domingo, 30 de novembro de 2025

HIGH FI✌E: Novembro

 Cinco filme assistidos no mês que merecem destaque: 


PL►Y: Sonhos de Trem

 

Felicity e Joel: a vida e o tempo. 


Se a Netflix tivesse um prêmio próprio, tipo o Oscar, o ganhador de 2025 seria Train Dreams. O filme independente chamou atenção no Festival de Sundance deste ano e foi comprado pela gigante do streaming. Adicionado de forma discreta ao seu catálogo, o longa está entre as produções mais vistas desde a sua estreia e ganhando elogios de crítica e público (tal e qual ocorrido no Festival). Baseado no livro de Denis Johnson, Sonhos de Trem conta a história de Robert Gainier (Joel Edgerton que vou dispensar maiores comentários porque sempre o acho ótimo em cena), que ao final do século XIX trabalhava como lenhador no período em que os Estados Unidos ainda não havia cicatrizado a Guerra Civil. Desde pequeno ele testemunha a violência e o preconceito contra imigrantes, ao mesmo tempo, testemunha a expansão das ferrovias que o levam para cada vez mais longe de casa a trabalho. Enquanto era um homem solitário, não havia maiores dilemas, a situação fica diferente quando ele casa com Gladys (Felicity Jones, que também está sempre ótima em cena) e tem uma filha. A distância da família pesa nos longos períodos em que está ausente, o lar de torna responsável pelos momentos mais felizes e também os mais tristes da vida do personagem. O diretor Clint Bentley cria a partir da vida deste personagem um filme belíssimo, com reflexões sobre a relação do homem com a natureza e com o próprio tempo. Ao longo da narrativa o personagem acompanha a expansão territorial da "civilização" frente à natureza até chegar em 1960 e ver o homem chegar ao espaço. Joel Edgerton constrói um personagem tão sólido que será uma pena não vê-lo nas premiações que se aproximam. Cheio de participações especiais (William H. Macy, Paul Schneider e Clifton Collins Jr. e a narração de Will Patton), quem também merece destaque é Kerry Condon, maravilhosa como uma faísca de luz nos momentos mais tristes do solitário Grainier. A belíssima fotografia do brasileiro Adolpho Veloso confere ao filme uma atmosfera tão idílica quanto ameaçadora em momentos bastante pontuais. Curioso imaginar que um livro tão curto (cerca de oitenta páginas) rende um filme tão robusto e reflexivo. Quem curte uma narrativa mais contemplativa vai colocar o  filme entre seus favoritos do ano. 

Sonhos de Trem (Train Dreams / EUA - 2025) de Clint Bentley com Joel Edgerton, Felicity Jones, William H. Macy, Will Patton, Kerry Condon, Cliff Collins Jr., Paul Schneider e Alfred Hsing.  

sábado, 29 de novembro de 2025

PL►Y: Belén - Uma História de Injustiça

Julieta (Camila Plaate): direitos x moralismo. 

Nossos vizinhos argentinos escolheram Belén para tentar uma vaga ao Oscar de Melhor Filme Internacional no ano que vem, mas diante da concorrência acirrada, o filme tem poucas chances - mas a Amazon vai fazer forte campanha para cravar seu nome na disputada quinta vaga da categoria. Conta muito a favor do filme sua temática de cunho feminista e a atualidade de um tema central que é sempre polêmico: o aborto. No entanto, o filme gira em torno de um caso real que ilustrou de forma assustadora que a abordagem do tema pode ser permeada por uma espécie de cegueira moralista que impede que as pessoas observem fatos reais e não apenas suas convicções religiosas. O roteiro conta a história de Julieta (Camila Plaate), jovem que chegou com fortes dores em um hospital público e percebeu se tratar de um aborto espontâneo. Enquanto era atendida pelos médicos, ela foi surpreendida com a presença da polícia que a acusou de ter induzido o aborto e ter afogado o feto enquanto foi ao banheiro. Ninguém da família entendeu as acusações e negaram que o feto encontrado era de Julieta. No entanto, a jovem permaneceu presa por dois anos e o processo em torno de seu caso foi tratado com total descuido pelos envolvidos. O caso chama atenção de uma advogada (vivida pela diretora e roteirista Dolores Fonzi) que resolve reabrir o caso e provar que as acusações em torno da condenada eram infundados. Aos poucos vemos que toda a polêmica em torno do caso girava em torno de um moralismo que impedia que a as pessoas de fato estudassem a situação e percebessem as inconsistências dos registros no processo. A situação do feto mudava de relatório para relatório, não houve exame de DNA do corpo que foi encontrado e, sendo a principal prova do caso, o mesmo desapareceu. Ou seja, todo o estardalhaço em torno de Julieta se tornou maior do que a situação em si, a colocando como alvo de uma verdadeira cruzada pela moral disfarçada de cumprimento da lei. A situação chamou atenção de grupos que perceberam como tudo aquilo ilustrava uma situação insustentável - vale destacar que estamos falando de um caso verídico ocorrido em 2014! O filme é bastante didático ao ilustrar a opinião pública sobre  o caso e como ela dificultou os trabalhos para encontrar a verdade no meio de tudo aquilo. Todo absurdo da situação gerou um verdadeiro movimento social que se tornou um marco na luta pelos direitos reprodutivos no país. A diretora Dolores Fonzi, que apresenta aqui seu segundo longa metragem, faz um bom trabalho na condução do elenco e na fluência da narrativa, embora aborde um tema espinhoso, ela demonstra bastante ponderação na condução. Embora tenha poucas chances de cravar uma indicação ao Oscar, o filme merece atenção devido à sua temática. 

