Kidman: Quem tem medo de Virginia Woolf?
Stephen Daldry tinha um único filme no currículo (Billy Elliot/2000) quando resolveu adaptar o premiado romance de Michael Cunninghan, As Horas, que explora variáveis do clássico de Virginia Woolf, Senhora Dalloway. A narrativa revisita a história de uma mulher refinada que esconde suas frustrações preparando uma festa para o marido enquanto cogita o suicídio. Cunninghan pegou esta história e após pesquisas escreveu sobre o processo criativo da escritora no exílio ao lado de seu dedicado esposo Leonard Woolf numa cidadezinha bucólica nos arredores de Londres. O que era para motivar a melhora de sua saúde física e mental aparece como um período angustiante para uma mulher que adorava as festas e a vida frenética da capital inglesa. É nesse período que ela escreve seu livro mais conhecido e que marcou a literatura por se passar num único dia de vida de sua protagonista. Esta fórmula aparece também na obra literária de Cunninghan onde ele acompanha outras duas personagens, uma é Laura Brown e a outra é Clarissa Vaughan. No filme as duas personagens ganharam atuações vigorosas graças aos talentos de Julianne Moore e Meryl Streep, respectivamente, que ao lado de uma surpreendente Nicole Kidman (de nariz postiço para viver Virgina) transformaram o filme numa obra inesquecível. Daldry entrelaça os dilemas das personagens com uma edição perfeita que referencia tanto a obra em que se baseia quando o trabalho de Virginia. Trata-se de uma aula de realismo onde cada pedaço do cotidiano da vida dessas mulheres aparece repleto de significados. Virginia escrevendo serve de narradora para o dia em que Laura Brown (numa atuação fenomenal de Moore indicada ao Oscar de coadjuvante) lê seu livro. Grávida e em crise com o rumo que sua vida tomou, Laura está insatisfeita com o esposo carinhoso (cortesia de John C. Reilly) e o filho adorável (o precoce Jack Rovello). O ponto em que tudo parece desabar é quando sua vizinha Kitty (Toni Collete) irá se submeter a uma perigosa cirurgia no dia do aniversário do esposo de Laura nos idos de 1951. Enquanto isso, o filme também acompanha uma Senhora Dalloway moderna, Clarissa Vaughan (Streep, indicada ao Globo de Ouro pelo papel) uma editora lésbica e que prepara uma festa para comemorar o prêmio que seu ex-namorado soropositivo Richard (Ed Harris indicado ao Oscar de coadjuvante) irá receber por sua obra. Festa que promete trazer à vida alguns fantasmas do passado. Daldry conduz o filme com maestria, tanto que conseguiu sua segunda indicação ao Oscar de direção, um feito e tanto para um filme triste e com personagens de fortes cores homossexuais. O grande mérito do diretor é criar tramas que se complementam, embora ambientadas em tempos diferentes e com uma força narrativa que dá vida própria a cada trecho exibido. Há momentos de pura poesia (o funeral do pássaro, o quarto invadido por água, a carta de Virginia ao seu esposo Leonard, os delírios de Richard, a conversa de Clarissa com a filha, a surpresa sobre o adorável filho de Laura...) e que nos fazem pensar o quanto as horas de nosso cotidiano nos constitui enquanto seres humanos. Tudo isso com a colaboração do texto muito bem escrito por David Hare (indicado ao Oscar) e que apresenta tudo na hora exata sem perder o fio condutor da narrativa que sustenta até certo suspense em cima de uma história que gira em torno de dois temas árduos (o suicídio e a morte em vida) embalados pela estupenda trilha de Phillip Glass. Por tantos méritos o filme ganhou trinta prêmios internacionais, entre eles o dividido prêmio de atriz em Berlim (para Nicole, Meryl e Julianne) e o Oscar de atriz (Nicole), pena que perdeu o de filme para o boboca Chicago de Rob Marshall.
AS HORAS (The Hours/EUA-Inglaterra - 2002) de Stephen Daldry com Nicole Kidman, Meryl Streep, Julianne Moore, Alisson Jeaney, Ed Harris, Claire Danes, Stephen Dillane, John C. Reilly, Toni Collete, Jack Rovello, Jeff Daniels e Miranda Richardson. ☻☻☻☻☻
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