Hopkins: Doutor Frankenstein moderno.
Eu tentei acompanhar Westworld quando foi ao ar pela HBO mas eu não consegui. Dormi no primeiro episódio. Vi o pedaço que faltava em uma reprise. Assisti ao segundo e dormi novamente, dessa vez não tentei ver reprises. Resolvi encarar logo o terceiro e dormi em poucos minutos. Apesar da assinatura ilustre (Jonathan Nolan, roteirista parceiro e irmão de Christopher Nolan) a história não despertou meu interesse. Acompanhei todos os comentários animados que começaram a aparecer conforme a série chegava ao fim e depois que todos estavam impressionados eu só pensava nos carneirinhos que não precisei contar ao enveredar pelo programa. Então dois fatores me fizeram dar uma segunda chance a um dos programas mais falados do ano: meu amigo Michael Marins (que foi categórico em seus argumentos de que valeria a pena retomar a série) e o serviço de streaming do canal - que me permitiu administrar os episódios além da minha disponibilidade, mas também pelos momentos em que continuei adormecendo. Não sei se perceberam, mas Westworld tem dois momentos distintos em sua primeira temporada, um em que os arcos que se repetem entremeados por cenas quase aleatórias, até que lá pelo quinto episódio tudo se torna mais ágil e coeso, contando a que veio. Parece que a série levou ao ar um longo epílogo (e um tanto cansativo) sobre o mundo do parque de diversões que proporciona aos seus visitantes um pouco de aventura no mundo do faroeste, sem que estes corram o risco de serem feridos pelos "anfitriões"- robôs dotados de inteligência artificial que desde o primeiro capítulo revelam começar a ter algumas falhas em sua programação. O que poderia colocar em risco os visitantes é visto como algo contornável pelos programadores do parque, tão certos de que está tudo sob controle (assim como naquele outro parque temático criado pelo mesmo Michael Crichton, o Jurassic Park, que funcionava até que os "anfitriões" dinossauros burlassem o sistema). Depois de conhecermos o criador (Anthony Hopkins), seu fiel assistente (Jeffrey Wright), a mocinha (Evan Rachel Wood), o mocinho sofredor (James Marsden, que morre sempre e gerou um bordão entre alguns amigos de "Oh my God, They kill Teddy"), o vilão (Rodrigo Santoro), o personagem misterioso (Ed Harris), a cafetina (Thandie Newton, cada vez melhor conforme sua personagem cresce na trama) e muitos outros, os capítulos se desenvolvem expandindo o universo em várias frentes e se retrai em outras (você percebeu como o povo que controla o parque perdeu espaço na segunda metade da história?). Dos interesses comerciais na tecnologia empregada no parque, na forma como uma dupla de amigos vivenciam as emoções de Westworld, mas a trama mais interessante é da cafetina que descobre tudo o que está por trás do que ela considera realidade - e toma as rédeas de seu destino como fez o T-Rex daquele outro parque temático.
