Black Mirror: hipnótica tecnologia.
Quantas séries podem se gabar de tornar-se um adjetivo? Poucas, muito poucas. Entre elas está Black Mirror. Em 2016 eu escutei expressões como "acordar com Donald Trump como presidente dos EUA é como viver um episódio de Black Mirror?" ou "eu tive um ano Black Mirror?". O fato é que a série inglesa teve duas temporadas curtas de três episódios (em 2011 e 2013) e um episódio de natal em 2014 antes de ser sepultada pela inglesa Channel 4, mas graças à (ironicamente) tecnologia ganhou o mundo anos depois quando chegou ao catálogo do Netflix, que logo demonstrou interesse em retomar os contos sombrios sobre a vida tecnológica no futuro visualizado por Charlie Brooker. Em 2016 seis novos episódios de BM foram lançados e, diante da vasta distribuição mundial, fez com que este estranho universo fosse descoberto por milhões de pessoas. No entanto, existe uma espécie de quebra epistemológica entre as fases do programa, mas vamos começar do início. Tão logo os primeiros episódios chegaram ao Netflix eu comecei a assistir e ficou pautada uma regra no meu relacionamento com a série: não conseguir ver os episódios em sequência. O que Brooker faz é algo tão assustador que um episódio me consome por dias, às vezes semanas! No aterrador primeiro episódio (onde o primeiro ministro inglês precisa aparecer diante das câmeras tendo relações com uma porca para resgatar a princesa do país) já fica claro que o criador não esta de brincadeira ao abordar o fascínio quase hipnótico provocado pela vida online. Entre aplicativos que permitem ver o passado, a tecnologia de clonagem, passando por reality shows onde a vida está em jogo e personalidades televisivas que se tornam líderes autocráticos, Black Mirror ousa projetar para o futuro o que o comportamento tecnológico apresenta hoje. Parece algo simples, mas é o que há de mais caro na ficção científica. Quantas vezes não vemos críticos comentando sobre os acertos deste ou daquele filme sobre o futuro e seus carros que voam, videofones e apetrechos esquisitos. Quando vemos Black Mirror, a impressão é que os primeiros passos para o que vemos já foi dado e o próximo episódio está logo ali. Os sete episódios da temporada inglesa são maravilhosamente sombrios e dotados do humor negro tipicamente inglês, algo que seria bastante difícil de se fazer ao migrar a série para os Estados Unidos. Na nova temporada percebe-se que a série perdeu parte de sua atmosfera sufocante, investindo mais em cenas bem humoradas quando Bryce Dallas Howard surta para ter o maior número de "curtidas" numa rede social (mas que funciona como uma verdadeira prisão). Se você vive grudado no Facebook esse episódio será muito especial para você! Nas seis novas histórias somente uma parece realmente próxima dos outros capítulos (a do rapaz que se mete numa grande encrenca após ver um vídeo na internet), nas outras tudo parece um tanto diluído já que na maioria dos seis novos episódios Charlie Brooker flerta o tempo todo com o politicamente correto, o que torna o programa mais previsível (a história sobre o casal lésbico que viaja no tempo é forte candidato a um dos mais sonolentos da série em sua necessidade de não soar preconceituoso, tendo o único final feliz de toda a antologia do programa, o que poderia ser inovador torna-se uma verdadeira camisa de força para o episódio). Black Mirror ainda é pertinente, mas perde pontos quando muda te tom para agradar um público mais amplo fora da Inglaterra, sorte que ainda assim ele assusta bastante por refletir a humanidade que vemos hoje num futuro próximo.
Bryce (ao centro): presa às redes sociais.
Black Mirror (Reino Unido / EUA - 2011/2016) de Charlie Brooker com Rory Kinnear, Hayley Atwell, Toby Kebell, Jon Hamm, Bryce Dallas Howard, Kelly MacDonald, Lindsay Duncan, Domhnall Gleeson, Rafe Spall, Mackenzie Davis e Alex Lawther. ☻☻☻☻
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