Alicia Vikander: quase humana.
A primeira relação do escritor Alex Garland com o cinema foi por intermédio do controverso A Praia (2000) do diretor Danny Boyle. Sabiamente, Alex se afastou do roteiro e preferiu trabalhar com a cenografia do filme... parece pouco, mas esse detalhe já deixava claro que o jovem escritor (30 anos na época) tinha outros interesses com o mundo do cinema. Depois ele investiu em mais duas parcerias com Boyle (Extermínio/2002 e Sunshine/2007) que revelavam muito do seu interesse pela ficção científica (interesse que também aparecia no seu roteiro para o drama dos clones de Não me Abandone Jamais/2010 e de Dredd/2012). Com seu vínculo cada vez mais estreito com o cinema, era de se esperar que o moço estreasse como diretor em algum momento. Ex-Machina marca sua bela estreia como cineasta, onde já demonstra pleno controle do que está em cena, além de poder gerar discussões acaloradas em quem embarcar em sua proposta. O filme conta a história do jovem programador Caleb (Domhnall Gleeson), que é selecionado pelo dono da empresa em que trabalha para participar de alguns testes de um experimento revolucionário na casa/laboratório do patrão, Nathan (Oscar Isaac). Nathan está trabalhando em uma inteligência artificial que precisa de alguns testes antes de ser considerado completo. A experiência atende pelo nome de Ava (Alicia Vikander) e nem ela ou Caleb sabem ao certo no que consiste o tal teste. De acordo com Nathan, serve apenas para perceber a resposta de Ava aos estímulos da convivência com um homem que não seja seu criador - mas, aos poucos, percebemos que a proposta é bem mais complicada, já que Caleb nunca sabe se ele também está sendo testado dentro do experimento (e Nathan, com seu comportamento instavelmente alcoolizado, não inspira muita confiança). Com poucos personagens em cena (os três e mais uma assistente) e uma casa que parece um labirinto, Garland constrói um enredo movediço, onde o espectador compartilha com o protagonista o desconhecimento do que está acontecendo. Nesse ponto, tudo soa ameaçador e claustrofóbico: da postura de Nathan com sua invenções, passando pela atração que nasce entre Ava e Caleb, tudo é milimetricamente calculado para que Garland conte sua fábula futurista e misture referências que vão de Alan Turing e seu Jogo da Imitação/2014), Frankenstein, Nietzche e Blade Runner/1982. Garland desenvolve seu filme lentamente, revelando bastante amparo aos seus atores. Gleeson está bem em cena, mas são seus coadjuvantes que roubam o filme. Oscar Isaac está perfeito como o cientista brilhante e indigno de confiança, assim como Alicia Vikander, que consegue ser sedutora com o corpo ainda incompleto, com suas entranhas tecnológicas à mostra (o que parece por si só uma humilhação à personagem). Basta ver a arrepiante última cena entre criador e criatura para o filme entrar para a história da ficção científica. Ainda que demore uns vinte minutos para engrenar, o filme é cheio de qualidades (incluindo a plasticidade dos cenários e a fotografia caprichada) e merece ser visto! Torna-se apenas lamentável que não tenha encontrado espaço nas telas brasileiras (na Argentina, por exemplo, o filme estreou em março). Posso até ouvir os distribuidores considerarem que o filme era lento "sofisticado demais" para o público brasileiro (talvez por isso tenham lhe dado o subtítulo horrendo de Instinto Artificial... hein?!), uma forma diferente de dizer que estamos preparados somente para assistir porcarias (como aquela lamentável porqueira Chappie/2015). Ex-Machina tem lugar garantido na minha lista de melhores do ano e tem fortes chances de entrar para a sua também.
Gleeson e Isaac: boas atuações.
Ex-Machina (Reino Unido/2015) de Alex Garland com Domhnall Gleeson, Oscar Isaac, Alicia Vikander e Sonoya Mizuno. ☻☻☻☻
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