domingo, 25 de fevereiro de 2024

Na Tela: Pobres Criaturas

Emma: criatura questionando o mundo.

Há quem critique o diretor Yorgos Lanthimos estar se vendendo ao fazer filmes cada vez mais diferentes dos que vimos no início de sua carreira. Para estes, resta dizer que o diretor descoberto pelo Oscar com Dente Canino/2009 (um dos filmes mais estranhos a serem indicados na história da premiação) fazia filmes na Grécia com orçamento mínimo em tempos da maior crise econômica de seu país. Ao migrar para Hollywood e espantar a mesmice das produções hollywoodianas, obviamente que chamaria atenção de atores renomados e produtores dispostos a ousar fazer algo diferente. Assim vieram O Lagosta (2015), o soturno O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), o premiadíssimo A Favorita (2018) e agora Pobres Criaturas. Há quem considere este último seu melhor filme, bem... não é para tanto. Pobres Criaturas tem um visual impressionante com um trabalho feito com esmero pelo design de produção, figurinos, maquiagem, penteados, efeitos especiais e fotografia que oscila entre o (extremamente) colorido e o mais clássico preto e branco. Com relação à toda estética não há o que reclamar, afinal ela cai como uma luva em uma história que nasce de uma fantasia: uma mulher grávida se suicida e um cientista (Willem Daffoe) resolve ressuscitá-la após trocar o cérebro dela com o do bebê. O experimento insano serve de pretexto para que ele acompanhe o desenvolvimento da criança em um corpo de adulto. Rebatizada de Bella Baxter (e vivida por dedicação absoluta por Emma Stone) ela cresce isolada em um castelo junto com as outras criaturas do cientista chamado deus God (abreviação carinhosa de Godwin) e seu assistente, Max (Ramy Youssef) que mais tarde se tornará o noivo da experiência. Só que Bella quer mais, ao chegar na puberdade e descobrir o prazer sexual, ela deseja conhecer o  mundo e ter novas experiências - obviamente questionando as convenções sociais que não lhe fazem sentido. É nesse contato com o mundo externo à bolha em que foi criada que Bella vive sua desventuras ao lado do canalha Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), que de início se aproveita da sexualidade livre da moça, mas depois começa a se assustar com a total ausência de pudores de sua parceira. Yorgos utiliza essa história para falar muito sobre nossa sexualidade, pudores e hipocrisias com um senso de humor que sempre lhe foi bastante peculiar, mas que aqui não conseguiu me fazer rir - e nem precisava. Acho que considerei a história da protagonista uma tristeza só (e o último ato reforçou ainda mais isso) em sua releitura de Frankenstein. A diferença entre Bella e o monstro clássico de Mary Shelley é que enquanto ele busca por compreensão de um mundo que o rejeita, Bella busca a si mesma. O filme é baseado no livro de Alasdair Gray que foi lançado em 1992 e ganhou roteiro de Tony McNamara que tenta driblar algumas convenções do percurso da personagem (só eu acho clichê que uma mulher liberada sexualmente precisa se prostituir em tramas de época?) com ajuda de diálogos dissonantes e ajuda do visual hipnótico. Pobres Criaturas traz Lanthimos mais uma vez nos fazendo repensar sobre o mundo em que vivemos ao nos transportar para um universo bastante particular, mas embora esteja ali todo seu estilo provocador e ousadia, senti falta de um final mais marcante para Bella Baxter - e vale dizer que ela  tem o primeiro final feliz da carreira do cineasta (e pode ficar mais feliz ainda com Emma Stone levando o Oscar de melhor atriz por sua segunda parceria com o diretor, eles trabalharam juntos em A Favorita e já tem outro filme pronto a ser lançado). O filme concorre ao todo em onze categorias: filme, direção, atriz, ator coadjuvante, roteiro adaptado, figurino, trilha sonora, fotografia, direção de arte, montagem, maquiagem e penteados. 

Pobres Criaturas (Poor Things/ Irlanda - EUA - Reino Unido - Hungria / 2023) de Yorgos Lanthimos com Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Ramy Youssef, Christopher Abbott, Margaret Qualley, Jerrod Carmichael, Suzy Bemba e Hanna Schygulla. ☻☻☻

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