Oitavo e último filme do diretor Andrey Tarkovsky na União Soviética, Stalker se tornou com o passar do tempo uma de suas obras mais cultuadas. Em termos pessoais o filme foi bastante marcante para o cineasta, já que por muito tempo seus filmes foram alvos da censura soviética, que solicitavam cortes ou limitavam sua distribuição por conta do estilo do diretor, no entanto, este aqui foi exibido em todo o território de sua terra natal e não houve indicações de alterações na montagem final proposta pelo diretor. Além disso o filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 1980, o que é uma recompensa ao diretor que enfrentou muitos problemas na produção, ao ponto de perder rolos de filmagens, sofrer um infarto durante a produção e refilmar o material novamente. O filme conta a história de três homens que embarcam numa jornada de um território chamado A Zona, um lulgar proibido em que vinte anos anos antes caiu um meteoro e se tornou envolto em mistérios e uma certa sacralidade. Por todos os enviados para lá jamais retornarem, a localidade acabou sendo cercado e vigiado enquanto as lendas em torno dele cresceram através do tempo. No entanto, alguns homens se aventuram a explorar aquela área de forma clandestina guiada por Stalkers, espécie de guias que levam visitantes para aquele lugar. Aqui os personagens não tem nome e o Stalker (vivido por Aleksandr Kaydanovskiy) do título é contratado para levar um escritor (Anatoliy Solonitsyn) e um professor (Nikolay Grinko) para visitar o local. Driblar a vigilância para chegar até lá é apenas o primeiro passo do trio, que depois começam a vivenciar a atmosfera única daquele lugar, no entanto, a viagem até lá não é por acaso, já que ambos querem se tornar famosos com os relatos gerados a partir da visita - e quem sabe até receber prêmios (como o início do filme revela). Embora seja bastante contemplativo com longos silêncios e diálogos reflexivos, Tarkovsky constrói sua tensão em torno das belas paisagens com suas construções abandonadas e vestígios de que uma guerra foi travada ali. A paisagem fala por si só no imaginário do espectador (cortesia das ambientações que hoje pertencem à Estônia). O resultado estimula o tom enigmático e ressalta melancolia das ideias ancoradas por pensamentos sobre vida, morte e fé. Existe a sugestão o tempo inteiro de que trata-se de um local vivo, que interage com seus visitantes e que pode ser bastante traiçoeiro (fique atento à importância da água na construção da narrativa e de signos sagrados), ou talvez tudo não passe de uma grande ilusão. É neste ponto que o filme cresce ainda mais, ao questionar sobre o que acreditar, o que rende ao final da jornada posturas surpreendentes do trio principal. Stalker não deixa de mostrar a ideia de um desejo redentor presente em Solaris (1972) e no posterior Nostalgia (1983), ponto que ainda revela muito sobre a história do cineasta. Outro ponto que chama atenção no filme é a mudança na fotografia nas cenas filmadas no mundo exterior e na Zona para retratar um mundo sem esperança e outro ainda com seus caminhos a serem desvendados. A cena final com toques fantásticos, retoma o foco de que existe algo diferente naquela realidade e mostra o motivo de Tarkovsky ser considerado até hoje um dos maiores cineastas da história do cinema. Brincando com o imaginário da plateia com elementos sutis, não é todo mundo que consegue apreciar a cadência do diretor no mundo acelerado de hoje (e que a edição frenética deixou de ser uma escolha para se tornar sinônimo de qualidade para a maioria do público), mas quem aprecia um cinema repleto de ideias não irá se arrepender.
Stalker (União Soviética / 1979) de Andrei Tarkovsky com Aleksandr Kaydanovskiy, Alisa Freyndlikh, Anatoliy Solonitsyn e Nikolay Grinko. ☻☻☻☻☻
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