Rooney e Ben: remoendo o passado.
Una é uma jovem que mora com a mãe, trabalha num escritório sem muita importância e não tem namorado. Faz sexo com rapazes que acabou de conhecer em alguma balada. Una sente que a sua vida está estagnada por não ter se recuperado do seu relacionamento com Ray, que era amigo do seu pai, tinha namorada e cujo desenlace da relação foi parar nos tribunais. Una era uma garota de treze anos manteve encontros sexuais com Ray - e, por mais estranho que pareça, Una está disposta a reencontrá-lo e passar a história a limpo. Baseado na polêmica peça Blackbird de David Harrower, a estranha Una cai como uma luva no estilo um tanto anestesiado de Rooney Mara, afinal a personagem ainda se sente presa ao relacionamento abusivo que a marcou profundamente. Por outro lado, quando ela encontra Ray o que vemos é Ben Mendelsohn criando um personagem bastante complexo. O ator australiano faz o que parece ser impossível com um personagem que poderia ser apenas repulsivo, já que ele consegue lhe imprimir charme e nuances que são capazes de confundir o espectador sobre sua versão da história. Quando Una aparece no trabalho de Ray, ela e o espectador estão tão certos do quão condenável é a índole daquele homem que torna ainda mais interessante o quando o filme tenta subverter nossas impressões sobre ele, especialmente pelos rumos que sua vida seguiu desde então. O diretor Benedict Andrews (que antes tinha no currículo somente uma edição do National Theatre no Reino Unido com Um Bonde Chamado Desejo estrelado por Gillian Anderson) age corretamente ao deixar sua dupla de atores livre para construir a tensão com os diálogos ásperos sendo bastante convincentes como um casal fadado ao desastre (seja no passado ou no presente). Vale destacar que as idas e vindas da narrativa são usadas de forma bastante eficiente, mostrando causa e efeito de determinados acontecimentos na vida dos protagonistas e nunca simplifica o que existe entre os dois - o que torna a obra ainda mais controversa, mas nada que resista ao último ato que deixa o público diante do quão monstruoso Ray pode ser em sua atração por crianças. É verdade que o filme derrapa quando se torna excessivamente descritivo, já que existem cenas que já são capazes de revelar o quão dolorido e desagradável foi tudo o que aconteceu, ou quando a essência teatral do texto fica evidente diante da câmera, mas ainda assim o filme desperta sensações realmente divergentes na plateia. No entanto, o maior mérito do filme é evocar referências (do clássico Lolita a MeninaMá.com/2005 ou até mesmo Dúvida/2008) e virá-las do avesso, rendendo um material ainda mais interessante para os seus atores. Rooney pode ainda não ser a grande atriz que dizem que ela é - mas ela tem mérito em conseguir bons papéis entre os trabalhos em que basta sempre fazer a mesma cara esquisita -, porém em seu duelo com Mendelsohn existem momentos arrepiantes, principalmente porque o filme ousa "humanizar" um sujeito execrável, o que torna tudo ainda mais assustador.
Una (Reino Unido/EUA/Canadá - 2016) de Benedict Andrews com Rooney Mara, Ben Mendelsohn, Ruby Stokes, Riz Ahmed e Tara Fitzgerald. ☻☻☻☻
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