Os Puccio: atrocidades no porão.
Sinto certa inveja quando vejo os filmes argentinos. Sempre fico impressionado com as qualidades do cinema dos hermanos, a capacidade de criar narrativas com roteiros bem elaborados, atuações intensas e cortes precisos na ilha de edição, não que no Brasil não existam alguns poucos filmes que sejam assim mas... O resultado disso é que todo ano algum filme argentino impressiona por sua bilheteria astronômica entre o público do país. Em 2015 foi a vez de O Clã de Pablo Trapero superar as bilheterias do oscarizado O Segredo dos Seus Olhos (2009) e do badalado Relatos Selvagens (2014), o filme bateu recordes (um deles foi de em dez dias ser visto por um milhão e meio de espectadores) o que, realmente, não é para qualquer um. O filme conta a história real da família Puccio, uma família aparentemente normal, mas que praticava sequestros milionários no início da década de 1990 - mantendo suas vítimas por dias aprisionadas no porão até que o resgate fosse pago em vão, já que matavam seus reféns para evitar o risco de serem descobertos. O mentor desta família era o pai, Sr. Arquímedes (um assustador Guillermo Francella), que ganhova a vida como mentor de vários crimes quando era agente do serviço de inteligência da mais recente ditadura militar do país (1976-1983). O patriarca utilizava sua vasta experiência e conhecimento para driblar a polícia e os investigadores com muito jogo de cintura. Entre um sequestro e outro, o filme se concentra na relação do pai com o primogênito, Alejandro (Peter Lanzani) que se tornou até famoso ao integrar o time de rúgbi argentino. A relação entre os dois é o grande fio condutor da trama - sendo vivida em menor intensidade entre os outros herdeiros dos Puccio - já as herdeiras e a mãe parecem saber o que está acontecendo mas evitam maiores conflitos e envolvimentos. Trapero investe curiosamente numa narrativa pop para esta trama criminal. As cores são intensas, a música (curiosamente de hits em inglês) e uso de um humor cruel geral (propositalmente) desconforto na plateia. O roteiro, embora não seja muito elaborado (apenas intensifica os conflitos entre pai e filho entre os sequestros que começam a desandar) consegue ser valorizado pelo excelente trabalho do diretor, especialmente na construção do horror palpável dos vizinhos e amigos que não imaginavam que aquela família fosse capaz de cometer tamanhas atrocidades. Guillermo Francella está sensacional como o pai desta família macabra! Seu olhar fixo e gélido (como se estivesse sempre à espreita) provoca arrepios e o faz bem diferente de sua simpática participação em O Segredo dos seus Olhos e de toda sua carreira como comediante. A cena da discussão final entre pai e filho e o último ato de Alejandro são verdadeiras aulas de cinema, onde cada detalhe é tira o fôlego do espectador. O mais curioso é que ainda que trate de uma história ocorrida há mais de vinte anos, O Clã ainda fala muito sobre várias famílias engravatadas que cometem crimes com a serenidade de quem come um pacote de jujubas - e aparecem com a mesma cara de pau todos os dias nos telejornais.
O Clã (El Clan / Argentina - 2015) de Pablo Trapero com Guillermo Francella, Peter Lanzani, Lili Popovich e Ranco Masini. ☻☻☻☻
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