quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

NaTela: Vidro

Samuel, McAvoy e Willis: vidro fragmentado inquebrável?

M. Night Shyamalan tinha acabado de sair do sucesso de O Sexto Sentido (1999) quando lançou Corpo Fechado (na verdade Inquebrável, se formos ver o título original em inglês). Igualmente estrelado por Bruce Willis, Corpo Fechado encontrou fãs fiéis, recebendo até mais elogios da crítica especializada ao conceber um herói para as telonas em enquadramentos que evocavam diretamente as histórias em quadrinhos. O filme foi uma verdadeira ousadia com seu ritmo lento e uma revelação final que demonstrava ser um filme de origem não apenas de um super-herói como também de um super-vilão. Naquele alvorecer do século XXI, não havia um Universo Marvel nos cinemas, a DC Comics ainda levaria cinco anos para lançar Batman Begins e X-Men de Brian Singer ainda estava pavimentando uma nova linguagem para os super-heróis no cinema. O tempo passou, Shyamalan lançaria um filme razoável (Sinais/2002) e outro excelente (A Vila/2004) e depois tudo iria ladeira abaixo em produções lamentáveis. Houve um respiro como produtor e roteirista aqui (Demônio/2010), uma série interessante e incompreendida ali (Wayward Pines/2015-2016), um sucesso surpresa acolá (A Visita/2015), mas a nova chance surgiu mesmo foi com Fragmentado (2016), um suspense de regras próprias que girava em torno de um homem 23 personalidades distintas e uma nova que estava prestes a vir à tona. Somado ao desempenho inacreditável de James McAvoy (como as premiações esqueceram dele? Um verdadeiro crime!) o filme se tornou um grande sucesso e gratificou os fãs do diretor com uma última cena em que revela que o universo daquele estranho personagem era o mesmo do inquebrável David Dunn (Bruce Willis). Nada mais justo que Shyamalan tivesse a chance de juntar estes dois personagens icônicos em um novo filme - sem esquecer do homem com ossos de vidro, Elijah Price (Samuel L. Jackson) para enriquecer ainda mais a produção. Inquebrável. Fragmentado.Vidro. Esta terceira parte não poderia ter um título mais coerente ao universo criado pelo diretor. Aqui ele retoma seus personagens com um roteiro cheio de alusões às HQs (e isso não é oportunismo, já há havia em Corpo Fechado) e insere uma nova personagem com o objetivo de desconstruir cada um destes personagens fantásticos. Drª Ellie Staple (Sarah Paulson, a única atriz capaz de dar credibilidade à uma personagem tão inacreditável) é especialista em pacientes que se consideram super-heróis. Na clínica psiquiátrica onde os três personagens se encontram não, não é o Asilo Arkham) ela tenta contornar as habilidades deles utilizando o pontos fracos de cada um enquanto tenta curá-los. A abordagem psicológica neste universo segue fiel o que vimos em Fragmentado, além de ser um ponto que já foi abordado em torno de alguns super-heróis (basta lembrar dos famigerados diagnósticos sobre os personagens de Watchmen). A trama se sustenta em três atos distintos. O primeiro é conduzido com maestria pelo cineasta, que começa a ligar os personagens sem grande esforço, alcançando um resultado realmente envolvente. No segundo se instaura um conceito mais psicológico, onde a dúvida gera um suspense alimentado por diálogos cíclicos que ajudam a aprofundar ainda mais os personagens. Há quem considere pura enrolação, mas eu gostei bastante da forma como Shyamalan conduz as cenas e ressalta o contorno de suas criações. A ação se torna internalizada, sutil e serve de respiro para o próximo ato de confronto final. Seguro, Shyamalan conduz seus atores com maestria, todos estão ótimos - inclusive os coadjuvantes Spencer Treat Clark (retomando Joseph Dunn), Charlayne Woodard (a mãe de Elijah) e Anya Taylor Joy (a vítima da Besta que tem pouco a fazer em cena, mas tem presença marcante. No entanto, o destaque ainda é James McAvoy, que está mais uma vez excelente nas várias personalidades que precisa dar conta. Seus olhares, gestos, tom de voz, as transições entre personas de homens, mulheres, criança e Besta só demonstram como este escocês (que nunca foi indicado ao Oscar) é um dos mais talentosos do cinema atual. Samuel L. Jackson também está exemplar ao retomar Elijah em mais um dos seus planos mirabolantes. No meio de vilões tão robustos, quem recebe menos destaque é Bruce Willis, não por culpa dele, mas do roteiro que parece não ter muito o que explorar no personagem já solidamente construído no primeiro filme. O ponto mais controverso do filme é o desfecho que reserva ao trio (e pense nas característica do elemento do título para interpretar a trama). Shyamalan ficou famoso pelos seus finais surpresa, mas aqui quando o  público considera que a surpresa é uma, ela se torna outra ainda mais radical. O cineasta paga um preço alto nesta que parece ser a última parte de sua trilogia, podendo amargar um novo fracasso nas bilheterias por conta disso. ALERTA SPOILER!!! Mas não se desesperem! Se até o krtyptoniano mais famoso do universo bateu as botas e continua por aí, quando se trata de super-heróis tudo é possível. 

Vidro (Glass/EUA-2019) de M. Night Shyamalan com James McAvoy, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Sarah Paulson, Spencer Treat Clark, Anya Taylor Joy, Charlayne Woodard, Luke Kirby e Adam David Thompson. ☻☻☻☻

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