domingo, 31 de agosto de 2025

HIGH FI✌E: Agosto

 Cinco produções assistidas durante o mês que merecem destaque: 

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PL►Y: A Noite Sempre Chega

Kirby: longa jornada noite adentro. 
 
Vanessa Kirby é umas das minhas atrizes favoritas em atividade no cinema atual. Embora ainda não receba toda atenção e reconhecimento que merece, ainda considero que ela está no caminho certo ao misturar em seu currículo franquias de sucesso e trabalhos que podem ser considerados como "sérios" aos olhos da crítica. Este é o caso de A Noite Sempre Chega, que está em cartaz na Netflix e chegou a ficar entre as produções mais vistas do streaming (talvez impulsionado por ter no alto dos créditos a estrela do sucesso Quarteto Fantástico que ainda está em cartaz nos cinemas). O filme é uma mistura de drama e suspense dirigido por Benjamin Caron, cineasta que já demonstrou sua eficiência em episódios de séries como Andor, The Crown e Sherlock, em termos de longa-metragem conseguiu alguma ressonância com Sharper (2023), que assim como este aqui, tem a intenção de construir uma trama de tensão crescente, só que desta vez sem embaralhar os tempos da narrativa. O filme acompanha Lynette (Vanessa Kirby) que se vira em vários empregos para ajudar no sustento da casa em que vive com a mãe (Jennifer Jason Leigh) e o irmão (Zack Gotsagen). Lynette acredita que quando conseguirem dar entrada na compra da casa em que vivem a situação da família irá melhorar, mas uma atitude inesperada da mãe coloca tudo a perder. Com isso, ela terá que se virar para conseguir a quantia de dinheiro necessária para que os três não passem a viver sem um teto. Para conseguir o dinheiro, a protagonista irá se meter em várias situações perigosas, que só pioram ao longo da noite. Ela tenta fazer com que uma amiga (Julia Fox) pague o que lhe deve, apela para um colega de trabalho (Smack Louis) com passado nebuloso e se depara com o mundo do crime diante dos seus olhos A forma como a narrativa avança pelos riscos assumidos pela personagem ao longo da noite aparece de forma um tanto desconjuntada, mas o trabalho de Vanessa Kirby faz com que você acompanhe tudo aquilo com a tensão carregada na medida certa, até quando as coisas mais absurdas começam a acontecer.  O diretor consegue até ser engenhoso para fazer o texto de Willy Vlautin e Sarah Conradt funcionar na tela, mas nem sempre consegue disfarçar como o roteiro é um tanto empolado em suas desventuras. A fotografia soturna ressalta as cores mais infernais daquela noite e ajuda a manter o clima mesmo quando o filme escorrega em suas ideias. Ao final da sessão, eu só pensava que Vanessa Kirby é sempre digna de elogios. 
 
A Noite Sempre Chega (Night Always Comes / EUA - Reino Unido / 2025) de Benjamin Caron com Vanessa Kirby, Jennifer Jason Leigh, Zack Gotsagen, Julia Fox, Samck Louis, Jennifer Lanier, Christian Blair e Randall Park. 

sábado, 30 de agosto de 2025

4EVER: Luis Fernando Veríssimo

26 de setembro de fevereiro de 1936  30 de agosto de 2025
 
Luís Fernando Veríssimo nasceu em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, filho do escritor Érico Veríssimo, durante a infância e a adolescência viveu muitos anos nos Estados Unidos ao lado do pai, que lecionava na Universidade de Berkeley. Enquanto morou em Washington, Luís se apaixonou pelo jazz e aprendeu a tocar saxofone. Ao retornar para o Brasil, trabalhou como diretor de arte, redator, tradutor e colunista e tocou em algumas bandas com amigos. Em 1981 lançou O Analista de Bagé, que consagrou de vez seu tom bem humorado ao se tornar um best seller nacional. Luís também passou a ter uma coluna semanal na revista Veja de 1982 até 1989. Em 1983 criou outro personagem icônico, a Velhinha de Taubaté e se tornou um dos escritores mais populares do Brasil. Ao final dos anos 1990, começou a escrever romances como Gula - O Clube dos Anjos (1998) e  O Opositor (2004). A adaptação dos seus textos na série da TV Globo, A Comédia da Vida Privada (1995-1997) chamou ainda mais atenção para sua obra. Há cerca de dez anos, o escritor sofria com mal de Parkinson e problemas cardíacos. Em 2021 sofreu um AVC e faleceu em decorrência de uma pneumonia. 

domingo, 24 de agosto de 2025

4EVER: Jaguar

29 de fevereiro de 1932   24 de agosto de 2025
 
Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe tornou-se conhecido como Jaguar, o cartunista brasileiro que ficou famoso por ser um dos fundadores do antológico jornal O Pasquim, lançado em 1969 que se tornou símbolo de oposição ao regime de ditadura militar que o Brasil atravessava naquele momento. Seu personagem, o ratinho Sig, driblava a censura com seu humor irônico e inspirou centenas de outros artistas. Ele começou a carreira na revista Manchete em 1952, onde começou a adotar o nome artístico que o tornaria reconhecido. Em 1970 foi preso por ter uma charge considerada ofensiva pelo regime. Aos 93 anos, o artista continuava em atividade, tendo desenhado sua última charge um mês antes de seu falecimento.

