Parker e Pi: filme bonito por dentro e por fora.
Muita gente ficou surpresa quando viu Ang Lee ser eleito pelo Oscar o melhor diretor de 2012. Achavam que com Ben Affleck fora do páreo (ainda com toda a consagração de Argo) a vitória de Steven Spielberg seria certa. Eu já imaginava que a Academia não renderia a Spielberg uma terceira estatueta de diretor, mas não esperava que fosse consagrar, pela segunda vez, o cineasta taiwanês. Desde que levou para a casa a estatueta de diretor por Brokeback Mountain (2005) o diretor não caia no gosto da Academia e até do público. Depois de carregar no erotismo em Desejo e Perigo (2007) e fazer um retrato ingênuo do festival de rock mais famoso da história em Aconteceu em Woodstock (2009) já estava na hora de fazer um filme arrebatador como esta adaptação do premiado livro do canadense Yann Martel. Lançado em 2001, o livro teve sua própria cota de polêmicas - ao ponto de ser acusado de se tratar de plágio do livro "Max e os felinos" do brasileiro Moacir Scliar. Na obra de Scliar um jovem náufrago alemão se vê num bote ao lado de um jaguar. Na época do lançamento, Martel chegou a fazer declarações bastante deselegantes alegando que pegou uma ideia "que não foi aproveitada como deveria por um escritor ruim". No meio da confusão, Scliar resolveu se calar e Martel pediu desculpas fazendo agradecimentos à "semente" de Pi que foi plantada não pelo livro de Scliar, mas por uma resenha que lera sobre a obra. Alegando ser bastante diferente do livro brasileiro, Martel ficou bastante feliz com as onze indicações ao Oscar que o filme recebeu. Muitos dos méritos do filme se deve ao esforço hercúleo de Lee que conduziu um orçamente inchado de 240 milhões numa produção arriscada que envolvia cerca de três mil profissionais. Dá para perceber em que partes da leitura a produção começou a tomar forma na mente de seu diretor como um longa em 3D. Cenas como as do naufrágio, o momento em que céu e terra se fundem para um bote que parece navegar no infinito, o ataque dos peixes voadores, o salto da baleia e outros belíssimos momentos renderam cenas que impressionaram na telona, mas que mesmo em DVD não devem decepcionar. Ainda acho que o único problema é o início que demora a engrenar ao introduzir a relação do jovem indiano Pi(scine) Patel com uma religiosidade híbrida. Ainda assim, a relação do personagem com Deus(es) é fundamental para o andamento da trama e serve de liga para os acontecimentos que se seguem quando o navio em que viaja com a família e os animais do zoológico naufraga. Depois de tirar o fôlego da plateia com a tragédia, Pi (o estreante Suraj Sharma) se vê num bote ao lado de uma zebra, uma hiena e um tigre de bengala conhecido como Richard Parker (!), mas logo um orangotango irá se juntar ao grupo. Aos poucos, Pi se verá sozinho com o ameaçador Tigre, que de uma maneira incomum irá colaborar para a sua sobrevivência. A forma como o tigre lhe inspira medo e solidariedade é um dos grandes trunfos do filme que flerta com a fantasia em alguns momentos sem desafinar na narrativa. Lee cria um espetáculo para os olhos, sem perder de vista as reflexões filosóficas que um homem solitário pode ter em seus confrontos com a natureza ao seu redor e em si mesmo. Não bastasse todas as qualidades da produção, o roteiro ainda reserva um desfecho surpreendente para a história que torna tudo ainda mais simbolicamente rico. Nem precisava tanto, as cenas em que Pi e Richard Parker vencendo suas diferenças na imensidão do oceano já são suficientemente arrebatadoras (com ou sem 3D).
As Aventuras de Pi (Life of Pi/USA-Taiwan/2012) de Ang Lee com Suraj Sharma, Irrfan Khan, Rafe Spall, Gérard Depardieu, Adil Russain e James Saito. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário