Hilmir e Rapace: quem vai ficar com Ada?
Ao assistir Lamb eu lembrei de crescer ouvindo os comentários de minha mãe que adoro filmes estranhos. Se ela houvesse assistido ao candidato da Islândia por uma vaga ao Oscar de produção estrangeira em 2022, ela diria que eu o amaria. Ela estaria certa. Muita gente vai achar um exagero o fato de atribuir minha cotação máxima para o filme, mas eu explico, a começar pela própria história do filme. O filme é ambientado na zona rural montanhosa da Islândia, uma câmera parece espiar a nevasca severa e segue como um animal à espreita até encontrar as ovelhas criadas pelo casal Maria (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snaer Gudnason). Algo estranho acontece e a prova disso é quando uma das ovelhas da à luz a um filhote que é prontamente adotado por seus criadores. Batizada de Ada e levada a um quarto, com berço e amamentada com uso de mamadeira, o roteiro não gasta diálogos explicando o que está acontecendo, apenas apresenta o fato daquele casal melancólico e sem filhos ter adotado o filhote. Uma fala quase solta revela que um fato está ligado a lendas folclóricas, mas o casal segue em sua jornada particular de cuidar de Ada como a criança que faltava naquela casa. Se os dois estão muito tranquilos com a ideia, a verdadeira mãe de Ada está desesperada (uma ovelha digna de Oscar se a Academia premiasse animais sabiamente utilizados por um diretor), o que irrita cada vez mais Maria (que é sempre arrastada para a realidade quando o chamado daquela mãe pelo seu filhote atravessa o silêncio da casa). Eis que aos poucos o diretor Valdimar Johannsson revela que Ada é um bebê híbrido, meio humano, meio animal e o estranhamento da plateia oscila entre o ridículo e a ternura. O grande desafio do filme é fazer a plateia comprar a ideia semelhante a do casal: que aquele filhote é uma criança e merece ser tratado como tal. Este dilema é radicalizado com a chegada do irmão de Ingvar e a tentativa vã de chamar aquele casal para a estranheza do que acontece ali, mas convenhamos que a pequena Ada já ganhou nossa simpatia - e tememos que algo de muito ruim possa acontecer à ela. Lamb é de fato um filme diferente, quase bizarro, que ousa mais ainda ao se amparar na expectativa de que algo terrível pode acontecer àquela família que encontra a felicidade em uma fantasia. Narrado como um conto folclórico e filmado como uma história de terror, o filme torna-se uma experiência cinematográfica ímpar e parte nosso coração com aquela última cena de Ada, entre seu destino natural e a família que a acolheu. A magia do filme nos faz até esquecer que Ada é um misto brilhante de animais, atores mirins, CGI e fantoches. Para além da "atuação" de Ada e sua mãe biológica, vale ressaltar o excepcional trabalho de Noomi Rapace, que apresenta a melhor performance de sua carreira. Introspectiva, silenciosa e visivelmente consumida de angústias - o que a faz cometer um dos atos mais cruéis do filme - ela é responsável por ampliar todas as sensações que o filme sugere. O controle absurdo do estreante Valdimar Johannsson do roteiro que tem em mãos (feito por ele e pelo escritor Sigurjón Birgir Sigurðsson, mais conhecido como Sjón, autor de vários livros e das músicas de Dançando no Escuro/2000 de Lars Von Trier) faz do filme uma verdadeira obra-prima em sua narrativa, digamos... circular. O filme foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes, recebendo um prêmio especial na Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes por sua originalidade (óbvio).
Lamb (Islândia/Suécia/Polônia - 2021) de Valdimar Johannsson com Noomi Rapace, Hilmir Snær Guðnason, Björn Hlynur Haraldsson e Ingvar Sigurdsson. ☻☻☻☻☻
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