Belén: Uma História de Injustiça (Argentina / 2025) de Dolores Fonzi com Dolores Fonzi, Camila Plaate, Laura Paredes, Julieta Cardinalli, Sergio Prina e Luís Machín.  

PL►Y: A Melhor Mãe do Mundo

Gal (Shirley Cruz): mulher de carne e osso. 

Sou fã do cinema de Anna Muylaert desde que assisti ao curta A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti (1995). Lembro até hoje quando fui ao cinema para assistir seu longa de estreia, Durval Discos (2002) que até hoje está entre os meus filmes brasileiros favoritos em sua  guinada que separa o Lado A do Lado B. Muylaert ficou mais conhecida do grande público quando Que Horas Ela Volta? (2015) e tornou um sucesso ao mostrar-se um verdadeiro retrato de um país em mudança. A identificação foi tanta que o longa até foi indicado pelo Brasil à concorrer por uma vaga ao Oscar de Filme Estrangeiro. Alguns filmes depois, o cinema de Anna voltou a ser pauta com A Melhor Mãe do Mundo, que aborda temáticas delicadas com o jeito disfarçadamente inofensivo da cineasta. Quando somos apresentados à Gal (Shirley Cruz), ela está literalmente sem palavras diante da agressão que acaba de sofrer de seu companheiro. O rosto carrega as marcas da violência, mas também o cansaço de quem não aguenta mais e resolveu fazer uma denúncia. No entanto, é visível que Gal não tem um plano diante do que virá a seguir e o turbilhão de emoções que misturam em sua cabeça a fazem apenas repetir as palavras de uma atendente. O que vemos a seguir é apenas uma certeza: do jeito que está, não dá para continuar. Ela então busca seus filhos e parte rumo à sua única certeza: sair dali. Gal é uma catadora de recicláveis e enquanto carrega Benin (Benin Ayo) e Rihanna (Rihanna Barbosa) em seu "veículo" de trabalho, ela tenta garantir algum dinheiro para mantê-los por alguns dias até que consiga ajuda na casa de uma parente. Andando pelas ruas de São Paulo, as dificuldades são muitas e ela tenta fazer com que tudo seja  disfarçado de uma aventura. Muylaert opta aqui por uma direção que parece "inexistente", as cenas soam improvisadas e dão impressão de que a câmera está escondida para registrar a vida daquela família que parece real. Se por um lado esta opção confere autenticidade ao filme, por outro, faz com que a maior parte do tempo tenhamos a impressão que a narrativa está um tanto dispersa, pelo menos até a chegada do trio ao local em que Gal terá que tomar uma das maiores decisões de sua vida. Difícil imaginar o filme sem Shirley Cruz no papel de Gal, ela vive uma mãe que guarda para si todas as incertezas daquele momento difícil, mas que ao mesmo tempo, encontra nos filhos uma espécie de espelho para enxergar e ponderar sobre sua realidade e seu amor próprio. As crianças também são um destaque a parte com uma espontaneidade que confere ao filme uma doçura irresistível. O posto de rosto mais famoso da produção vai para Seu Jorge como Leandro, o esposo agressor de Gal - e impressionante como ele confere uma presença ameaçadora desde a primeira cena em que ouvimos sua voz para somente depois vê-lo em cena. A Melhor Mãe do Mundo é mais um filme sensível de Anna Muylaert sobre mulheres fictícias que parecem de verdade, justamente por saber representar pessoas de carne e osso com bastante veracidade.  

A Melhor Mãe do Mundo (Brasil/2025) de Anna Muylaert com Shirley Cruz, Rihanna Barbosa, Benin Ayo e Seu Jorge. 

10+: Paul Thomas Anderson

O primeiro filme de Paul Thomas Anderson foi lançado em 1988 e quando despontou no cinema independente nos anos 1990 ficou famosa aquela história de que ele abandonou a faculdade de cinema por não se adequar aos padrões. Desde sua estreia em 1996 ele chamou atenção por conta de seus jeito único de contar histórias. Se muitos consideraram sua estreia fria, nas obras seguintes era visível como buscava um calor cada vez maior na complexidade de seus personagens. Hoje, PTA já acumula onze indicações ao Oscar e nenhuma estatueta. Será que ano que vem ele leva algum? Porém, a qualidade de seu currículo não pode ser medida pelo careca dourado. A seguir seus dez filmes classificados pelo meu favoritismo (e só na hora de criar os links me dei conta de que dois deles não tem resenha por aqui, que feio...):

#10 : "Jogada de Risco" (1996)

#09 : "Embriagado de Amor" (2002)








PL►Y: Uma Batalha Após a Outra

Teyana e Leo: filha perseguida. 