Debaixo de toneladas de personagens mortos, reprogramados (ou não), cenas de nudez, violência e muito sangue, o mais interessante é a forma como a série explora a construção da identidade dos robôs a partir de suas memórias (implantadas ou não). Em alguns momentos o roteiro é propositalmente confuso e tenta distrair o expectador com uma série de artifícios dos filmes de ação, mas o que importa é o que está por baixo de toda essa pele sintética um tanto gorda. Westworld retoma algumas reflexões que já foram vistas em outras obras sobre inteligência artificial, sobretudo a relação dos humanos com suas criações e dos robôs com sua programação limitadora. Muitos dos desdobramentos já apareceram antes no espetacular Blade Runner (1982), no melancólico A.I. (2001), no intimista Ex-Machina (2015) e na excelente série sueca Real Humans (2012-2014) a diferença aqui é o verniz de ação impresso para agradar ao público HBO que fez a glória da cultuada Game of Thrones e o fiasco da segunda temporada de True Detective (que continua cancelada) e da decepcionante Vinyl. Ou seja, a HBO precisava de outro grande sucesso enquanto GoT caminha para o fim - e rápido. Tirando a violência explícita e as cenas de nudez (sobretudo a feminina) as duas séries tem pouco em comum. E a pausa estratégica nas gravações para que a série fosse reestruturada (lembro de quando os produtores acharam tudo confuso demais e algumas cenas precisaram ser refeitas e reeditadas) fez com que a trama melhorasse consideravelmente. De resto, o voo solo de Jonathan Nolan mostra mais uma vez sua habilidade em embaralhar camadas de narrativa e revelar no último episódio, mais uma vez, suas obsessões com memórias e lembranças (e a forma como utiliza a edição para embaralhar a mente do espectador). Existe algo de seus textos para Amnésia (2000) e A Origem (2010) em toda a trama - e enfatizada ainda mais no último episódio (e quem viu esses filmes sabe exatamente do que estou dizendo), especialmente na ideia do arco que se fecha e se reinicia como em uma espiral cai muito bem em uma série. Se a primeira temporada melhorou no decorrer dos capítulos, a segunda tem tudo para ser ainda melhor - ainda mais depois do gancho avassalador na última cena. Em Westworld nada será como antes - ainda bem.
Westworld (EUA-2016) de Lisa Joy e Jonathan Nolan com Evan Rachel Wood, Anthony Hopkins, Thandie Newton, Jeffrey Wright, Ed Harris, Rodrigo Santoro e James Marsden. ☻☻☻☻
Teddy e Dolores: os mocinhos?
Debaixo de toneladas de personagens mortos, reprogramados (ou não), cenas de nudez, violência e muito sangue, o mais interessante é a forma como a série explora a construção da identidade dos robôs a partir de suas memórias (implantadas ou não). Em alguns momentos o roteiro é propositalmente confuso e tenta distrair o expectador com uma série de artifícios dos filmes de ação, mas o que importa é o que está por baixo de toda essa pele sintética um tanto gorda. Westworld retoma algumas reflexões que já foram vistas em outras obras sobre inteligência artificial, sobretudo a relação dos humanos com suas criações e dos robôs com sua programação limitadora. Muitos dos desdobramentos já apareceram antes no espetacular Blade Runner (1982), no melancólico A.I. (2001), no intimista Ex-Machina (2015) e na excelente série sueca Real Humans (2012-2014) a diferença aqui é o verniz de ação impresso para agradar ao público HBO que fez a glória da cultuada Game of Thrones e o fiasco da segunda temporada de True Detective (que continua cancelada) e da decepcionante Vinyl. Ou seja, a HBO precisava de outro grande sucesso enquanto GoT caminha para o fim - e rápido. Tirando a violência explícita e as cenas de nudez (sobretudo a feminina) as duas séries tem pouco em comum. E a pausa estratégica nas gravações para que a série fosse reestruturada (lembro de quando os produtores acharam tudo confuso demais e algumas cenas precisaram ser refeitas e reeditadas) fez com que a trama melhorasse consideravelmente. De resto, o voo solo de Jonathan Nolan mostra mais uma vez sua habilidade em embaralhar camadas de narrativa e revelar no último episódio, mais uma vez, suas obsessões com memórias e lembranças (e a forma como utiliza a edição para embaralhar a mente do espectador). Existe algo de seus textos para Amnésia (2000) e A Origem (2010) em toda a trama - e enfatizada ainda mais no último episódio (e quem viu esses filmes sabe exatamente do que estou dizendo), especialmente na ideia do arco que se fecha e se reinicia como em uma espiral cai muito bem em uma série. Se a primeira temporada melhorou no decorrer dos capítulos, a segunda tem tudo para ser ainda melhor - ainda mais depois do gancho avassalador na última cena. Em Westworld nada será como antes - ainda bem.
Thandie e Santoro: anti-heróis do barulho.
Westworld (EUA-2016) de Lisa Joy e Jonathan Nolan com Evan Rachel Wood, Anthony Hopkins, Thandie Newton, Jeffrey Wright, Ed Harris, Rodrigo Santoro e James Marsden. ☻☻☻☻
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