Um: a origem. |
Em cartaz na Netflix desde a semana passada, a animação The House é um daqueles filmes preciosos que podem ficar perdidos no vasto catálogo da gigante do streaming. Em se tratando dos tempos em que só se falam de continuações entre filmes que disputam uma vaga no próximo Oscar a situação desta curiosa produção fica ainda mais arriscada. Feito em stop motion (aquela técnica feita com bonecos em que os movimentos são captados quadro a quadro e demora uma eternidade para se fazer um longa de hora e meia de duração). O filme é composto de três histórias em tom de contos em torno de um casarão. Não espere muita ligação entre as três histórias (embora sejam todas escritas pela também produtora Enda Walsh), embora, em todas elas a casa sirva mais do que ambientação não e se torne um personagem importante em cada uma das tramas - ao lado dos fofos bonecos que trazem uma expressividade melancólica para as ideias que aparecem aqui. A primeira história (dirigida por Emma De Swaef e Marc James Roels) conta a origem do casarão, no século XIX, vinculada à uma família que estava cansada de ser esnobada pelos parentes e vê a oportunidade de mudarem de vida quando um misterioso empreiteiro os convida a morarem em uma casa muito maior e luxuosa. A única condição para ganharem a casa de presente é deixar que ela seja construída no terreno do qual são proprietários. Obviamente que quando a esmola é demais o santo desconfia e as crianças começam a perceber que existe algo de estranho em toda aquela história, mas o preço da ambição de seus pais pode ser bastante alto. A primeira história é a que mais flerta com o terror e o suspense, numa cadência perfeita que bebe nos clássicos do gênero (em que confiar na pessoa errada pode ser mortal) e marca o tom de surpresa que se torna uma constante da produção. Já a segunda história é protagonizada por um simpático ratinho (com voz de Jarvis Cocker, vocalista do Pulp) que resolveu reformar o casarão para vender e ter algum lucro.
Dois: a ruína de um rato. |
Aquele é o projeto da vida dele e, embora a narrativa (dirigida agora por Niki Lindroth von Bahr) traz alguns elementos da primeira história, como um personagem ambicioso confiando nas pessoas erradas, só que embora aos poucos se torne uma trama angustiante, ela flerta o tempo inteiro com um tom mais cômico, auxiliado principalmente pelo uso dos ratinhos para contar a história em tom bastante metafórico. Se na primeira história o uso de figuras humanas deixava o surrealismo ganhar corpo aos poucos, nesta segunda trama o tom é de fábula - o que não evita que o simpático protagonista caminhe aos poucos para ruína de forma desamparada e um tanto atrapalhada. O desfecho, consegue ser ainda mais impactante que o da primeira história e deixa claro que estamos diante de um filme que gosta de enxergar fora da caixinha na condução de seus enredos, o que pode provocar grande estranhamento na plateia que ainda confunde animação como "filme para criança" e não como uma forma de diretores explorarem histórias sem as restrições do live action. A qualidade técnica fica ainda mais visível em cada detalhe nesta segunda história, seja na estrutura da casa ou dos inúmeros roedores que compõem a trama. Na terceira história saem de cena os ratos e entram simpáticos gatinhos morando no casarão, que agora, em um futuro não identificado, tenta manter-se de pé diante de um mundo debaixo d'água. Agora a dona da casa, chamada Rosa, tenta reformar o casarão decadente enquanto hospeda outros felinos que lhe fazem companhia enquanto atrasam o aluguel. Depois de duas tramas marcadamente pessimistas, esta terceira e última tenta ser diferente e capricha no delinear dos personagens, que apesar dos problemas de um mundo em naufrágio, tentam manter uma visão positiva diante do que os rodeia. No entanto, o contraste deste tom fica por conta de Rosa (voz de Susan Wokoma) que fica desesperada com o rumo dos acontecimentos inevitáveis em torno de sua propriedade. Quando a plateia espera mais um desfecho tristonho, a diretora Paloma Baeza opta pelo viés da poesia e rende um belo momento de partir em busca de novos caminhos. Original em seus simbolismos e metáforas, The House é uma beleza de assistir e sentir, provando que entre a fofura e o estranhamento existe muito mais do que podemos imaginar.
Três: navegar é preciso. |
The House (EUA - Reino Unido /2022) de Emma De Swaef, Marc James Roels, Niki Lindroth von Bahr e Paloma Baeza. Com vozes de Mia Goth, Matthew Goode, Jarvis Cocker, Susan Wokoma, Helena Bonhan Carter, Paul Kaye, Will Sharpe, Miranda Richardson e David Holt. ☻☻☻☻
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