PL►Y: Síndrome da Apatia

A família exilada: a derrota mental perante a burocracia. 

Sergei (Grigory Dobrigyn) e Natalia (Chulpan Khamatova) são refugiados políticos russos que migraram para a Suécia em busca de segurança e uma vida melhor após as perseguições sofridas por Sergei. O casal tem duas filhas, Katja (Miroslava Pashutina) e Alina (Naomi Lamp) e dependem da aceitação do pedido de asilo político para conseguir seguir suas vidas. No entanto, quando a o pedido é negado pela burocracia sueca, a pequena Katja tem uma reação inesperada que é identificada com o nome do título. Este é só o início dos problemas que a família irá enfrentar ao longo do filme, já que terão que realizar procedimentos protocolares para lidar com a filha e, aos poucos, Alina também enfrentará problemas. Talvez por ser assinado por Alexandros Avranas, cineasta vindo da Estranha Onda Grega, eu imaginei que a síndrome do título fosse algo fictício, mas ela existe realmente e acomete pessoas que diante de uma realidade insuportável, criam uma defesa psíquica que anestesia qualquer reação diante dos fatos (e o final do filme faz questão de oferecer mais informações sobre a incidência deste mal). Chega a ser surpreendente ver o que Avranas faz por aqui depois de conhecer seu trabalho com os chocantes Miss Violência (2013) e Não me Ame (2017), Síndrome da Apatia traz aquelas interpretações sutis perante situações absurdas que se tornaram marcas do recente cinema grego, mas a constrói de uma forma ainda mais sufocante para seus personagens, até que encontrem uma saída viável e, quando ela surge, parece ainda mais surreal (que lembra um pouco as crianças que  vemos em O Sacrifício do Cervo Sagrado/2017 do diretor mor da onda grega, o Yorgos Lanthimos). No entanto, Síndrome da Apatia soa emperrado, talvez por ser calcado em uma dolorosa realidade, o filme opte por ser respeitoso demais e carece de uma guinada que provoque mais impacto em seu desfecho (afinal, o impacto ocorre no início e segue nos desdobramentos da família para reaver a companhia da filhas). Embora seja bastante doloroso de assistir, senti falta de uma catarse mais explosiva, o filme mantém algum mistério sobre a ambiguidade do casal e sua ida para a Suécia, mas nada muito impactante. Aqui, toda a economia do diretor e o medo de cair no melodrama acabou drenando a emoção. 

Síndrome da Apatia (Quiet Life / França - Suécia - Alemanha - Estônia - Grécia - Finlândia / 2025) de Alexandros Avranas com Chulpan Khamatova, Grigory Dobrygin, Naomi Lamp, Miroslava Pashutina, Elei Roussinou, Lena Endre e Alicia Eriksson. 

Na tela: A Hora do Mal

Julia e Josh: quebra-cabeça misterioso. 

