Sam e Isabelle: a separação como um filme de terror. |
Certa vez em uma conversa sobre toda a confusão que foi para Andrzej Zulawski finalizar seu ambicioso O Globo de Prata (1988), um amigo comentou como era ingrato que um diretor de um filme premiado no Festival de Cannes ter que passar por tudo aquilo. O filme premiado em questão era Possessão, que concedeu à Isabelle Adjani o prêmio de melhor atriz em 1981. Aquela foi a primeira vez que ouvi falar do filme de terror dirigido pelo diretor que recebeu status de cult ao longo do tempo. Recentemente começaram a falar de um remake estrelado por Robert Pattinson e as reclamações de que a nova versão ficaria aquém do original começaram a borbulhar. Obviamente que minha curiosidade em torno do filme se tornou incontrolável nas últimas semanas, mas confesso que foi difícil encontrar o filme para assistir e, após encontrá-lo, foi preciso de um preparo especial para encarar uma produção de intensidade impressionante na abordagem de um casamento em crise. Mark (Sam Neill) volta de viagem e percebe que sua mulher não está mais disposta a manter o casamento. Cansada dos longos períodos em que cuida da casa e do filho pequeno sozinha, ela percebeu que deseja algo mais para sua vida. No entanto, o esposo não se conforma e tenta discutir a relação com a mulher, que sequer consegue olhar para ele. A presença dele já parece ser um gatilho para Ana, que está à beira de um surto. Só piora quando Mark imagina que ela possui um amante e o ciúme começa a deixa-lo cada vez mais agressivo. As discussões são constantes e se intensificam com gritos, ofensas, violência física e automutilzação. Zulawski constrói uma atmosfera densa, claustrofóbica e sufocante com a interação entre seus dois atores e o horror daquele relacionamento entre pessoas que parecem realmente possuídas, esse drama de emoções descontroladas já daria conta de fazer do filme um clássico do terror, mas existe algo mais. Sempre com uma estranheza no ar e olhares sinistros de Ana, existem pistas de que não se trata apenas de um relacionamento que chegou no limite. Quando um detetive é contratado para seguir Ana, o roteiro entrega que existe algo realmente de outro mundo afetando a trama. A estupenda Isabelle Adjani está assustadora no filme (e após o prêmio em Cannes recebeu o César de Melhor Atriz) com um domínio físico invejável. A atriz oscila as expressões entre o diabólico e o vulnerável e tem uma das cenas solo mais assustadoras da história do cinema na famosa cena do metrô. Até hoje, sua performance é bastante perturbadora e, se o Oscar não tivesse tanto preconceito com os filmes do gênero, ela teria sido indicada e premiada com sua primeira estatueta. Sam Neill também está ótimo em cena, com pinta de galã com tendência ao surto, ele está bastante convincente como o esposo que tenta entender o que acontece com a esposa enquanto se perde pelo caminho.O filme evita o colocar no papel de marido bonzinho, fazendo com que seus defeitos acentuem ainda mais as causas daquele casamento em frangalhos. Zulawski buscou inspiração nos efeitos de seu próprio divórcio para construir o filme, mas ao invés de lavar a roupa suja, criou uma obra que vai além, abordando a separação em outras esferas. Não por acaso o filme é ambientado na Alemanha ainda separada pelo muro de Berlim e suas neuras, além disso, os próprios personagens aos poucos se separam de si mesmos (ao ponto de gerar enigmáticos "duplos" ao longo da sessão). Com tanta estranheza, o filme não escorrega nem quando apresenta o verdadeiro amante da protagonista, mas erra a mão quando envereda por cenas de ação que não combinam em nada com resto da narrativa.
Possessão (Possession / França - Alemanha Ocidental) de Andrzej Zulawski com Isabelle Adjani, Sam Neill, Heuinz Bennent, Margit Carstensen, Carl Duering e Johanna Hofer. ☻☻☻☻
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