortiz) considera que o fato dele ser um autor negro que não escreve "literatura negra" configura um problema para seu status. Mas o que seria "literatura negra"? O rótulo por si só é preocupante e só piora quando vemos que o tal estilo é marcado por tramas com personagens afro-americanos marcados por crimes, drogas, prisões, pobreza, violência, problemas com polícia e morte. Embora saiba que essa realidade existe, Thelonious considera que existe muito sensacionalismo em torno dessas histórias que geram muito dinheiro e uma grande preocupação em torno de como representam a identidade de pessoas negras no mundo o entretenimento. Sendo assim, Monk, o apelido do escritor (afinal, ninguém carrega o nome Thelonious impunemente) tenta remar contra a maré, mas, diante de toda sua insatisfação, resolve escrever um livro com tudo que ele mais detesta nesse tipo história e entrega ao seu agente. Surpreendentemente (ao menos para ele) o texto faz o maior sucesso com as editoras que começam a querer publicá-lo. Monk odeia a ideia, mas uma série de problemas financeiros motivados pela família começam a fazê-lo repensar na proposta. O livro acaba motivando uma grande farsa enquanto o escritor precisa se reconectar com sua família e aceitar a oportunidade de ter uma relação amorosa com uma vizinha de sua mãe, Coraline (Erika Alexander). A trama farsesca do livro ocorre paralelamente aos dramas familiares do personagem, que sempre foi cobrado pela irmã (Tracee Ellis Ross) a ajudar a cuidar da mãe (Leslie Ugamms), já que o outro irmão, Clifford (Sterling K. Brown) vive longe e em uma nova fase após o fim do casamento. Essa mistura gera uma comédia dramática gostosa de assistir, com boas atuações em um roteiro que flui naturalmente e encontra nas mãos do diretor/roteirista Cord Jefferson o amparo perfeito para funcionar em suas alfinetadas mais incisivas. Existem alguns diálogos brilhantes durante o filme e não existe pudor em apresentar situações que colocam Monk em um beco sem saída (como por exemplo a conversa com a escritora de sucesso vivida por Issa Rae). Sendo divertido ao fazer pensar sobre o universo da "lacração cultural", Ficção Americana é a prova que ainda existem novos debates a serem explorados no cinema do Tio Sam. Se o roteiro não for reconhecido no Oscar, ao menos no Independent Spirit, ele foi considerado o melhor de 2023.
Ficção Americana (American Fiction/EUA -2023) de Cord Jefferson com Jeffrey Wright, Erika Alexander, Sterling K. Brown, Tracee Ellis Ross, Leslie Ugamms, Issa Rae, John Ortiz e Adam Brody. ☻☻☻☻
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