O novo filme de Paul Thomas Anderson tornou-se o grande favorito do Oscar do ano que vem. Pode se dizer que este favoritismo cresceu meio que por acaso, já que ninguém fazia ideia do que se tratava o filme pelos trailers que foram lançados. No fim das contas é até difícil explicar tudo o que acontece, já que o diretor mistura um monte de personagens e lembra um pouco os tempos em que fazia filmes caleidoscópicos como Boogie Nights (1997) e Magnólia (1999). Todos os personagens gravitam em torno do casal formado por Perfidia (Teyana Taylor) e Pat (Leonardo DiCaprio), ambos fazem parte de um grupo rebelde chamado French 75 que organiza operações de resgate de imigrantes e roubos a banco. Entre armas e bombas, um dia Perfidia cruza o caminho do coronel Steven J. Lockjaw (Sean Penn tão cômico quanto assustador) e surge uma estranha relação entre os dois. Quando uma operação do grupo desanda, todos passam a ser perseguidos pelo coronel - o que muda o rumo de toda a história. Dezesseis anos depois, vemos Pat cuidando da filha, Willa (Chase Infinity) e tendo que lidar com o passado que volta à bater em sua porta. Se Pat sempre foi um tanto paranoico nos cuidados com a filha, a coisa piora consideravelmente quando ela desaparece. Figuras do seu passado voltam a aparecer, não apenas Lockjaw, mas também Deandra (Regina Hall) e Sensei Sergio (Benicio Del Toro) que passam a ter relação (de um lado ou de outro) com o sumiço da menina. O que vemos então é a busca desesperada de um pai pela filha. Esta é a alma do filme. PTA volta a construir aqui uma narrativa que soa dispersa e, por isso mesmo, torna-se surpreendente. Uma Batalha após a Outra mistura gêneros variados (romance, drama, ação, suspense, comédia...) e isso deve explicar muito o apelo do filme junto aos críticos e o interesse de Anderson em adaptar livremente o romance de Vineland de Thomas Pinchon (de quem o diretor também já adaptou Vício Inerente/2014, seu filme menos celebrado). Do material de origem extraiu os conflitos ideológicos, movimentos de resistência e o autoritarismo que deram à obra um tom épico urbano que serve de pano de fundo para a história de laços familiares e amizade. Anderson capricha nas cenas de perseguição, constrói cenas tensas, divertidas e costura uma narrativa caótica que transpira urgência. Confesso que a primeira parte do filme não me envolveu, achei a montagem muito picotada e tive a impressão que o corte original era mais longo para dar conta de uma melhor apresentação daqueles personagens, especialmente dos conflitos de Perfidia com a maternidade e seu envolvimento com Lockjaw. A sorte é que Anderson demonstra mais uma vez um talento impressionante para escolher o elenco. Enquanto Leonardo DiCaprio parece uma paródia de alguma coisa que Jack Nicholson faria (e está cotado ao Oscar de melhor ator), seus parceiros de cena estão congestionando as apostas entre os coadjuvantes, ao ponto da novata Chase Infininity ser deslocada para categoria de melhor atriz por seu trabalho de estreia. Uma Batalha Após a Outra está longe de ser meu trabalho favorito do diretor, mas entendo o apelo que possui em tempos em que Hollywood ousa cada vez menos. Isso é suficiente para levar o Oscar de melhor filme? Não sei. Só sei que depois de onze idicações naufragadas no Oscar ao longo da carreira, três longas indicados ao prêmio de melhor filme, a Academia tem algumas dívidas a quitar com o moço. 

Uma Batalha Após a Outra (One Battle After Another / EUA - 2025) de Paul Thomas Anderson com Leonardo Di Caprio, Chase Infinity, Sean Penn, Teyana Taylor, Regina Hall, Benicio Del Toro, Alana Haim e Tony Goldwyn. 

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

4EVER: Jimmy Cliff

30 de julho de 1944   24 de novembro de 2025

James Chambers nasceu em Saint James, então colônia da Jamaica, sendo o penúltimo de uma família de nove filhos. Seus pais se separaram quando era bebê e então ele foi criado pelo pai e a avó. Desde a infância, Jimmy demonstrou interesse pela música e aos 14 anos, ao mudar-se para Kingston,  maior cidade da Jamaica, iniciou sua carreira musical com o nome de Jimmy Cliff. Em 1964 mudou-se para a Inglaterra e assinou o seu primeiro contrato musical. Sua sonoridade sempre foi voltada para o reggae e seu álbum lançado em 1967 lhe rendeu sucesso na carreira e seus primeiros hits, como Waterfall que se tornou hit no Brasil.  Em 1972 estrelou o filme The Harder They Come sobre as desventuras de um cantor de reggae e em 1975 participou de um episódio do programa Saturday Night Live. Em 1980 fez uma turnê pelo Brasil com Gilberto Gil que o tornou ainda mais popular no país. Durante a carreira, recebeu títulos, prêmios, participou de trilhas sonoras e documentários e se tornou reconhecido como um dos maiores nomes do reggae mundial. O artista faleceu em decorrência de uma pneumonia.