July e Hamish: doçura misturada com David Lynch.
O que esperar de um filme que é narrado por um gatinho de voz sinistra? Com certeza, um punhado de situações inusitadas. Se a primeira parte de O Futuro até engana parecendo ser mais uma comédia romântica típica do cinema independente sobre frustrações e humor tristonho, a coisa muda de figura quando chega em sua metade e a narrativa investe no surreal e o tom se torna até sombrio. Acho que se David Lynch dirigisse uma comédia romântica, ela seria bastante parecida com esse segundo filme assinado pela cineasta Miranda July. Premiada em Cannes por sua estreia em 2005 com Eu, Você e Todos Nós, July volta a câmera para um casal que - ao julgar pela semelhança física - parecem ser almas gêmeas. Sophie e Jason parecem viver confortavelmente em seu pequeno universo domiciliar entre brincadeiras pessoais e ambições que parecem nunca se concretizar. Até o dia em que encontram um gato na rua (o tal que narra o filme) e decidem cuidar dele a vida de ambos parecia estar num ponto cômodo que nem precisava ser modificado. Levando o bichano ao veterinário, descobrem que ele ficará em observação por quase um mês devido à uma patinha quebrada. A data marcada para buscar o felino desperta no casal o sentimento de que o tempo passa aos poucos sem que se deem conta de que alguns de seus desejos ficaram para trás. Sophie (a própria diretora e roteirista do filme) percebe que poderia fazer mais sucesso postando vídeos de dança no Youtube do que se dedicando às aulas de um bando de crianças de pretensões dançantes. Enquanto isso, Jason (Hamish Linklater, o irmão impagável da série The Adventures of Old Christine em atuação contida) resolve fazer algo pelo mundo como sempre sonhou... ou quase, já que o máximo que consegue é participar de uma organização que vende árvores ao preço de dez dólares! O engraçado é que nem quando se rendem às suas ambições o casal parece gostar do que faz. É neste ponto que o relacionamento entra em crise. Embora sejam carinhosos um com o outro, a passividade de Sophie parece cessar somente para fazer esquisitices - e ela acaba se rendendo a um caso com um homem mais velho que vive solitário com a filha. O amante aceita sem questionar as excentricidades de Sophie e quando ela resolve contar o que está havendo para Jason o filme dá sua guinada rumo ao desconhecido. Se a brincadeira de parar o tempo ganha um pequeno espaço logo no início, ela se mostra um recurso inevitável para retratar o pavor das surpresas que só um "agora" pode causar, ao mesmo tempo, denota uma certa inércia de Jason diante dos acontecimentos. Enquanto a vida de Jason para, a de Sophia prossegue por caminhos não menos inusitados. Seja pela garota que deseja se enterrar no fundo do quintal ou por uma camiseta que ganha vida para assombrá-la. Embora O Futuro separe a trajetória de seus personagens (inclusive do gatinho que ao final é condenado à uma ausência constante pela total inabilidade dos seus novos donos de perceber a passagem do tempo), o final parece apontar para um retorno ao passado, ou seria ao presente que já é o futuro vivenciado? O Futuro é um olhar bastante pessoal de July sobre uma relação amorosa e, por isso mesmo, merece tanto estranhamento quanto atenção de quem busca um filme diferente para assistir.
O Futuro (The Future/EUA-Alemanha/2011) de Miranda July com Miranda July, Hamish Linklater, David Warshofsky e Isabella Acres.
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