Em uma pacata cidade, dezessete crianças que estudam em uma mesma sala saem de suas casas às duas e dezessete da manhã em direção ao desconhecido como se estivessem em transe. Ninguém sabe para onde foram. Ninguém sabe o que aconteceu. Diante de todo o mistério, dois pontos chamam atenção: um é que todos são estudantes da turma de uma mesma professora, a Justine (Julia Garner) - que já tem uma cota considerável de dramas no passado para administrar em sua fama -, o outro ponto é que apenas um menino da turma, o Alex (Cary Christopher) permanece ao lado de sua família. A partir deste mistério o diretor Zach Cregger tece uma rede de histórias cruzadas sob o olhar de alguns personagens que tem em mãos. Para além dos citados, também recebem suas partes na narrativa um policial (Alden Ehrenreich), o diretor da escola (Benedict Wong), um rapaz sem-teto (Austin Abrams) e um pai indignado com tudo o que aconteceu (Josh Brolin) e que tem certeza que a professora tem responsabilidade no desaparecimento das crianças. Este é o segundo filme de Cregger, antes ele já chamara atenção em seu filme de estreia, Noites Brutais/2022, que nas suas entrelinhas também lidava com desaparecimentos. No entanto, A Hora do Mal é bem mais ambicioso em sua estrutura, principalmente pelo roteiro minuciosamente construído em seus capítulos que correm em paralelo, mas convergem para uma mesma direção. Cuidadoso na evolução de sua trama, Cregger repete momentos sobre outros ângulos e altera o rumo de perspectivas afim de instigar o espectador a entender o que está acontecendo. O clima fantasmagórico é ressaltado pela fotografia sombria, detalhes estranhos e pesadelos que parecem trazer revelações escondidas. Ah claro, não podemos esquecer da Tia Gladys, personagem que rouba a cena desde seu primeiro momento e graças ao talento da atriz Amy Madigan sai do disfarce caricatural para revelar-se uma vilã inesquecível. Embora todo o elenco esteja ótimo em cena, torna-se algo realmente gratificante ver Amy em um papel de destaque novamente em sua carreira. A atriz foi indicada ao Oscar por seu trabalho em Duas Vezes na Vida (1986) e engatou alguns projetos de sucesso como Ruas de Fogo (1984), Campo dos Sonhos (1989) e Quem Vê Cara Não vê Coração (1989), mas fazia tempo que não tinha chance de explorar sua versatilidade em cena. A esposa de Ed Harris caiu tanto na graça do público que já pedem até em indicação ao Oscar de coadjuvante para ela (será que consegue?). De qualquer forma, A Hora do Mal (com suas referências que vão de Monster/2023 ao conto clássico do Flautista Mágico) tenta garantir o título de melhor terror do ano. Em tempo, vale dizer que eu dei boas gargalhadas na perseguição antes da carnificina do final. O melhor de tudo é imaginar o que Zach Cregger fará em seguida. 

A Hora do Mal (Weapons / EUA - 2025) de Zach Cregger com Julia Garner, Josh Brolin, Amy Madigan, Alden Ehrenreich, Cary Christopher, Benedict Wong e Austin Abrams. ☻☻

PL►Y: Todo Tempo que Temos

Florence e Andrew: dois os melhores que temos.  

Andrew Garfield e Florence Pugh são dois dos melhores atores que Hollywood tem disponíveis para seus filmes. Infelizmente nem todo filme protagonizado por ambos está à altura do talento destes artistas, mas, mesmo quando o material que lhes chega não é lá grande coisas, eles conseguem fazer milagres com o que tem em mãos. Ao menos conseguem manter a integridade, deles e dos personagens que defendem. Todo o Tempo que Temos está longe de ser memorável e em alguns momentos ressalta o desgaste do subgênero em ter que lidar com um tema pesado de forma leve para o grande público sedento por comédias românticas com algum conteúdo. De certa forma o que o diretor John Crowley (do ótimo Brooklyn/2015 e o fiasco O Pintassilgo/2019) faz aqui é buscar sempre o equilíbrio entre um filme água com açúcar com uma gotinha de fel. Ele conta a história de Almut (Florence) e Tobias (Garfield), um casal mais do que apaixonado que parece viver num comercial de margarina saudável.  Eles se amam, são felizes, tem um bebê lindo e... aparece uma doença para acabar com todos os planos que os dois tinham de envelhecer juntos, afinal, o "até que a morte os separe" resolve antecipar. O clima pesa e a relação começa a vivenciar conflitos sobre o legado que Almut pretende deixar em vida. Isso já daria conta de construir um filme, mas lá pelos primeiros vinte minutos o espectador é pego de surpresa (pelo menos eu fui) e começa a perceber que a narrativa embaralha os tempos de vida do casal. Indo para o dia em que se conheceram e como aos poucos superaram as diferenças e desconfianças um pelo outro - e o fato de Tobias ter sobrevivido a um divórcio também colabora muito para que tenha alguma resistência a se envolver com uma mulher tão descolada como Almut. Pode se dizer que o maior mérito do filme se deve à dupla protagonista que defende seus personagens mais uma vez como se fossem pessoas reais, de carne e osso que poderiam ter estudado com você ou morar na casa em frente. Esta característica que cria o envolvimento com a narrativa que por vezes transforma as idas e vindas temporais como uma verdadeira armadilha para a fluência e a compreensão do que se vê na tela (neste caso fica legal na primeira ou segunda vez, mas depois cansa, já que todo mundo já imagina como tudo irá terminar). O final também é bonitinho, mas ressalta como é difícil chegar ao inevitável sem ser pesado demais para a plateia que quer ver o casal apaixonado triunfar no final. 

Todo Tempo que Temos (We Live in Time / Reino Unido - França / 2024) de John Crowley com Florence Pugh, Andrew Garfield, Grace Delaney, Lee Braithwaite, Adam James e Douglas Hodge.