Diggler (ao centro) e sua família: retrato de uma era.
Eddie Adams era um coitado que tinha problemas de relacionamento com a mãe e ganhava um salário modesto como garçom numa discoteca da década de 1970. Para ganhar uns trocados a mais, ele exibia o dote que Deus lhe deu para fregueses pervertidos que notavam o que as calças não conseguiam disfarçar. Descoberto por um renomado produtor do cinema pornográfico, Eddie (Mark Wahlberg provando que poderia ser levado a sério) largou a família e se tornou um ator mundialmente conhecido no mundo dos filmes adultos usando o nome artístico de Dirk Diggler (um nome que segundo ele estouraria até os letreiros em neon quando seu nome fosse anunciado). Delírios de grandeza (sem trocadilho) à parte, esse é o ponto de partida para o magnífico segundo filme de Paul Thomas Anderson. Antes, o diretor (que abandonou a faculdade de cinema em Nova York por considerá-lo conservador demais) havia dirigido o pouco visto Hard Eight/Jogada de Risco (1996) sobre o universo dos jogadores de pôquer, que apesar de estar longe da genialidade de Boogie, já apresentava um diretor com assinatura própria na condução de suas histórias. O plano sequência que abre seu segundo filme é genial! Apresentando os personagens devidamente ambientados nos anos de festa que foram a década de 1970. É ali que conhecemos o diretor Jack Horner (Burt Reynolds, indicado ao Oscar de coadjuvante e mais merecedor do que o premiado Robin Williams por Gênio Indomável) e a diva Amber Waves (a perfeita Julianne Moore, derrotada na categoria de atriz coadjuvante por Kim Basinger - L.A. Cidade Proibida) e boa parte dos seus agregados. É Horner que descobre quase que por acaso o potencial do jovem Eddie e o convida para participar de seus filmes. Curioso é que Horner não faz filmes somente sobre pessoas fazendo sexo, ele se preocupa com o enredo, o encadeamento dos fatos e até o desenvolvimento dos personagens - embora seu público se preocupe cada vez menos com isso (acho que Anderson reflete em Horner o que o próprio público espera de Boogie). Já renascido como Dirk Diggler (personagem que já aparecia no primeiro trabalho de Anderson, o curta de 1988: A História de Dirk Diggler), o rapaz só precisa de um filme para chamar a atenção da indústria. Além de Diggler o elenco de Horner inclui RollerGirl (Heather Graham no papel de sua vida), uma garota que não tira os patins para nada (nada mesmo), o amigável Reed Hotchild (John C. Reilly) e outros personagens curiosos que compõem uma família incomum, mas com papéis bem demarcados. Trabalhando os dramas de cada personagem em seu roteiro, fica evidente a maior referência do diretor em sua obra: Robert Altman, um mestre na habilidade de misturar personagens e histórias na construção de um painel humano cinematográfico sobre uma determinada era. Aos poucos o cineasta demonstra como a euforia dos anos 1970 caminha para uma espécie de ressaca na década seguinte. Todo o clima livre e festivo começa a se diluir no uso de drogas e na produção de filmes cada vez mais descartáveis - o que prejudica ainda mais a "seriedade" ambicionada pela trupe de Horner. É marcante como o corte temporal impresso pelo suicídio de um dos personagens delimita as características dessa transição na narrativa. Além disso, os estrelismos de Diggler, as depressões de Amber por conta de um divórcio problemático, além do preconceito que os personagens sofrem por terem ligação com a indústria pornô faz a narrativa caminhar para a decadência desses personagens no moralismo americano instaurado na década de 1980. A agressividade dos personagens fica mais evidente, assim como a atmosfera do longa se torna mais sombria. Paul Thomas Anderson ousou fazer um filme sobre uma temática perigosa, mas conseguiu um resultado excepcional pela humanidade que confere aos seus personagens. O filme aproveita o humor quando ele é possível, abraça os dramas quando surgem e explora tonalidades que poderiam desandar nas mãos de um cineasta menos habilidoso. Além disso, tem uma gama de atores certos nos papéis exatos (Don Cheadle como um vendedor de carros, William H. Macy como o esposo de uma ninfomaníaca, Alfred Molina como traficante e Phillip Seymour Hoffman como o gay apaixonado por Diggler...) emoldurados por precisa reconstituição de época (trilha sonora, figurinos, maquiagem, cabelos, gestos...) e com uma Julianne Moore que ficaria para sempre no imaginário masculino! Boogie Nights (me recuso a colocar o enganoso acréscimo no título que o filme recebeu por aqui) com toda a sua ousadia e estilo não deixa o espectador perder de vista, por um minuto que seja, sobre o que trata o filme: pessoas.
Boogie Nights (EUA-1997) de Paul Thomas Anderson com Mark Wahlberg, Burt Reynolds, Julianne Moore, John C. Reilly, Heather Graham, Phillip Seymour Hoffman, Melora Walters, Don Cheadle e Thomas Jane. ☻☻☻☻☻
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