Fraser, Esabela e Ary: Delícia sonora e visual
O premiado Durval Discos marcou a estréia de Anna Muylaert na telona e chamou de gente que estava afim de ver um filme nacional diferente. Anna já tinha crédito por ser uma das idealizadoras de vários programas destinados ao público infanto-juvenil que forma ao ar pela TV Cultura e pelo seu aclamado curta A Origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti (1995), mas podemos dizer que ela superou todas as expectativas com a história de um vendedor de discos que se recusa a vender CDs. Esse apego ao passado do protagonista proporciona uma coerência e um estilo único ao filme (que já começa pelos créditos iniciais espalhados pela cidade de São Paulo). Durval (o ótimo Ary França que merecia mais destaque nas produções nacionais) vive numa casa-loja ao lado de sua mãe (a veterana Etty Fraser) e as coisas começam a complicar quando se dão conta de que a senhora não dá conta mais dos afazeres domésticos. Sendo assim, acabam contratando uma empregada que esteja disposta a receber um salário quase simbólico (no caso, Letícia Sabatella). Esse é o lado A do filme. O longa ficou famoso pela alardeada analogia de suas duas partes, uma é como o primeiro lado de um vinil, com aquelas músicas mais animadas, feitas no ponto para agradar o público e alavancar as vendas. As músicas do Lado B costumavam ser mais experimentais, esquisitas e sombrias, mas mesmo assim interessantes (especialmente aos fãs que querem fugir do trivial). Pois o Lado B de Durval é tudo isso também. O que aparentava ser uma comédia de costumes começa a mudar de ares quando a empregada some e deixa em seu quarto uma menina (Isabela Guasco) que passa a ser tratada como uma princesa pela dupla. Não vai demorar muito para que descubram num telejornal que a menina não é filha da empregada... Algumas pessoas criticam essa guinada na narrativa, mas eu considero essa mudança muito bem desenvolvida por Muylaert. Aos poucos a casa de estrutura acolhedora e nostálgica (o que é ressaltado pela excelente trilha sonora de clássicos da MPB) se torna cada vez mais claustrofóbica e sombria, nesse momento os atores viram seus personagens do avesso apresentando nuances insuspeitas de seus personagens. Algumas cenas dessa parte cairiam muito bem num filme de David Lynch (como o cavalo dentro de casa e a menina vermelhecendo as paredes... ) e fazem um excelente contraponto ao início do filme. Muylaert quis nos mostrar as transformações num mundo estável já há tanto tempo quando ele se abre ao novo (o que visivelmente ocorre com Durval - apesar desua resitência ao CD ou mesmo em assumir seu amor pela personagem de Marisa Orth). Por todos esse motivos (incluindo o final que ilustra a destruição desse mundo particular) vale a pena catar logo por aí. Dizem que um estúdio americano comprou os direitos do filme para realizar uma refilmagem com Ben Stiller e Helen Mirren no elenco, mas o projeto não decolou ainda... dificilmente ficaria tão bacana.
Durval Discos (Brasil/2002) de Anna Muylaert com Ary França, Etty Fraser, Isabela Guasco, Letícia Sabatella e Rita Lee. ☻☻☻☻ ☻
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